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A CRISE DO ENSINO JURÍDICO E A SUA SUPERAÇÃO PARTINDO DOS ENSINAMENTOS DE EDGAR MORIN


Autoria:

Tainan Matos Déda


Acadêmica de Direito da Faculdade AGES

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Texto enviado ao JurisWay em 23/03/2011.

Última edição/atualização em 27/03/2011.



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A CRISE DO ENSINO JURÍDICO E A SUA SUPERAÇÃO PARTINDO DOS ENSINAMENTOS DE EDGAR MORIN

 

Tainan Matos Déda[1]

 

RESUMO

 

Este trabalho propõe-se a fazer uma análise acerca da crise do ensino jurídico no Brasil, aliado ao paradigma positivista, utilizando como meio de embasamento pesquisa realizada entre acadêmicos e professores do Curso de Direito da Faculdade Ages, e, por conseguinte, demonstrar as possíveis formas de superar essa crise, partindo dos ensinamentos de Edgar Morin em sua obra a cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento, bem como lastreada nos direitos humanos e no direito alternativo apontado por Horácio Wanderlei Rodrigues.

 

PALAVRAS-CHAVE: Ensino Jurídico; paradigma positivista; cabeça bem-feita; direito alternativo.

 

1 INTRODUÇÃO

 

O que se espera da educação é que seja o meio adequado para amenizar, ou até extinguir as diferenças e injustiças sociais. Entretanto, não só no ensino jurídico, mas em todas as outras áreas do conhecimento humano é bem perceptível o afastamento da educação com os problemas e necessidades constantes na realidade social, e isso muitas vezes é ocasionado em razão da falta de aproximação das Universidades com a sociedade. Desde a época em que foram instaladas as primeiras Universidades de Direito do país é nítida essa falta de compromisso com a realidade social.

Em pesquisa feita entre os estudantes do Curso de Direito todos eles afirmaram com muita convicção ser a educação o único meio para iniciar a resolução dos problemas sociais, tendo um deles afirmado que “A educação é o único meio capaz de solucionar os problemas constantes na realidade, pois somente através dela os indivíduos conseguem ver com clareza esses problemas, e assim buscar soluções”. Nesta fala pode-se perceber que é através da educação que os indivíduos passam a refletir sobre a realidade social que vivem e a buscar solucionar os problemas nela constantes. O que foi confirmado por outro acadêmico que respondeu: “A educação é a base para a transformação, primeiro, da maneira de pensar, em seguida, propicia que essa modificação de percepção contribua para a melhoria da realidade, FREIRE (2006, p. 98) confirma as duas falas no sentido de que a educação é forma de intervenção no mundo, ao explicar que :

 

Outro saber que não posso duvidar um momento sequer na minha vida prática educativo-crítica é o de que, como experiência especificamente humana, a educação é uma forma de intervenção no mundo. Intervenção que além do conhecimento dos conteúdos bem ou mal ensinados e/ou aprendidos implica tanto o esforço de reprodução da ideologia dominante quanto o seu desmascaramento.

 

A crise que assola o ensino jurídico atualmente pode ser analisada em diversos aspectos, sendo divida por RODRIGUES (1993) como crise funcional, operacional e estrutural. Dentre elas a que ganha uma relevância maior é a estrutural, pois nela está presente o paradigma positivista, que orienta a dogmática jurídica do Brasil, que também pode ser considerado como crise operacional.

 É possível fazer uma reflexão acerca dessa crise do ensino jurídico partindo da obra de Edgar Morin, “A cabeça bem feita: Repensar a reforma Reformar o Pensamento”, tendo em vista que as necessidades de reforma do pensamento, apontadas na referida obra, podem ser visualizadas neste ensino, e, ainda, através desta, é possível encontrar formas de superação da crise.

Como forma de superação desta crise, será dada ênfase, também, ao direito alternativo, pautado na idéia de aproximar as normas jurídicas da justiça, sob a perspectiva de uma sociedade democrática, tendo como limite apenas os princípios gerais do direito. E, por fim, devendo ser dado enfoque aos direitos humanos, como meio de atingir os anseios sociais. 

 

2 ASPECTOS DA CRISE DO ENSINO JURÍDICO

 

Inicialmente, deve-se reconhecer que, com o aumento da quantidade de faculdades de Direito, os índices de acadêmicos nas faculdades cresceu, no entanto, a qualidade do ensino jurídico foi muito afetada, pois a maior parte das faculdades particulares tornaram-se apenas “máquinas de fazer dinheiro”, sem compromisso com o ensino, fazendo sumir a característica de estudantes críticos, capazes de compreender e transformar a realidade social.

