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A NÃO DEVOLUÇÃO DE UM CENTAVO DE TROCO: Apropriação indébita ou fato atípico?


Autoria:

Jônatas Barbosa


Bacharel em Direito pela UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE - Cabo da Policial Militar de Minas Gerais.

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Resumo:

O presente artigo visa a análise da não devolução do troco de um centavo praticada pelos estabelecimentos comerciais, e suas implicações penais no Direito. O uso do preço psicológico como mecanismo de engano ao consumidor parte vulnerável da relação.

Texto enviado ao JurisWay em 22/02/2014.



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Jônatas Barbosa¹

Guilherme Dutra Marinho Cabral²

 

 

RESUMO

  

             O presente artigo científico tem como tema a análise da não devolução do troco de um centavo, e suas implicações penais no Direito. Considerando que, atualmente, a maioria dos estabelecimentos comerciais adota como estratégia de marketing o anúncio de produtos fracionados, induzindo o consumidor a adquiri-lo por um valor aparentemente mais barato, como R$ 1,99 ou R$ 99,99, a pesquisa pretende verificar se essa prática configura crime de apropriação indébita ou constitui fato atípico. Assim, a relevância do tema reside no fato de que, se uma loja retiver diariamente R$ 0,01 centavo de troco de 3.000 consumidores, em um ano, obterá um fluxo de caixa extra de R$ 9.900,00 reais; somado esse valor a 400 lojas de uma mesma rede comercial, teremos uma renda não declarada de R$ 3.960.000,00 reais durante igual período. Utilizando-se de pesquisas as fontes bibliográficas e sítios virtuais, foi possível concluir que a não devolução voluntária do troco de um centavo de centenas de consumidores poderá configurar não apenas o delito de apropriação indébita, como também o de lavagem de capitais, já que o valor retido indevidamente dos consumidores será ocultado ou licitamente reaproveitado pelo estabelecimento comercial que tem o preço psicológico como estratégia de publicidade.

 

 

 

________________

¹ Acadêmico do Curso de Direito, da Universidade Vale do Rio Doce

Email: barbosajon@hotmail.com

² Orientador Professor do Curso de Direito, da Universidade Vale do Rio Doce.

Email: guilhermedutra@adv.oabmg.org.br

 

1 INTRODUÇÃO

 

             A presente pesquisa tem como tema a não devolução do troco de um centavo, por parte de inúmeros estabelecimentos comerciais.

O objetivo geral do trabalho consiste em analisar, de forma panorâmica, as implicações penais desta prática, possibilitando, a reflexão acadêmica do tema e eventuais alternativas adequadas para a resolução do problema.

O primeiro Capítulo visa apresentar como ocorrem as relações de consumo, e as partes que integram o negócio jurídico, assim como os conceitos de produto e serviço.

É cediço que muitos fornecedores não medem esforços para obterem sucesso em suas empresas utilizando-se, para tanto, de atitudes que cotidianamente abusam da vulnerabilidade do consumidor. A sua vulnerabilidade decorre da frágil posição ocupada pelo destinatário final do produto, que está sujeito a sofrer publicidades enganosas e outras práticas abusivas por parte do fornecedor.


Nos casos dos trocos não devolvidos de um centavo, observa-se que os anúncios induzem o consumidor a erro, na medida em que anunciam produtos por valor aparentemente inferior ao que realmente é cobrado.


Já no segundo Capítulo, apresenta a estratégia de marketing utilizada através do preço psicológico, forma de publicidade adotada por estes estabelecimentos consistente em fomentar no consumidor a ilusão de que adquire mercadorias por preços mais baixos do que o exigido. Isso por que, como costuma acontecer, o troco de um centavo só retorna ao consumidor quando o mesmo, sob a pecha de sovina, insiste na sua devolução.

