Respostas Pesquisadas sobre Direito do Trabalho

Como fica a Estabilidade para os portadores de aids?

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Denner Santana

O trecho abaixo, indicado como resposta, faz parte do seguinte conteúdo:

ESTABILIDADE PROVISÓRIA NO EMPREGO: UMA EVOLUÇÃO
Autor: Sandra Teresinha Rosa Ramos
Área: Direito do Trabalho
Última alteração: 26/01/2017
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Hodiernamente, a óptica jurídica depara-se com uma nova problemática que trata a respeito do portador do vírus do HIV no âmbito profissional.

Considerada a doença mais cruel surgida no último século, e que monopoliza a atenção e os estudos de inúmeros cientistas na busca pela sua cura, a AIDS ou Síndrome de Imunodeficiência Adquirida nos é explicada por Irineu Antonio Pedrotti como:

[...] o conjunto de alterações provocadas pela perda de imunidade mediada por células, a partir da ação de um agente viral, provavelmente o HTLV 3 ou LAVE e que se manifestam pelo aparecimento de infecções oportunistas e/ou neoplasias, particularmente o sarcoma de kaposi" (PEDROTTI, 1982, p.57)

São essas infecções que culminam na morte do indivíduo portador do vírus, esta não é, como acreditam muitos, causada pelo próprio vírus.

Além dos problemas decorrentes da própria doença, o portador da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida enfrenta um desafio maior ainda: vencer o preconceito.

Com os avanços da medicina, que propiciaram maior expectativa de vida ao aidético, o direito passou a confrontar-se com a necessidade de regular os direitos o portador de AIDS, com o objetivo de combater a discriminação e estigmatização desse indivíduo e assegurar o respeito aos seus direitos fundamentais.

E é no âmbito do trabalho que esses indivíduos sentem profundamente os prejuízos advindos da discriminação.

Nosso ordenamento não traz regulamentações que tratam especificamente a respeito dos direitos de estabilidade ao portador do vírus do HIV, contudo, visto que a Aids é uma doença para a qual ainda não se descobriu a cura, muitos doutrinadores consideram que é imprescindível a regularização de um regime de estabilidade ao infectado, de modo a não deixar-lhe à mercê de eventualidades.

A Lei nº 7.670, de 1998, em seu primeiro artigo nos diz que:

[...]

Art. 1º A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA/AIDS) fica considerada, para os efeitos legais, causa que justifica:

I - A concessão de:

a) licença para tratamento de saúde prevista nos artigos 104 e 105 da Lei nº 1.711, de 28 de outubro de 1952;

b) aposentadoria, nos termos do art. 178, inciso I, alínea "b", da Lei nº 1.711, de 28 de outubro de 1952;

c) reforma militar, na forma do disposto no art. 108, inciso V, da Lei nº 6.880, de 9 de dezembro de 1980.

d) pensão especial nos termos do art. 1º da Lei nº 3.738, de 4 de abril de 1960.

e) auxílio-doença ou aposentadoria, independentemente do período de carência, para o segurado que, após filiação à Previdência Social, vier a manifestá-la, bem como a pensão por morte aos seus dependentes;

II - levantamento dos valores correspondentes ao Fundo de Garantia por tempo de Serviço -FGTS, independente de rescisão do contrato individual de trabalho ou de qualquer outro tipo de pecúlio a que o paciente tenha direito.

Parágrafo único. O exame pericial para os fins deste artigo será realizado no local em que se encontre a pessoa, desde que impossibilitada de se locomover[...].

Contudo, esse artigo configura-se apenas como um mero paliativo, não apresentando solução que abranja de maneira eficaz a problemática tratada.

A Convenção 111 da OIT é norma internacional, ratificada pelo Brasil, amplamente aceita e perfeitamente aplicável ao caso dos portadores do vírus HIV.

Diz a referida norma internacional, com a força de norma constitucional vigente conforme o § 2º do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, antes da Emenda Constitucional nº 45, que é discriminação toda distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social, que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidade ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão.

A previsão da Convenção nº 111 da OIT não abrange expressamente o portador do vírus HIV, no entanto, trata-se de norma aberta. O rol dos motivos ilícitos na Convenção 111 da OIT não é taxativo, na medida em que a própria Convenção permite que o elenco feito no texto convencionado pode ser integrado com outros motivos operados pelos Estados Membros. A condição de enumeração aberta da Convenção 111 permite assumir um princípio de não limitação dos motivos da discriminação nas relações do trabalho. Assim, tal norma também é aplicável ao caso do porte do vírus HIV, para coibir a dispensa ou qualquer outro tratamento discriminatório, seja ele antes, durante ou depois do contrato de trabalho.

