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Aspectos polêmicos do contrato de prestação de serviços entre empresas de diferente porte


Autoria:

Thiago M. Martinez


Advogado consultor. Especialista em Direito Civil / Processual Civil pela Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo (FADISP). Pós-Graduado em Direito Civil / Consumidor na Escola Paulista de Direito (EPD)

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Resumo:

O presente trabalho visa à reflexão sobre um importante tema pouco desenvolvido pela doutrina. Trata-se do contrato de prestação de serviços realizado entre empresas de portes econômicos extremamente distintos (com relativa dependência econômica).

Texto enviado ao JurisWay em 12/11/2009.

Última edição/atualização em 26/11/2009.



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Contrato de prestação de serviço é aquele em que duas partes, por livre consenso de vontades, devem se obrigar e assumir direitos equivalentes (contrato sinalagmático) no cumprimento de um objeto específico. Dessa forma, tem-se que tal contrato serve para que as partes envolvidas, em respeito ao voluntariamente pactuado e também à função social dos contratos (artigo 421 [1] do Código Civil), estabeleçam, em igualdade de condições, deveres e direitos entre si.

 

                        É de se ressaltar, da mesma forma, que o contrato de prestação de serviços, por ser oneroso (com deveres para ambas as partes envolvidas) em sua essência, deve conter cláusulas sobre o serviço a ser prestado pelo contratado e a forma de retribuição a ser dada a ele pelo contratante. Nesta razão, em tal contrato não se pode ter qualquer cláusula que seja abusiva em detrimento dos interesses de uma parte e em favor da outra.

 

Com isso, não pode haver no contrato de prestação de serviços cláusulas que reduzam, em desfavor do contratante, a quantidade e qualidade dos serviços prestados; ou cláusulas que, por sua vez, retenham, em prejuízo do contratado, a remuneração devida a ele pela efetiva prestação do serviço.

 

                        Desse modo, prestado o serviço em conformidade com o livremente pactuado e a já citada função social do contrato (limitadora das vontades), deve o prestador do serviço receber a retribuição devida sem que haja qualquer possibilidade ilícita de retenção dela. E quando se fala em ilicitude, deve-se lembrar que, segundo o artigo 187 [2] do Código Civil, qualquer abuso de direito (seja na esfera extracontratual ou contratual) é considerado como ilícito civil e, por isso, sujeito à indenização (artigo 927 [3] do CC) por parte do agente infrator (desde que seja, para tanto, provada a culpa dele).

 

                        Nestes termos, pode-se dizer, em vista da lei civilista, que a existência de cláusulas contratuais que limitem a prestação do serviço ou retenham a retribuição devida ao prestador de serviço são consideradas abusivas, de modo que, se colocadas em prática pela parte favorecida no abuso, configuram-se como atos ilícitos praticados por ela (e, por esse motivo, sujeitos à indenização à parte desfavorecida). 

 

De outra forma, no contrato de prestação de serviço, assim como em qualquer outro, não pode haver uma excessiva onerosidade para qualquer das partes. Com razão, uma vez que, segundo a função social do contrato (que prevê o progresso social e a prevalência dos interesses coletivos), todo contrato deve ser executado em igualdade de condições entre as partes envolvidas. E como, ao menos na maioria das vezes, as partes encontram-se em natural desequilíbrio de forças, deve ser aplicado ao contrato um tipo de igualdade chamada de “substancial”. Assim, para que haja um equilíbrio de forças entre partes desiguais, faz-se um contrato com cláusulas aparentemente mais benéficas para a parte mais fraca.

                       

Deveras, um contrato excessivamente oneroso para uma das partes não pode trazer qualquer tipo de benefício à sociedade. E é por essa razão que o ordenamento civilista, além de tipificar o abuso de direito como ato ilícito, enquadrou em sua esfera normativa institutos como o da função social do contrato, onerosidade excessiva (artigo 478 [4] do CC) e lesão (artigo 157 [5] do CC). Isso para que a igualdade entre as partes contratantes seja estabelecida em favor do progresso social e dos interesses coletivos (ora superiores aos meros interesses individuais de uma delas).