A crise deve ser compreendida iniciando pelo paradigma positivista[2], que possui ainda uma grande abrangência em razão dessa ausência de seres pensantes e críticos empenhados na idéia de superação desse paradigma moderno e sem compromisso com os anseios sociais, tornando-se apenas aplicadores da letra fria da lei. O dogmatismo, diagnosticado na práxis educacional e jurídica, atrelado ao paradigma positivista, limita a capacidade crítica que surge no momento do contato do estudante com a realidade, e isso acontece porque o dogmatismo impõe como verdade o modelo positivista, que tem como características o reducionismo, o qual ocorre com a simplificação do conhecimento, negando um aspecto fundamental do conhecimento, que é a sua complexidade; o mecanicismo, tão defendido por Descartes, e responsável pela compartimentação do conhecimento, o que impede de visualizar o problema de forma global, abarcando o todo e as partes; a separação do sujeito com o objeto, responsável pela falta de interação entre as relações humanas, e o sujeito. Características que inibem a capacidade crítica do indivíduo, importante para visualizar as falhas que existem, o que aumenta a possibilidade de assumir compromisso com os anseios da sociedade.

Contrariando o que foi acima afirmado, 80% dos estudantes questionados afirmaram possuir uma visão crítica, e divergente da legislação e tribunais pátrios, tendo, inclusive, um dos acadêmicos afirmado que “Tenho posições divergentes das orientações dos tribunais com freqüência, e sempre questionando as leis, que muitas vezes não condizem com a realidade”, o que demonstra essa dogmática jurídica não é uma constante na Instituição de Ensino que eles fazem parte. Ou, analisando por outro viés, compartilhando do pensamento de Edgar Morin, pode ser detectado nessas afirmações a possibilidade que cada mente tem de mentir para si próprio, mesmo que de forma desapercebida, o que é denominado como erros mentais, ocasionadores das cegueiras do conhecimento. Dentre os alunos que posicionaram-se contrários a existência desse olhar crítico, vale ressaltar a resposta da estudante ao afirmar que “(...)o dogmatismo é muito forte, é difícil fugir porque as faculdades não dão meios para isso”, reconhecendo essa limitação do olhar crítico ocasionado pela dogmática jurídica.

Em sua obra “Os sete saberes necessários à educação do futuro”, MORIN (2000, p. 21) acrescenta:

 

Cada mente é dotada também de potencial de mentira para si próprio, que é fonte permanente de erros e ilusões. O egocentrismo, a necessidade de autojustificativa, a tendência a projetar sobre o outro a causa do mal fazem com que cada um minta para si próprio, sem detectar esta mentira da qual contudo é o autor (grifo nosso).

 

Mesmo diante dessa necessidade crítica, despertada pela curiosidade, alguns acadêmicos afirmaram que ainda existem professores que não aceitam as críticas formuladas por eles em sala de aula, inclusive uma das alunas questionadas respondeu que “Podem chegar a aceitar, mas não apoiar. O dogmatismo jurídico faz nascer na cabeça da maior parte das pessoas que interagem nesse meio, a falsa impressão de que as suas verdades são absolutas”, confirmando a existência dessa crise, detectada na fala da acadêmica como uma falta de preparo pedagógico do professor, necessário para estimular a construção do conhecimento, não tolhendo essa capacidade do estudante. 

Ainda, no tocante ao paradigma, vale mencionar que ele pode ser conceituado como um direcionar que guia os princípios e teorias do conhecimento, impedindo muitas vezes que o direito cumpra a sua função prática, visto que impossibilita o profissional de pensar além daquele paradigma.

Nesse diapasão MORIN (2000, p.25) explica:

 

(...) o paradigma efetua uma seleção e a determinação da conceptualização e das operações lógicas. Designa as categorias fundamentais da inteligibilidade e opera o controle de seu emprego. Assim, os indivíduos conhecem, pensam e agem segundo paradigmas inscritos culturalmente neles.

