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Resumo:
Texto aponta sobre a necessidade dos entes federativos (Estados-Membros, Municípios, Distrito Federal e União) fornecerem, solidariamente, medicamentos em caso de enfermidade grave e incurável.
Texto enviado ao JurisWay em 30/05/2018.
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Cediço que a questão da “judicialização” da saúde ganhou notável relevo nas últimas décadas. Todavia, isso não se deve à utilização temerária do Poder Judiciário, mas, ao contrário, decorre da contínua e reiterada omissão estatal em, efetivamente, garantir a saúde digna de seus cidadãos.
O direito à saúde digna se insere na órbita dos direitos sociais, consoante previsão constitucional. Desta forma, o Direito à saúde tem natureza de direito público subjetivo dos particulares, oponível em face do ente público e, mesmo, de particulares. Vale dizer, noutras palavras, que a saúde digna constitui uma prerrogativa (garantia) indisponível de todo cidadão, sendo assegurada, em razão disso, à generalidade das pessoas. Constitui dogma a mantença da saúde digna por parte de ações afirmativas do Estado, pois, é certo que desde as formatações embrionárias do ente público esta foi uma de suas finalidades.
Pouco importa, portanto, se o requerente está acometido de um resfriado ou mesmo de uma moléstia grave, cabendo ao Estado, em qualquer caso, garantir a saúde digna do mesmo.
Aliás, o princípio magno do pacto social (Contrato Social, conforme já preconizava Rousseau[1]) não difere do que fora narrado, pois, à luz da literatura jurídica e evolução legislativa, a soberania emana do povo e, ao Estado, compete prover o bem comum por meio da efetivação dos serviços públicos necessários.
Derradeiramente, dispõe a Carta Política de 1988 que:
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Supletivamente, reza a lei 8.090/90, em seu artigo 02º, que: “a saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício”.
Note-se, de plano, que nenhum dos dispositivos avocados faz ressalva a um ou outro ente federativo, mas, ao contrário, se utilizam da fórmula genérica (“Estado”) com fim de garantir sua responsabilidade solidária, neste norte.
Lado outro, a doutrina especializada prescreve, ainda, que a saúde:
Corresponde a um conjunto de preceitos higiênicos referentes aos cuidados em relação às funções orgânicas e à prevenção das doenças. Em outras palavras, saúde significa estado normal e funcionamento correto de todos os órgãos do corpo humano, sendo os medicamentos os responsáveis pelo restabelecimento das funções de um organismo eventualmente debilitado. CASTRO, Henrique Hoffmann Monteiro. 2005.
Logo, face ao que fora exposto, em consonância com a literatura especializada, resta evidente que o direito à saúde contempla duas faces: uma preventiva, outra reparatória. Porquanto a preservação da saúde diga respeito às políticas de redução de risco (como campanhas de vacinação, programas de saúde familiar etc.), noutra vertente, a recuperação da saúde é relativa a direito individual de cada cidadão, consubstanciado no tratamento e recuperação de determinada pessoa, com acompanhamento médico/hospitalar e ministração da medicação adequada, até sua cura completa.
A saúde, outrossim, relaciona-se diretamente à qualidade de vida das pessoas, efetivando a dignidade da pessoa humana, salvaguardada no texto constitucional como fundamento da República Federativa do Brasil. O direito à saúde contempla, portanto, o direito a uma vida saudável, conduzindo o indivíduo á eficaz qualidade de vida.
Sobre o tema, oportuno destacar:
A Lei Fundamental não faz qualquer distinção no que tange ao direito à saúde, englobando expressamente o acesso universal a ações de promoção, proteção e recuperação de saúde, nos âmbitos individual e genérico. Segue-se as linhas traçadas pela Organização Mundial de Saúde, segundo a qual, a saúde se caracteriza como o completo bem estar físico da sociedade e não apenas como a ausência de doenças.
A questão do fornecimento de medicamentos e tratamentos pelo Estado se inclui, obviamente, na faceta de proteção à saúde[2]. Não há como cogitar em uma saúde digna sem o paralelo fornecimento da medicação adequada ao tratamento dos pacientes, o que seria um contrassenso.
Logo, considerando ser a saúde um bem jurídico indissociável do direito à vida (não há como cogitar em mantença da vida sem a garantia de uma saúde eficaz), é inequívoca a obrigação estatal de tutelá-la de todas as maneiras possíveis, inclusive com a concessão de medicamentos necessários ao tratamento do paciente, caso necessário.
A doutrina assevera:
A Saúde encontra-se entre os bens intangíveis mais preciosos do ser humano, digna de receber a tutela protetiva estatal, porque se consubstancia em característica indissociável do direito à vida. Dessa forma, a atenção à Saúde constitui um direito de todo cidadão e um dever do Estado, devendo estar plenamente integrada às políticas públicas governamentais. (ORDACGY, André da Silva. 2007)
A norma constitucional avocada (artigo 196) possui natureza programática e carece de complementação, obviamente. Todavia, seu alcance deve ser ilimitado no que tange à mantença da saúde dos cidadãos, não competindo ao legislador infraconstitucional tolher ou reduzir – sob fundamento algum – o direito à saúde.
