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O CHEQUE E O SURGIMENTO DA CAUSA DEBENDI EM SEU RECEBIMENTO JUDICIAL


Autoria:

Antonio Rodrigo Candido Freire


Advogado, Mestre em direito(PUC-GO), Especialista em Dir Empresarial, Dir Administrativo, Direito Penal, Direito Público, Constitucional, Especialista em análise de risco em concessão e recuperação de ativos, Palestrante e escritor.

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Resumo:

O cheque a as possibilides de oposição de terceiros e o surgimento da causa debendi em seu recebimento judicial.

Texto enviado ao JurisWay em 23/05/2011.

Última edição/atualização em 24/05/2011.



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ANTONIO RODRIGO CANDIDO FREIRE

 

 

Monografia apresentada a UniEVANGÉLICA como requisito parcial para conclusão do curso de especialização em direito empresarial pelo IGDE-Instituto Goiano de Direito Empresarial, sob orientação do Prof. MS. Rubens Fernando Mendes Campos

 

 

IGDE-INSTITUTO GOIANO DE DIREITO EMPRESARIAL

2011

 

 

SUMÁRIO

 

 INTRODUÇÃO..................................................................................................08

 CAPÍTULO I

         1. CONCEITO E HISTÓRICO...................................................................10

         2. CARACTERÍSTICAS INTRÍNSECAS...................................................18

         3. ESPÉCIES DE CHEQUE........................................................................21

         4. DOS MOTIVOS DE DEVOLUÇÃO DO CHEQUE................................24

CAPÍTULO II

         1. TEORIA DA CAUSA DEBENDIS..........................................................27

         2. O SURGIMENTO DA CAUSALIDADE.................................................32

          3. DAS POSSIBILIDADES DE OPOSIÇÃO DO PAGAMENTO EM FACE DO TÍTULO DE CRÉDITO............................................................................ 35

4. CONCLUSÃO................................................................................................38

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..............................................................40

 
 

 

  INTRODUÇÃO

 

         Objetivando esclarecer pontos relevantes sobre o título de crédito cheque, a causa debendi se revela como um vilão comumente elencado por causídicos de forma equivocada em suas defesas processuais. Este Instituto merece reflexão pormenorizada em virtude da necessidade de se promover uma interface de legislações para que se compreenda adequadamente o assunto.

              O cheque, embora se encontre em retração quanto ao seu uso no meio empresarial em cerca de 18% segundo a Equifax do Brasil(empresa de monitoramento de comportamento do consumidor), é notório que ainda será causa de discussão por muito tempo.  A retro mencionada retração se dá em virtude da fragilidade quanto a sua liquidação, embora sua circulação continue agressiva, especialmente no varejo informal.

              O titulo de crédito estudado é regido pela lei do cheque (7.357/85), e subsidiariamente pelo Código Civil o Brasileiro e pela lei uniforme de Genebra. Suas características são rígidas e devem ser observadas rigorosamente sob pena de impossibilidade de sucesso na eventual cobrança jurídica.

              O meio empresarial se reveste de conceitos e ferramentas que visam coibir a receptação de cheques problemáticos, contudo, os meios se revelam ineficazes, pois a quantidade de cheques que são objetos de demandas judiciais esclarece que ainda falta domínio do conhecimento acerca deste título de crédito e suas características existenciais.

              Desde o momento de recebimento do cheque no estabelecimento empresarial, e também na eventual cobrança judicial todas as características deverão ser observadas com o fito de se eliminar as defesas reais ou protelatórias que poderão fragilizar a medida judicial utilizada.

              A inadimplência empresarial é ainda uma causa de mortalidade de empregos e sonhos, tendo o cheque como causador e destruidor. A interpretação da legislação de forma adequada poderá encerar esta insegurança com o relacionamento empresa X cheque, podendo o empresário, de forma adequada, utilizar este título de crédito como forma de troca de suas mercadorias ou prestação de serviço.

              O presente estudo visa aprofundar nas possibilidades de oposição de terceiros em uma cobrança judicial com fundamento da causa debendi e também tendo a doutrina do cheque como base para se fazer compreender a co-relação desta com as demais ocasiões envolvendo o título de crédito e o nexo causal que o originou.

 
 

CAPÍTULO I –  DO CHEQUE

 

1. CONCEITO e HISTÓRICO

 

Antes de adentrar no objeto deste, oportunamente deve-se se esclarecer o motivo da existência deste título de crédito.

               O empresário para se posicionar em meio seus concorrentes deve promover facilidades em vendas, em suas fases gradativas. A concessão de crédito é uma das fases na qual é o caminho que a empresa processa suas vendas. Conceder crédito ao alguém é confiar que haverá cumprimento da obrigação contraída. A ausência de crédito restringe a abrangência do empresário, dificultando ainda mais sua permanência no mundo empresarial em virtude da necessidade que tem seus clientes de utilizar seu crédito para fazer girar valores em outras empresas ou na vida pessoal.

              Segundo Tomazette “A palavra crédito deriva de latim creditum, que por sua vez advém de credere, que significa confiar, ter fé.”(2009,p.01)

              Concede-se crédito quando se efetua uma transação ou pretende efetuar o pagamento com cheque, seja à vista ou com prazo combinado.    

              Neste sentido o cheque é uma ordem incondicional de pagamento à vista ou a prazo, do valor determinado por pessoa que mantém conta corrente em casa bancária, devendo este emitente ter fundos o suficiente para se processar o pagamento do valor nele contido.

                  Para Gladston Mamede a emissão de um cheque é na verdade a concessão de crédito de certa forma, pois quem o recebe ainda há de se dirigir à casa bancária ou meio de compensação para que este possa ser trocado por espécie.(2009,p.235)

              Segundo Frans Martins, o cheque é uma ordem de pagamento à vista, dada por quem possui provisão de fundos em mãos do sacado, em favor próprio ou de terceiros. Podendo o beneficiário estar designado no mesmo título ou ser este ao portador.(2008,p.276)

                  Neste conceito, este renomado doutrinador entende que o sacado depositário da provisão do sacador ao pagar o cheque, apenas cumpre a obrigação de devolver as importâncias que lhe foram confiadas, atendendo assim à determinação do depositante (2001,p.11)

                  Em princípio o cheque não foi considerado um verdadeiro título de crédito, já que o fator crédito existe de um modo abstrato e ligado a circunstância de possuir o sacado, a quem a ordem de pagamento é dada, importâncias que na realidade pertencem ao depositante junto a casa bancária. Mesmo dentro desta interpretação o titulo de crédito sempre beneficiou dos princípios e institutos próprios dos títulos de crédito, circulando normalmente através de endosso.

