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USUCAPIÃO DE MEAÇÃO EM FAVOR DA MULHER VÍTIMA DE VIOLÊNCIA FAMILIAR


Autoria:

Carlos Eduardo Rios Do Amaral


MEMBRO DA DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO

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Resumo:

Estudos em Homenagem à Defensoria Pública Mineira (Parte I e II)

Texto enviado ao JurisWay em 21/09/2011.



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USUCAPIÃO DE MEAÇÃO EM FAVOR DA MULHER VÍTIMA DE VIOLÊNCIA FAMILIAR

Estudos em Homenagem à Defensoria Pública Mineira (Parte I e II)

Por Carlos Eduardo Rios do Amaral

 

 

Juízes de Direito, Promotores de Justiça e Defensores Públicos que militam dia-a-dia nos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher do País conhecem bem esse drama familiar que vou lhes contar, de modo muito sucinto:

 

 

 

Certa mulher vive debaixo do mesmo teto com seu companheiro agressor, com quem teve numerosa prole. Alcoólatra e viciado, o varão todos os dias espanca violentamente sua esposa após o trago diário no botequim e na boca-de-fumo. As inocentes crianças nada podem fazer, a tudo assistem como telespectadores dessa vida infernal e sem esperanças. Quem ousar entrar na frente, em defesa da mãe, também apanha, podendo até mesmo vir a óbito, morto por uma serrinha de pão. Um dia essa mulher se encoraja, a bem dos filhos, e denuncia seu carrasco à polícia. Depois do boletim de ocorrência, deferida a medida protetiva de urgência, o agressor foge e nunca mais regressa. Sequer se importa em prestar alimentos ou qualquer tipo de auxílio aos seus filhos ou à esposa com quem conviveu muitos anos.

 

 

 

Caro leitor desacostumado às letras jurídicas, este pesadelo acontece diariamente, infelizmente.

 

 

 

Perdida a dignidade para a crueldade e brutalidade de seu companheiro, fica a pergunta de como manter esse lar, que, pelo menos, deixou de ser um ringue, aonde, claro, só a mulher ia a nocaute.

 

 

 

Mas o pior ainda poderá acontecer. Essa pobre e infeliz vítima e seus muitos filhos podem perder o lar, não ter nenhuma segurança jurídica a respeito da posse e da propriedade do modesto e pequeno imóvel onde habitam há tantos anos.

 

 

 

O agressor, refazendo sua vida com outra mulher – a próxima vítima, é claro -, tendo com esta outros filhos, movido pela ganância e sua iniqüidade habituais, muitos anos depois soca a porta de sua presa fácil ou (e) manda recados ameaçadores por terceiros para dizer que voltou, que é dono da metade de tudo, referindo-se ao humilde lar aonde a sobrevivente e corajosa mulher conseguiu refazer sua vida, longe de violência, sustentando e educando seus filhos, preparando-os para a vida.

 

 

 

Sabe muito bem, sim, o agressor que a meação que caberá à sua ex-companheira e para si não dará para comprar outro teto para morar, que seus filhos ficarão na rua, que sua família deixada para trás não tem condições de pagar um aluguel. Essa é a estratégia do agressor, a cruel e desgraçada estratégia, sua revanche pela lavratura do boletim de ocorrência. Entende este que tinha uma espécie de direito adquirido de bater na sua mulher e esta ter a obrigação de ficar calada para sempre.

 

 

 

Finalmente, com a sanção da Lei nº 12.424, de 16 de Junho de 2011, agora as coisas vão mudar, para melhor.

 

 

 

É que a partir desse novo e salvífico diploma legal contados 02 (dois) anos após o abandono do lar pelo companheiro agressor, a mulher vítima da cotidiana violência familiar e seus filhos poderão requerer a integral aquisição do terreno pela usucapião.

 

 

 

Até mesmo, e principalmente, a meação do agressor poderá – e deverá – ingressar no patrimônio da vítima, como sua propriedade, adquirindo, assim, o domínio integral e exclusivo do lar, que outrora era um verdadeiro inferno aberto por conta do agressor.

