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COMENTÁRIOS AOS 10 PRIMEIROS ARTIGOS DO CÓDIGO CIVIL - ARTIGO 2º EM FORMA DE NARRATIVA


Autoria:

Ézio Luiz Pereira


Juiz de Direito;Doutorando em Teologia;Mestre em Direito e Teologia;Membro da Academia Brasileira de Mestres e Educadores; Pratitioner em PNL; Palestrante;Autor de 14 livros.SITE:www.ezioluiz.com.br

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Resumo:

Em forma pioneira, de narrativa, o autor propõe comentar os dez primeiros artigos do Código Civil em diálogos criativos, para melhor aprendizado.

Texto enviado ao JurisWay em 13/06/2011.



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COMENTÁRIOS AOS 10 PRIMEIROS ARTIGOS DO CÓDIGO CIVIL Parte Geral (Artigo 2º) Um telefonema no meio da noite arrebatou-me, de súbito, o sono. E do outro lado da linha uma doce voz a murmurar: - Professor Ézio, aqui é a Senhora Thêmis. Desculpe-me o horário. É que a minha filha está prestes a dar à luz e, estando eu sozinha, pensei que, talvez, o senhor pudesse me acompanhar até ao hospital. - Claro, estarei aí em vinte minutos. Vesti-me e tomei a pasta de couro, minha velha companheira. A noite quente prometia presentear-nos com as águas de março, para fechar aquele verão. Uma promessa que o tempo sempre cumpria. O silêncio da madrugada invadia as ruas da cidade de Cachoeiro de Itapemirim, trazendo uma quietude agradável e, em vinte minutos lá estava eu aguardando aquela dama, tão intrigante quanto elegante. Já no hospital, numa sala de espera, eu e ela, um pequeno incidente: a minha pasta se abriu, espalhando três objetos: ima bíblia, uma revista CONSULEX e um Código Civil Brasileiro. Por essas coincidências que a vida nos brinda, o Código Civil deteve-se no chão com a página aberta no artigo 2º, onde se lia: “A personalidade da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”. A par da construção redundante, pois a personalidade só pode ser da pessoa, ela resolveu quebrar o silêncio. - Tudo indica que, no artigo 2º do CC, o legislador adotou a teoria natalista para o início da personalidade. - Neste texto isolado, sim; no contexto, não. Contudo, o direito não é norma; é ordenamento, consoante dicção de Bobbio1. - Não entendi. Argumente e convença-me de sua tese, enquanto esperamos. - Veja aqui: no plano constitucional, apregoa o artigo 5º, § 2º, da CF: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. Temos uma abertura e uma reticência demonstrando que o rol das garantias constitucionais não é exaustivo. O referido parágrafo desempenha função integrativa, proporcionando um elo entre o que foi elencado neste âmbito constitucional e o teor dos tratados internacionais de que o Brasil participe. Um verdadeiro direito constitucional comunitário2. - Espere! Em que qualidade normativa o tratado internacional ratificado ingressa em nosso ordenamento jurídico? Não seria uma lei infraconstitucional? - Depende. Em linha de princípio, sim. Contudo, se o teor do pactuado for de natureza de garantia sobre direitos humanos serão equivalentes às emendas constitucionais. A propósito, a Emenda Constitucional nº 45/2004, que acrescentou o § 3º ao artigo 5º da CF, confirma a assertiva, acrescentando o procedimento a ser seguido. Ouçamo-lo com atenção: “Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”. Este dispositivo nada mais fez do que constitucionalizar o entendimento pretoriano com base em doutrina de primeira linha (por todos, Uadi L. Bulos3). - Interessante... Prossiga. - Assim é que, a Constituição Federal ensejou abertura num enunciado forte e expressivo, para um direito constitucional comunitário, quiçá um direito coordenador de outras formas de produção jurídica (ein Recht der Rechtsordenung ou Recht ueber Recht, dos alemães). - Onde o senhor quer chegar? - Deveras, o Brasil, em 1992, passou a Signatário da Convenção sobre Direitos Humanos, assim chamado Pacto de São José da Costa Rica, nascido em 1969, chamando para o direito pátrio as normas ali gizadas, “incorporando” ao artigo 5º da CF, direitos e garantias ali delineados, com a estatura de emenda constitucional. Aliás, não teria sentido pensar que tais direitos humanos cuja índole é de norma principiológica garantística, estaria diminuída a meras regras infraconstitucionais. - Certo. O Brasil internalizou as referidas