                   Para Fran Martins esta oportunidade de se utilizar das normas cambiárias está intrinsecamente ligada ao fato destas normas não conflitarem a natureza deste documento (2008,p.283)

                  Controverso o assunto e rico em teses quando se busca a sua origem, para muitos e renomados doutrinadores sua origem remonta ao século XII, assemelha-se a da letra de câmbio e da nota promissória. Para outra gleba de doutrinadores o cheque teve o seu surgimento na idade média, onde na ocasião o ouro era depositado nas casas de ourives, e estes por sua vez emitiam papéis de troca.  Dentre vários e controvertidos conceitos de outros respeitados autores aprendeu-se que foi na Inglaterra que o cheque teve seu surgimento, tomando o contorno que hoje apresenta.

 O uso do cheque passou da Inglaterra para os Estados Unidos e outros países e precipuamente serviam para fazer transferência ou para retirar dinheiro.

                  O histórico do cheque é muito bem apresentado por Gladston Mamede, narrando que:

“A origem do termo cheque oferece alguma dificuldade. Curiosamente, enquanto parte da doutrina e da jurisprudência francesa chegou a sustentar que a palavra provinha do  inglês “ To check”(verificar,conferir), os ingleses atribuíam etimologia francesa ao próprio verbo to check,  proveniente do francês echequier (tabuleiro de xadrex, provindo do latim scaccarium), remetendo às mesas usadas pelos primeiros banqueiros, ainda na idade média, posição que se sustenta, inclusive, na adoção pelos ingleses do termo  chequer até o século XIX. Essa identificação com o Medievo, todavia, não impede a aferição de figuras assemelhadas existentes em momentos anteriores da história, a exemplo os síngrafos, que eram documentos de dívidas assinados pelo credor e pelo devedor, usados pelos ricos e comerciantes, sendo dirigidos a seus banqueiros, então denominados trapezitos. Por seu turno, em Roma havia a argentaria, literalmente uma casa de dinheiro,  um banco, em que trabalhava o argentário (argentarium), ou seja, um banqueiro,  recebendo dinheiro de depósito e efetuando pagamentos por ordem do depositante.

Portanto, as práticas medievais que conduziram ao cheque não são inovadoras, mas mera evolução de práticas comerciais anteriores que diante das necessidades que foram se apresentando, acabaram por dar-lhe nova conformação. O mandado de pagamento, por exemplo era usado pelos imperadores germânicos, que mantinham uma conta corrente em cidades tributárias, sacando valores por meio de recibos. Já os reis ingleses emitiam Bill of Exchequer contra seus tesoureiros mesmo a favor das cidades italianas, das quais eram devedores.

A segurança oferecida pelas casas bancárias, diante do impulso do comércio, levou a prática do depósito dos valores nestes estabelecimentos, bem como de dispor de importâncias por meio de títulos escritos, o que provavelmente se deu na Itália, com stanse dei publici pagamenti. Assim o estabelecimento bancário de Veneza(1942) recebia depósitos e pagava mediante ordem do depositante. A instituição emitia títulos denominados contadi di banco que circulavam como se fossem dinheiro. Já o banco de S. Gerídio, em Genebra (1407) emitia bigliette di cartulatorio, que chegavam de S. Grerício, em dinheiro de contado. Somen as cedole catulario do Banco de Santo Ambrósio, em Milão e as polizze ou fedi di credi do Banco de Nápoles. Na Inglaterra, encontramo-se tanto os Golgsmiths notes, bilhetes de ourives, quanto as Cash Notes, bilhetes de caixa. Os primeiros eram emitidos pelos bancos, ao passo que os segundos, pelos  depositantes em favor de terceiros, podendo ser endossados, com quase todas as caractrísticas atuais do cheque. Na Holanda, no século XVI tem quase todas as características tem-se o overwisinje e kassierbrieffe. Uma ordenança de 15 de julho de 1608 chegou a proibir a prática, mas esse foi paulatinamente caindo em desuso em face dos benefícios oferecidos pelos tesoureiros que, entre 1770 e 1780, já contavam 54, só em Amsterdã. Entre os franceses, existiram os mandats blancs( mandatos brancos) e os mandats rouges (mandatos vermelhos), emitidos pelo banco da França: os primeiros eram entregues aos clientes dos bancos para que retirassem importâncias depositadas, os segundos destinavam-se a realizar compensação entre os clientes do banco, quando devedores uns dos outros, por meio de simples lançamento no livro de depósito.

Na Inglaterra, em meados dos século XVIII (entre 1759 a 1772), que pela primeira vez usou-se o nome cheque e deu-se ao instrumento a forma mais próxima da atual, marcando definitivamente a diferença entre o bilhete bancário e o que atualmente se entende por cheque.”

