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Resumo:
AUSÊNCIA DE CAPACIDADE POSTULATÓRIA TAMBÉM É CAUSA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER
Texto enviado ao JurisWay em 11/05/2012.
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AUSÊNCIA DE CAPACIDADE POSTULATÓRIA TAMBÉM É CAUSA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER
Por Carlos Eduardo Rios do Amaral
Desde 1º de Janeiro de 1942, data do início de vigência de nosso atual Código de Processo Penal, a tradicional relação jurídica processual nas Varas Criminais comuns se desenvolviam entre Ministério Público, Juiz e Réu. A vítima não era tida como um dos protagonistas dos Autos, mas apenas como meio de prova acerca das circunstâncias do delito praticado pelo agente. Sua tímida habilitação como assistente de acusação no processo se dava em busca do título judicial para execução no cível, podendo seu ingresso nos Autos, sob a ótica do CPP, vir a ser recusado em despacho irrecorrível.
Quebrando essa ilógica e inaceitável ortodoxia processual, depois de longos 64 anos e, ainda, só após a adesão do Brasil à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres das Nações Unidas e à Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher da Organização dos Estados Americanos, através da Lei nº 11.340, de 07 de Agosto de 2006 – a chamada “Lei Maria da Penha”, a mulher em situação de violência doméstica e familiar passa a se fazer presente a todos os atos e termos do processo que lhe diz respeito.
Dedicando um Capítulo à ativa participação da vítima no processo, diz a Lei Maria da Penha:
“CAPÍTULO IV
DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA
Art. 27. Em todos os atos processuais, cíveis e criminais, a mulher em situação de violência doméstica e familiar deverá estar acompanhada de advogado, ressalvado o previsto no art. 19 desta Lei.
Art. 28. É garantido a toda mulher em situação de violência doméstica e familiar o acesso aos serviços de Defensoria Pública ou de Assistência Judiciária Gratuita, nos termos da lei, em sede policial e judicial, mediante atendimento específico e humanizado”.
A mesma Lei ainda arremata nas suas “Disposições Finais” dizendo que a União e os Estados deverão criar e promover, no limite das respectivas competências, Núcleos de Defensoria Pública especializados no atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar.
Poucos anos mais tarde, em 2009, é alterada a Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública, para expressamente se incumbir a esta Instituição o exercício da defesa dos direitos e interesses individuais e coletivos da mulher vítima de violência doméstica e familiar e de outros grupos sociais vulneráveis que mereçam proteção especial do Estado.
Destarte, com o advento da Lei Maria da Penha, passa a mulher a ter capacidade postulatória para dizer em juízo de suas aflições e sofrimentos vivenciados dentro do lar. O Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher é criado no seu interesse, contando com acolhedora Equipe de Atendimento Multidisciplinar. Todo o ambiente arrefecido das Varas Criminais comuns é definitivamente deixado para trás.
A mera e qualquer possibilidade de reiteração criminosa, que possa importar em risco para a vítima ou descumprimento de medidas protetivas de urgência, através de sua representação ativa no processo feito pela Defensoria Pública, é pronta e eficazmente comunicado nos Autos, requerendo-se o que se fizer necessário para o restabelecimento da ordem pública, ameaçada pelo comportamento rebelde do agressor. De sua prisão preventiva até uma advertência judicial, tudo poderá ser requerido a bem da mulher pelo Defensor Público oficiante perante o JVDFM.
É através da atuação da Defensoria Pública, de seu Núcleo especializado no atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, que a vítima consegue se expressar no processo, traduzindo seus anseios e temores, em petição escrita dirigida ao Juiz. A isso chamamos de capacidade postulatória. Sem ela, o processo não ganha vida, o Julgador deixa de tomar conhecimento a respeito do que esteja acontecendo com a ofendida. E o pior, deixa-se de se dar ciência nos Autos do inadimplemento das medidas protetivas de urgência pelo agressor, que deveria muitas vezes resultar na sua prisão preventiva, para proteção da mulher.
Em verdade, o que muitos agressores apostam, não é na deficiência da Justiça, mas, sim, na ausência de capacidade postulatória da mulher para participar do processo, com o objetivo de revelar ao Magistrado seu comportamento indomável e violento. Acredita o agressor do lar que sua mulher sequer será ouvida, uma vez que é pessoa de poucos recursos financeiros, sem condições de contratar um Advogado particular. Imagina que sua pobre mulher, com o filho no colo, será uma intrusa no Fórum e, certamente, regressará para a casa, conformada com o comportamento irremediável de seu carrasco.
“O que não está nos Autos não está no Mundo”. É um velho brocardo latino válido até os dias de hoje. Por isso, a questão da capacidade postulatória da mulher vítima da violência doméstica e familiar, para articular suas pretensões em cotejo com a legislação vigente, adotando a melhor profilaxia processual para o seu caso, é matéria da mais alta e sublime relevância, questão de sua sobrevivência muitas vezes.
Se deve ser abolida ou não a capacidade postulatória da parte, permitindo que esta se dirija por escrito ao Juiz mesmo sem patrono constituído nos Autos, é outra história, que só pode ser revolvida através de alteração das leis de processo, após debates no Congresso Nacional. O que temos hoje é a regra da obrigatoriedade e indispensabilidade da capacidade postulatória: “Art. 36. A parte será representada em juízo por advogado legalmente habilitado” (CPC). O conhecimento técnico e especializado da vasta e confusa legislação brasileira recomenda a regra da capacidade postulatória através de Advogado ou Defensor Público constituído nos Autos.
Sonegar à mulher vítima de violência doméstica a capacidade postulatória é, em última análise, franquear ao agressor fazer o que bem entenda com sua vítima, é dar-lhe um ingresso para nocautear sua ofendida como e quantas vezes bem entender. Afinal, sem essa capacidade técnica de falar em juízo, nada será consignado no processo e, assim, o Juiz não tomará conhecimento da reiteração criminosa do agressor, que poderia custar a este a privação cautelar da liberdade, seu afastamento do lar, abrigamento da vítima ou outra medida para contê-lo.
Muitas vítimas diante da inexistência da capacidade postulatória passam a colecionar Boletins de Ocorrência, acreditando que tal estratégia possa desencorajar seus agressores. Logo descobrem a ineficiência dessa compilação. Boletim de Ocorrência não é petição, é dirigido à Autoridade Policial, não ao Juiz da causa. É no processo judicial que deve ser comunicada a investida e o avanço criminoso do agressor.
Em julgamentos históricos que aconteceram neste Ano de 2012, o Supremo Tribunal Federal, repetidas vezes, ressaltou o papel da Defensoria Pública enquanto Instituição essencial para preservação dos direitos e garantias fundamentais do cidadão e de grupos sociais vulneráveis.
Recentemente, o Ministério da Justiça divulgou relatório acerca da violência contra a mulher no Brasil. A cada cinco minutos, uma mulher é agredida no País. E, em quase 70% dos casos, quem espanca ou mata a mulher é o namorado, marido ou ex-marido, companheiro ou ex-companheiro.
A quem interessa sonegar a capacidade postulatória em juízo à mulher brasileira vítima de agressão no lar? A quem interessa seu silêncio nos Autos?
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Carlos Eduardo Rios do Amaral é Defensor Público do Estado do Espírito Santo
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