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Resumo:
Este artigo busca mostrar o conflito que há em relação ao estágio de convivência e os princípios que cercam a criança e o adolescente.
Texto enviado ao JurisWay em 04/08/2014.
Última edição/atualização em 18/08/2014.
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O estágio de convivência e o melhor interesse da criança
Diego Henrique Munhoz
RESUMO: Com o escopo de abordar o enfrentamento que há entre o estágio de convivência e o melhor interesse da criança, este artigo é baseado nos princípios que regem o Estatuto da Criança e do Adolescente. Busca-se entender se este estágio contribui para o bem do menor ou causa um desiquilibro emocional quando o adotando é devolvido de uma forma injustificada.
PALAVRAS-CHAVE: Estatuto – Criança – Adolescente – Estágio – Convivência
1. Introdução
Com um papel fundamental na sociedade, a proteção da criança e do adolescente auxilia na formação da base para uma melhoria futura, tendo como baluarte toda a sociedade. Tal importância que, esse auxílio é defendido pelo princípio da prioridade absoluta positivado na Constituição Federal do Brasil em seu artigo 227.
Contudo, existem famílias naturais que – por despreparo emocional, situação econômica miserável ou até mesmo falta de sensibilidade – por fim, agem como se aquela criança ou adolescente não fosse um ser humano portador de sentimentos e necessidades, abandonando-o em um acolhimento institucional ou até mesmo na rua.
De situações extremas, como algumas anteriormente citadas, nasce o instituto da adoção, onde o menor poderá voltar ao convívio familiar – família substituta – recebendo todo cuidado, amor e carinho que a criança e o adolescente necessitam.
Como um ato de solidariedade e amor para com o próximo, a adoção é uma atitude nobre e que deve ser exaltada, pois, vivemos em uma sociedade egoísta onde não se preocupam com as necessidades dos desfavorecidos.
Todavia, no processo de adoção, antes de ser formalizada e haver sentença que a defere, existe um “período de experiência” chamado de estágio de convivência tipificado no artigo 46 do Estatuto da Criança e do Adolescente, onde a criança ou adolescente convive com os adotantes para se certificar que está se cumprindo o melhor interesse do menor.
A discussão se aquece no momento em que os adotantes podem “devolver” o menor injustificadamente, como se mercadoria fosse se, nesse estágio não se adaptarem com a criança. Nessa situação, surge o debate se o princípio do melhor interesse da criança esta se efetivando ou há um abuso de direito da parte dos adotantes que, tratando a criança como uma “coisa” a devolve como se não tivesse passado em um “teste de qualidade”.
2. Dignidade da pessoa humana
Sendo premissa fundamental, o princípio da dignidade da pessoa humana é a base de praticamente todas as Constituições atuais, solidificado as Declarações dos Direitos Humanos, a Convenção dos Direitos da criança, entre outras legislações.
Ivo Dantas apud Adriana Dabus retrata:
Pode-se concluir com Ivo Dantas que ‘o princípio constitucional do respeito à dignidade da pessoa humana implica um compromisso do Estado e da sociedade para com a vida e a liberdade individual, integrado no contexto social. (MALUF, Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus. 2013, p. 22)
Como pedra basilar, a Constituição Federal do Brasil traz em seu 1º (primeiro) artigo o fundamento da dignidade da pessoa humana, assim:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos:
[...] III – a dignidade da pessoa humana (BRASIL, Constituição Federal do, 1988).
E o Estatuto da Criança e do Adolescente, como legislação específica desta parcela especial de nossa população, indivíduos estes que são como sementes recém- geminadas, necessitando assim de todo cuidado, confirma:
Art. 15. A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis. (Brasil. Lei n. 8.069, de 13-7-1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente).
3. Princípios
O direito é uno e indivisível, onde se encontra embasado em princípios. Não seriam diferentes os direitos relacionados à criança e o adolescente. Assim, discorrer-se-á por alguns princípios que norteiam o Estatuto da Criança e do Adolescente.
3.1Melhor interesse do menor
Pode-se dizer que este princípio é a raiz do Estatuto da Criança e do Adolescente, a criação do próprio ECA foi originada para se buscar e efetivar o melhor interesse do menor. Ishida descreve:
Origina-se do instituto do parens patriae, utilizado na Inglaterra no século XIV, como forma de intervenção do Estado que passa a atuar como guardião da criança ou adolescente em razão de sua vulnerabilidade. (ISHIDA, Valter Kenji, 2010, p. 122).