 

                        Nesse sentido, tem-se que os riscos contratuais devem ser suportados igualmente pelas partes. Dessa forma, os eventuais ônus contratuais devem, em vista da justiça contratual, ser divididos pelas partes, devendo a mais forte, inclusive, suportar a maioria dos riscos do contrato.

                         De fato, se a parte mais fraca tivesse de suportar igualmente os riscos do contrato ou, em pior hipótese, suportasse a maioria dos riscos contratuais, com certeza ela poderia ficar muito vulnerável em relação à parte mais forte (o que seria inadmissível dentro de uma relação jurídica).

                        Quanto à rescisão unilateral do contrato, há duas hipóteses que podem ser analisadas à luz do Código Civil. A primeira diz respeito à rescisão unilateral pela parte contratante. Nessa hipótese tal rescisão deve ser por ela justificada sob pena de pagamento de uma compensação à parte prestadora do serviço (artigo 603 [6] do CC). Já a segunda trata da resolução unilateral do contrato pela parte contratada. Nesse caso o prestador de serviço deve receber a retribuição vencida, mas responder judicialmente à contratante por perdas e danos se tal rescisão ocorrer sem um justo motivo (artigo 602 [7] e seu parágrafo único do CC).

 

                        Cabe ressaltar, da mesma forma, que os envolvidos contratuais tem o mesmo direito à indenização caso rescindam unilateralmente o contrato devido a um justo motivo provocado por atitudes indevidas da outra parte. E os casos mais corriqueiros são aqueles em que há descumprimento de cláusulas contratuais por uma das partes Nesses casos específicos é preciso comprovar, no entanto, que tais cláusulas descumpridas não são extremamente abusivas para a parte supostamente inadimplente (de modo a justificar um possível inadimplemento em razão, por exemplo, de onerosidade excessiva).

 

                        Ainda levando em conta a rescisão unilateral do contrato por uma das partes (seja motivada ou imotivada), tem-se que ela deve ser notificada à outra com certo prazo de antecedência (artigo 473 [8] e seu parágrafo único do CC). Com razão, haja vista o fato de que a parte envolvida num contrato possa ter realizado vultosos investimentos para a realização dele. É o que ocorre, por exemplo, no caso de um contrato de prestação de serviço entre empresas com forças econômicas distintas. Isso porque, possivelmente, a empresa economicamente mais fraca e quiçá dependente econômica da mais forte realiza investimentos consideráveis (especialmente em mão de obra) para a consecução de tal contrato.

 

                        Com isso, para que exista um tempo hábil para a empresa mais fraca preparar-se para o fim do contrato de prestação de serviço do qual talvez dependa para “sobreviver”, é preciso que seja concedido a ela, até mesmo com previsão em cláusula contratual, um período razoável entre a notificação da rescisão e a efetiva cessação dos serviços prestados. Em contrapartida, tal prazo não deve ser tão extenso em caso de notificação de rescisão unilateral dessa empresa mais fraca a mais forte. Isso em razão de motivos logicamente óbvios.  

           

Finalmente, para abrir o encerramento desse breve artigo jurídico, há de ser ressaltado, com a maior importância possível, o artigo 422 [9] do Código Civil (um dos dispositivos mais relevantes do direito contratual brasileiro). Com razão, afinal a boa-fé e a probidade das partes são os fatores mais importantes para o pleno cumprimento das obrigações contratuais. ‘Inda mais se o contrato em questão tratar-se de uma prestação de serviços com grandes riscos de fraudes (ainda que por motivos alheios à vontade das partes envolvidas).

 

Em suma, caso o negócio exercido pela parte contratante tenha grandes riscos de fraude, esta deve assumir todos os riscos provenientes de tal negócio (afinal, quem aufere vantagens em um negócio deve suportar também suas eventuais desvantagens). Com isso, caso a parte prestadora do serviço não tenha culpa por eventual fraude na prestação de seu serviço, ora ocasionada exclusivamente em razão da natureza do negócio da contratante, esta última deve arcar com todas as conseqüências de tal improbidade (podendo a contratada, inclusive, rescindir justificadamente o contrato).