 

 

Em razão da necessidade de superação desse positivismo, apontada pela sociedade pós-moderna, e com embasamento na necessidade da multidimensionalidade apontada por MORIN, faz-se imprescindível a valorização de matérias propedêuticas nos currículos universitários, como Sociologia, Antropologia e Filosofia, sendo que elas são o meio necessário para compreender o homem não só de forma intrínseca, mas também como ser social, e partindo dessa compreensão, o estudante torna-se capaz de abordar de forma crítica e questionar as normas jurídicas, podendo, dessa forma, como futuro operador do direito, aplicar a lei de forma contextualizada com o social.

Confirmando essa necessidade de contextualizar para obter um conhecimento pertinente, cumpre observar as lições de MORIN (2003, p.24), para quem:

 

O desenvolvimento da aptidão para contextualizar tende a produzir a emergência de um pensamento “ecologizante”, no sentido em que situa todo acontecimento, informação ou conhecimento em relação de inseparabilidade com o seu meio ambiente – cultural, social, econômico, político e, é claro, natural.

 

 

 Ao ser questionada sobre a importância dessas matérias propedêutica, uma acadêmica falou que “ (...) matérias propedêuticas nos ajudam a compreender o “Eu”, “outro”, e o “meio social” em que estamos inseridos, assim, acredito que essas disciplinas bases nos dão norte”. Em que pese o reconhecimento maciço por parte dos alunos questionados, que acompanharam o pensamento acima destacado, as matérias propedêuticas no ensino jurídico não são tão valorizadas quantos as matérias de formação profissional, o que exige, por parte da universidade uma maior solidificação delas nos currículos universitários, bem como a incorporação dessa relevância em todo o corpo acadêmico, de forma que estes não esqueçam e consigam utilizá-las na vida profissional. Tendo, também, sido reconhecida essa importância de um ensino jurídico de forma multidimensional, pelos professores da Instituição de Ensino Superior que foram questionados sobre a possibilidade da formação acadêmica passar por outras áreas do conhecimento. Podendo ser detectado na fala do docente quando diz que “Só é possível uma formação com um padrão de qualidade em Direito, se houver relação com diversas áreas do conhecimento, pois se trata de fato social”. Nas falas aferi-se a preocupação com a práxis social, o que é uma finalidade na renovação do ensino jurídico para a superação da crise que o assola.   

Para solucionar esse paradigma político-ideológico, no qual o Estado está vinculado ao Direito mantendo a sua soberania, faz-se imperioso que o ensino jurídico se mostre mais comprometido com o ideal de justiça e da democracia. E isso pode ser feito por meio da quebra desse paradigma positivista, para as dúvidas ganharem espaço, seguindo-se pelas críticas que tornam possível repensar o pensamento.

A inteligência geral é um dos desafios apontados por MORIN para que seja repensada a reforma do ensino, e do pensamento, haja vista que os acadêmicos necessitam dessa aptidão para, não só quando profissionais do direito, mas em vários momentos na vida, conseguir visualizar os problemas de um ângulo global, haja vista que com a especialização torna-se impossível ver o todo e suas relações, o que irá exigir a fragmentação para solucionar os problemas, negando a complexidade, outro desafio para a reforma.

 MORIN (2003, p.21) sobre essa aptidão geral explica:

 

O desenvolvimento da inteligência geral requer que seu exercício seja ligado à dúvida, fermento de toda atividade crítica, que, como assinala Juan Mairena, permite “repensar o pensamento”, mas comporta também a dúvida da sua própria dúvida.

 

E acrescenta MORIN (2003, p. 23):

 

Como o bom uso da inteligência geral é necessário em todos os domínios da cultura das humanidades – também da cultura científica – e, é claro, na vida, em todos os esses domínios é que será preciso valorizar o “pensar bem”, que não leva absolutamente a formar um bem-pensante.

 

Além dessa crise estrutural que vive o ensino jurídico, vale vislumbrar a crise a nível operacional, a qual possui três aspectos centrais: a crise administrativa, a didático-pedagógica e a curricular. Devendo ser dado enfoque apenas na crise didático-pedagógica, que possui como característica a falta de preparo dos docentes para o magistério.

