A respeito da figura do estado de necessidade, reza o artigo 24 do Código Penal:
"Art.24. Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se".
Diante da expressão "que não provocou por sua vontade", trazida pelo referido artigo, surgiram dois entendimentos a respeito da conduta do agente, ou seja, figurou uma discussão interpretativa sobre a abrangência ou não da conduta culposa em tal expressão. Seguem as posições.
Um primeiro entendimento, defendido por Damásio E. de Jesus e Fernando Capez, alega que o legislador referiu-se apenas à conduta dolosa causada pelo agente, sendo que não quis acobertar o mesmo com a excludente apenas quando a situação de perigo foi causada por sua vontade, permitindo, assim, a possibilidade de se alegar estado de necessidade se agiu culposamente, pois a voluntariedade na conduta culposa está apenas em sua base e não no resultado lesivo.
A segunda posição, a respeito do tema em tela, defendida por Nelson Hungria e José Frederico Marques, entende não estar abrangida pela excludente tanto a conduta na modalidade dolosa, quanto na modalidade culposa, visto que quando o legislador fez referência à voluntariedade da conduta, englobou as duas modalidades desta, pois a conduta voluntária pode apresentar-se sob as duas formas, quer seja, dolosa ou culposa.
É importante lembrar, porém, que a conduta culposa, muitas vezes, aproxima-se do dolo eventual, que se caracteriza quando o agente assume o risco de produzir o resultado, portanto devemos ter cautela ao analisar cada caso concreto. Seguem alguns exemplos:
a) O agente que, dirigindo veículo automotor, imprudentemente empregar alta velocidade, e, ao deparar-se na frente de outro veículo, num cruzamento, manobrar o carro para outro lado e acabar por atingir um pedestre; estará o agente, dessa forma, agindo em estado de necessidade?
b) Alguém que, esquece um cigarro aceso no jardim, e, com tal conduta, ocasionar, culposamente, um incêndio na residência; poderá esse alguém agir sob o amparo da excludente?
Ora, no primeiro caso, não nos parece cabível a aplicação do estado de necessidade, visto que o agente assumiu o risco de produzir o resultado, e, sendo assim, praticou a conduta dolosa na modalidade eventual, o que não lhe dá o direito de alegar a excludente.
Já no segundo caso, será mais razoável a aplicação da excludente, pois ela se afasta suficientemente da figura do dolo eventual, pois não podemos comparar a atitude de quem trafega em alta velocidade num cruzamento de uma avenida, com a atitude de quem apenas esquece um cigarro aceso num jardim de uma residência.
Enfim, diante de tal polêmica, a melhor solução para o caso será o juiz agir com equidade, fazendo uma análise peculiar de cada situação, para que exista uma real e justa solução para o fato, não devendo apenas ater-se a interpretações abstratas, embora sejam perfeitamente válidas, pois o Direito é uma ciência que exige interpretação, entretanto algumas vezes ela pode se mostrar insuficiente quando realizada abstratamente, devendo o juiz, nesses casos, atuar com critérios moderados, amoldando a finalidade da norma à peculiaridade de cada fato.