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A Responsabilidade de Sócios, Diretores e Gerentes nos Crimes Contra a Ordem Tributária


Autoria:

Thiago Lauria


Mestre em Direito Processual Penal pela UFMG. Especialista em Ciências Penais pela UGF. Graduado em Direito pela UFMG.

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Resumo:

Artigo que versa sobre a necessidade de se expurgar do Direito Penal a responsabilidade objetiva, em especial nos crime societários

Texto enviado ao JurisWay em 28/09/2006.

Última edição/atualização em 01/11/2006.



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A Lei n° 8.137, que tipificou as condutas consideradas crimes contra a ordem tributária, foi promulgada em 1990. O Código Penal Brasileiro já é sexagenário, do ano de 1940. Entretanto, quando o tema em questão são os crimes contra a ordem tributária, alguns juristas parecem ainda estar vivendo no século XVIII, antes mesmo da obra do Marquês de Beccaria. Vejamos o motivo de nossa indignação.
 
A Constituição Federal de 1988 consagrou no Brasil o princípio da culpabilidade, princípio de Direito Penal bastante desenvolvido pela doutrina desde a obra de Von Lizt. O eminente autor Rogério Greco, procurador de justiça do Estado de Minas Gerais, define em sua obra que “o princípio da culpabilidade não se encontra no rol dos chamados princípios constitucionais expressos, podendo, no entanto, ser extraído do texto constitucional, principalmente do chamado princípio da dignidade da pessoa humana”.
 
O princípio da culpabilidade possui três sentidos: culpabilidade como elemento do conceito analítico de crime; culpabilidade como elemento de medida da pena; culpabilidade como conceito contrário à responsabilidade penal objetiva. Interessa-nos, em particular, esse último sentido.
 
O Direito Penal veda a chamada responsabilidade sem culpa. Um determinado agente somente poderá ser responsabilizado penalmente se houver obrado com dolo ou culpa. Caso não esteja presente, no caso concreto, o elemento subjetivo, o dolo ou a culpa, o tipo penal não estará perfeito, pelo que não haverá crime algum. O professor Nilo Batista, na obra Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro (manual cuja leitura deveria ser obrigatória para todos os juristas militantes na área penal), leciona que “não cabe, em Direito Penal, uma responsabilidade objetiva, derivada tão-só de uma associação causal entre a conduta e um resultado de lesão ou perigo para um bem jurídico”.
 
Em suma, o agente nunca poderá ser responsabilizado por um resultado imprevisível, apenas quando houver obrado com dolo ou culpa.
 
Os problemas começam a surgir quando estão sendo analisados os chamados delitos societários. Os delitos societários são crimes praticados em favor ou no ambiente de sociedades comerciais, instituições financeiras, empresas ou outras entidades. Muitas vezes, são delitos cometidos em pluralidade de agentes. Exatamente nesse ponto é que as dificuldades começam. Afinal, como identificar, no caso concreto, quem, dentro da empresa, laborou dolosamente, com o objetivo de sonegar tributos, causando ao mesmo tempo uma lesão ao Fisco e lucro para a empresa? Como identificar exatamente quem era o agente com poderes reais de atuação, com capacidade para tomar decisões estratégicas em matéria tributária?
 
Como se vê, a questão é complexa. Se pensarmos em empresas que possuem milhares de funcionários, a questão se torna ainda mais intrincada. A solução que vem sendo encontrada por alguns representantes do Ministério Público (e digo alguns, pois existem vários membros do MP que exigem indícios mínimos de participação antes de oferecer a denúncia) é a mais cômoda: buscar a condenação de sócios, diretores ou gerentes, nos termos do contrato social.
 
São vários os problemas decorrentes dessa decisão. Em primeiro lugar, tem-se que as informações constantes do contrato social não constituem uma presunção absoluta contra sócios e diretores. Podem consistir, e isso não pode ser negado, um indício de participação na conduta fraudulenta, um ponto de partida para as investigações que serão realizadas pela polícia judiciária. Contudo, a utilização única do contrato social como meio hábil a ensejar uma denúncia, já é bastante discutível. Mais que isso, condenar um cidadão simplesmente pelo fato de constar de um documento poderes gerenciais é simplesmente absurdo. Uma verdadeira afronta ao princípio constitucional da culpabilidade.
 