Como muitos docentes fazem do ensino jurídico uma segunda ocupação, não assumem o compromisso de se dedicar para uma aprendizagem didático-pedagógica, ou seja, não se dedicam a “aprender a ensinar”, e, por isso, acabam restringindo a aula apenas ao ensino “bancário”, onde o professor transmite aquele conteúdo que foi transmitido pelo seu professor, repetindo as falas de 20 anos atrás, que, na maioria das vezes, são apenas as leis e códigos comentados, e o aluno recebe esse conhecimento. É preciso reconhecer que muitos desses profissionais têm uma experiência muito vasta, a qual pode levar para a sala de aula, no entanto, isso possui pontos negativos, pois os professores que desenvolvem funções a partir da experiência como advogado, juiz, delegado ou promotor, se sentem obrigados a dar soluções prontas, acabadas e comprovadas, impedindo que as dúvidas surjam em sala de aula, já que as soluções para os problemas foram apontadas e comprovadas por meio da prática não há o que questionar.

Nesse sentido é importante destacar a insatisfação dos discentes quanto aos métodos utilizados pelos docentes em sala de aula. Ao serem indagados, 40% dos alunos demonstraram total insatisfação no que concerne ao método de ensino utilizado em sala de aula por todos os professores, a qual pode ser visualizada na fala de uma das estudantes ao afirmar que “(...) o método da problematização não é bem ministrado, por se transformar na maior parte das vezes em um meio de professores e alunos nada fazerem nas faculdades”. Essa metodologia apontada acima pela acadêmica é de grande valia, visto que possui como objetivo basilar mudar a realidade, uma das necessidades detectadas na crise, mas para que seja aplicada é preciso que o desenvolvimento do método passe por cinco etapas que não condizem com a realidade da Instituição, o que nega a aplicação de tal método, e aproxima bem mais da proposta curricular de aprendizagem baseada em problemas, que possui como  aspectos fundamentais o trabalho em grupo de alunos e professores, e a solução de problemas como principal prática da relação ensino-aprendizagem, partindo para o caminho da superação do ensino jurídico positivista, pois propõe uma aprendizagem construída em debate crítico, questionamento de idéias e colaboração entre todos os integrantes do grupo.

Outros 40% dos alunos responderam que alguns professores conseguem lecionar de forma satisfatória. E os demais, correspondentes a 20%, demonstraram satisfeitos com a metodologia utilizada pelos professores, como, por exemplo, a acadêmica que destaca: “De maneira genérica, é possível concluir que sim, considerando, para tanto, que a partir das aulas expositivas torna-se possível a construção de conhecimentos vários, o que certamente não ocorreria na utilização de outros métodos”. Entretanto, analisando esta ultima fala vale ressaltar que a acadêmica, assim como outros acadêmicos questionados, mostra-se resistente a qualquer método que fuja daquele tradicional, a aula expositiva, o que atrapalha os poucos professores empenhados nessa tarefa de ensinar de forma a criar os meios para o discente construir o seu conhecimento, devendo ser por este compreendido. Essa resistência pode ser justificada pelo fato motivador do ingresso nas universidades de direito, que, na maioria das vezes, é o objetivo de aprovação em concursos públicos, por isso visualizam nesse ensino transmissor de conhecimento, sob a forma de aulas expositivas, pautadas pela leitura de comentário de códigos e dos manuais da doutrina e jurisprudência, a possibilidade de passar nos concursos, que normalmente exigem apenas a capacidade de memorização, impedindo ou minimizando a reflexão crítica.

FREIRE (2006, p. 22) explicita que:

 

É preciso sobretudo, ai vai um destes saberes indispensáveis, que o formando, desde o princípio mesmo de sua experiência formadora, assumindo-se como sujeito também da produção do saber, se convença definitivamente de que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção (grifo nosso).

 

Apontando como solução para esse ensino bancário uma prática mais humana que faça despertar no discente a “fome” de aprender, FREIRE (2006, p. 38), destaca que:

 

A tarefa coerente do educador que pensa certo é, exercendo como ser humano a irrecusável prática de inteligir, desafiar o educando com quem se comunica e a quem comunica, produzir sua compreensão do que vem sendo comunicado.

 

3 SUPERAÇÃO PARTINDO DOS ENSINAMENTOS DE EDGAR MORIN

 

A crise atualmente vivida pelo ensino exige uma reforma que seja feita com base na realidade social, resgatando o ponto central da educação necessária para o futuro, a condição humana, para, por conseguinte, reformar o ensino, tornando-o contextual, complexo, global e multidimensional.

 Acerca da necessidade da quebra desse paradigma positivista, devemos observar que o passo inicial para isso é compreender a necessidade da união das ciências naturais e humanas, para que o homem possa perceber que é ao mesmo tempo biológico, físico, histórico e cultural. Essa compreensão, no entanto, não pode ser feita isolada, como ocorre atualmente com a fragmentação das disciplinas - tão defendida pelo paradigma cartesiano - visto que anula em cada acadêmico a sua capacidade de perceber a complexidade que é o ser humano, totalmente biológico e totalmente cultural.