                  Em nosso país, segundo Frans Martins, o cheque teve seu aparecimento em 1845, na Bahia, onde foi fundado o Banco Comercial da Bahia. Em 1893, através da lei 149-B, surgiu a primeira citação referente ao cheque, no artigo 16, alínea “a”, posteriormente sendo este regulamentado pelo decreto 2.591 de 7 de agosto de 1912.(2008,p.278)

                   Gladston Mamede mais uma vez contribui de forma expressiva para entender a introdução do título de crédito no Brasil, veja-se:

“Para compreender a evolução do cheque no Brasil, encontra-se excertos valiosos em Carlos Fulgêncio da Cunha Peixoto, Pontes de Miranda, Carvalho de Mendonça e Frans Martins e a partir daí manifesta sua narrativa. Entre nós, a prática do cheque precedeu – e muito – a legislação sobre o tema. Como visto, o decreto nº 438/1845, com o regulamento Comercial da Província da Bahia, referia-se  ao depósito bancário (receber gratuitamente dinheiro e abrir contas correntes) e ao saque ( verificar os respectivos pagamentos e transferências, por meio de cautelas cortadas dos talões, que devem existir no Banco, com a assinatura do proprietário da tarja). Não se trata, a toda vista, de uma legislação específica para o título, mas de mera referência. Cinco anos depois, a edição do Código Comercial Brasileiro (Lei 556/1850) também não ampliou o tratamento normativo do tema. Inspirado no Código Comercial Português de 1833, a lei brasileira resumiu no artigo 153 o regramento do saque sobre depósitos prévios: “O comerciante que tiver na sua mão fundos disponíveis do comitente não pode recusar-se ao cumprimento das ordens relativamente ao emprego ou disposição dos mesmos fundos:pena de responder por perdas e danos que essa falta resultarem.” Inequivocadamente, é norma excessivamente ampla e, se a figura do cheque nela se comporta, outras também se amoldam, persistindo a situação de uma prática (O uso do cheque para saques de depósitos prévios em bancos ou comerciantes). Em 22 e agosto de 1860 foi editada  a Lei 1.063 que continha providências sobre bancos e emissão, meio circulante, diversas companhias e sociedades que também continha disposição que abarcava a prática do cheque, não era específica.

Na República, devem ser destacadas duas normas editadas pelo governo provisório, a lei 149-B e o decreto 917, ambos de outubro de 1890, que já mencionam o termo cheque, embora sem lhe dar tratamento legislativo específico. Somente em 1906, por iniciativa do ministro Leopoldo Bulhões, decidiu-se por uma regulamentação para o instituto, encarregando-se o jurista Ubaldino do Amaral a produção do anteprojeto- que à época ocupava a presidência do Banco do Brasil. Note-se que em 1931 o Brasil participou da conferência de genebra aderindo a esta. Todavia a norma somente foi promulgada em janeiro de 1966 via o decreto 57.595/66, sendo substituído em, 1985 através da lei 7.357/85.”

                        A partir de seu surgimento no país, o cheque tem sido o preferido como forma de pagamento por grande parte dos consumidores e nos últimos anos seu uso tem retraído gradualmente, porém acredita-se que devido a cultura informal adotada no país o cheque ainda reinará como absoluto por muitos anos.

                        Habitualmente, para o cheque há a intervenção de três pessoas na sua emissão, sendo:

A - o emitente sacador ou passador;

B - o sacado, normalmente sendo o banqueiro;

C - o beneficiário, tomador ou portador.

 

                       A regra é, para que se possa emitir cheques, deve o sacador (aquele que emite o cheque) ter fundos em poder do sacado (banco ou instituição financeira), ou seja, valores disponíveis em sua conta bancária, sendo tais fundos próprios, derivados de depósito à vista, ou colocados à sua disposição pelo sacado. A falta de fundos, mesmo configurando fato típico criminal (estelionato), em alguns casos, não desvirtua a validade do título como cheque, continuando líquido certo e exigível.

                  Os títulos de crédito surgiram com o fundamento de fazer circular os valores oriundos do crédito concedido, segundo o ilustre Cesare Vivante(apud Fabio Ulhoa Coelho), "é o documento necessário para o exercício do direito, literal e autônomo, nele mencionado". Esse conceito é repetido no art. 887 do Código Civil.(2004,p.369,v1)

        

                  O título de crédito é um documento que sua existência comprova uma relação jurídica já consumada, sendo este dotado de alguns requisitos tornando-o diferente de outros documentos. Representando um direito materializado em um documento.

        

                  A característica de negociabilidade dos títulos de crédito pressupõe que sua circulação deve ser simplificada, desde que atendidos os requisitos essenciais, a transmissão dos direitos creditórios deve ser possível.

        

                  Neste pensamento assevera Fábio Ulhoa Coelho:

“A fundamental diferença entre o regime cambiário e a disciplina dos demais documentos representativos de obrigação [...] é relacionada aos preceitos que facilitam, ao credor, encontrar interessados em antecipar-lhe o valor da obrigação (ou parte deste), em troca da titularidade do crédito.” (2004,p.369,v1)

 

                  Deste modo a visão jurídica dos títulos de crédito é a exata possibilidade de promover a circulação no mercado, fomentando várias atividades ao mesmo tempo, gerando riquezas e a sobrevivência de cidadãos em empresas.

 

                  A circulação do cheque é possível através do endosso em branco, em preto ou ainda póstumo, onde o portador em caso de não pagamento poderá exigir o pagamento de qualquer um dos envolvidos, emitente ou endossatário.

                  

                   A Lei 7.357/85 assevera:

Art . 20 O endosso transmite todos os direitos resultantes do cheque. Se o endosso é em branco, pode o portador:

I - completá-lo com o seu nome ou com o de outra pessoa;

II - endossar novamente o cheque, em branco ou a outra pessoa;

III - transferir o cheque a um terceiro, sem completar o endosso e sem endossar.

 

 

            2. CARACTERÍSTICAS INTRINSECAS

 

                        Para Cesare Vivanti, cheque é um título de crédito provido de um forte rigor cambiário em sua forma (cartularidade), ou seja, o cheque tem um padrão do banco central a ser seguido em sua forma de existir. Quanto ao seu conteúdo obedece a literalidade, quer dizer que vale o que está escrito no cheque, e em sua execução judicial goza de autonomia, o cheque é prova suficiente do débito, e abstração, que quer dizer que dentro do prazo de execução e enriquecimento ilícito o cheque goza de abstração quanto sua origem, logo não há de se discutir a origem do débito ou a causa da existência da dívida, o cheque já nasce com essas prerrogativas. Outros autores denominam as características em princípios, atributos ou requisitos essenciais.