 

 

 

Quanto ao agressor, este perderá sua meação para a vítima, e não fará jus a exigir a partilha do casebre e de seu quintal, desde que a porção que reverta para esta não exceda a 250m² (duzentos e cinqüenta metros quadrados).

 

 

 

Em verdade, e muitas vezes, a parcela da meação do varão agressor que reverterá em proveito da mulher ofendida sequer serve de compensação pelos danos morais e materiais, estéticos e psicológicos, ocasionados na mesma. Existem seqüelas que jamais se apagarão, talvez sim pela perspectiva e realização profissional dos filhos. Mas isso só o tempo vai dizer.

 

 

 

Destarte, passados, assim, 2 (dois) anos da concessão da medida protetiva de urgência de afastamento do agressor do lar, sem que este tenha pleiteados seus direitos, desaparecendo sem dar notícias, poderá a ofendida requerer que o Magistrado do Juizado de Violência Doméstica e Familiar - dentro da competência cível que lhe cabe (Art. 14 da Lei nº 11.340/2006) - converta o mandado cautelar em título executivo judicial que lhe reconheça a usucapião sobre a meação do agressor, outorgando a esta o domínio integral do lar.

 

 

 

O Juiz da ação em trâmite no Juizado de Violência Doméstica e Familiar é preciso conhecedor da deserção do agressor do lar. Citado por edital, por estar em local incerto e não sabido, 2 (dois) anos após deverá perder sua meação sobre o lar que tanto afligiu e atormentou, embebedado de cachaça e mergulhado no seu cachimbo de crack. Tanto a sentença penal condenatória, como efeito da condenação, tanto a sentença proferida na medida protetiva, assim como uma ação autônoma cível servem de escudo para tal reconhecimento do domínio em prol da ofendida.

 

 

 

Demandada no juízo cível pelo seu algoz, naturalmente poderá e deverá a vítima argüir a usucapião da meação de seu agressor como matéria de defesa (Súmula 237 do STF).

 

 

 

Feliz a Lei nº 12.424/2011, que com muita sapiência e sensibilidade jurídicas acalenta a mulher ofendida e sua prole, resgatando a dignidade dessa gente tão sofrida e humilhada no Brasil.

 

 

 

* * * * *

 

 

Inicialmente trago à memória o teor do novíssimo Art. 1.240-A do Código Civil Brasileiro:

 

 

 

“Art. 1.240-A. Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinqüenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. (Incluído pela Lei nº 12.424, de 2011)

 

 

 

§ 1o  O direito previsto no caput não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.

 

 

 

§ 2o  (VETADO). (Incluído pela Lei nº 12.424, de 2011)”.

 

 

 

Percebam a expressão contida na cabeça do dispositivo: “cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro”.

 

 

 

Como assinalado no artigo anterior (1ª parte), o Art. 1.240-A do CC não cuida de posse ou composse, mas, sim, de domínio, de um condomínio ou co-propriedade, seja por força do registro imobiliário, seja pelo regime de bens adotado na constância do casamento, união estável ou relação homoafetiva.

 

 

 

A observação extraordinária a se fazer, que em muito apaziguará a alma da mulher ofendida e sua numerosa prole abandonadas pelo varão agressor, que também muito dinamizará o trabalho de Juízes de Direito, Promotores de Justiça e Defensores Públicos especializados do Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher (v. Art. 14 da Lei nº 11.340/2006), é que para o reconhecimento desta específica forma de aquisição da propriedade imóvel é inaplicável o sinuoso, demorado e ultrapassado rito processual previsto nos Arts. 941 a 945 do vetusto Código de Processo Civil de 1973.

 

 

 

E a razão é muito simples, é que em ambas as meações – do agressor e da ofendida – já existe propriedade previamente reconhecida e delimitada em cartório imobiliário. O que se está a usucapir pela mulher ofendida é a co-propriedade do outro cônjuge, o agressor. Não se está aqui a usucapir porção de meação constituída de composse.

