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Racismo x Injúria Real


Autoria:

Thiago Lauria


Mestre em Direito Processual Penal pela UFMG. Especialista em Ciências Penais pela UGF. Graduado em Direito pela UFMG.

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Texto enviado ao JurisWay em 31/10/2006.



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A Constituição Federal prevê o racismo como crime inafiançável e imprescritível. Logo, tem-se que o agente não poderá se valer de dois importantes institutos jurídicos. A fiança, instituto de processo penal, permite ao agente preso em flagrante efetuar um determinado pagamento em pecúnia como forma de poder aguardar julgamento em liberdade. A prescrição, de natureza penal, é importante meio de defesa, impondo o dever de agir à máquina repressiva estatal, sob pena de não mais poder fazê-lo em virtude do decurso do tempo.
 
Como visto, o crime de racismo recebe um tratamento rigoroso do ordenamento jurídico brasileiro. Inclusive, é exatamente por esse motivo que cumpre distinguir entre dois delitos semelhantes, mas que apresentam diferenças sensíveis. São eles o crime de racismo, mais especificamente aquele previsto no art. 20 da Lei n° 7.716/89, e o delito de injúria qualificada.  
 
Os crimes resultantes de discriminação de raça ou de cor foram definidos pela Lei n° 7.716/89. São várias as condutas definidas como crime pela Lei. O cidadão que impede o acesso de um negro a um restaurante, por exemplo, poderá ser punido com até 3 (três) anos de reclusão. Se uma escola recusar a matrícula de um aluno em virtude de preconceito de cor as penas podem chegar a até 5 (cinco) anos de reclusão. Todas essas condutas se encaixam no conceito de crime de racismo.
 
Interessa-nos em particular o art. 20 do referido diploma legal. De acordo com esse dispositivo, pode ser punido com até 3 (três) anos de reclusão o agente que pratica, induz ou incita a discriminação ou preconceito por motivo de cor, raça, etnia, religião ou procedência nacional. Note-se que a ofensa, nesse caso, tem por objetivo atingir a uma raça como um todo, como a comunidade negra, ou aos adeptos de uma religião em geral, como os judeus ou os católicos.
 
Exemplificando o exposto, ter-se-ia o crime de injúria qualificada se um determinado jogador, ao final de um jogo de futebol, ao ser entrevistado pela imprensa, dissesse que “todo negro é macaco”. Nesse caso, o bem jurídico ofendido seria a igualdade e o respeito entre as etnias, pelo que o crime seria de racismo.
 
A jurisprudência também nos fornece um interessante caso concreto que ilustra o crime de racismo do artigo 20. Vejamos alguns trechos de expressões proferidas por um agente que foram interpretadas como racismo pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina:
 
Que, o depoente mandou que devolvesse as garrafas e saísse para fora do pátio, no que Marcos começou a discutir e chamou o depoente de 'picareta', no que o depoente disse que quem mandava dentro do pátio era ele, o depoente, dizendo a Marcos, 'vai para fora do pátio, negrada. (...)Que o depoente declara ter dito 'isso é serviço de preto'. 'aqui quem manda somos nós, gente da tua cor se compra em dúzia”. (TJSC. Apelação Criminal 2004.031024-0. Relator: Des. Amaral e Silva. Data da Decisão: 15/02/2005)
 
 
 
 
 
O crime de injúria qualificada, por sua vez, está previsto no art. 140, §3°, do Código Penal. Fala-se em injúria qualificada quando o agente ofende a honra subjetiva de outra pessoa, utilizando-se, para tanto, de elementos de cunho racista. Ou seja, se o objetivo do agente ao proferir as ofensas é exclusivamente ferir a honra subjetiva da vítima, o crime é de injuria qualificada. Se, ao contrário, o agente visa ultrajar uma determinada raça ou etnia como um todo, o crime praticado será o de racismo.   
 
Assim, se, por exemplo, o agente ofende sua vítima com expressões como “preto”, ou “negro fedido”, o delito em questão é o de injúria qualificada. Isso porque o objetivo do agente ao proferir seus impropérios é macular a honra subjetiva do ofendido, e não a comunidade negra em geral. Esse vem sendo entendimento adotado pelos Tribunais pátrios:
 
RACISMO - Não caracterização - Ofensa consistente em chamar alguém de "negro sujo" - Ato discriminatório inocorrente - Oposição indistinta à raça negra não evidenciada - Ataque verbal exclusivo contra a vítima - Eventual crime de injúria qualificada cogitado no artigo 140, § 3º, do Código Penal - Denúncia rejeitada”. (TJSP. JTJ 223/191)
 
Em suma, a solução da questão reside no bem jurídico protegido pela norma. O artigo 20 da Lei de Racismo e o art. 140, §3° do Código Penal protegem bens jurídicos diferentes. O primeiro tutela a igualdade e o respeito étnico; o segundo, a honra subjetiva do cidadão.
 