Como exemplo, Ishida traz um dos direitos descritos no ECA, direito este que busca, como todos os outros, o melhor para a criança e o adolescente. Assim:
Direito à convivência familiar. Pode ser conceituado atualmente como o direito fundamental da criança e adolescente a viver junto à sua família natural ou subsidiariamente a sua família extensa. O título 1 do ECA abarca os chamados direitos fundamentais da criança e do adolescente. O Capítulo III por sua vez, prevê o direito à convivência familiar e comunitária. A garantia da convivência familiar se perfaz através de dois princípios basilares: o da proteção integral e o da prioridade absoluta. (ISHIDA, Valter Kenji, 2010, p. 28).
Enfatizando tal magnitude da proteção do menor, até mesmo na Declaração Universal dos Direitos Humanos relata:
Artigo 25
2 - A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozarão da mesma proteção social. (Declaração universal dos direitos humanos disponível em www.direitoshumanos.usp.br).
3.2Prioridade absoluta
Princípio constitucional, a prioridade absoluta defende o menor e delega à comunidade a obrigação de cuidar e dar toda a assistência ao mesmo sob qualquer circunstância, levando em consideração a fragilidade da criança e do adolescente. A Constituição Federal do Brasil trata:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, À profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar ou comunitária, além de coloca-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL, Constituição Federal do, 1988).
Com relação a essa obrigação de todos para com os menores, a Declaração Universal dos Direitos da Criança também afirma:
Princípio 6º Para o desenvolvimento completo e harmonioso de sua personalidade, a criança precisa de amor e compreensão. Criar-se-á, sempre que possível, aos cuidados e sob a responsabilidade dos pais e, em qualquer hipótese, num ambiente de afeto e de segurança moral e material, salvo circunstâncias excepcionais, a criança da tenra idade não será apartada da mãe. À sociedade e às autoridades públicas caberá a obrigação de propiciar cuidados especiais às crianças sem família e aquelas que carecem de meios adequados de subsistência. É desejável a prestação de ajuda oficial e de outra natureza em prol da manutenção dos filhos de famílias numerosas. (Declaração universal dos direitos da criança disponível em www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Crian%C3%A7a/declaracao-dos-direitos-da-crianca.html).
3.3Proteção integral
No dia 10 de outubro de 1979 ocorreu a promulgação da lei Nº 6697 intitulada “Código de menores”, dispositivo este que tratava sobre o menor, seus direitos e proteções frente à sociedade. (Disponível em www.planalto.gov.br/ccivil_03 /leis/1970-1979/L6697.htm)
Contudo, desde 1927 o “Código de menores” existe, ao passo que, passado 63 anos, foi revogado pela lei 8.069/90, nosso Estatuto da Criança e do Adolescente. (PAES, 2013)
Existe uma diferença gritante entre o antigo Código de menores e o ECA, pois, o Código tratava da situação irregular, não tinha o real sentido de proteger o menor, não o tratava como um ser ímpar que necessita de cuidados especiais para a formação de seu caráter.
O antigo Código não trazia soluções definitivas ou, pelo menos, um plano completo de cuidados e tratamentos para o menor; na verdade, levavam o menor até a esfera comum.
Já o ECA, parte do princípio da proteção integral onde visa além de proteger, prevenir que a criança e o adolescente não tenham os requisitos necessários para um crescimento sadio.
Nosso Estatuto da Criança e do Adolescente já traz em seu 1º (primeiro) artigo sua intenção:
Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente. (Brasil. Lei n. 8.069, de 13-7-1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente).
E confirma esse intuito da proteção integral em seu artigo 4º (quarto), onde mostra que essa proteção cabe a toda sociedade exercê-la perante o menor:
Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:
a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;
b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;
c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;
d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude. (Brasil. Lei n. 8.069, de 13-7-1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente).
A proteção integral nada mais é que um dos pilares mestre do ECA, do protecionismo social frente ao menor, o berço do amparo à criança e o adolescente.
4. Estágio de convivência
Antecedendo a concretização da adoção, o adotando e os adotantes passam pelo estágio de convivência, período estipulado pelo juiz a fim de ter plena certeza de que os adotantes estão realmente preparados para a adoção e o menor satisfeito, adaptado.