Por fim, no terceiro Capítulo, abordará o entendimento de que essa conduta em tese configura o crime-meio de apropriação indébita, consistente na apropriação de coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a detenção, pois considerando que esta receita obtida ilicitamente da coletividade não será tributável, podemos afirmar que citada conduta também constitui crime de lavagem de capitais, através dessa prática comercial, que além de abusar da vulnerabilidade do consumidor, alcança e permite ao fornecedor obter receitas mensais não declaradas, que somadas à coletividade de pessoas lesadas, representam considerável ganho patrimonial isento de controle fiscal, alcançando também conforme analise da conduta inicial, sendo esta lícita, mas diante da não declaração ou omissão ao fisco, poderá também configurar o delito de sonegação fiscal, e este não constitui nenhum crime-fim de outra infração penal, por seu caráter autônomo.

A relevância do tema, nesse sentido, surge da necessidade de se verificar se a não devolução dos trocos de um centavo configura não somente enriquecimento ilícito para o Direito Civil, como também alguma infração penal.

A hipótese de trabalho é que a não devolução do troco de centavo, já firmada como um costume comercial garante a lucratividade com resultados desleais e enganadores, fraudando os direitos básicos do consumidor.

Nesse sentido, o artigo 6º, inciso IV do CDC estabelece que é direito do consumidor a proteção contra publicidades enganosas ou abusivas, bem como métodos comerciais desleais.

A publicidade vem como uma ferramenta utilizada a favor do fornecedor, como mecanismo de ludibriar o consumidor, agindo em seu psicológico, induzindo-o a um entendimento de que um determinado produto é mais barato que o outro da concorrência, simplesmente por apresentar uma diferença de “um centavo”.

            Existem várias formas de estudos e aplicação de estratégias de utilização de preço, mas dentre todas as mais utilizadas em nossos dias é justamente a do preço psicológico, que se baseia em persuadir os consumidores independentemente da sua classe social, a acreditar que o preço de um produto apresentado por R$ 0,98 centavos é mais barato que o outro R$ 0,99 centavos.

Diante deste fato concreto de relação de consumo, que envolve uma  diversidade de ações, que tem como resultado final em um negócio jurídico bilateral, através de interesses de vontades entre as partes, que o Código de Defesa do Consumidor estabeleceu normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e de interesse social, nos termos do artigo 5º, inciso XXXII, artigo 170, inciso V, da Constituição Federal e artigo 48 de suas Disposições Transitórias.

            A metodologia adotada é a pesquisa através das fontes bibliográficas e sítios virtuais.

  

2 DAS RELAÇÕES DE CONSUMO

  

Para compreender como ocorrem essas e outras relações de consumo, faz-se necessário mencionar as partes que integram o negócio jurídico, assim como os conceitos de produto e serviço.

Em uma relação de consumo temos as figuras do “consumidor e fornecedor”, que se interagem através de um interesse bilateral, envolvendo vontades, um determinado produto e uma forma predeterminada de prestar serviço.

O consumidor é toda a pessoa, física ou jurídica, que adquire ou utiliza produtos ou serviços, com interesse final, podendo ser equiparado a este consumidor, a coletividade de pessoas (agentes equiparados), ainda que seu número seja indeterminado (art.2º - Caput e § único - CDC).

O Fornecedor, por sua vez, é toda pessoa física ou jurídica, acrescida de interesse publico ou privado, que atua realizando atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos, ou ainda prestações de serviços (art. 3º - Caput, CDC).

O produto deve ser um bem móvel ou imóvel, de natureza material ou imaterial (art. 3º, § 1º, CDC), enquanto serviço, é toda atividade fornecida dentro de um mercado de consumo, mediante uma valoração econômica remunerada, incluindo-se as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitárias, não excluindo-se as relações de caráter trabalhistas (art. 3º, § 2º - CDC).

 

 3 DO PREÇO PSICOLÓGICO COMO ESTRATÉGIA DE MARKETING

  

A estratégia é a forma de comunicação e vendas para superar a concorrência através do desenvolvimento do negócio, já o marketing visa criar valor e satisfação ao cliente, gerindo relacionamentos lucrativos para ambas as partes.