Esse também é o critério utilizado pela doutrina como forma de diferenciar os dois delitos:
 

Acresce-se ao conceito supra que praticar também vem a significar qualquer conduta capaz de exteriorizar o preconceito ou revelar a discriminação, englobando-se, por exemplo, os gestos, sinais, expressões, palavras faladas ou escritas ou atos físicos. (...) Quando a ofensa limita-se estritamente a uma pessoa, como a referência a um negro que se envolve num acidente banal de trânsito, como ''reto safado'' por exemplo, estaremos diante de injúria qualificada do art. 140, § 3º, do Código Penal, em princípio, por somente estarmos a verificar ofensa à honra subjetiva da vítima. Se, contudo, no mesmo contexto fático, diz-se: 'Só podia ser coisa de preto, mesmo!', estaria caracterizada a figura típica do art. 20, caput, da Lei nº 7.716/89, porque, embora a frase seja dirigida a uma única pessoa, mesmo que seja num momentâneo desentendimento, está revelando inequivocamente um preconceito em relação à raça negra, ou aos que possuam a 'cor preta', pois a expressão utilizada contém o raciocínio de que todo negro ou preto faz coisas erradas" (Crimes de Preconceito e de Discriminação. Análise Jurídico Penal da Lei n. 7.716/89 e Aspectos Correlatos, São Paulo: Max Limonad, 2001, p.121/126).

 
 
A injúria real prevê penas que também variam de 1 (um) a 3 (três) anos. Daí muitas pessoas acharem que a diferenciação entre os crimes não tem qualquer conseqüência prática. Ledo engano. Apesar da pena prevista para o delito ser a mesma em ambos os casos, a Constituição Federal estabeleceu restrições severas para o crime de racismo, quais sejam a imprescritibilidade e a inafiançabilidade. Logo, o agente que responde pelo delito de injúria qualificada pode se valer de ambos os institutos, ao passo que o mesmo não ocorre com aquele contra o qual é imputada a prática de racismo.  
 
Para finalizar, gostaríamos apenas de fazer uma pequena observação. De fato, o racismo é uma prática repulsiva, que há muito já deveria ter sido abolida pela humanidade. Prática que, em virtude de sua gravidade, dever ser punida penalmente. Entretanto, causa estranheza a pena prevista para o delito de injúria qualificada. Isso porque o homicídio culposo, por exemplo, que tutela a vida, bem jurídico mais importante do ser humano, é punido com a mesma pena. Parece-nos demasiadamente exagerada a reprimenda imposta pelo legislador brasileiro para o delito do art. 140, §3° do CP. Afinal, conforme expõe o renomado autor Luiz Régis Prado:
 
Conclui-se, portanto, que a pena cominada à injúria não está adequada à magnitude da lesão ao bem jurídico protegido (honra), já que apresenta maior severidade se cotejada com a sanção penal prevista pra o homicídio culposo”. (Prado, Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro. V2. RT. 2° Edição)
 
Acreditamos ser necessário operar-se uma reforma no art. 140, §3, para adequar o crime ali previsto ao princípio constitucional da culpabilidade. De lege ferenda, sugerimos a redução da pena máxima para 2 (dois) anos. Dessa forma, o delito continuaria sendo punido de forma mais severa em relação ao crime de injúria previsto no caput, mas ao mesmo tempo estaria respeitado o princípio da culpabilidade.
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Comentários e Opiniões

1) Tânia (31/10/2009 às 13:57:12) IP: 187.45.4.125
Achei o texto muito interessante!
Parabéns a quem redigiu.
2) Luiz Rossi (23/01/2010 às 15:08:54) IP: 189.103.65.49
a legislação e os julgados data venia, estao equivocados e em desacordo com a realidade brasileira... quando um sujeito chama outro de "negro fedido" , com certeza esta se referindo à etnia negra e nao apenas ao sujeito afro descendente.. portanto injuria qualificada nao deveria existir, passando a ser prática de racismo.
3) Carlos Júnior (11/02/2010 às 23:14:39) IP: 201.11.161.91
Concordo plenamente que as penas para os crimes de homicidio culposo e o de racismo não podem ser as mesmas, então deveriamos pensar na possibilidade de lutarmos por uma punição mais severa para o crime que é cometido dolosamente, no caso o de racismo.
4) Silvio (17/07/2011 às 06:03:37) IP: 187.41.69.65
Veja a fragilidade do ordenamento jurídico brasileiro no que concerne as interesses das classes dominantes. No caso concreto, o questionamento nem ocorre no STF, basta apenas, um "entendimento" de um destes doutrinadores de plantão, para não aplicar o dispositivo constitucional. È óbvio que é mais fácil mudar a norma do que o comportamento de determinados indivíduo. Infelizmente esse é sentimento que predomina nas classes dominante.
5) Maria (15/05/2012 às 17:26:16) IP: 189.120.17.38
discordo do autor do artigo quanto a severidade excessiva na punição ao crime de racismo em relação ao homícidio culposo. creio que na verdade, é que nosso código é antiquado e muito benevolente em relação aos crimes contra a vida. A impunidade é solo fértil para o aumento de crimes sejam de que especie for.


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