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COMENTÁRIOS AOS 10 PRIMEIROS ARTIGOS DO CÓDIGO CIVIL - ARTIGO 1º


Autoria:

Ézio Luiz Pereira


Juiz de Direito;Doutorando em Teologia;Mestre em Direito e Teologia;Membro da Academia Brasileira de Mestres e Educadores; Pratitioner em PNL; Palestrante;Autor de 14 livros.SITE:www.ezioluiz.com.br

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Resumo:

Em forma pioneira, de narrativa, o autor propõe comentar os dez primeiros artigos do Código Civil em diálogos criativos, para melhor aprendizado.

Texto enviado ao JurisWay em 25/05/2011.



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COMENTÁRIOS AOS 10 PRIMEIROS ARTIGOS DO CÓDIGO CIVIL

Parte Geral (Artigo 1º)

Naquela manhã de início de janeiro, meus pensamentos atordoavam porfiando por voltar a visitá-la. Com efeito, a saudade da primeira conversa se acentuava invadindo o meu coração (vide primeira conversa em meu sétimo livro Na Teia do Direito, São Paulo, CL Edijur, 2004, Capítulo 8, p. 135-143), embora o calor da pequena cidade de Cachoeiro de Itapemirim trouxesse um quê de fadiga. Todavia, a obstinação sobrepunha ao obstáculo. Fui, então, ao seu encontro. Não poderia evitá-lo.

Em frente ao seu prédio – uma construção imponente – olhei ao redor, as pessoas iam e vinham sem um destino aparente. O trânsito era intenso. Quando dei por mim, já estava na porta de seu apartamento.

Pensei, de antemão, em perguntar pela cirurgia oftálmica que a obrigara a usar uma venda em seus olhos por um bom tempo. Mas, talvez não fosse o momento apropriado para relembrar o período na escuridão. A porta se abriu antes de minha conclusão. Aquela silhueta era magnífica, o seu vulto destacava do ambiente.

- Professor Ézio! Que bom vê-lo! O que o traz novamente?

- Senhora Thêmis! A saudade daquela conversa (op. cit) e do chá tão especialmente preparado. Sentir-me-ei lisonjeado se puder dele me deliciar.

- Entre. Sente-se. O chá já está pronto ao lado daquele livro (era um Código Civil brasileiro).

Sentei-me, curtindo o conforto e o ambiente salutar e silencioso que contrastava com o barulho lá de baixo, das ruas e das praças. Para iniciar a conversa, abri, de forma descontraída, o Código Civil que ali estava, em seu artigo 1º onde se lia: "Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil". Foi aí que me lembrei do artigo 2º do revogado Código Civil de 1916, onde dizia: "Todo homem é capaz de direitos e obrigações". Havia uma grande diferença oriunda de uma alteração no espírito das épocas.

Aquela doce mulher, tão intrigante, olhou para mim sorridente e lançou uma pergunta:

- Professor Ézio, o senhor já observou que o atual Código Civil principia a sua normatização, já no primeiro artigo (diferente do revogado) trazendo-nos uma idéia da dignidade da pessoa humana e da isonomia ("toda pessoa...")? Um verdadeira recodificação. Um repensamento focando a pessoa humana e sua incessante busca.

- Decerto, Senhora Thêmis,. Vejo uma leitura do Código Civil com as lentes límpidas da Constituição Federal, numa proposta garantística, quando se enxerga o valor/diretriz da vida digna, pregada por Tomás de Aquino¹. Interessante notar que Gustavo Tepedino, em obra literária escrita em conjunto com Heloisa Helena Barboza e Maria Celina Bodin², já falava que o Código Civil atual privilegia os valores não-patrimoniais e, "em particular, a dignidade da pessoa humana, o desenvolvimento da sua personalidade, os direitos sociais e a justiça distributiva...".

- Hodiernamente não se focaliza o indivíduo como o ápice (numa concepção egocêntrica), mas a dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III, da CF) em seu relacionamento social como escopo a ser atingido. Assim é que o novo Código Civil Brasileiro, por cautela, aboliu a expressão "todo homem...", adotando a expressão "toda pessoa...", como forma mais abrangente.

Ela parou, ofertando-me um lindo sorriso e prosseguiu.

- Professor Ézio, quando o Código Civil assevera: "toda pessoa...", ele normatiza as relações intersubjetivas na sociedade, em situações de normalidade. Contudo, quando a situação se fragiliza, o Código perde a sua centralidade de outrora, emanada do pensamento oitocentista e remete o império do direito (artigo 1º, caput, da CF) para o Código de Defesa do Consumidor, nas relações de consumo, para o Estatuto da Criança e do Adolescente, em casos que merece a proteção plena do infante, para o Estatuto do Idoso, protegendo, tão merecidamente, os nossos avós, etc.