                   As características são de sumaríssima importância, pois esta rigidez representam as normas gerais que regulam os títulos de crédito, mantendo assim a segurança jurídica no meio empresarial fortalecendo sua circulação. As características ou princípios são a abstratividade, cartularidade, literalidade, autonomia e independência.

                   A abstração é uma característica do cheque que admite sua desvinculação ao negócio que lhe deu origem, trazendo consigo uma boa fé imediata. Desta feita o cheque poderá circular seu valor sem que deva estar vinculado diretamente ao negócio jurídico que lhe originou, podendo o portador nem mesmo conhecer o emitente.

                    O artigo 13 da lei do cheque adverte:

Art . 13 As obrigações contraídas no cheque são autônomas e independentes.

Parágrafo único - A assinatura de pessoa capaz cria obrigações para o signatário, mesmo que o cheque contenha assinatura de pessoas incapazes de se obrigar por cheque, ou assinaturas falsas, ou assinaturas de pessoas fictícias, ou assinaturas que, por qualquer outra razão, não poderiam obrigar as pessoas que assinaram o cheque, ou em nome das quais ele foi assinado.

                   A cartularidade segundo o renomado Tomazette, na verdade é a materialização do título de crédito manifestado em papel, pressupondo necessária a apresentação do documento para o exercício do direito.(2009,p.24)

                   A Literalidade é a descrição de seu valor expresso e nada mais. Segundo Gladston Mamede Apud Tomazette: “na face do papel estão escritos, nos limites disciplinados pela lei, todos os elementos indispensáveis à compreensão jurídica do problema”(2009,p.30). Em outras palavras, no cheque vale o valor que está escrito, não podendo o portador presumir valor diferente do expresso literalmente na cártula.

                   Autonomia, por sua vez é uma garantia de negociabilidade do título, não obrigando o portador a ter conhecimento dos direitos que originaram a emissão deste.

                   Para Tomazette “qualquer pessoa de boa fé, que adquira a condição de credora do título de crédito, adquire um direito novo como se fosse um credor originário, não ocupando a posição do antigo credor”(2009, p.33).

                   A independência que este doutrinador manifesta não conta com a unanimidade na doutrina quanto a esta característica, mas explica que trata de não necessidade de outro documento para valer. Por si só já é válido não carecendo de suporte auxiliar para sua validade.

Gladston Mamede colabora, manifestando que a autonomia que os títulos de crédito devem exibir em concreto, ou seja, em cada caso, faz-se necessário examinar a cártula, na qual poderá haver elementos que a descaracterizem.(2006,p.326)

            Os requisitos genéricos para a criação de qualquer ato jurídico devem obedecer a previsão estampada no artigo 104 do Código Civil Brasileiro, senão veja-se:

Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:

I - agente capaz;

II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável;

III - forma prescrita ou não defesa em lei.

            Se o agente é considerado capaz é lícito que este emita títulos de crédito que sejam receptados pelo mercado com a devida segurança jurídica. A legislação é bastante rígida nas obrigações contraídas, e estas quando são manifestadas através do cheque não é diferente. Suas obrigações são autônomas e independentes, repetindo o princípio geral dos títulos de crédito ( 2006,p.383).

                        Este mesmo doutrinador acentua que excetuam-se as controvérsias estabelecidas diretamente entre o emitente e o portador, por relações pessoais havidas entre si, bem como, em relação a terceiro, quando tenha recebido o título de má fé, ou seja, tendo conhecimento de defeito existente no negócio fundamental. Logo se o título circulou, e não tendo o terceiro conhecimento de algum vício, não poderá o emitente opor-se devido as exceções pessoais. (2006,p.383)

 

 

3. DAS ESPÉCIES DE CHEQUE

 

                   Existem várias espécies de cheque que podem diferenciar quanto seu aspecto funcional, senão vejamos:

 

                            3.1. Cheque cruzado: O cheque cruzado por duas linhas paralelas em sua face, lançadas pelo sacador ou portador, restringe a sua circulação, pois só pode ser pago a um banco ou a um cliente do sacado. Existem duas modalidades de cruzamento, a geral e especial.

                      

                            3.1.1 Cruzamento geral: é a modalidade de cruzamento que somente indica que o cheque deve ser usado para depósito em conta.

 

                            3.1.2 Cruzamento especial: é a modalidade de cruzamento que consiste em que no cruzamento estará indicado o número do banco onde o cheque deve ser depositado, restringindo assim a liberdade de movimentação do título. Ou ainda o que chamamos de cruzamento em preto, que indica que o cheque somente pode ser depositado na conta da pessoa favorecida, o que evita assim por completo sua circulação. Desta feita, basta que seja lançado por extenso o nome da pessoa favorecida entre as linhas do cruzamento.

 

                            3.2 Cheque administrativo: Esse tipo de cheque permite que se possa ser emitido cheque contra o próprio banco sacador, desde que não ao portador. Na verdade este tipo de cheque é uma espécie em que o próprio banco emite para pagar alguém, o interessado se dirige a um banco e “compra” um cheque administrativo que irá usar em uma transação segura, já que o cheque foi emitido pelo banco, não tem risco algum para quem recebe.

 

                            3.3 Cheque especial: Muito comum no nosso mercado, este é o cheque que a priori deixa claro a existência de uma linha de crédito garantidora.  Os estabelecimentos bancários, a fim de acolherem e prestigiarem clientes de qualidade favorecem para eles a movimentação de contas sem que necessariamente tenham, no momento, fundos disponíveis. São os chamados, na prática, de "cheques especiais". É criada uma linha de crédito aberta ao titular da conta, que pode sacar sem a suficiente provisão de fundos próprios, quando previamente fixada por contrato entre as partes.

 

                       3.4  Traveller’s check ou cheque de viagem: É o cheque que serve para facilitar a segurança dos recursos que o viajante ou turista transporta consigo em suas viagens. Os estabelecimentos bancários que com eles operam, vendem o cheque isolado ou em talonários, de importâncias fixas, impressas no seu texto. Pode ser pago na própria agência emissora e outra qualquer do lugar ou de local diverso (que haja convênio para tal). O beneficiário assina a primeira vez na aquisição do título e consigna uma segunda vez no momento que for passar a alguém ou sacá-lo.