Las Casas (2000, p. 117) em sua obra “Marketing de Varejo” apresenta a utilização do preço como o retorno de investimento e a fatia de mercado, mas também como a idéia de fluxo de caixa. Neste, o objetivo é ter o controle dos deveres e obrigações da empresa, controlando as entradas e saídas, como a receita final de toda a movimentação financeira decorrente de um período determinado, facilitando uma gestão em que tenha exatamente o valor a ser pago das obrigações assumidas, quais valores a receber e qual valor do saldo final, ou seja, diferença restante entre o que se pagou e o que se recebeu.

Sendo, no entanto, o saldo final negativo, demonstra que a empresa está gastando mais do que recebe, mas por outro lado, se o saldo for positivo, indica que a empresa está tendo sucesso financeiro.

Mas, o que dizer quando o fluxo de caixa com sucesso financeiro se origina através da prática da não devolução do troco de um centavo?

Para que as relações de consumo entre as partes sejam respeitadas, o Código de Defesa do Consumidor estabeleceu algumas diretrizes a serem observadas, como aquelas estabelecidas pela Política Nacional das Relações de Consumo, a saber: atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações consumeristas (art. 4º - Caput - CDC).

Não obstante, o Direito reconhece o consumidor como parte mais fraca da relação. Essa vulnerabilidade é absoluta, pois independe da sua classe social (art. 4º, inciso I – CDC).

            Diante dos conflitos que envolvem a esfera do Direito do Consumidor, necessário é que se vise a um mecanismo legal que coíba essa prática abusiva e enganosa da não devolução do troco em espécie ao consumidor, mesmo que para isso seja aplicada a analogia, encontrando casos julgados semelhantes (art. 4º, Caput – LINDB).

A atuação da tutela do Estado-Juiz, deverá se ater aos interesses sociais que a referida lei se destina, visando à preservação das exigências do bem comum da coletividade (art.5º, Caput – LINDB).

Assim, o Estado do Rio de Janeiro, por meio da Lei nº 5.532, de 25 de setembro de 2012, tornou obrigatória a devolução integral e em espécie do troco por parte de todos os estabelecimentos que forneçam produtos ou serviços diretamente ao consumidor.

O direito consumerista também deve reconhecer como vulneráveis as pessoas jurídicas que adquirem ou utilizem produtos ou serviços enquanto destinatários finais, dando equilíbrio à relação entre consumidor e fornecedor, além de proteger os interesses sociais nas relações consumos.

 

 4 DOS CRIMES DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA E LAVAGEM DE CAPITAIS

  

Sob a alegação de que não existem moedas de um centavo para serem devolvidas de troco, as empresas vem se utilizando de uma estratégia de comunicação consistente em anunciar produtos por R$ 10,99; R$ 29,99; R$ 99,99 e outros, mas sem a entrega voluntária do troco ao primitivo possuidor.

Ao utilizar-se do preço psicológico com a aparente finalidade de criar valor e satisfação ao cliente, o consumidor realiza o pagamento do produto anunciado, mas a empresa não devolve o troco de centavo(s). Como exemplo, podemos citar a aquisição de um produto por R$ 9,99, que ao final é cobrado do consumidor como sendo R$ 10,00.

A prática habitual da não devolução do centavo de troco, seja de valores R$ 0,01; R$ 0,02, R$ 0,03 e R$ 0,04, pertencentes aos consumidores, tem favorecido enormemente os estabelecimentos comerciais, que na maioria adotam esse expediente, já que passam a gozar de uma receita não tributável, o que favorece muito a um fluxo de caixa compensador e sem fiscalização.

Suponhamos que um estabelecimento comercial possua em sua rede 400 lojas, e que adotando o preço psicológico como estratégia de marketing atraia uma média de 3.000 clientes diários em cada uma delas. Se cada consumidor realizar uma compra de um único produto com valor fracionado em números ímpares, e ao pagar no caixa, não obtém R$0,01 centavo de troco que tem direito, em um único dia o rendimento calculado para o proprietário, somente com a não devolução dessa quantia, seria de R$ 30,00 reais.  Se multiplicarmos este valor por 30 dias, teremos a quantia de R$ 900,00 por mês, e o montante de R$ 9.900,00 ao ano por cada loja.