- Senhora Thêmis, a senhora já observou que o artigo de lei em torno do qual estamos "proseando" traz dois conceitos implícitos? Veja em: "toda pessoa é capaz..." Personalidade e Capacidade, duas idéias indissociáveis – eu diria. Chegou o momento de identificarmos um e outro. Concorda?

Com um terno olhar, aquela bela mulher morena – a despeito de sua idade permanecera atraente – estendeu a sua mão e retrucou:

- Vamos, meu amigo, ao nosso chá adoçado com um bom açúcar capixaba.

Oh sim! Adocemos o nosso diálogo (pausa e um gole de chá). Retornando: para Ascarelli³, humanos são "pessoas nescidas do ventre de uma mulher".

- Não necessariamente, pois com as novas técnicas de reprodução humana, devemos rever e reler o conceito... notadamente porque Ascarelli escreveu no período do pós-guerra. Fábio Ulhoa Coelho4 assevera que "a personalidade jurídica é a autorização genérica, conferida pelo direito, para a prática de atos não proibidos". À sombra deste raciocínio, toda a pessoa natural revela a qualidade da personalidade, malgrado nem todos ostentarem o atributo da capacidade. A personalidade é atributo da pessoa; não é a pessoa em si.

- Senhora Thêmis, veja aqui: Roberto Lisboa5 traz lição que vale ser repetida. Disse ele: "Personalidade, na acepção clássica, é a capacidade de direito ou de gozo da pessoa de ser titular de direitos e obrigações, independentemente de seu grau de discernimento, em razão de direitos que são inerentes à natureza humana e sua projeção para o mundo exterior".

- Professor Ézio, vejo que o senhor tem lido a respeito.

- Um pouco! Senhora Thêmis, lembrei-me de Pontes de Miranda6 – e não poderia deixar de mencioná-lo – para quem, "Personalidade é o mesmo que (ter) capacidade de direitos, poder ser sujeito de direito". Quanto aos direitos de personalidade e a sua tutela estatal, deixemos para um outro encontro, certo?

- Certo, Professor. Sempre é bom lembrar de que, para nós cristãos, a dignidade da pessoa humana provém do sopro divino no Éden (concepção criacionista), cujo efeito trouxe vida e nobreza ao ser humano. Para os evolucionistas, prevalecerá o aleatório inconsciente e irracional. E não se afirme que a concepção evolucionária é científica porque também não fora provada (ciência precisa ser provada). Logo, também se situa no plano de uma modalidade de crença.

- Por-me-ia horas a falar da capacidade, entrementes, neste agradável diálogo de doutrinadores, trago lição de Arnaldo Rizzardo7. Senão vejamos: "(...) já a capacidade envolve a aptidão para adquirir direitos e contrair obrigações. Mais especificamente, embora nem todos os autores percebam, o termo expressa a aptidão em realizar atos da vida civil, de desempenhar as funções asseguradas pela ordem jurídica na sociedade, e assim de celebrar contratos, de adquirir, de vender, de decidir, de postular perante os órgãos públicos (...)". E por aí vai...

- Na esteira desta idéia está Rosa Maria Nery8. Veja só a sua interessante análise: "O conceito de capacidade está entranhado no conhecimento básico teórico do sistema jurídico, a partir do tripé (sujeito – ato – objetivo) em que se apóia a teoria geral do direito privado, porque é a condição de ter capacidade jurídica, ou a capacidade de ter direitos, ou, ainda, a capacidade de gozo de direitos que qualifica o sujeito. Todo homem nasce sujeito de direito e de obrigações, com capacidade para gozar de direitos e de arcar com ônus, deveres e obrigações, em virtude da capacidade de direito (...)". E arremata a Professora da PUC/SP: "Pode, contudo, o sujeito não ter capacidade de exercício e, por razões de variadas gêneses, encontrar-se incapacitado para o exercício de atos da vida civil. As causas de incapacidade de exercício são variadas: podem decorrer da idade, do estado de saúde física ou mental da pessoa ou de outra especial situação que a faz temporária ou definitivamente impossibilitada de reger, por si, sua pessoa e bens".

- Senhora Thêmis, seria certo afirmar que a personalidade está ligada à qualidade assim como a capacidade está ligada à quantidade?

- Eu diria que sim. Parece-me que foi esta a visão de Maria Helena Diniz9, ao proclamar: "Como pudemos apontar alhures, a personalidade tem sua medida na capacidade, que é reconhecida, num sentido de universalidade (...)".

- Senhora Thêmis, voltando a discorrer acerca da personalidade, ocorreu-me neste momento a sempre benfazeja lição de Pietro Perlingieri10. Ouçamo-la com atenção: "A personalidade é, portanto, não um direito, mas um valor (o valor fundamental do ordenamento) e está na base de uma série aberta de situações existenciais, nas quais se traduz a sua incessantemente mutável exigência de tutela". Perlingieri advertia que não se pode aplicar o direito subjetivo sobre a categoria so "ter"; mas a do "ser".