Sobre o que seja essa complexidade MORIN (2003, p.14) afirma que:

 

Existe complexidade, de fato, quando os componentes que constituem um todo (como o econômico, o político, sociológico, o psicológico, o afetivo, o mitológico) são inseparáveis e existe um tecido interdependente, interativo e inter-retroativo entre as partes e o todo, o todo e as partes.

 

É preciso refletir que a compreensão da condição humana de forma fragmentada em disciplinas, impossibilita que o indivíduo se localize no universo que o cerca, bem como, impede, também, que tenha consciência do que é a humanização. A humanização significa a compreensão pelo sujeito de sua condição de animalidade aliada a sua condição de humanidade o que o diferencia de outras espécies de animais. Para superar essa crise é preciso conscientizar que o indivíduo é ao mesmo tempo indivíduo/espécie/sociedade, mas isso somente será possível por meio da religação das ciências humanas.

Essa importância da religação das disciplinas para compreender a condição humana pode ser explicada por MORIN (2003, p. 41) ao afirmar que:

 

Paradoxalmente, são as ciências humanas que, no momento atual, oferece a mais fraca contribuição ao estudo da condição humana, precisamente porque estão desligadas, fragmentadas e compartimentadas. Essa situação esconde inteiramente a relação indivíduo/espécie/sociedade, e esconde o próprio ser humano. Tal como a fragmentação das ciências biológicas anula a noção de vida, a fragmentação das ciências humanas anula a noção de homem.

 

Mesmo diante da necessidade dessa religação, um dos professores questionados sobre a possibilidade de um ensino jurídico sem compartimentos, respondeu da seguinte forma:

“Não vislumbro positivamente, tendo em vista que o direito é constituído de forma escalonada, principalmente nas matérias processuais, como processualista não defendo a possibilidade de um discente entender perfeitamente, mesmo que de forma autônoma, um processo de execução sem antes compreender a complexidade dos atos e decisões judiciais que são proferidas no processo de conhecimento.  (...) em um processo de ensino-aprendizagem deve-se avaliar a prática pedagógica de acordo com a ciência que se estuda e não simplesmente de forma pura; pedagogia por pedagogia”.

 

Nas falas acima se constata o posicionamento favorável do docente ao ensino jurídico de forma compartimentada, defendendo ser algo intrínseco na ciência do direito, reafirmando ainda mais que essa crise do ensino jurídico existe e precisa ser superada, 80% dos professores questionados demonstraram o posicionamento nessa linha exposta, favorável ao ensino jurídico de forma compartimentada.

Para conseguir reformar o ensino e superar essa crise faz-se imperioso visualizar os problemas que surgem no dia-a-dia de forma global, visto que o conhecimento de forma isolada não é suficiente para detectar as suas soluções, isso pode ser feito acabando com a especialização em uma área do conhecimento, responsável pela perda do saber fundamental, pois somente através do conhecimento global é possível ter uma visão especialista.

Novamente os alunos demonstrando resistência à mudança, o que reflete na necessidade de superar a crise ai presente, ao serem questionados sobre a importância da especialização 70% afirmaram ser importante as especializações feitas pelos professores, podendo ser verificado na fala de uma das acadêmicas questionadas ao afirmar que “De certo ponto é benéfica. É necessário saber relacionar com as outras áreas, mas ninguém sabe de tudo e para ser bom na área que quer trabalhar, a especialização é importante”, onde valoriza o conhecimento que abrange todas as áreas, mas negando essa capacidade aos profissionais do direito, o que também é feito por outra acadêmica quando responde que “Acho importante, devido a grande área de atuação do Direito. Quem não se especializa em uma área, ou algumas áreas, acaba correndo o risco de não ser bom em nenhuma”, verificando-se ai a valorização do conhecimento reducionista, que admite o conhecimento da parte sem conhecer o todo,  negando a importância da inteligência geral.

Nesse ínterim, ao elencar os requisitos para ter uma cabeça bem-feita, MORIN (2003, p. 21) assinala que:

 

(...) o desenvolvimento das aptidões gerais da mente permite o melhor desenvolvimento das competências particulares ou especializadas. Quanto mais desenvolvida é a inteligência geral, maior é a capacidade de tratar problemas especiais. A educação deve favorecer a aptidão natural da mente para colocar e resolver os problemas e, correlativamente, estimular o pleno emprego da inteligência geral.