 

Sendo assim, pôde-se notar que os contratos de prestação de serviço realizados entre empresas de diferentes portes devem ter como base, fundamentalmente, os princípios da função social do contrato e boa-fé objetiva.  Deveras, não é apenas nas relações de consumo que o Estado deve intervir em favor da parte mais fraca. Isso porque nas mais diversas relações jurídicas previstas ou não no NCC pode haver desequilíbrio contratual entre as partes. Senão o que dizer de empresas que, em virtude de sua força econômica, imponham às empresas menores (ora prestadoras de serviços delas) cláusulas contratuais abusivas.

 

Nesses casos específicos, até mesmo para não fecharem as portas, tais empresas mais fracas economicamente (e, muitas vezes, dependentes das maiores) só devem assinar contratos desfavoráveis a si se não tiverem outra opção.

 

E por que devem assiná-los? A resposta é simples: porque, atualmente, a legislação civilista, por meio dos institutos da função social dos contratos e boa-fé objetiva, permite que as cláusulas abusivas de tais contratos sejam invalidadas desde que colocadas em prática pela parte favorecida (ora estipulante delas).

 

Lembrando, por fim, que a possível dependência econômica de uma empresa menor em relação a outra maior não torna aquela uma sociedade desprovida de autonomia e liberdade para a realização de outros contratos com outras empresas.     

 

[1] Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.

[2] Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

[3] Art. 927. Aquele que por ato ilícito (arts. 286 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a reparar.

[4] Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

[5] Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta.

§ 1o Aprecia-se a desproporção das prestações segundo os valores vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico.

§ 2o Não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito.

[6] Art. 603. Se o prestador de serviço for despedido sem justa causa, a outra parte será obrigada a pagar-lhe por inteiro a retribuição vencida, e por metade a que lhe tocaria de então ao termo legal do contrato.

[7] Art. 602. O prestador de serviço contratado por tempo certo, ou por obra determinada, não se pode ausentar, ou despedir, sem justa causa, antes de preenchido o tempo, ou concluída a obra.

Parágrafo único. Se se despedir sem justa causa, terá direito à retribuição vencida, mas responderá por perdas e danos. O mesmo dar-se-á, se despedido por justa causa.

[8] Art. 473. A resilição unilateral, nos casos em que a lei expressa ou implicitamente o permita, opera mediante denúncia notificada à outra parte.

Parágrafo único. Se, porém, dada a natureza do contrato, uma das partes houver feito investimentos consideráveis para a sua execução, a denúncia unilateral só produzirá efeito depois de transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto dos investimentos.

[9] Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

 

         

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Comentários e Opiniões

1) Má (20/11/2009 às 16:13:48) IP: 200.207.108.250
Muito interessante esse artigo. A função social é realmente importante nos dias de hoje.
Uma empresa maior não pode sobrepor uma menor que lhe preste serviços.
Gostei!
2) Marjore (20/11/2009 às 19:35:42) IP: 200.207.110.193
Só passei para dizer, completando minha mensagem anterior, que irei indicar seus artigos para os meus amigos.
3) Roberto (21/11/2009 às 19:26:33) IP: 201.92.155.187
Esse artigo também ficou bem bacana...
Vou indicar para o meu pai que tem uma pequena empresa.
Parabéns
4) João (23/11/2009 às 09:35:25) IP: 189.47.137.190
Este artigo aborda temas de extrema relevância, exclarecendo aos empresários prestadores e tomadores de serviços a importância da função social do contrato, necessidade de existir equilíbrio entre as partes e a base legal para negociar cláusulas contratuais muitas vezes desfavoráveis ao seu negócio, porém aceitas sob pena de perder o contrato com o cliente.
Parabéns.

5) Carlos (16/09/2010 às 09:25:03) IP: 201.53.236.43
artigo interessantissimo, que vem sanar lacuna existente entre obrigações de consumo, preemente entre contratante e contratado. o legislador ordinário, deixou gargalo entre as posições antagônicas na relação de dependencia comercial. o autor prisma pela elucidação da matéria, trazendo a luz da jurisprudencia e dos brocardos juridicos, a confirmação laboral, entre as partes na relação de consumo. bem mais que direito do consumidor, a obra preza pela execução prática do direito civil; parabéns
6) Sabrina (22/07/2013 às 11:42:20) IP: 187.114.49.23
Muito esclarecedor. Ajudou-me bastante. Parabéns pela clareza nas palavras.


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