Neste contexto, a lei 8.080/90 regulamentou o Sistema Único de Saúde, além de estabelecer princípios e diretrizes gerais. Há, nesta legislação, uma subdivisão meramente administrativa de funções dos entes públicos, não oponível aos cidadãos comuns que, uma vez necessitados, podem opor sua pretensão em desfavor de qualquer dos entes federados.
Nesta esteira de raciocínio, o legislador infraconstitucional estabeleceu uma divisão no que tange ao fornecimento de medicamentos, a saber:
ðO sistema básico de saúde fica a cargo dos Municípios (medicamentos básicos), incluindo-se o atendimento imediato e inicial aos enfermos;
ðO fornecimento de medicamentos classificados como extraordinários compete à União, e, em geral isso ocorre no caso de moléstias raras e cujo tratamento reclama fármacos caros, geralmente importados;
ð Os medicamentos ditos excepcionais são fornecidos pelos Estados.
Percebe-se, claramente, a composição de um sistema único, o qual confere obrigações a todos os entes federados. Logo, todas as esferas do governo estão inseridas no rol de atribuições do SUS, justificando, em caso de apelo ao Poder Judiciário, a inclusão das três esferas administrativas do polo passivo da lide (União, Estado e Município).
Na realidade, para os cidadãos, deve ser indiferente como o Estado se organiza para promover o direito à saúde. O importante é que efetivamente o assegure. Subsiste o direito das pessoas de exigir que o Estado intervenha ativamente para garanti-lo.
O Poder Público, qualquer seja a esfera institucional no plano da organização federativa brasileira, não pode se mostrar indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. O Poder Judiciário, atento ao que fora exposto, deve suprir a omissão administrativa e viabilizar a efetiva prestação de serviços públicos de qualidade, condizentes com uma saúde pública digna.
A notória precariedade do sistema público de saúde brasileiro, bem como o insuficiente fornecimento gratuito de medicamentos, muitos dos quais demasiadamente caros até paras as classes de maior poder aquisitivo, têm feito a população civil socorrer-se, com êxito, das tutelas de saúde para a efetivação do seu tratamento médico, através de provimentos judiciais liminares, sendo, de certo, a única saída para muitos casos – em que se tutela a própria vida do cidadão. O caráter programático da regra expressa na Lei Fundamental tem sido complementado pelas decisões do Judiciário, evitando que o Poder Público fraude as justas expectativas nele depositadas pela coletividade.
Ora, em sendo o direito à saúde indissociável do direito à vida, torna-se inconcebível a recusa no fornecimento gratuito de remédios e/ou tratamentos a paciente em estado grave e sem condições financeiras de custear as respectivas despesas.
Complementa André da Silva Ordacgy (2007), que é “inquestionável que esse direito à saúde deve ser entendido em sentido amplo, não se restringindo apenas aos casos de risco à vida ou de grave lesão à higidez física ou mental, mas deve abranger também a hipótese de se assegurar um mínimo de dignidade e bem-estar ao paciente”.
A celeuma ganhou grandes proporções e a questão foi, recentemente, abarcada pelo Supremo Tribunal Federal, o qual convalidou entendimento no sentido de que cabe ao Estado (lato senso) o fornecimento de medicamentos necessários ao tratamento das moléstias graves e raras.
Conclui-se, portanto, que o Estado – lato sensu, compreendendo União, Estado e Município – tem o de\ver de assegurar efetivamente o direito à saúde a todos os cidadãos, como corolário da própria garantia do direito à vida. A Constituição Federal, em seus dispostos, garante o acesso universal e igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação da saúde, assegurando, portanto, a sua proteção nas órbitas genérica e individual. É óbvio, portanto, que o fornecimento de medicamentos está incluído no rol das atribuições estatais.
A divisão de tarefas entre os entes governamentais e a organização do Sistema Único de Saúde não podem obstaculizar o direito do indivíduo à percepção de medicamentos e/ou tratamentos indispensáveis, sobretudo no caso de doenças graves e raras, situação na qual o enfermo fica exposto ao desamparo. O simples fato de um medicamento e/ou tratamento ser caro ou não estar incluído no protocolo do SUS não é justificativa para a sua não concessão, quando necessário ao tratamento do enfermo.
[1] As principais ideias são desenvolvidas a partir de um princípio central, a soberania do povo, que é indivisível. O povo, então, tem interesses, que são nomeados como “vontade geral”, que é o que mais beneficia a sociedade. Evidentemente, o “soberano” tem que agir de acordo com essa vontade, o que representa o limite do poder de tal governante: ele não pode ultrapassar a soberania do povo ou a vontade geral.
[2] Disponível in:
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