  

MORIN (2003, p.25) também aponta como aptidão importante para a educação, imprescindível para tornar o ensino jurídico mais voltado para o meio social, a contextualização, capaz de localizar o problema e situá-lo não apenas na norma jurídica, mas em seu ambiente cultural, social, político e econômico, para a partir daí obter uma compreensão humana e tornar-se um operador do direito mais justo. E, com essa compreensão humana, torna-se possível visualizar o sofrimento do outro, a miséria, exclusão social, e lutar contra isso. Essa compreensão, segundo 100% dos professores questionados sobre o atual papel da educação ao ensinar o indivíduo a compreender o outro, ainda precisa ser desenvolvida, confirmando a importância desta, e demonstrando que atualmente não é visualizado no ensino jurídico. Vale ressaltar que um dos professores questionados afirmou ser a compreensão do outro um dos requisitos para alcançar o Estado Democrático de Direito, mas ao final salientou que “(...)estas são capacidades que ainda necessitam de desenvolvimento, reflexo, talvez, do capitalismo e da competitividade que se desenvolve mercadologicamente”.

Como forma de superação da incompreensão no ensino jurídico faz-se imprescindível estudos interdisciplinares que envolva a pedagogia, filosofia, psicologia, sociologia, história, os quais servirão para trazer lucidez e a compreensão de que todos somos humanos. Se houver respeito aos direitos humanos de todos, aliado a solidariedade e a responsabilidade com os semelhantes e com o país, as injustiças sociais serão eliminadas e a humanidade conseguirá atingir a paz. Podendo, também, ser eliminada por meio de mecanismos democráticos, respeitando a liberdade e a igualdade de todos, assim que nasce o direito e é necessário que as regras impostas por ele sejam justas, levando em conta as características e direitos fundamentais de todos os seres humanos.

DALLARI (2002, p. 19) sobre o que seja justiça explica:

 

 (...) pode-se dizer que existe justiça quando todos os meios de que a sociedade dispõe são organizados e utilizados para a consecução do bem comum e não do bem particular de um indivíduo ou de um grupo. A expressão bem comum, que já pareceu na obra de Aristóteles filósofo grego que viveu em Atenas no quarto século antes da era cristã, foi desvirtuada por alguns autores do século vinte, interessados exclusivamente nas riquezas materiais. Desse modo deram-lhe o sentido de bem-estar material. Entretanto, corrigido essa distorção e afirmando que a sociedade e o Estado devem procurar o benefício da pessoa humana integral, em suas dimensões material e espiritual, o papa João XXIII, em suas encíclicas sociais, assim conceituou o bem comum: “conjunto das condições de vida social que consintam e favoreçam o desenvolvimento integral da pessoa humana”. Está implícito que a sociedade deve existir em benefício de todas as pessoas humanas e não de pessoas ou grupos privilegiados.

 

Cumpre observar que o desenvolvimento da antro-poética, também ocupa um papel muito importante, com o fim de tornar indivíduos melhores que assumam suas responsabilidades na busca de solucionar os anseios e lides sociais. Diante disso, faz-se imperioso destacar o posicionamento de um dos professores sobre a contribuição da ética desenvolvida em cada acadêmico, para ensino jurídico e para a sociedade, ao afirmar que:

 

 “(...) caso ele retorne ao ensino, agora na qualidade de docente, poderá contribuir para a continuidade do processo e com o aumento da qualidade de trabalho e da formação político, econômica e social deste futuro Bacharel em Direito, que deixará os bancos acadêmicos com uma formação além da científica, sairá cidadão crítico, consciente de seu verdadeiro papel transformador do contexto social em que se inserir”.

 

 

Com essa ética humana, desenvolvendo a consciência individual além da individualidade, haja vista que parte da premissa que todo ser humano passa a conseguir se localizar enquanto indivíduo/sociedade/espécie, superando a limitada sensação de indivíduo/espécie, pois torna-se compreensível que o estudante reconstrua seu papel na sociedade, de forma que possibilite adaptar o ensino jurídico e a própria práxis  à sociedade atual, com o fim único de alcançar a justiça.