Somado o mesmo fluxo de caixa nos 400 estabelecimentos que integram a referida rede, teremos, no mesmo período, um montante de R$ 3.960.000,00 sem a incidência de impostos, livres de qualquer tipo de fiscalização e prestações de contas à Receita Estadual.

Essa renda poderá atingir índices ainda maiores quando ocorrer a retenção de R$ 0,02, R$ 0,03, R$0,04 ou mais centavos de troco.

            Se formos calcular cada valor retido dessa forma, veremos que essa prática é abusiva e desleal, no âmbito do Direito Civil e no âmbito do Direito Público.

É muito presente a existência do engano, da deslealdade e má-fé nesta prática comercial, uma vez que toda propaganda visa conquistar o consumidor pelo preço psicológico, sendo que na verdade, o preço cobrado não é aquele fracionado e preferencialmente expresso em números ímpares, como o famoso R$ 1,99.

  

4.1 TROCO DE CENTAVOS: RECONHECIMENTO LEGAL E ENQUADRAMENTO COMO BEM MÓVEL

  

Por sua vez, considera-se móvel todos os bens que possuem condições de serem capazes de movimentação própria, ou de serem removidos por uma vontade e força alheia, e que não alterem com este movimento, sua substância como também sua destinação econômico-social (art. 82, CC).

            No mesmo sentido, o artigo 83, inc. II do Código Civil estabelece que os bens móveis abrangem os direitos reais sobre os objetos e ações que estejam relacionadas a estes.

            Compreende-se, então, que o dinheiro enquadra-se neste entendimento de forma inquestionável, por possuir destinação econômico-social, por não deteriorar na sua substância ou na sua forma, podendo ser transportado de um lugar para o outro.  

Também figura como um direito real, sendo consumidor o titular da coisa e por possuir o poder de disposição do bem.

Enquadram-se, além disso, como bens fungíveis e consumíveis de acordo com o Caput dos artigos 85 e 86 do CC, já que podem ser substituídos por outros da mesma espécie, qualidade e quantidade, sem que se perca seu valor. É consumível porque através do seu uso ou manuseio podem ser destruídos em sua substância de forma imediata, e como outros bens móveis, possui capacidade de ser destinado à alienação quando da transferência da sua propriedade e posse imediata a outrem.

Por fim, este ainda é considerado como bens divisíveis previstos no artigo 87 e 88 do CC, por admitir fracionamento em partes homogêneas e distintas, sem que sofra alteração da substância, diminuição considerável de seu valor, ou quando, através da destinação dada ao objeto, venha ter prejuízo.

            O Código Civil trata da propriedade e posse da coisa, uma vez que o consumidor detentor do dinheiro possui a garantia de que este lhe pertence à propriedade e a posse, e a retirada ou detenção, mesmo que seja de parte fracionada, sem sua prévia autorização configura um desrespeito ao seu direito e lesão ao seu patrimônio econômico.  

            Trata-se, portanto, de uma obrigação em que ambas as partes estão envolvidas em uma relação contratual de compra e venda, sendo a relação contratual amparada pelo artigo 233 do CC. Como bem esclarece BEVILÁQUA (1954, p. 54), a relação contratual:

 

É aquela cuja prestação consiste na entrega de uma coisa móvel ou imóvel, seja para constituir um direito real, seja para facultar o uso, ou ainda, a simples detenção, seja finalmente, para restituí-la ao seu dono. A definição compreende duas espécies de obrigações: a de dar, propriamente dita, e a de restituir.

 

 

4.2 O RESPEITO À DIGNIDADE HUMANA DO CONSUMIDOR DIANTE DA PUBLICIDADE ENGANOSA E ABUSIVA DO PREÇO

            

             Com a adição de métodos comerciais desleais (inc. IV – art. 6º) praticados nas relações consumeristas, surge a necessidade de proteção da dignidade do consumidor frente aos abusos sorrateiros empregados nas publicidades.