 

 

 

Na existência de propriedade imóvel de terra particular devidamente transcrita no registro de imóvel e cadastrada junto à Municipalidade para fins do IPTU, incorreto e inapropriado será a exigência de planta do imóvel, citação de confinantes e de eventuais interessados, intimação dos Representantes das Fazendas da União, do Estado e do Município, entre outros requisitos processuais que muitas vezes o próprio velho druida gaulês Panoramix não deve se recordar.

 

 

 

Insisto, estamos discorrendo sobre usucapião de propriedade certa e conhecida, previamente registrada no CRI. Dona Maria e seus filhos habitam o Apartamento 102 do conhecido Edifício Sofrimento, onde a mesma passou Décadas sendo abatida pelo seu carrasco (cônjuge ou companheiro), vindo este a sumir do mapa por força da coragem daquela em denunciar este último na Delegacia da Mulher – DEAM. Deferidas as MPU´s nunca mais o agressor dá sinais de vida. Para que instaurar aquela via crucis dos Arts. 941 a 945 CPC? Não existe sentido.

 

 

 

Para o reconhecimento da usucapião de meação do cônjuge agressor basta a mulher vítima de violência familiar juntar aos autos do processo: (1) a certidão de casamento ou dos filhos para fazer prova da união estável, ou prova equivalente; (2) a certidão imobiliária registrada no Cartório competente; e, (3) fazer prova do escoamento do prazo de 2 (dois) do abandono do lar pelo agressor, valendo como prova cabal sua citação editalícia das medidas protetivas de urgência deferidas pelo JVDFM ou mesmo o decreto de sua prisão preventiva em aberto. Dispensando-se, assim, qualquer outra formalidade probatória.

 

 

 

Entretanto, é sabido que na maioria esmagadora dos casos que tramitam sob o patrocínio da Defensoria Pública a meação dos cônjuges encontra-se firmada em composse e não em co-propriedade.

 

 

 

Nestes casos delicados, diante do comprometimento da República Federativa do Brasil em erradicar a pobreza e combater a  miséria em todas as suas formas (Art. 3º, III, da Constituição Federal de 1988), e dos objetivos inscritos na Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e na Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, assim como na própria Lei nº 11.340/2006, deve o Magistrado do JVDFM, sem delongas e por aplicação analógica, conferir a meação do agressor constituída de composse à mulher ofendida e sua prole, postergando, aí sim, a questão da aquisição do domínio para o complexo rito do CPC.

 

 

 

Negar a outorga da meação constituída de composse à mulher necessitada vítima de violência e seus pequenos filhos, analogamente ao disposto no Art. 1.240-A do CC/2002, é, em última análise, dizer que este dispositivo fora feito para viger apenas na Suíça, em prestígio e devoção a homem que bate em mulher pobre.

 

 

 

Não é a isto, definitivamente, que se propõe o Estado brasileiro e suas aspirações na ordem internacional, no sentido da promoção dos direitos humanos da mulher e da infância!

 

 

 

A perda de sua parte na posse, que outrora constituíra a meação do agressor, em prol da virago violentada, como dura e justa sanção legal instituída pela novel Lei nº 12.424/2011, deve ser aplicada, sob pena de ineficácia de norma tão esperada e salvífica, que se presta a resgatar a dignidade da mulher e das crianças miseráveis desse injusto País chamado Brasil.

 

 

 

Que DEUS abençoe todos os Defensores Públicos nessa mais nova empreitada cristã, conferida pelo Parlamento, sob a sanção de nossa Presidenta. Milhares de mulheres mutiladas e feridas até a alma nos esperam ansiosas, para garantir um teto aos seus filhos espectadores do pesadelo familiar superado.

 

 

 

Avante! Retroceder Jamais!

 

 

 

___________________

 

 

 

Carlos Eduardo Rios do Amaral é Defensor Público do Estado do Espírito Santo

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