 

4 DIREITO ALTERNATIVO COMO ALTERNATIVA

 

Com a pretensão de conquistar a objetividade e precisão na produção e difusão do conhecimento, ideal seguido pela ciência moderna, esta proporcionou meios de eliminar todos os ideais do conhecimento. Influenciado por essa necessidade de objetividade e precisão, pois Descartes considerava que quanto mais preciso, mais científico seria o conhecimento, na ciência do direito foram consagradas as correntes de pensamentos que retiravam a subjetividade do julgador, impondo a aplicação da norma sem nenhuma carga valorativa, o que ocasionou no positivismo jurídico defendido por KELSEN (1998:XXVIIIs) em sua Teoria Pura do Direito, que demonstra de forma clara a sua finalidade em construir essa teoria:

 

Como objetivo desta teoria geral do Direito é capacitar o jurista interessado numa ordem jurídica particular, o advogado, o juiz, o legislador ou professor de Direito a compreender e a descrever de modo tão exato quanto possível o seu próprio Direito, tal teoria tem de extrair os seus conceitos exclusivamente do conteúdo das norma jurídicas positivas. Ela não deve ser influenciada pelas motivações de autoridades legisladoras ou pelos desejos e intenções, esses desejos e interesses, sejam revelados no material produzido pelo processo legislativo. O que não pode ser encontrado no conteúdo de normas jurídicas positivas não podem fazer parte de um conceito jurídico...Apenas separando a teoria do Direito de uma filosofia da justiça, assim como da sociologia, é possível estabelecer uma ciência específica do Direito.

 

 

No entanto, esse legalismo extremo não consegue atender às aspirações sociais, de forma a alcançar a dignidade da pessoa humana, princípio norteador do Estado Democrático de Direito, o que exige dos aplicadores da lei uma interpretação mais justa, não buscando negá-la, mas pautando na realidade, ou seja, aplicando o Direito de forma alternativa. Devendo partir de um ensino jurídico totalmente vinculado da teoria com a prática, com valorização e incentivo da Universidade ao ensino prático diário, como por exemplo, com a implantação de escritório modelo, visitas aos presídios, júris simulados, dentre outros.

Sobre o que seja o direito alternativo Luma Gomides de Souza, explica:

 

Do desencontro entre a lei e o direito, entre códigos e justiça, nasce o Direito Alternativo, que nada mais é do que a aplicação da lei em função do justo, sob a ótica do interesse social e das exigências do bem comum.

 

Essa necessidade prática de aproximar o ensino jurídico da realidade, com uma aproximação cultural, para uma conseqüente efetivação da justiça social pode ser constatada nas respostas dos discentes ao questionamento no tocante aos métodos, visto que 100% referiram-se apenas aos métodos teóricos aplicados em sala de aula. Que não possibilitam a compreensão da condição humana porque não são suficientes para compreender a complexidade que é o ser humano e suas relações no mundo, que liberta o intérprete da submissão absoluta às leis, tendo como limites apenas os princípios gerais do direito.

 

CONCLUSÃO

 

A crise que o Direito está passando a muito se deve ao paradigma moderno-positivista, reprodutor dos diversos tipos de conhecimentos isolados que não dão conta da complexidade da natureza humana, sendo esta passível de relação com a crise educacional apontada por Edgar Morin na obra repensar a reforma reformar o pensamento, a qual tem sua discussão pautada na reforma do ensino para a educação do século XXI, devendo ser baseada na necessidade de resgatar a condição humana de cada um.

Para conseguir visualizar a necessidade de superação dessa crise e promover a reforma do ensino jurídico não é uma tarefa fácil, haja vista que precisa, de início, uma visão crítica para perceber que ela existe, o que muitas vezes não é possível por causa da cegueira ocasionada pelos paradigmas atrelados à dogmática jurídica, após, uma aproximação do ensino aos anseios sociais, que pode ser feita por meio do compromisso dos estudantes, bem como dos docentes e da administração da Instituição de Ensino, para promover a integração do ensino jurídico à comunidade.

É latente a importância dessa visão crítica para reformar o pensamento, que deverá ocorrer de forma simultânea com a reforma do ensino jurídico, ponto de partida da virada do paradigma positivista. E sob o novo paradigma epistemológico, não só o ensino jurídico será reformado, mas também a prática do profissional do direito, com a superação dessas cegueiras e ilusões da dogmática jurídica positivista.