 

                       3.5 Cheque postal: São os vales ou cheques postais, adquiridos e sacados nas agências dos correios.

 

                       3.6 Cheque visado: Este tipo de documento é usado para que o emitente prove garantia total dos valores expressos na cártula. O  banco sacado debita na conta do emitente e garante o pagamento a pessoa em que o cheque estiver nominal. É aquele que a requerimento do sacador ou beneficiário, é visado pelo sacado, certificando que existem fundos disponíveis ao pagamento de tal título, bem como não mais serão estes fundos usados para pagamentos de outros cheques. Esse tipo de cheque foi acolhido pela Lei 7.357/85, não podendo ser tal espécie de cheque revogado durante o prazo legal de sua apresentação.

 

                       3.7. Cheque pós datado: Esta modalidade tão conhecida no mercado brasileiro é objeto de estudo frequente dos juristas nacionais. Esta espécie, segundo o ilustre Sérgio Carlos Covello é aquele emitido com cláusula de cobrança em determinada data. Mesmo sendo o cheque uma ordem de pagamento o vista a prática se cuidou de criar o cheque pós datado ou pré datado que é emitido com data para saque futuro.

 

4. DOS MOTIVOS DE DEVOLUÇÃO DO CHEQUE

 

                  O cheque poderá ser devolvido pelo banco sacado por vários motivos. Esse assunto é regulado pelo Banco Central do Brasil, que classificou cada devolução da seguinte forma, veja-se:

11 - insuficiência de fundos - 1ª apresentação;

12 - insuficiência de fundos - 2ª apresentação;

13 - conta encerrada;

14 - prática espúria (Compromisso Pronto Acolhimento);

20 - folha de cheque cancelada por solicitação do correntista;

21 - contra-ordem ou oposição ao pagamento;

22 - divergência ou insuficiência de assinatura;

23 - cheques de órgãos da administração federal em desacordo com o Decreto-Lei nº 200;

24 - bloqueio judicial ou determinação do BACEN;
25 - cancelamento de talonário pelo banco sacado;

26 - inoperância temporária de transporte;

27 - feriado municipal não previsto;

28 - contra-ordem ou oposição ao pagamento motivada por furto ou roubo;

29 - falta de confirmação do recebimento do talonário pelo correntista;

30 - furto ou roubo de malotes;

31 - erro formal de preenchimento;

32 - ausência ou irregularidade na aplicação do carimbo de compensação;

33 - divergência de endosso;

34 - cheque apresentado por estabelecimento que não o indicado no cruzamento em preto, sem o endosso-mandato;

35 - cheque fraudado, emitido sem prévio controle ou responsabilidade do estabelecimento bancário ("cheque universal"), ou ainda com adulteração da praça sacada;

36 - cheque emitido com mais de um endosso - Lei nº 9.311/96;

37 - registro inconsistente – CEL;

40 - moeda inválida;

41 - cheque apresentado a banco que não o sacado;

42 - cheque não compensável na sessão ou sistema de compensação em que apresentado e o recibo bancário trocado em sessão indevida;

43 - cheque devolvido anteriormente pelos motivos 21, 22, 23, 24, 31 e 34, persistindo o motivo de devolução;

44 - cheque prescrito;

45 - cheque emitido por entidade obrigada a emitir Ordem Bancária;

46 - CR - Comunicação de Remessa cujo cheque correspondente não for entregue no prazo devido;

47 - CR - Comunicação de Remessa com ausência ou inconsistência de dados obrigatórios;

48 - cheque de valor superior a R$ 100,00 sem identificação do beneficiário;

49 - remessa nula, caracterizada pela reapresentação de cheque devolvido pelos motivos 12, 13, 14, 20, 25, 28, 30, 35, 43, 44 e 45;

71 – inadimplemento contratual da cooperativa de crédito no acordo de compensação.

72 – contrato de compensação encerrado (cooperativas de crédito)

 

                  Observa-se então que o título de crédito em estudo pode ser devolvido por vários motivos relevantes. Dentre estes motivos o que nos parece ter envolvimento com o presente trabalho são os cheques sustados pelos motivos 20 e 21 , que são os cancelados por pedido do correntista ou contra ordem ou oposição deste.

                  Sendo o cheque uma ordem de pagamento à vista, no valor já estabelecido pelo emitente, ainda assim não é irretratável, podendo este sofrer uma contra ordem, revogando o seu pagamento. Neste caso o banco é comunicado pelo correntista sobre sua intenção motivada em frustrar o pagamento do título, porém não compete ao banco questionar seus motivos apresentados. A contra ordem somente produz seus efeitos somente após a expiração do prazo de apresentação.

                  Já a sustação ou oposição é capaz de promover o impedimento de pagamento do cheque imediatamente. Pode o correntista fazê-la via eletrônica, devendo ratificá-la em até dois dias úteis após a comunicação ao banco. Neste caso também não cabe ao banco indagar sobre os motivos da sustação ou oposição, mas se espera que foi baseado em relevantes razões de direito como dolo, coação ou mesmo descumprimento contratual. Nos casos de furto ou roubo, a circular do Bacen nº 2.655/96 prevê a necessidade de um Boletim de ocorrência policial.

 

CAPÍTULO II

 

 

1. A TEORIA DA CAUSA DEBENDI

 

                               O assunto deste tópico ainda é causador de muitas discussões nos tribunais, pois a busca da identificação da causa debendi é suscitada em sede de defesa alegando ser preciso a justificativa concreta da relação que originou a emissão do título de crédito cheque esquivando da obrigação contraída.

                  Ab initio, mister se faz entender o que é causa debendi. Segundo dicionário da língua portuguesa o termo em latim significa causa do débito ou causa da dívida.

                  Controverso é o assunto, pois neste trabalho busca identificar o exato momento em que a causa debendi se torna obrigatória quando se procede a cobrança judicial de um cheque visando seu recebimento.