Assim, antes de tudo, deve-se ter em mente que: ser sócio de uma empresa não é crime; ser diretor de uma empresa não é crime; e ser gerente de uma empresa tampouco é crime. A conduta do agente deve ser minimamente individualizada a fim de que seja proposta a denúncia. De fato, os rigores do art. 41 do CPP são amenizados quando se trata de delitos societários. Todavia, uma descrição mínima da conduta fraudulenta deve estar presente na denúncia, até para permitir a concretização do princípio constitucional da ampla defesa.
 
Para fundamentar uma condenação, simples indícios não bastam. É necessário que haja certeza, que hajam sido produzidas provas contundentes, ao longo da instrução processual, acerca da atuação dolosa do agente (vez que os crimes de sonegação fiscal não admitem a forma culposa) para que haja a sua responsabilização penal.
 
Para ilustra, lancemos um exemplo, que ocorre na prática forense. Um determinado cidadão, tido como sócio gerente no contrato social, é indiciado em inquérito policial em virtude da verificação da conduta conhecida como “calçamento” de notas fiscais. Tal conduta consiste em uma sonegação de ICMS, a partir do lançamento de valores diferentes nas notas fiscais emitidas pelo estabelecimento comercial.
 
O inquérito apura que houve o calçamento de notas fiscais, a partir das informações prestadas pela Receita Federal. Os autos são enviados ao Ministério Público. O que ocorre com freqüência é que os representantes ministeriais denunciam todos os cidadãos que constam do contrato social como incursos nas penas do crime de sonegação fiscal. E, com uma freqüência ainda maior, pedem a condenação do sócio gerente, ou dos diretores responsáveis pela área fiscal. Outrossim, se há a absolvição em primeira instância, recorrem insistentemente das decisões.
 
Causa estranheza esse posicionamento. Um das características mais marcantes do capitalismo contemporâneo, do chamado pós-modernismo, é a separação operada entre os detentores dos meios de produção e os executores das políticas empresariais. Ou seja: o sócio gerente, ou o diretor, muitas vezes têm sua participação reduzida. São meros fornecedores de capital. As decisões, inclusive a de realizar uma fraude ao Fisco, são realizadas por gerentes ou funcionários contratados que, na prática, exercem a função de administração da empresa.
 
Repetimos não se tratar de uma regra. Existem inúmeros promotores e procuradores que chegam até a pedir o arquivamento do inquérito policial, ou a absolvição do réu, quando não existem indícios ou provas suficientes a ensejarem a responsabilização. Contudo, também são muitas as exceções.
 
A verdade é que a odiosa responsabilidade objetiva deve ser afastada também nos crimes societários. Diretores, sócios, administradores, gerentes e funcionários podem e devem ser punidos pela prática de crimes contra a ordem tributária, mas apenas quando restar comprovado que obraram dolosamente para a consecução daquele crime. De fato, é difícil, na prática, demonstrar a conduta de cada um dos agentes em um delito societário. Mas a mesma prática mostra que isso é possível. Inquéritos policiais e instruções processuais realizadas de forma diligente vêm culminando em condenações dos sonegadores, atendendo ao mesmo tempo ao ideal de justiça, à necessidade de punição dos infratores, e aos princípios constitucionais.
 
Felizmente, essa é a posição que vem sendo adota pelos Tribunais Superiores (STF e STJ), coibindo abusos e respeitando o princípio constitucional da culpabilidade. Note-se, em especial, a decisão abaixo, proferida recentemente pelo Pretório Excelso, em que é registrada inclusive uma mudança de entendimento da jurisprudência em torno do tema, inclusive com menção a inúmeros precedentes:
 