Esse estágio esta positivado no Estatuto da Criança e do Adolescente:
Art. 46. A adoção será precedida de estágio de convivência com a criança ou adolescente, pelo prazo que a autoridade judiciária fixar, observadas as peculiaridades do caso. (Brasil. Lei n. 8.069, de 13-7-1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente).
Conceituando este período:
Estágio de convivência é o período no qual a criança ou adolescente é confiada aos cuidados da(s) pessoa(s) interessada(s) em sua adoção (embora, no início, a aproximação entre os mesmos possa ocorrer de forma gradativa), para que seja possível avaliar a conveniência da constituição do vínculo paterno filial a partir, inclusive, da análise do relacionamento entre o adotando e os demais integrantes do núcleo familiar, com os quais este irá conviver. Por força do contido no caput do dispositivo, a realização do estágio de convivência será a regra (mesmo em relação a crianças recém-nascidas), como forma de aferir a adaptação da criança ou adolescente à família substituta e a constituição de uma relação de afinidade e afetividade entre os mesmos, que autorize o deferimento da adoção. (DIGIÁCOMO, Murilo José; DIGIÁCOMO, Ideara de Amorim, 2011, p. 73).
Valter Kenji Ishida traz os efeitos do estágio de convivência referente à guarda do menor, in verbis:
É modalidade de guarda, porquanto exige a “posse” da criança ou adolescente junto ao adotante. Trata-se de uma guarda precária, por período muito curto de tempo e limitada, porquanto veda a saída do estrangeiro do país. Todavia, não se pode negar que neste exíguo período o menor ficará sob responsabilidade do adotante, devendo o mesmo prestar assistência material, moral e educacional (art. 33, caput, do ECA), podendo-se denominar de “guarda limitada”. (ISHIDA, Valter Kenji, 2010, p. 101).
Acrescenta Roberto João Elias tal importância e valoração deste período:
O estágio de convivência é de suma importância, pois permitirá que haja, antes da adoção, um relacionamento íntimo entre o adotando e adotante, possibilitando a este chegar à plena convicção de consumar a adoção, desde que a adaptação das partes seja adequada. (ELIAS, Roberto João, 2004, p. 43).
O legislador entende – em regra – que a criança e o adolescente não podem passar a morar definitivamente com os adotantes antes que se tenha uma adequação no novo ambiente em que o menor passa a viver e, também, uma confirmação da adaptação dos adotantes frente ao adotando.
Maria Berenice Dias expressa à intensidade que existe na convivência familiar perante o adotando:
Claro que ninguém questiona que o ideal é crianças e adolescentes crescerem junto a quem lhes trouxe ao mundo. Mas quando a convivência com a família natural se revela impossível ou é desaconselhável, melhor atende ao interesse de quem a família não deseja, ou não pode ter consigo, ser ela entregue aos cuidados de quem sonha reconhece-lo como filho. A celeridade deste processo é o que garante a convivência familiar, direito constitucionalmente preservado com absoluta prioridade (CF 227). (DIAS, Maria Berenice, 2010, p. 482).
Nota-se que, o adotante tem que estar plenamente convicto de que quer sim adotar e está apto para tal. Maria Berenice ainda cita “quem sonha reconhece-lo como filho”. O desejo deve ser real, nítido, absoluto.
Neste período de adaptação, dá-se um acompanhamento aos envolvidos, principalmente ao menor que está nessa transição extrema. Assim, discorre:
Da mesma forma, este acompanhamento se presta à verificação quanto à adaptação do adotando à família substituta. Enfatizamos não bastar a escolha do adotando pelo adotado. A adoção se reveste de alta relevância sociojurídica, de óbvios reflexos na vida dos envolvidos, que, como seres humanos, trazem sentimentos, vontades, traumas, ressentimentos. (BORDALLO. Galdino Augusto Coelho, 2010, p. 243).
Contudo, muitas famílias substitutas acabam desistindo injustificadamente da adoção depois desse período de convivência mesmo existindo um laudo de perfeita adaptação da criança ao novo lar, fazendo com que o menor volte ao acolhimento institucional, obrigando-o a esquecer de todo afeto, carinho e aceitação que recebeu nos meses do estágio.