Mesmo diante dessa proliferação dos cursos de direito no país, um curso não deve apenas formar profissionais para atuar no mercado de trabalho, e acabar sobrecarregando-o com advogados, juízes, delegados ou promotores, o ensino jurídico deve ter outros objetivos, visando a formação de futuros profissionais com o máximo de desenvolvimento sócio-cultural e humanístico. E, partindo do compromisso com os problemas sociais, analisando-os de forma multidimensional, global, complexo e contextual, será alcançada a reforma do ensino jurídico, com a conseguinte superação da crise. A partir destas considerações o ensino jurídico conseguirá formar juristas preparados para a atuação social, e o Direito será o meio adequado para alcançar a tão sonhada justiça.

 

REFERÊNCIAS

 

MORIN, Edgar. A cabeça bem feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. tradução de Eloá Jacobina. 8° ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.

MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. Tradução de Catarina Eleonora F. Silva e Jeanne Sawaya; revisão técnica de Edgard de Assis Carvalho. 2° ed. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: UNESCO, 2000.

MARCONI, Marina de Andrade, LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos de metodologia científica. São Paulo: Atlas, 2005.

MOURA, Nello. O positivismo jurídico. Lições de filosofia. Tradução e notas de Márcio Pugliesi, Edson Bini e Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 1995.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessário à prática educativa. 34ª ed.São Paulo: Paz e Terra, 2006.

DALLARI, Dalmo de Abreu. Direitos humanos e cidadania. São Paulo: Moderna, 2002

SOUZA, Luma Gomides. Direito Alternativo. Disponível em: ttp://www.coladaweb.com/direito>. Acessado em: 08 de novembro de 2010.

RODRIGUES, Vinicius Gonçalves. A crise do positivismo jurídico e a necessidade de mudança do paradigma.Universo Jurídico. Disponível em < www.uj.com.br>. Acessado em 25 de outubro de 2010.



[1] Acadêmica de Direito da Faculdade AGES

[2] Paradigma significa todas as crenças, valores, técnicas partilhadas pelos membros de uma mesma comunidade científica. O paradigma governa em primeiro lugar, não um objeto de estudo, mas um grupo de praticantes da ciência. Dessa forma, a maneira pela qual um cientista vê um aspecto específico de seu mundo será orientada pelo paradigma em que está trabalhando, consubstanciando-se em critério de julgamento da verdade e da realidade.

O positivismo é o paradigma da ciência moderna, suas bases foram sendo estabelecidas desde o Renascimento, mas é no Iluminismo que este encontra sua principal raiz histórica. O Renascimento (séculos XV e XVI) foi marcado pela valorização da observação e da experimentação de forma sistemática na investigação da natureza; o Iluminismo (estabelecido pela Revolução Francesa no século XVIII) teve como marca a evocação da necessidade de unir razão e conhecimento, permitindo o surgimento de uma humanidade iluminada. A modernidade científica teve seus primórdios quando Nicolau Copérnico derrubou a tese de Ptolomaica, reafirmada por Galileu Galilei que se apoiou nos conhecimentos da matemática e da geometria para apreensão da natureza. Francis Bacon introduziu o método empírico e René Descartes fez o mundo conhecer o pensamento racional ou paradigma cartesiano, a partir do qual a ciência só poderia ser entendida e desenvolvida pela divisão do todo em partes, de forma mecanicista; e Isaac Newton ampliou o paradigma cartesiano ao formular a lei universal da gravidade. O positivismo consolidou-se a partir do projeto de ciência moderna centrada na buscada verdade, das leis universais que regiam o mundo, de forma a permitir a previsão dos fenômenos e o domínio da natureza, oferecendo o ideal de segurança ao homem moderno contra os infortúnios da natureza. Neste sentido,

críticas são lançadas quanto ao uso da natureza, afirmando que o desenvolvimento tecnológico separou-nos da natureza, e que a exploração da natureza tinha sido o veículo de exploração do homem. No decorrer dos anos de 1970 são introduzidas na física, matemática, biologia e ecologia as noções de caos e sistemas dinâmicos instáveis, processos de não equilíbrio e auto-organização. A partir de então, surge a pós-modernidade, como um movimento de reação cultural, representando ampla perda de confiança no potencial universal do projeto iluminista, havendo um desencantamento cultural. Tais movimentos de transformação, ocorridos na esfera social, científica e cultural, fizeram emergir a discussão crítica, desencadeando o surgimento de novos paradigmas.

 

 

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