                  O ilustre doutrinador Fran Martins leciona:

“o cheque é um titulo de crédito que tem a vocação de circular pela simples tradição manual. O cheque pode trazer menção ao portador ou mesmo não trazer especificação do beneficiário, em tal caso sendo considerado portador. Pode ainda o cheque trazer o nome do beneficiário, a sua transmissão se faz pelo endosso, tenha ou não cláusula à ordem. A nova Lei do Cheque, seguindo a orientação da Lei Uniforme, estabeleceu que ainda que não traga expressamente a cláusula à ordem, indicando o cheque uma pessoa como beneficiária, essa pode, apesar da ausência da cláusula à ordem, transmiti-lo pelo endosso." - (2008,p.55).

                               Realizando um negocio jurídico e usando um cheque como forma de pagamento, e permitindo a livre circulação deste, a obrigação de pagar o cheque deve ser cumprida, se o portador do cheque for terceiro de boa fé este não sofrerá as exceções do emitente. Trata-se de ato temerária qualquer recusa de pagamento com base no lastro da causa que originou a emissão, resguardado as ocasiões em que se constate ilicitude na sua emissão.

                  Neste sentido, o cheque goza de autonomia para sua circulação. Assevera Waldirio Bulgarelli, veja-se:

“A autonomia é requisito fundamental para a circulação dos títulos de crédito. Para esta ela, o seu adquirirente passa a ser titular de direito autônomo, independente da relação anterior entre possuidores. Em consequência, não podem ser oponíveis ao cessionário de boa fé as exceções decorrentes da relação extracartular, que eventualmente possam ser opostas ao credor originário.”(1989,P.56)

                               Claro então está que o obrigado cambial não pode oferecer contra o terceiro de boa fé nenhuma oposição de cunho pessoal inerentes ao emitente originário do título, salvo nos casos de má fé comprovada.

                  A má fé que poderá ser alegada pelo emitente surge na fase contratual do negócio efetuado, no qual seria cristalina a oposição entre o contratante e contratado. O que ocorre é que terceiro adquirente do cheque recebido em face da sua circulação geralmente não tem conhecimento do vício e nem tampouco da origem da dívida, pois a circulação deste é garantida e sua autonomia e abstração garantem. É o caso de que alguém que compra um cavalo mangalarga e paga com cheques e imediatamente descobre que o animal não é puro. Trata-se neste caso de má fé, podendo então opor-se ao pagamento do título de crédito. Já, se o título estiver sido passado a diante e este estiver em poder de terceiro, sem saber da má fé do vendedor este é considerado terceiro de boa fé, e na fase cambial não poderá este sofrer oposição pessoal.

                  Na fase cambial a má fé somente existe se comprovadamente o portador do título de crédito já soubesse do vício do negócio jurídico contratual e promoveu a circulação. O vício surge na fase contratual e carrega seus efeitos negativos para a fase cambial, possibilitando assim oposição de terceiro. Usando o mesmo modelo anterior, se no caso da venda do cavalo, o portador terceiro do título de crédito tivesse conhecimento da raça do cavalo e da venda maculada com a falsidade sobre a raça do animal, esse terceiro sofrerá diretamente a oposição de terceiro em virtude de sua má fé na distribuição do título.

                  A abstratividade e literalidade do título de crédito cheque é uma característica que o acompanha até sua liquidação, mas não se trata de uma premissa absoluta. A boa fé é a condição para a manutenção destas características, onde a discussão da origem da dívida somente pode ser verificada junto aos contratantes, excluindo o terceiro de boa fé, e somente envolvendo este nos casos de má fé comprovada.

                  O Superior Tribunal de Justiça em caso similar, manifestou sobre a execução de cheque, tendo como portador um terceiro de boa fé e decidiu:

"O cheque é título literal e abstrato. Exceções pessoais, ligadas ao negócio subjacente, somente podem ser opostas a quem tenha participado do negócio. Endossado o cheque a terceiro de boa fé, questões ligadas a causa debendi originária não podem ser manifestadas contra o terceiro legítimo portador do título. Lei 7.357/85, arts. 13 e 25. Recurso Especial conhecido e provido, para o restabelecimento da sentença de improcedência dos embargos" (STJ, Resp 2814/MT)

                               Outro julgado pertinente externa:

Número do processo: 2.0000.00.413944-0/000(1)

Relator: Des.(a) ANTÔNIO SÉRVULO

Relator do Acórdão: Des.(a) Não informado

Data do Julgamento: 10/03/2004

Data da Publicação: 27/03/2004

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE LOCUPLETAMENTO - CHEQUE - TÍTULO AUTÔNOMO E INDEPENDENTE - CAUSA DEBENDI - IRRELEVÂNCIA - TERCEIRO DE BOA-FÉ - SENTENÇA REFORMADA.

O denunciado não está, por lei ou por contrato, obrigado a ressarcir ao denunciante os prejuízos que venha a sofrer com o resultado da ação, não viola o art. 70, III, do Código de Processo Civil, a decisão que indefere a pretendida denunciação da lide.

É presumida a boa-fé de terceiro, portador do cheque, em face de sua autonomia, literalidade e abstração, não sendo meio hábil à sua infirmação frágeis alegações despidas de provas, devendo prevalecer o princípio da inoponibilidade das exceções pessoais, uma vez que lhe é estranha a causa debendi motivadora de sua emissão, a qual diz respeito, tão-somente, ao credor e devedor originários". (TAMG, 1ª Câmara Cível, Apelação nº 310.617-4, Relator Juiz Nepomuceno Silva, j. 29.08.2000, decisão unânime).