“Na verdade, a devolução pode ser considerada um dano irreversível, haja vista que, mesmo que a criança venha a ser adotada, esse trauma vai ficar registrado. Assim, a devolução representa um verdadeiro aniquilamento na autoestima (revestimento do caráter) e na identidade da criança, que não mais sabe quem ela é. ...” (Autos nº 0702 09 567849-7 – Comarca de Uberlândia – Prolatora: Édila Moreira Manosso, Juíza de Direito Titular da Vara da Infância e da Juventude – Data: 01 de junho de 2009). (COSTA. Epaminondas da, disponível em: http://www.mpsp.mp.br/portal/ page/portal/infanciahome_c/adocao/Doutrina_adocao/Tese%20%20Devolu%C3%A7%C3%A3o%20Imotivada.pdf)
O primeiro abandono já macula a vida e a psique de uma criança ou adolescente. O menor passa a residir em um acolhimento institucional onde é bem tratado, mas, não se pode comparar com o aconchego e a segurança que uma família traz. Uma criança de 8 anos, por exemplo, não saberá distinguir que aquele “estágio de convivência” é um tempo para quem lhe esta adotando obtenha a certeza se a quer ou não; para o menor, ele finalmente está encontrando o amor e carinho que tanto precisava.
Entende-se que este período de adaptação é viável, mas, não dando direito aos adotantes de uma forma injustificada e inescrupulosa devolver o adotando sem motivação, fazendo com que o menor sofra com a rejeição novamente. Na adoção, os adotantes devem ter essa atitude concretizada de uma forma absoluta para exercê-la, assim:
Através da adoção será exercida a paternidade em sua forma mais ampla, a paternidade do afeto, do amor. A paternidade escolhida, que nas palavras de Rodrigo da Cunha Pereira, é a verdadeira paternidade, pois a paternidade adotiva está ligada à função, escolha, enfim, ao desejo. Só uma pessoa verdadeiramente amadurecida terá condições de adotar, de fazer esta escolha, de ter um filho do coração. (BORDALLO. Galdino Augusto Coelho, 2010, p. 197).
De acordo com Epaminondas da Costa – Promotor de Justiça de Minas Gerais –, o estágio de convivência não é um direito dos adotantes e sim do adotando, pois, o intuito do ECA é a proteção da criança e do adolescente fundamentada no princípio do melhor interesse da criança e da prioridade absoluta – princípio constitucional –, na íntegra:
Ademais, na interpretação das normas do Estatuto da Criança e do Adolescente, a dúvida porventura existente beneficia sempre a criança e o adolescente (art. 6º do ECA), com destaque ainda para o princípio do melhor interesse da criança , proveniente da legislação internacional, que foi incorporada ao direito pátrio pelo Decreto n. 99.710, de 21/11/1990; através dele foi promulgada a Convenção das Nações Unidas (ONU) sobre os Direitos da Criança. (COSTA. Epaminondas da, disponível em: http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/infanciahome_c/adocao/Doutrina_adocao/Tese%20-%20Devolu%C3%A7%C3%A3o%20Imotivada.pdf)
Reitera:
Vê-se, claramente, que o estágio de convivência não se constitui em direito instituído em favor dos adotantes, muito menos de forma expressa, o que significa, portanto, que eles não podem invocar o exercício regular de direito – que eles não possuem legitimamente -, de tal forma que, nos termos do art. 188, inciso I, do Código Civil, a sua conduta viesse a ser vista como lícita. (COSTA. Epaminondas da, disponível em: http://www.mpsp.mp.br /portal/page/portal/infanciahome_c/adocao/Doutrina_adocao/Tese%20%20Devolu%C3%A7%C3%A3o%20Imotivada.pdf)
E além, mesmo que se entenda como direito dos adotantes, não se podem abusar de seu direito:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. (BRASIL. Código Civil, 2002).
Cometendo esse ato ilícito submete-se a pena de reparação por dano moral e/ou material:
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. (BRASIL. Código Civil, 2002).
Veja, alimentar as esperanças de uma criança com um verdadeiro lar, família e todos os sentimentos que os pais nutrem – ou deveriam nutrir – pelos seus filhos e após isso tudo, fazer com que o menor volte ao acolhimento institucional refletindo o “porque” de ser rejeitado novamente, nota-se claramente que os bons costumes, a moral e a dignidade da pessoa humana foram esquecidos.