         Como já expresso acima, a prática da não devolução do troco de centavos se tornou uma forma fácil de crescimento de fluxo de caixa, com valores de produtos vendidos, e estes montantes, somados aos inúmeros centavos que não são restituídos aos clientes, geram uma receita bastante lucrativa para o fornecedor. O Código de Defesa do Consumidor surge com diretrizes que visam coibir tais práticas, através de ações consistentes em proteger os interesses da coletividade em detrimento dos interesses individuais. Por isso, não é possível ignorar os prejuízos sofridos pelo consumidor e o alcance social que essa lucratividade proporciona ao fornecedor, sem incidir sobre a receita auferida.

           Considerando que tais abusos não são punidos em nosso país, seja pela falta de informações ou pela inexistência de cultura que permita às classes consumeristas reinvidicar seus direitos, torna-se necessário resgatar o respeito à vulnerabilidade do consumidor, protegendo-o enquanto parte hipossuficiente nas relações de consumo.

A sua hipossuficiência é revelada nos casos em que a prática do preço psicológico, além de induzi-lo a adquirir produto aparentemente mais barato, lhe retira um centavo de troco que lhe é de direito. Essa falta de proteção tem origem tanto no sistema educacional, quanto no cultural e jurídico.

Uma vez que existe a oferta, esta deve assegurar, por meio da publicidade, que suas informações sejam corretas, claras, precisas, ostensivas e que ocorram em língua portuguesa.

E quando o assunto for o preço do produto, como é o estudo em analise, não há o que se questionar: o pagamento deve se convalidar com a devolução do troco em dinheiro, mesmo que seja em poucos centavos.

O troco devolvido ao consumidor também será sempre na mesma espécie, e nunca por meio de “balas ou chicletes”, pois isso configura “venda casada”.

Nesse sentido, o artigo 39, Caput, e inc. IV do Código do Direito do Consumidor é taxativo ao afirmar que é vedado ao fornecedor de produtos prevalecer da fraqueza ou ignorância do consumidor, aproveitando de sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe algum produto ou serviço.

Constatando que a empresa cobrou R$ 2,00 por um produto anunciado por R$ 1,99, com registro no cupom fiscal do preço divulgado, é possível afirmar, portanto, que a não devolução desse troco configura, ao menos em tese, o crime-meio de apropriação indébita, consistente na apropriação de coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a detenção.

Considerando que esta receita obtida ilicitamente da coletividade não será tributável, podemos afirmar que citada conduta também constitui crime de lavagem de capitais, que estabelece, no artigo 1º, Caput, da Lei 9.613 de 03 de março de 1998 o seguinte:

 

 

Art. 1º  Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal. 

 

 

A adequação típica a um ou outro dispositivo penal dependerá da conduta verificada no caso concreto, analisando-se o projeto de realização e realização do projeto delitivo. Isso porque o uso do preço psicológico como estratégia de marketing não implica, para esses estabelecimentos, a apropriação indevida do troco de R$0,01 de apenas um cliente, mas constitui um projeto delitivo que objetiva reter ilicitamente, de uma coletividade difusa, montantes elevados que serão reaplicados na atividade comercial.

A apropriação indébita, portanto, é consumida pelo crime de lavagem de capitais.

Outra hipótese de fato punível compreende o caso em que o estabelecimento obtém licitamente os trocos de R$ 0,01, porque o consumidor verbalmente abriu mão da restituição do valor, mas essa quantia, a exemplo do montante já descrito, deixa de ser declarada ao fisco. Esse comportamento poderá configurar o delito de sonegação fiscal, que comina pena de seis meses a dois anos de detenção para aquele que fizer “(...) declaração falsa, ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se total ou parcialmente de pagamento de tributos” (art. 2º, inciso I da Lei 8.137/90). Referido crime possui caráter autônomo e não constitui crime-fim de nenhuma outra infração penal em estudo.

            Por fim, deve-se ressaltar que a pessoa jurídica possui responsabilidade penal, com previsão legal no artigo 173, §5º da Constituição Republicana de 1.988, que estabelece o seguinte:

 

 Art. 173. ....

 

§ 5º - A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a as punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.