garantias na forma de emenda constitucional. Não há dúvidas. Mas, e daí? - Com efeito, Pacto de São José da Costa Rica, ao regulamentar o direito de personalidade, em seu artigo 4º, normatiza: “Toda persona hai derecho a que se respete su vida. Este derecho está protegido por la ley, em general, a partir del momento de la concepción”. E o artigo 1º, item 2, do referido Pacto ratificado pelo Brasil, adota a teoria concepcionista4. Nem se pense que o Código Civil Brasileiro de 2002 tenha o condão de revogar ditames elevados à estatura constitucional. - Continue, professor Ézio. - Vejamos o artigo 1.798 do CC, para iniciar uma segunda fase de nossa conversa: “Legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão”. Vou ler novamente sem a supressão da palavra “pessoa”: “Legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou (as pessoas) já concebidas no momento da abertura da sucessão”. - Incrível! O Código literalmente reconhece aqui as “pessoas já concebidas”, ainda não nascidas, adotando nitidamente a teoria concepcionista: Como não pude perceber? - Vou mais além, numa terceira fase da conversa. O artigo 1º da Lei nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente) assevera: “Esta lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente”. Logo, trata-se de lei específica. Ela me interrompeu: E as gestantes? - As gestantes têm toda a proteção no Código Civil. Repito: p Ecriad é específico para a proteção das crianças e dos adolescentes, mercê da dicção de seu artigo 1º. Leiamos o artigo 8º do Ecriad: “É assegurado à gestante, através do Sistema Único de Saúde, o atendimento pré e perinatal”. E o seu § 3º, assevera: “Incumbe ao Poder Público propiciar apoio alimentar à gestante e à nutriz que dele necessitar”. - Espere! Então, temos a seguinte situação: a) O Ecriad (artigo 1º) adverte que ele fora criado exclusivamente para a proteção às crianças e adolescentes, de sorte que a proteção à gestante ou aos pais são assegurados pelo Código Civil; b) toda criança possui personalidade jurídica (artigo 3º dp Ecriad); c) a proteção à gestante (artigo 8º do Ecriad) é dirigida ao nascituro através da gestante. - Sim! A lei especial (Ecriad) define a criança como a pessoa até 12 anos de idade incompletos, não delineando o termo inicial. Mas, não é novidade, senhora Thêmis. A teoria concepcionista já era reconhecida por Planiol, Ripert et Boulanges, Mazeaud et Mazeaud, Oertman; entre nós, Limonge França, Francisco Amaral, Teixeira de Freitas etc. A personalidade é conceito jurídico – não se nega – mas indissociável da vida. Deveras, adotam literalmente a teoria concepcionista, o Código Civil Francês (artigo 16), Código Civil Argentino (artigo 7º), Código Civil Húngaro (seção 9) etc. - É verdade. Interessante que a lei brasileira reconhece o nascituro como sujeito de direitos, no final do artigo 2º (“... mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”). Então, professor, a norma não fala de “expectativa”, mas de reconhecimento de direitos uma vez que “põe a salvo”. Quem salva, salva algo existente; não por existir, pois “expectativa” não precisa ser “salva”, notadamente porque se encontra no plano do subjetivismo. - E ainda que houvesse dúvida, na inteligência das garantias constitucionais, não cabe a interpretação restritiva; favorabilia amplianda. Sobremais, reconhecer que um filho de dois anos de idade, por exemplo, tem personalidade e o seu irmão na vida intra-uterina não a tem, estar-se-ia quebrantando o princípio constitucional da isonomia entre os filhos. - Já me convenceste, professor Ézio. Afinal, o conceito de personalidade é indissociável da idéia de ser sujeito de direitos e apto a contrair obrigações, ser capaz de integrar um dos pólos de uma relação jurídica, participar do cenário jurídico e ser por ele contemplado, consoante a dignidade da pessoa humana. - Sim! A resposta do direito ao momento marcante do inicio da personalidade há de ser buscado na interdisciplinaridade tal como o momento marcante de seu fim. Afirmar que o nascituro é uma mera expectativa condicional (futuro) e ao mesmo tempo reconhecer e por a salvo, desde já (presente), seus direitos, é um contraditio in terminis. Expectativa não é direito, a não ser que se pense no direito de ter expectativa, caso em que não necessitaria de norma para dizer ao óbvio. Veja