Podemos dizer, sem qualquer sombra de dúvida, como o faz Lúcia Maria de Paula Freitas, que a adoção é sempre via de mão dupla, que pais e filhos se adotam e não os pais aos filhos[...] (BORDALLO. Galdino Augusto Coelho, 2010, p. 197).
Confirma-se então, que a criança também adota a família substituta, como acontece no estágio de convivência, período que na maioria das vezes, o menor se imagina adotado e sem o risco de ser rejeitado novamente.
5. Conclusão
Por fim, o ato de adotar, de forma nenhuma perderá sua beleza e estima em face à sociedade. A criança e o adolescente necessitam de uma família, seja ela natural ou substituta, família esta que têm a obrigação de lhe proporcionar atenção, afeto, respeito. O ECA traz em seus artigos estes deveres da família e da sociedade frente ao menor, pois, o Estatuto foi criado justamente para proteger, amparar a criança e adolescente.
Em relação ao estágio de convivência, entende-se que é viável, mas, em razão do adotando e não do adotante.
O indivíduo que está na fila de adoção disposto a ser o responsável e a família do menor não se pode valer de mero capricho e devolver a criança injustificadamente. Entende-se que, mesmo se o ECA defendesse os direitos dos adotantes, os mesmo não poderiam abusar do direito.
Cita-se até mesmo uma indenização por danos morais sofridos pelo menor ao ser devolvido sem justificação ao acolhimento institucional; indenização esta, fruto do abuso de direito e ato ilícito do adotante para com o adotando.
Concluindo, quando se decide adotar um menor, não se está adotando um animal ou comprando uma roupa que, se não servir ou o cidadão não gostar, dirigisse até a empresa e faz a devolução. Esta se tratando de seres humanos, portadores das mesmas necessidades e carências que outro qualquer indivíduo.
Assim, o adotante necessita de uma total consciência antes de tomar esta atitude, porque, mesmo se eventualmente condenado a indenizar o menor por devolução injustificada, não será míseros dígitos que irá limpar da mente da criança/adolescente todo trauma sofrido.
6. Referências bibliográficas
BORDALLO. Galdino Augusto Coelho, Curso de direito da criança e do adolescente: aspectos teóricos e práticos. 4ª edição. Lumen Juris. Rio de janeiro. 2010.
BRASIL, Código civil, Publicado em 10 de janeiro de 2002.
BRASIL, Constituição Federal, Publicada em 05 de Outubro de 1988.
BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei n. 8.069, de 13-7-1990.
COSTA. Epaminondas da, publicado em http://www.mpsp.mp.br/ portal/page/portal/infanciahome_c/adocao/Doutrina_adocao/Tese%20%20Devolu%C3%A7%C3%A3o%20Imotivada.pdf acesso em 01/03/2014
DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS. Adotada e proclamada pela resolução 217 A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948. Disponível em www.direitoshumanos.usp.br acessado em 01/03/2014
DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DA CRIANÇA. Adotada pela Assembléia das Nações Unidas de 20 de novembro de 1959. Disponível em http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Crian%C3%A7a/declaracao-dos-direitos-da-crianca.html acessado em 01/03/2014
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 6ª Edição. São Paulo. Revista dos tribunais 2010
DIGIÁCOMO, Murillo José; DIGIÁCOMO, Ideara de Amorim. Estatuto da Criança e do Adolescente anotado e interpretado – 2ª edição. São Paulo: FTD, 2011.
ELIAS, Roberto João. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 2ª edição. São Paulo; Saraiva, 2004ISHIDA, Valter Kenji. Estatuto da criança e do adolescente – 12ª edição. São Paulo. Atlas. 2010
Maluf, Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus. Curso de bioética e biodireito – 2ª edição. São Paulo. Atlas, 2013..
PAES, Janiere Portela Leite. O Código de Menores e o Estatuto da Criança e do Adolescente: avanços e retrocessos. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 maio 2013. Disponivel em:
www.promenino.org.br/servicos/biblioteca/codigo-de-menores-x-eca-mudancas-de-paradigmas acesso em 19/05/14
www.unifacs.br/revistajuridica/arquivo/edicao_abril2001/corpodiscente/graduacao/comparativo.htm acesso em 19/05/14
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