 

          Assevera ainda este outro julgado, veja-se:

EMBARGOS À EXECUÇÃO. CHEQUE. ENDOSSO. OPERAÇÃO DE FACTORING. ALEGADA AUSÊNCIA DE CAUSA DEBENDI. INCOMPROVADA MÁ-FÉ DA ENDOSSATÁRIA NA AQUISIÇÃO DO TÍTULO. INOPONIBILIDADE DAS EXCEÇÕES PESSOAIS DO DEVEDOR CONTRA O ENDOSSATÁRIO DE BOA-FÉ. Não são oponíveis as exceções relativas ao negócio jurídico subjacente contra o endossatário de boa-fé, face à autonomia e abstração inerente ao título, que circulou mediante endosso e operação de factoring. Incomprovada má-fé da endossatária na obtenção do endosso. Sentença de improcedência confirmada. RECURSO IMPROVIDO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70008093858, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Cláudio Augusto Rosa Lopes Nunes, Julgado em 30/06/2005).(grifo nosso)

               

                               Exposto está nos julgados anteriores que na execução, onde se tem um título de crédito extrajudicial, certo, líquido e exigível não será possível buscar pela escusas com o argumento da ausência da causa debendi e se estiver se tratando de ação de locupletamento indevido ou monitória não há de se falar também em causa debendi. A prova da dívida é desnecessária, pois se trata de título que goza de autonomia e literalidade, podendo tão somente sofrer oposições pessoais se estiver se tratando de terceiro portador que agiu de má fé ou tinha conhecimento de vício na fase contratual.

 

2. O SURGIMENTO DA CAUSALIDADE

 

                   Abordar a causalidade em um título de crédito abstrato é tema bastante controverso na direito empresarial. Segundo Gladston Mamede:

“A compreensão do cheque como título autônomo e abstrato, todavia não pode fazer-se de maneira absoluta, conduzindo teoria e, designadamente, prática a situações absurdas, resultantes de uma postura formalista extrema.”(2009,p.263)

                   A abstratividade do cheque deve ser abandonada ou deve a causa debendi ser analisada nos casos onde foi detectado erro no negócio jurídico por vício contratual ou mesmo por erro, dolo e coação.

                   O Código Civil Brasileiro é cristalino quanto à anulabilidade do negocio jurídico que apresenta vício na fase contratual. Os defeitos do negócio jurídico são os vícios de consentimento como erro, dolo e coação.

                   Estão ligados a divergência na vontade do emitente, dando uma idéia de ação não verdadeira, permitindo alegações de nulabilidade do ato e por conseguinte o cheque que tenha sido usado como forma de pagamento em transação comercial.

                               Contribui ainda a lei do cheque quanto a impossibilidade de oposições de terceiros de boa fé, veja-se:

                   O artigo 25 da Lei 7.357 assevera:

Art . 25 “Quem for demandado por obrigação resultante de cheque não pode opor ao portador exceções fundadas em relações pessoais com o emitente, ou com os portadores anteriores, salvo se o portador o adquiriu conscientemente em detrimento do devedor.”

                   Desta feita a oposição de terceiro de boa fé é causador de grandes conflitos, pois o desconhecimento ainda leva muitos a postergarem o inevitável, que é o pagamento do título de crédito.

                   Como já dito anteriormente na fase cambial, a Ação de execução onde se tem um título de crédito extrajudicial líquido, certo e exigível não prescinde prova outra senão o cheque.

                   Na Ação de Enriquecimento ilícito, que segundo o doutrinador André Luiz Santa Cruz Ramos:

“esta espécie de  ação específica na legislação checaria prescreve em dois anos, contados a partir do término do prazo prescricional. Destaque-se que se trata de ação cambial, ou seja, nela o cheque conserva suas características intrínsecas de título de crédito, como autonomia e a consequente inopobilidade das exceções pessoais ao terceiro de boa fé. Segue todavia o rito ordinário de uma ação de conhecimento, uma vez que com a prescrição o cheque perdeu, como dito, a sua executividade.”(2009,p.265)

                   Portanto, na modalidade de Ação de Locupletamento ilícito não prescinde de comprovação de causa debendi.

                   Na ação monitória existem controversas diversas, onde a corrente majoritária manifesta que também não prescinde de comprovação da causa debendi, ocorrendo uma verdadeira inversão do ônus da prova do débito, onde, se o devedor não comprovar o pagamento do débito o cheque subsiste como dívida comprovada, veja este julgado:

PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO MONITÓRIA – CHEQUE PRESCRITO – DOCUMENTO HÁBIL À INSTRUÇÃO DO PEDIDO – IMPUGNAÇÃO – INICIAL – DESCRIÇÃO DE CAUSA DEBENDI – DESNECESSIDADE – I. A jurisprudência do STJ é assente em admitir como prova hábil à comprovação do crédito vindicado em ação monitória cheque emitido pelo réu cuja prescrição tornou-se impeditiva da sua cobrança pela via executiva. II. Para a propositura de ações que tais é despicienda a descrição da causa da dívida. III. Recurso Especial conhecido e provido. (STJ – RESP 402699 – DF – 4ª T. – Rel. Min. Aldir Passarinho Junior – DJU 16.09.2002)

Corrobora ainda com esta corrente mais este julgado, veja-se:

PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO MONITÓRIA – CHEQUE PRESCRITO – DOCUMENTO HÁBIL À INSTRUÇÃO DO PEDIDO – IMPUGNAÇÃO – ÔNUS DA PROVA CONTRÁRIA QUE CABE AO RÉU – REVISÃO FÁTICA – IMPOSSIBILIDADE – SÚMULA Nº 7/STJ – I. A jurisprudência do STJ é assente em admitir como prova hábil à comprovação do crédito vindicado em ação monitória cheque emitido pelo réu cuja prescrição tornou-se impeditiva da sua cobrança pela via executiva. II. Apresentado pelo autor o cheque, o ônus da prova da inexistência do débito cabe ao réu. III. "A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial" (Súmula nº 07 do STJ). IV. Recurso especial conhecido pela divergência e desprovido. (STJ – RESP – 285223 – MG – 4ª T. – Rel. Min. Aldir Passarinho Junior – DJU 05.11.2001 – p. 00116).

                   Cristalino está que na ação monitória também não prescinde a causa debendi. Claro está então que nos moldes convencionais de cobrança de cheque via judicial a comprovação da causalidade se dá após transcorrido o prazo de dois anos mais o prazo de execução e de apresentação.

