Respostas Pesquisadas sobre Direito Civil

Qual é a análise da desconsideração da personalidade jurídica à luz da jurisprudência nacional?

Pesquisa

Denner Santana

O trecho abaixo, indicado como resposta, faz parte do seguinte conteúdo:

A desconsideração da personalidade jurídica no direito brasileiro
Autor: Marcio Rogério Licerre
Área: Direito Civil
Última alteração: 20/07/2017
Ler texto completo
Apesar das inúmeras dificuldades impostas pelas sociedades empresárias ao impedirem o acesso aos bens dos sócios, os tribunais pátrios têm sido firmes no entendimento de que a teoria da desconsideração deve ser aplicada, conforme se pode depreender da recente decisão do Superior Tribunal de Justiça, a saber:

PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXECUTIVO JUDICIAL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. VIABILIDADE. ART. 50 DO CC/02.

1. A desconsideração da personalidade jurídica é admitida em situações excepcionais, devendo as instâncias ordinárias, fundamentadamente, concluir pela ocorrência do desvio de sua finalidade ou confusão patrimonial desta com a de seus sócios, requisitos objetivos sem os quais a medida torna-se incabível.

2. Do encerramento irregular da empresa presume-se o abuso da personalidade jurídica, seja pelo desvio de finalidade, seja pela confusão patrimonial, apto a embasar o deferimento da desconsideração da personalidade jurídica da empresa, para se buscar o patrimônio individual de seu sócio.[24]



Observa-se neste julgado a adoção da Teoria Maior da desconsideração, permitindo o afastamento da personalidade jurídica somente nos casos restritos de desvio de finalidade ou confusão patrimonial.

Note-se que inclusive na ocorrência de grupo econômico, situação em que por diversas vezes é mais difícil a configuração de desvio na utilização da pessoa jurídica, já existe decisão firmada pelo STJ:

PROCESSO CIVIL. FALÊNCIA. EXTENSÃO DE EFEITOS. POSSIBILIDADE. PESSOAS FÍSICAS. ADMINISTRADORES NÃO SÓCIOS. GRUPO ECONÔMICO. DEMONSTRAÇÃO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. CITAÇÃO PRÉVIA. DESNECESSIDADE. AÇÃO REVOCATÓRIA. DESNECESSIDADE.

1. Em situação na qual dois grupos econômicos, unidos em torno de um propósito comum, promovem uma cadeia de negócios formalmente lícitos mas com intuito substancial de desviar patrimônio de empresa em situação pré-falimentar, é necessário que o Poder Judiciário também inove sua atuação, no intuito de encontrar meios eficazes de reverter as manobras lesivas, punindo e responsabilizando os envolvidos.

2. É possível ao juízo antecipar a decisão de estender os efeitos de sociedade falida a empresas coligadas na hipótese em que, verificando claro conluio para prejudicar credores, há transferência de bens para desvio patrimonial. Inexiste nulidade no exercício diferido do direito de defesa nessas hipóteses.

3. A extensão da falência a sociedades coligadas pode ser feita independentemente da instauração de processo autônomo. A verificação da existência de coligação entre sociedades pode ser feita com base em elementos fáticos que demonstrem a efetiva influência de um grupo societário nas decisões do outro, independentemente de se constatar a existência de participação no capital social.

4. O contador que presta serviços de administração à sociedade falida, assumindo a condição pessoal de administrador, pode ser submetido ao decreto de extensão da quebra, independentemente de ostentar a qualidade de sócio, notadamente nas hipóteses em que, estabelecido profissionalmente, presta tais serviços a diversas empresas, desenvolvendo atividade intelectual com elemento de empresa.[25]

.

Impende destacar que, nem sempre se consegue demonstrar a confusão patrimonial, ou mesmo a fraude na pessoa jurídica, existindo também decisões em contrário, pois muitas vezes a falência de uma empresa não significa insegurança jurídica de seus sócios, caso contrário, não teríamos porque existir a pessoa jurídica, se desordenadamente se pudesse se valer dos bens dos sócios.

A título de exemplo podemos citar a decisão recente do STJ, em que não foram comprovados os requisitos necessários para a utilização do instituto, o que não permitiu o uso dos bens dos sócios para pagar os credores, conforme abaixo de mostra:

RECURSO ESPECIAL Nº 693.235 - MT (2004/0140247-0) RELATOR: MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO RECORRENTE: FRANCISCA ELIZABETH CONSOLI E OUTRO ADVOGADO: OSMAR SCHNEIDER E OUTRO RECORRIDO: OLVEPAR S/A - INDÚSTRIA E COMÉRCIO - MASSA FALIDA ADVOGADO: DÉCIO JOSÉ TESSARO E OUTRO(S) EMENTA FALÊNCIA. ARRECADAÇÃO DE BENS PARTICULARES DE SÓCIOS-DIRETORES DE EMPRESA CONTROLADA PELA FALIDA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA (DISREGARD DOCTRINE). TEORIA MAIOR. NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO ANCORADA EM FRAUDE, ABUSO DE DIREITO OU CONFUSÃO PATRIMONIAL. RECURSO PROVIDO.