EMENTA: 1. Habeas Corpus. Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional (Lei no 7.492, de 1986). Crime societário. 2. Alegada inépcia da denúncia, por ausência de indicação da conduta individualizada dos acusados. 3. Mudança de orientação jurisprudencial, que, no caso de crimes societários, entendia ser apta a denúncia que não individualizasse as condutas de cada indiciado, bastando a indicação de que os acusados fossem de algum modo responsáveis pela condução da sociedade comercial sob a qual foram supostamente praticados os delitos. Precedentes: HC no 86.294-SP, 2a Turma, por maioria, de minha relatoria, DJ de 03.02.2006; HC no 85.579-MA, 2a Turma, unânime, de minha relatoria, DJ de 24.05.2005; HC no 80.812-PA, 2a Turma, por maioria, de minha relatoria p/ o acórdão, DJ de 05.03.2004; HC no 73.903-CE, 2a Turma, unânime, Rel. Min. Francisco Rezek, DJ de 25.04.1997; e HC no 74.791-RJ, 1a Turma, unânime, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ de 09.05.1997. 4. Necessidade de individualização das respectivas condutas dos indiciados. 5. Observância dos princípios do devido processo legal (CF, art. 5o, LIV), da ampla defesa, contraditório (CF, art. 5o, LV) e da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1o, III). Precedentes: HC no 73.590-SP, 1a Turma, unânime, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 13.12.1996; e HC no 70.763-DF, 1a Turma, unânime, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 23.09.1994. 6. No caso concreto, a denúncia é inepta porque não pormenorizou, de modo adequado e suficiente, a conduta do paciente. 7. Habeas corpus deferido”. (STF. HC 86879 / SP. Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA. Publicação: DJ 16-06-2006)
 
CRIMINAL. RHC. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. INÉPCIA DA DENÚNCIA. CRIME SOCIETÁRIO. IMPUTAÇÃO BASEADA NA CONDIÇÃO DE SÓCIO DE EMPRESA. NECESSIDADE DE DESCRIÇÃO MÍNIMA DA RELAÇÃO DO PACIENTE COM OS FATOS DELITUOSOS. OFENSA AO PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA. ANULAÇÃO DO FEITO DETERMINADA. PLEITO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. EXTENSÃO DOS EFEITOS DA DECISÃO AO CO-RÉU. AUSÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO. PENDÊNCIA DE PROCESSO ADMINISTRATIVO. FALTA DE JUSTA CAUSA. ARGUMENTOS PREJUDICADOS. RECURSO PROVIDO.I. Hipótese na qual o Ministério imputou ao paciente a suposta prática de crime contra a ordem tributária, pois, na qualidade de administrador de empresa, teria realizado, em tese, importações para terceiros mediante sonegação fiscal, sem, contudo, demonstrar qualquer vínculo entre a condição de administrador de sociedade e a ação supostamente criminosa. II. O entendimento desta Corte – no sentido de que, nos crimes societários, em que a autoria nem sempre se mostra claramente comprovada, a fumaça do bom direito deve ser abrandada, não se exigindo a descrição pormenorizada da conduta de cada agente –, não denota que o órgão acusatório possa deixar de estabelecer qualquer vínculo entre o denunciado e a empreitada criminosa a ele imputada. III. O simples fato de ser sócio, diretor ou administrador de empresa não autoriza a instauração de processo criminal por crimes praticados no âmbito da sociedade, se não restar comprovado, ainda que com elementos a serem aprofundados no decorrer da ação penal, a mínima relação de causa e efeito entre as imputações e a sua função na empresa, sob pena de se reconhecer a responsabilidade penal objetiva. IV. A inexistência absoluta de elementos hábeis a descrever a relação entre os fatos delituosos e a autoria ofende o princípio constitucional da ampla defesa, tornando inepta a denúncia. Precedentes do STF e do STJ. V. Deve ser declarada a inépcia da denúncia e determinada a anulação da ação penal em relação ao paciente. VI. Evidenciado que a inépcia da exordial recai também sobre os co-réus, resta configurada a identidade de situação processual entre o acusado e estes, devendo ser estendidos os efeitos da presente ordem de habeas corpus aos denunciados MARCELO MAGRIM e MARIA CARLIM DOS SANTOS. VII. Diante da anulação da inicial acusatória, restam prejudicados os demais argumentos da defesa, relativos ao pedido de trancamento da ação penal. VIII. Recurso provido, nos termos do voto do Relator”. (STJ. RHC 19764 / PR. MIN. GILSON DIPP. DJ 25.09.2006)
 
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