bem: “A” não pode ser “não-A” ao mesmo tempo! O ser humano deve ser respeitado em todas as fases de sua vida. Toda construção jurídica deve respeitar o logos de lo razonable. - Espere! Alguém teria direitos reconhecidos sem ser pessoa? Uma coisa tem direitos? Uma mera expectativa sujeita a condição resolutiva teria direitos de antemão reconhecidos? “Expectativa”, na linguagem do dicionarista5, é a “esperança fundada em promessa”, num grau de probabilidade. - Senhora Thêmis, quanto às descobertas das ciências biomédicas, o direito acompanha-las-á ou ficará enclausurado à mercê de obsoletas teorias, estagnadas no tempo? E os métodos de reprodução humana artificial? Quid inde? A teoria natalista não mais responde. - E sob o ângulo penal, professor? - Na parte especial do Código Penal, no Título I, há o seguinte rótulo: “Dos Crimes contra a Pessoa” e, a seguir, no mesmo capítulo, isto é, no âmbito dos crimes contra a pessoa, no artigo 124, temos o “aborto provocado pela gestante”. Porém, a lei não pune o suicídio ou a auto-lesão. Então, qual pessoa é vítima no tipo penal do artigo 124? - O nascituro. Como pude não perceber! A lei não põe a salvo a expectativa de direitos, mas direitos do nascituro, pressupondo uma realidade, uma existência. Pena que os nascituros na têm sindicato, nem votam... (Risos...) E continuou aquela intrigante mulher. - Professor Ézio, no conflito das três teorias (natalista, concepcionista condicional e concepcionista pura) prevalece a idéia que mais evidencie as garantias constitucionais fundamentais; prevalece a interpretação socialmente mais útil; aquela menos odiosa. Afinal, é uma solução social, moralmente aceitável, coerente com o sistema jurídico e que mais se aproxima das técnicas contemporâneas de reprodução artificial, afastando a interpretação meramente literal ortodoxa e isolada do artigo 2º do CC. - Decerto, o direito não pode apartar-se da vida; ele não é a-histórico. De acordo com o Direito, o nascituro teria apenas expectativa de dignidade da pessoa humana? Manter uma tradição tem limites. Segundo Kant, as coisas têm preço; as pessoas dignidade. Numa reflexão, aquela mulher, pensando no pior da cirurgia, indagou, de pronto: - Professor Ézio, como o senhor resolveria, à sobra dessas idéias, o problema da sucessão? - Meditemos, primeiro, no pensamento de Silmara Chinelato6, para quem “juridicamente, entram em perplexidade total aqueles que tentam afirmar a impossibilidade de atribuir capacidade ao nascituro ‘por este não ser pessoa’. A legislação de todos os povos civilizados é a primeira a desmenti-lo. Não há nação que se preze (até a China), onde não se reconhece a necessidade de proteger os direitos do nascituro (Código chinês, artigo 1º). Ora, quem diz direitos, afirma capacidade. Quem afirma capacidade, reconhece personalidade”. Portanto, a minha resposta é: no âmbito da sucessão, ficariam condicionados os efeitos patrimoniais sucessórios ao nascimento com vida. Não mais; porém não menos. Ressalto que não se condiciona a personalidade ao nascimento com vida; senão apenas os efeitos patrimoniais sucessórios, reconhecendo plenamente a personalidade, por uma interpretação do direito civil-constitucional. - Há jurisprudência em prol do que o senhor sustenta? - Sim! O vanguardista Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Ouçamo-la: “O nascituro goza de personalidade jurídica desde a concepção. O nascimento com vida diz respeito apenas à capacidade de exercício de alguns direitos patrimoniais” (TJRS, 6ª C.C. Ap. Cív. 70002027910, Rel. Des. Carlos Alberto Álvaro de Oliveira, julg. 28.03.01, publ. RJTJRS 217/214). Colhi nos escritos de Tepedino7. Naquele momento final de diálogo abri a Bíblia que trazia na pasta e comecei a ler dois de seus versículos: “Antes que te formasse no ventre te conheci, e antes que saísses da madre, te santifiquei; às nações te dei por profeta” (Jeremias 1:5) e “Pois eis que, ao chegar aos meus ouvidos a voz da tua saudação, a criancinha saltou de alegria no meu ventre” (Lucas 1:44). Terminando de ler os versículos bíblicos entrou naquela saleta o médico com um sorriso nos lábios: Senhora Thêmis! - Sou eu! Pois não! - A sua filha está bem e seu netinho nasceu. É um belo e forte menino...nova pessoa, novas idéias...◙ Notas Notas
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