São inúmeros os casos de descumprimento da legislação em vigor, culminando com despedimento injusto de portadores do vírus HIV, por mero preconceito, discriminação e intolerância, como por exemplo as decisões judiciais abaixo transcritas:

[...] A) Decisão judicial: Portador de vírus HIV - Despedimento injusto - Presunção de Discriminação - Reintegração - O despedimento injusto de empregado portador do vírus HIV, ainda que assintomático, presume-se discriminatório e, como tal, não é tolerado pela ordem jurídica pátria, impondo-se, via de conseqüência, sua reintegração. (TRT/3ª Reg. RO 16691/94 - Rel. Juiz Levi Fernandes Pinto).

B) Reintegração - Empregado portador do vírus da AIDS- Caracterização de despedida arbitrária. Muito embora não haja preceito legal que garanta a estabilidade ao empregado portador da síndrome da imunodeficiência adquirida, ao magistrado incumbe a tarefa de valer-se dos princípios gerais do direito, da analogia e dos costumes para solucionar os conflitos ou lides a eles submetidos. A simples e mera alegação de que o ordenamento jurídico nacional não assegura ao aidético o direito de permanecer no emprego não é suficiente a amparar uma atitude altamente discriminatória e arbitrária que, sem sombra de dúvida, lesiona de maneira frontal o princípio da isonomia insculpido na Constituição da República Federativa do Brasil." (TST/RR 21.7791/95.3 - Ac. 2ª T 3.473/97, 14.5.97, Rel. Min. Valdir Righetto).

Para Jólia Lucena da Rocha é imprescindível a diferenciação entre o indivíduo portador do vírus e o aidético. Segundo ela, o portador é aquele indivíduo que:

[...] Possui o vírus, mas os sintomas físicos da doença ainda não foram manifestados, já o aidético é aquele em que o período de incubação já passou, tendo o vírus agindo em seu corpo prontamente, passando a sentir os sintomas da doença e sua exteriorização na forma de infecções, e outros problemas decorrentes da fragilidade causada pela imunodeficiência do seu corpo[...] (ROCHA, 2003, p. 5)

Dessa importante distinção resulta a conclusão de que o portador do vírus não pode ser demitido sem justa causa, uma vez que o vírus encontra-se em estado de incubação e não afeta seu rendimento profissional, de forma que não pode ocorrer distinção entre o portador e outros indivíduos, e se esta ocorrer configurará expressão de preconceito.

Em se tratando o doente, aquele em que o vírus se manifesta, é que a questão torna-se controversa. Em vista da debilidade provocada no sistema imunológico, o aidético pode ser acometido por inúmeras infecções que virão a prejudicar seu desempenho laboral, acarretando prejuízos à empresa, o que dá base para muitos doutrinadores defenderem que não seria possível a permanência do doente no emprego.

Todavia, é princípio fundamental de nosso ordenamento jurídico a garantia da igualdade entre os homens, conforme o inscrito no caput do artigo 5º de nossa Magna Carta, em que se lê "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no aís a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade".

E seguindo os ensinamentos do mestre José Joaquim Gomes Canotilho, entende-se que a igualdade, como fundamento principiológico:

Apresenta conexão com a 'justiça social' e com a concretização dos mandamentos constitucionais que visam à efetivação dos direitos sociais. Por outro lado, a igualdade é também inerente ao conceito de igual dignidade das pessoas, fundamento contra a discriminação. (CANOTILHO, 1998, p.133)

Dessa forma, garantir-se-á a igualdade do aidético em relação aos demais indivíduos da sociedade quando erradicar-se a discriminação deste no âmbito laboral.

Há duas correntes doutrinárias que divergem acerca da existência ou não do direito a estabilidade pelo aidético. Entre os defensores da estabilidade, pode-se citar o Juiz Francisco das Chagas Lima Filho:

Justifica seu entendimento no princípio da garantia do emprego, previsto no art. 7º, inc. I, da Constituição Federal, no princípio da não-discriminação no trabalho, na configuração da despedida arbitrária, nos direitos securitários garantidos ao empregado aidético e no equilíbrio do mais fraco na relação capital-trabalho. (LIMA FILHO, 1997, p.37.)

Posicionamentos contrários adotam outros doutrinadores e juristas, ao firmarem que o aidético não possui direito a estabilidade no emprego. Para sintetizar as ideias dessa corrente, Mariana Miranda Moreira[10] nos traz a seguinte transcrição de uma decisão judicial:

[...] Nem a Constituição Federal, nem a Lei Ordinária (Lei n. 9.029/95), contemplam o empregado, portador do vírus HIV, com qualquer garantia de emprego ou estabilidade. Assim, a constatação de eventual prática discriminatória no despedimento autoriza a compensação com indenização em razão de dano moral, mas jamais a reintegração [...]. (TRT 2ª Reg., RO 02940419307, Rel. Juíza Maria Inês Santos Alves da Cunha).