- Professor Ézio, não podemos deixar de temperar a nossa conversa com uma "pitada" de Caio Mário11, avançando para a questão da capacidade. Sem muitos rodeios, disse ele: "Personalidade e capacidade completam-se: de nada valeria a personalidade sem a capacidade jurídica que se ajusta assim ao conteúdo da personalidade, na mesma e certa medida em que a utilização do direito integra a idéia de ser alguém titular dele". E acresce o respeitável civilista distinguindo capacidade de direito (ou de exercício): "Se a capacidade de direito ou de gozo é geminada com a personalidade, de que naturalmente decorre, a capacidade de fato ou de exercício nem sempre coincide com a primeira, porque algumas pessoas, sem perderem os atributos da personalidade, não têm a faculdade do exercício pessoal e direito dos direitos civis. Aos que assim são tratados pela lei, o direito denomina incapazes".

- Então, fica claro o ensinamento – também um bom tempero! – de Orlando Gomes12, segundo o qual: "Do princípio de que todo o homem é capaz de direitos e obrigações na ordem civil, não se segue que os direitos adquiridos sempre possam ser exercidos pelo titular. A ordem jurídica priva certas pessoas do exercício por si dos direitos, estabelecendo incapacidades. É fundamental, pois, a distinção entre gozo e exercício dos direitos".

- Professor Ézio, parece-me que a sua menção a Orlando Gomes confere com a de César Fiúza13, quando preleciona: "Ligada à idéia de personalidade está a capacidade. Capacidade é a aptidão inerente a cada pessoa para que possa ser sujeito ativo ou passivo de direitos e obrigações. Esta aptidão pode ser mero potencial ou poder efetivo. Se for mero potencial, teremos a capacidade de direito, também chamada de capacidade jurídica, legal ou civil. Se for poder efetivo, teremos a capacidade de fato, também chamada de capacidade geral ou plena".

- Quero crer que sim. Entrementes, mudando de um pólo a outro, observo que a novel lei civil alterou a expressão "direitos e obrigações" para "direitos e deveres". Haveria diferença?

- Ora, Professor, dever precede à obrigação. Veja aqui: eu tenho o "dever" de não lesar a outrem. Todavia, se o fizer, nasce a "obrigação" de indenizar. Logo, o Código Civil atual foi mais feliz porquanto gizou um elemento precedente preferindo ao subseqüente.

Fez-se um silêncio por alguns segundos... A noite já estava invadindo o nosso diálogo, sem pedir permissão, foi aí que notei um bocejo disfarçado daquela mulher. Deveria desconfiar que precisava me retirar.

- Olhe, já está ficando tarde. Tenho que ir, conquanto a agradável conversa me instigue a não fazê-lo.

- Deveras, também tenho algumas tarefas a cumprir. Volte sempre que puder. A propósito, já acessei o seu site (

- Sim, se Deus assim me permitir. Até a próxima "matéria" (mas continuem lendo as outras matérias do site).

E lá fui eu, nutrindo um sentimento de alegria e pensando em – quem sabe? – voltar para o "chá das cinco", ou em melhor dizer, o "chá do artigo 2º do Código Civil Brasileiro de 2002". ◙

 

 

Notas

1 Aquino, Tomás de. Summa Theologica, Porto Alegre, Sulina, 1980.

2 Tepedino, Gustavo; Barboza, Heloisa Helena; Bodim de Moraes, Maria Celina. Código Civil Interpretado Conforme a Constituição da República, Rio de Janeiro, Renovar, 2004, p. 3.

3 Ascarelli, Tullio. Problemas das Soceidades Anônimas e Direito Comparado, São Paulo, Saraiva, 1945.

4 Coelho, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil, v. 1, São Paulo, Saraiva, 2003, p. 143.

5 Lisboa, Roberto Senise. Manual de Direito Civil, v. 1, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2003.

6 Pontes de Miranda, Francisco Cavalcante. Tratado de Direito Privado – Parte Geral, tomo I, 4ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1983, p. 154.

7 Rizzardo, Arnaldo. Parte Geral do Código Civil, 2ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2003, p. 187.

8 Nery, Rosa Maria de Andrade. Noções Preliminares de Direito Civil, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2002, p. 154.

9 Diniz, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, v. 1, São Paulo, Saraiva, 1993, p. 87.

10 Perlingieri, Pietro. Perfis do Direito Civil: Introdução ao Direito Civil Constitucional, 2ª ed., Rio de Janeiro, Renovar, 2002, p. 155-156.

11 Pereira, Caio Mário da Silva, Instituições de Direito Civil, 18ª ed., v. I, Rio de Janeiro, Forense, 1996, p. 161-166.

12 Gomes, Orlando. Introdução ao Direito Civil, 17ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2000.

13 Fiúza, César. Direito Civil: Curso Completo, 7ª ed., Belo Horizonte, Del Rey, 2003, p. 111.

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