1.A teoria da desconsideração da personalidade jurídica - disregard doctrine -, conquanto encontre amparo no direito positivo brasileiro (art. 2º da Consolidação das Leis Trabalhistas, art. 28 do Código de Defesa do Consumidor, art. 4º da Lei n. 9.605/98, art. 50 do CC/02, dentre outros), deve ser aplicada com cautela, diante da previsão de autonomia e existência de patrimônios distintos entre as pessoas físicas e jurídicas.

2. A jurisprudência da Corte, em regra, dispensa ação autônoma para se levantar o véu da pessoa jurídica, mas somente em casos de abuso de direito - cujo delineamento conceitual encontra-se no art. 187 do CC/02 -, desvio de finalidade ou confusão patrimonial, é que se permite tal providência. Adota-se, assim, a "Teoria Maior" acerca da desconsideração dapersonalidade jurídica, a qual exige a configuração objetiva de tais requisitos para sua configuração.

3. No caso dos autos, houve a arrecadação de bens dos diretores de sociedade que sequer é a falida, mas apenas empresa controlada por esta, quando não se cogitava de sócios solidários, e mantida a arrecadação pelo Tribunal a quo por "possibilidade de ocorrência de desvirtuamento da empresa controlada", o que, à toda evidência, não é suficiente para a superação da personalidade jurídica. Não há notícia de qualquer indício de fraude, abuso de direito ou confusão patrimonial, circunstância que afasta a possibilidade de superação dapessoa jurídica para atingir os bens particulares dos sócios.

4. Recurso especial conhecido e provido. [26]









Sobre a desconsideração da personalidade jurídica no Código Civil e no CDC, destacando suas diferenças, é imprescindível conhecer o voto da Ministra do STJ Nanci Andrighi no Recurso Especial - Resp 279.273/SP que trata das particularidades entre as teorias maior e menor da desconsideração.

"A teoria da desconsideração da pessoa jurídica, quanto aos pressupostos de sua incidência, subdivide-se em duas categorias: teoria maior e teoria menor da desconsideração. A teoria maior não pode ser aplicada com a mera demonstração de estar a pessoa jurídica insolvente para o cumprimento de suas obrigações. Exige-se, aqui, para além da prova de insolvência, ou a demonstração de desvio de finalidade, ou a demonstração de confusão patrimonial. A prova do desvio de finalidade faz incidir a teoria (maior) subjetiva da desconsideração. O desvio de finalidade é caracterizado pelo ato intencional dos sócios em fraudar terceiros com o uso abusivo da personalidade jurídica. A demonstração de confusão patrimonial, por sua vez, faz incidir a teoria (maior) objetiva da desconsideração. A confusão patrimonial caracteriza-se pela inexistência, no campo dos fatos, de separação patrimonial do patrimônio da pessoa jurídica e de seus sócios, ou, ainda, dos haveres de diversas pessoas jurídicas. A teoria maior da desconsideração, seja a subjetiva, seja a objetiva, constitui a regra geral no sistema jurídico brasileiro, positivada no artigo 50 do Código Civil de 2002. A teoria menor da desconsideração, por sua vez, parte de premissas distintas da teoria maior: para a incidência da desconsideração com base na teoria menor, basta a prova de insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações, independentemente da existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial. Para esta teoria, o risco empresarial normal às atividades econômicas não pode ser suportado pelo terceiro que contratou com a pessoa jurídica, mas pelos sócios e/ou administradores desta, ainda que estes demonstrem conduta administrativa proba, isto é, mesmo que não exista qualquer prova capaz de identificar conduta culposa ou dolosa por parte dos sócios e/ou administradores da pessoa jurídica. No ordenamento jurídico brasileiro, a teoria menor da desconsideração foi adotada excepcionalmente, por exemplo, no Direito Ambiental (Lei 9.605/98, art. 4º) e no Direito do Consumidor (CDC, art. 28, §5º). O referido dispositivo do CDC, quanto à sua aplicação, como bem ressaltado pelo i. Min. Relator, sugere uma "circunstância objetiva". Da exegese do §5º deflui, expressamente, a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica pela mera prova da insolvência da pessoa jurídica, fato este suficiente a causar "obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores".

(STJ, Resp 279273/SP; Rel. Min. Ari Pargendler, DJ 29.03.2004.)