A demissão do funcionário aidético por justa causa não configura-se como ato discriminatório por parte do empregador. Contudo, no caso de dispensa realizada de forma arbitrária, sem que haja causa justificada para tal, é entendimento majoritário da jurisprudência que é possível que este indivíduo seja reintegrado ao emprego anterior, e que receba indenização pelos danos morais a ele causados, passando por incomensuráveis martírios psicológicos, e estando já emocionalmente fragilizado por ser portador de uma doença sem cura descoberta, o trabalho também lhe era necessário, praticamente vital, pois era a origem de sua renda, o que garantir-lhe-ia o financiamento dos tratamentos necessários em decorrência da doença. Conseguir outro emprego é praticamente impossível, considerando a grande oferta de mão-de-obra, o empregador dará preferência ao candidato que não seja portador de doença alguma, em detrimento do portador do HIV, que será constantemente discriminado e impedido de ter acesso a um direito fundamental seu: direito ao trabalho.

Neste sentido, o art. 3º, IV, da Constituição Federal, traz que "[...] constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: [...] promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação [...]".

A Constituição Federal traz, ainda, em seu art. 1º, os fundamentos do Estado Democrático de Direito, dentre os quais, em seu inciso IV, "[...] os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa [...]".

Ainda sobre a Constituição Federal, em seu art. 6º, traz que "[...] são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer [...]" Corroborando também com os ditames constitucionais, Mariana Miranda Moreira, em seu artigo Discriminação do Empregado Portador da AIDS, publicado no site Jus Navegandi, diz que: "[...] ocorre que a despedida de empregado aidético, pelo fato de ser ele portador do vírus da AIDS, fere o princípio da igualdade de tratamento e o da não-discriminação, que têm sede constitucional [...]"[11].

O direito ao trabalho é, sem dúvida, parte do que se chamou de Direitos Sociais na Constituição Federal de 1988. É entendimento advindo da interpretação dos capítulos referentes ao tema. Os direitos sociais previstos constitucionalmente são normas de ordem pública, com a característica de imperativas, invioláveis, portanto, pela vontade das partes contraentes da relação trabalhista. Acrescenta-se que a definição dos direitos sociais no título constitucional destinado aos direitos e garantias fundamentais acarreta duas consequências imediatas: a subordinação à regra da auto aplicabilidade prevista no § 1º, do art. 5º e a suscetibilidade do ajuizamento do mandado de injunção, sempre que houver a omissão do poder público na regulamentação de alguma norma que preveja um direito social, e consequentemente inviabilizar seu exercício.

Assim, o artigo 6º define o trabalho como direito social, mas nem ele nem o art. 7º trazem norma expressa conferindo o direito ao trabalho. Este advém do conjunto de normas da Constituição sobre o trabalho (art. 1º, IV, 170 e 193 da CF), que reconhecem o direito social ao trabalho como condição da efetividade da existência digna (fim da ordem econômica) e, pois, a dignidade da pessoa humana, fundamento, também da República Federativa do Brasil (art. 1º, III da CF). E aqui se entroncam o direito individual ao livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, com o direito social ao trabalho, que envolve o direito de acesso a uma profissão, à orientação e formação profissional, à livre escolha do trabalho, assim como à relação de emprego (art. 7º, I) e o seguro-desemprego, que visam, entre outros, à melhoria das condições sociais dos trabalhadores.

Em caso do empregado ser despedido, não por ser aidético, mas por justa causa, devidamente comprovada, não há que se falar em discriminação, pois nesta situação, o empregado deverá ser tratado igual aos demais, sem distinção. Este é o único caso em que a demissão não é considerada arbitrária.

A possibilidade de caracterização da arbitrariedade na despedida decorre da interpretação sistemática de determinadas normas legais. Inicialmente, a Convenção nº 111 da OIT, ratificada pelo Brasil, proíbe a discriminação no emprego.

Há, ainda, o preceito do art. 1º da Lei nº 9.029, de 1995, que veda o rompimento do contrato de trabalho por ato discriminatório do empregador. Esta lei garante ao empregado discriminado o direito à reintegração.

Neste escopo, devem ser observados também os princípios constitucionais da igualdade, da não-discriminação e da garantia do emprego. Analisando-se estes princípios, fica claro a possibilidade do empregado aidético despedido arbitrariamente ser reintegrado.

Diante da impossibilidade do empregado aidético continuar exercendo a sua atividade normalmente, deve-se buscar um remanejamento, para que ele permaneça trabalhando, haja vista trazer benefício ao seu tratamento.



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