  

6 CONCLUSÃO

 

A adoção do preço psicológico como estratégia de marketing permite ao fornecedor de bens e serviços obter enormes vantagens econômicas, em detrimento do consumidor. Os valores obtidos com a não devolução dos trocos de um centavo, se analisados isoladamente, podem parecer insignificantes para legitimar a intervenção do Direito Penal nesses casos. Todavia, quando verificamos a renda extraordinária que pode advir dessa prática, a abordagem do tema ganha novos contornos. Isso porque o estabelecimento comercial, ao definir seus mecanismos de publicidade, não pretende atingir o consumidor individualmente, mas uma parcela difusa desse extrato.

Nesse sentido, o estudo do tema torna-se relevante para a academia, na medida em que suscita a reflexão sobre práticas comerciais corriqueiras, mas de manifesto dano para o erário.

A pesquisa também não pretendeu analisar o valor econômico representado pelo troco de um centavo apropriado de um consumidor, já que esta quantia é insignificante, se considerada isoladamente. Neste ponto, fixou-se o olhar no direito do consumidor difuso que está sendo violado com essa prática, assim como as suas implicações jurídicas.

 

Por fim, deve-se esclarecer que essas situações problemáticas poderiam ser mais bem solucionadas independentemente do Direito Penal, como por meio da proibição dos preços psicológicos, a exemplo do que ocorre no estado do Rio de Janeiro, através da Lei 5.532, de 25 de setembro de 2012. Além de reduzir a possibilidade de aumento patrimonial não declarado das empresas, essa medida protege o consumidor contra publicidades abusivas. A intervenção do Direito Penal, portanto, deve permanecer como a “ultima ratio” do Estado.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

 BITENCOURT, Cezar Roberto. Teoria Geral do delito.São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.

 CALLEGARI, André Luiz. Lavagem de dinheiro: Aspectos penais da Lei nº 9.613/98. 2. ed. Rev. Atual. Porto Alegre: livraria do Advogado, 2008.

 LAS CASAS, Alexandre Luzzi. Marketing de Varejo. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2000.

 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal: Parte Geral. 3.ed. Curitiba: ICPC: Lumem Júris, 2008.

 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.

  VADE MECUM: acadêmico de direito / Anne joyce Angher, organização. – 12. ed. – São Paulo: Rideel, 2011.

  

SÍTIOS VIRTUAIS

  

BRITO, Alírio Maciel Lima de; DUARTE, Haroldo Augusto da Silva Teixeira. O princípio da vulnerabilidade e a defesa do consumidor no direito brasileiro: origem e conseqüências nas regras regulamentadoras dos contratos e da publicidade. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1109, 15 jul. 2006 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/8648>. Acesso em: 28 abr. 2013.

 PREFEITURA DE ADAMANTINA. Procon orienta: “recebeu em dinheiro, troco tem de ser em dinheiro”. Disponível em: https://pt-br.facebook.com/adamantinasp/posts/494765480569542>.Acesso em: 28 abr.2013

 RIBEIRO FILHO, Américo. Direito do Consumidor: A importância dos centavos no seu troco. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 jan. 2012. Disponivel em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.35554&seo=1>. Acesso em: 28 abr. 2013.

 RIO DE JANEIRO. Câmara Municipal. Lei Ordinária nº 5.532 de 25 de setembro de 2012.  Autoria do Senhor Vereador Israel Atleta. Dispõe sobre a obrigatoriedade da devolução integral e em espécie do troco, para os estabelecimentos situados na

OLIVEIRA, Fernando Henrique; Versão Protegida. Cópia para Estudo. Código Civil Comentado. Dos Bens considerados em si mesmos. Seção II, III, e IV. Pág. 73 a 76. Disponível em: <http://ebookbrowse.com/codigo-civil-comentado-pdf-d250249148>. Acesso em 28 de abr. 2013

 OLIVEIRA, Fernando Henrique; Versão Protegida. Cópia para Estudo. Código Civil Comentado. Das Obrigações de dar: Das obrigações de dar a coisa certa. Doutrina. Pág. 164. Disponível em: <http://ebookbrowse.com/codigo-civil-comentado-pdf-d250249148>. Acesso em 28 de abr. 2013

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