Muitos são os debates travados dentro da doutrina brasileira acerca da constitucionalidade da responsabilização penal da pessoa jurídica nos crimes ambientais. Todavia, após o Superior Tribunal de Justiça ter se posicionado pela constitucionalidade da responsabilidade penal da pessoa jurídica, essa discussão perdeu um pouco de fôlego.
A questão, entretanto, não deixou de ser polêmica. Agora, discute-se se a atual Teoria do Crime poderia ser aplicada às pessoas jurídicas, ou se, pelo contrário, a mesma seria imprópria para tanto. Surgem, então, correntes distintas.
Um primeiro grupo de juristas defende que a Teoria do Crime é inaplicável aos delitos cometidos por pessoas jurídicas. Esses juristas alegam que a empresa não pode ser responsabilizada por um fato de terceiro, pois isso iria de encontro ao princípio da responsabilidade pessoal. Da mesma forma, argúem que a pessoa jurídica, pela sua própria natureza, não teria vontade (que só as pessoas naturais possuem) e, consequentemente, faltar-lhes-ia o dolo.
Por fim, essa corrente afirma que a responsabilidade penal da pessoa jurídica afronta os princípios da culpabilidade e da personalidade das penas, que são pilares da Teoria do Crime.
Em oposição a essa corrente, outro grupo de juristas defende a possibilidade de aplicação da Teoria do Delito às pessoas jurídicas, mas adaptada às peculiaridades decorrentes da natureza jurídica das mesmas. Entretanto, essa teoria encontra dificuldades intransponíveis, vez que é impossível adaptar o elemento subjetivo do tipo e a consciência da ilicitude a um ente criado apenas pelo Direito, como a pessoa jurídica, que é desprovida de vontade. Logo, com razão, nesse ponto, a primeira corrente.
Data venia, esta Coordenadoria não concorda com nenhuma das duas correntes expostas acima. Filiamo-nos a uma terceira corrente (cujo maior expoente é a obra do respeitado jurista Fernando Galvão), que entende pela possibilidade de se reconhecer a responsabilidade penal da pessoa jurídica, mas a partir da aplicação de requisitos diversos, diferentes daqueles existentes dentro da Teoria do Crime tradicional. Em outras palavras, entendemos pela não aplicação da Teoria do Crime às pessoas jurídicas.
Ao contrário do que muitas vezes se pensa, a Teoria do Crime é um fenômeno recente. O Direito Penal já existe desde que se formaram as primeiras tribos, as primeiras experiências humanas de convivência em sociedade. Egípcios, mesopotâmios, hebreus, fenícios, persas, todos esses povos antigos já lidavam com o Direito Penal. Já definiam condutas como crimes e aplicavam penas. Mas sequer haviam ouvido falar em Teoria do Crime.
Ressalte-se que na Idade Média, mas principalmente na Idade Antiga, eram comuns que fossem impostas sanções coletivas às famílias, às tribos e às comunas, em virtude de atos praticados por um de seus membros. Exemplo claro de responsabilidade coletiva e difusa. Logo, não se pode sequer falar que esse modo de responsabilização constitui uma novidade, ou mesmo uma “revolução” dentro do Direito Penal.
A responsabilidade jurídica da pessoa penal é uma opção política. Existem países que a adotam (EUA, Japão), bem como outros que a rechaçam (Alemanha, Itália). Tendo a CF/88 previsto expressamente essa possibilidade, é dever dos operadores do Direito criar mecanismos para a sua aplicação.
Assim, entendemos que um outro grupo de requisitos, diferente daqueles previstos na Teoria do Crime, deve ser utilizado para a responsabilização da pessoa jurídica. Tais requisitos, retirados do artigo 3° da Lei n° 9.605/98, seriam:
1) Deliberação do ente coletivo
2) Autor material vinculado à pessoa jurídica
3) Infração praticada no interesse ou benefício da pessoa jurídica, na esfera de suas atividades.
Além disso, apenas as pessoas jurídicas de direito privado podem ser responsabilizadas penalmente, vez que a própria natureza das sanções previstas na lei torna impossível a responsabilização do poder público. (Ex: impossibilidade de que a empresa condenada venha a contratar com o poder público).
Assim, concluímos que a é possível a responsabilização penal das pessoas jurídicas, sendo afastada a Teoria do Crime e aplicados outros requisitos que, se preenchidos, permitirão seja punida a pessoa jurídica infratora.