         
3. DAS POSSIBILIDADES DE OPOSIÇÃO DE TERCEIROS NA COBRANÇA JUDICIAL DO CHEQUE

 

         A manutenção das características do cheque subsiste nas mais variadas situações, e a possibilidade de se reduzir a autonomia e abstração será sempre relativa e limitada. A prática empresarial externa a importância de se colocar no anverso do título a descrição da relação negocial que está dando origem, de certa forma vinculando o cheque a realização daquele ato. Este ato não vincula terceiros, porém é uma manifestação legal que poderá obstar uma execução ou ação de enriquecimento ilícito se a parte não houver cumprido com sua parte da negociação. Mamede define de forma segura de que:

“a autonomia e a independência das obrigações cambiárias interpretam-se tendo em vista o princípio da segurança cambiária, ou seja, aplicam-se sempre para preservar terceiros de boa fé.”(2009,p.235)

                               O objeto do estudo, cheque, que tem como característica a abstratividade e literalidade quando levado às vias judiciais por um terceiro para que se proceda ao recebimento, não raras vezes encontra como defesa a comprovação da causa debendi.

                               Como foi visto anteriormente a causa debendi não prescinde para a cobrança judicial do cheque em fase cambial e também na Ação de Locupletamento Ilícito (artigo 61, Lei 7.357/85), e terceiro de boa fé não de pode sofrer oposições de exceções pessoais, pois esta é uma característica que o cheque carrega consigo. Ultrapassado a fase contratual, na fase cambial o emitente do cheque somente pode opor-se ao primeiro beneficiário, mas se o título está em circulação não poderá este opor-se ao portador.

                  No título de crédito cheque, sendo um título abstrato será incólume a qualquer objeção ou exceções referente ao negócio jurídico, justamente por se tratar de um título cambiário abstrato.      

                O que justifica tal inoponibilidade é que se o terceiro não participou da emissão do título e somente o conheceu na fase da circulação, por presunção este não sabia de qualquer vício ou objeção ao negócio jurídico. O título de crédito cheque poderá ser facilmente impedido de sua circulação. Para tanto basta, ao final do espaço onde se insere o nome do portador, o emitente deve inserir a frase: “NÃO À ORDEM”, em substituição do que já se encontra impresso, “ou à sua ordem”. Com isso expressamente o emitente do título de crédito vedou sua circulação, pois quer este resguardar a contra prestação na qual se originou o negócio jurídico e qualquer circulação deverá ser efetuada através de cessão de crédito (direito civil).

Contribui nesta mesma seara o sapiente Fabio Ulhoa Coelho:

O cheque tem implícita a clausula “a ordem”, que significa dizer que se transmite normalmente mediante endosso. O endossante, é claro, torna-se codevedor do título de crédito e está sujeito a execução. Pode-se também incluir a cláusula “não a ordem”, hipótese em que sua circulação será regida pelo direito civil e não cambiário. Nesta hipótese o mestre Mamede explana bem a diferença: As duas diferenças entre a cessão civil e endosso e endosso: O transmitente responde pela solvência do devedor quando endossante( LC Art 21) mas não responde se é cedente, O recebedor está imunizado perante exceções pessoais se endossatário,LC Art 25), mas não está quando é cessionário do cheque.”(2011,p.461)

 

            Quando se trata de vícios em sua criação, seja de incapacidade civil da pessoa, falsidade de identidade ou fraude de identidade, oposição de assinaturas, a objeção ao terceiro de boa fé é clara e legal, pois o emitente não participou da criação do titulo e nem de sua emissão. Neste caso o terceiro de boa fé pode sim sofrer oposições legais ao título, devendo este recorrer a outra pessoa da cadeia de endossos ou sucumbir no prejuízo por ausência de cuidados na receptação do título de crédito.

         Portanto a oposição de terceiros deve se fundar na comprovação de conhecimento de má fé dos participantes na negociação e circulação do título ou também se houve vício insanável na fase contratual onde o titular da conta corrente que originou o cheque realmente não o emitiu ou houve erro no negocio jurídico.

 

   CONCLUSÃO

 

                  Conclui-se então que o título de crédito cheque é regido por norma que assegura a manutenção de suas características e princípios durante sua circulação, de forma sistemática, mas não engessada.

                   A legislação pertinente é cristalina ao defender a necessidade da segurança jurídica para a circulação deste título de crédito.

                   O fato de se ter a circulação do título de crédito cheque como circulador de riquezas faz necessário que se entenda as impossibilidades de se opor ao terceiro de boa fé. A segurança jurídica é necessária para se manter esta circulação sem contudo promover o enriquecimento indevido do emitente, que de forma equivocada busca justiça com as próprias mãos, por via de sustação de cheques ou oposição ao pagamento (contra ordem) deste.

                   A inoponibilidade ao terceiro de boa fé é o que mantém a segurança jurídica na fase de  circulação do cheque. Excluindo as causas que anulam o negócio jurídico em sua fase contratual o emitente não poderá alegar exceções pessoais ao terceiro de boa fé. Em sede de cobrança judicial, a execução o cheque, é titulo líquido, certo e exigível. Em sede de ação de conhecimento denominada Ação de Enriquecimento indevido ou Locupletamento Ilícito previsto no artigo 61 da lei 7.357/61 e na Ação Monitória não há de se falar em causa debendi, ou causa da dívida.

                   Desta feita o portador pode demandar a cobrança jurídica do título de crédito devolvido pelo banco sem seu devido pagamento, seja por insuficiência de fundos, sustação ou oposição ao pagamento, quando utilizar as medidas jurídicas acima externadas sem que o emitente possa elencar as oposições a este terceiro, que de boa fé adquiriu este título via negociação jurídica.

         Tem-se então a situação de que, se o portador é terceiro de boa fé e não tinha conhecimento de qualquer vício ou erro que maculava o ato negocial na fase do contrato, na fase da cobrança judicial do cheque não poderá este sofrer oposições de terceiro. As alegações de ilegalidade da origem da dívida não alcança este terceiro de boa fé, devendo o emitente cumprir a obrigação e se houve alguma razão que este motiva vício ou nulabilidade deverá o emitente ingressar com ação própria contra o outro contratante, excluindo o terceiro de boa fé.

        
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