Importante notar neste julgado autoexplicativo a abordagem ampla das teorias maior e menor da desconsideração da pessoa jurídica no direito pátrio. Observa-se que a teoria maior, abarcada pelo art. 50 do Código Civil de 2002, possui hipóteses mais restritas de desconsideração, exigindo como pressupostos a confusão patrimonial ou o desvio da finalidade empresarial. Já a teoria menor, adotada pelo CDC, pela Lei 12.529/2011 e pela Lei dos Crimes Ambientais, abordam hipóteses mais amplas de desconsideração, bastando que a insolvência da sociedade empresarial se torne um obstáculo ao ressarcimento dos prejuízos causados aos consumidores ou ao meio ambiente.

Cabe ressaltar, que para o STJ, o juiz poderá decretar a desconsideração no próprio processo de execução, não sendo preciso que haja ação específica para tal.

" A aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica dispensa a propositura de ação autônoma para tal. Verificados os pressupostos de sua incidência, poderá o juiz, incidentalmente no próprio processo de execução (singular ou coletiva), levantar o véu da personalidade jurídica para que o ato de expropriação atinja os bens particulares de seus sócios, de forma a impedir a concretização da fraude à lei ou contra terceiros"

(STJ, RMS 16.274, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 02.08.2004)

Quanto à desconsideração inversa, a doutrina e a jurisprudência começaram a sustentar a possibilidade da quebra da autonomia patrimonial a fim de executar bens da sociedade por dívidas pessoais dos sócios. A desconsideração inversa atualmente vem sendo aplicada no direito de família, nos casos em que se percebe que um dos cônjuges desvia os bens pessoas para a pessoa jurídica, com a finalidade de afasta-los da repartição. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul vem aplicando o instituto:

"Muito embora na aplicação da disregard doctrine, parte-se do pressuposto que responde o sócio com o seu patrimônio particular pela obrigação da empresa, o direito não pode se furtar a aplicação da teoria da desconsideração de forma inversa quando o devedor cria uma veste jurídica para tentar defender seu patrimônio particular ameaçado de alienação judicial por força de dívidas contraídas junto a terceiros. Caso em que o principio da separação patrimonial deve ser superado e ceder em face de circunstâncias especiais e excepcionais diante da prova robusta de fraude por parte do sócio para desfrutar dos benefícios de sua posição, restando assente que a separação da pessoa jurídica da pessoa física é mera ficção legal, não sendo justificável que o sócio que se esconde sob o manto desta sociedade fuja de sua responsabilidade ou de seu fim social, para alcançar benefícios e interesses antissociais."

(TJRS, Agravo de Instrumento nº 70005085048. Relator: Eduardo Kraemer, julgado em 25.05.2004)

Recentemente, também o STJ reconheceu a aplicação da desconsideração inversa. No caso em análise, ficou constatado que o carro de propriedade da empresa era utilizado no dia a dia pelo sócio devedor e por sua esposa. Como o sócio devedor não possuía patrimônio para arcar com a dívida, foi admitida a utilização do bem da empresa para quitar o débito.

"A desconsideração inversa da personalidade jurídica caracteriza-se pelo afastamento da autonomia patrimonial da sociedade, para, contrariamente do que ocorre na desconsideração da personalidade propriamente dita, atingir o ente coletivo e seu patrimônio social, de modo a responsabilizar a pessoa jurídica por obrigações do sócio controlador".

((STJ, Resp. 948117/MS, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 03.08.2010)

Com efeito, observa-se na jurisprudência pátria que, apesar da existência de focos de resistência defendendo a teoria originária da desconsideração (teoria maior), a teoria menor vem ganhando espaço como forma de vedar atos empresariais contrários à lei e que funcionem como obstáculos ao ressarcimento dos danos provocados ao meio ambiente e à coletividade. Pode-se concluir que a aplicação de uma ou de outra teoria da desconsideração irá depender da análise do caso concreto e da subsunção do fato com o dispositivo legal em análise.

Apesar do entendimento adotado na jurisprudência majoritária ser a Teoria Menor, alguns tribunais estaduais, como, por exemplo, o do Rio de Janeiro (TJRJ -Agravo de Instrumento 0058344-86.2011.8.19.0000, Publicação em 12.03.2012) estão deixando de desconsiderar a personalidade jurídica visando favorecer o estimulo econômico, evitando com isso a ruina completa do sócio no caso concreto.

Destarte, apesar do entendimento do Superior Tribunal de Justiça em aplicar amplamente a teoria menor prevista no artigo 28, § 5º do Código de Defesa do Consumidor, o tema ainda gera intensos debates doutrinários, refletidos em decisões proferidas em primeira instância, não havendo que se falar em pacificação do referido tema.



Achou esta página útil? Então....

Curta ou Compartilhe com os amigos:

Recomende ao Google:

Conte aos seus seguidores:

indique esta página a um amigo Indique aos amigos



Os conteúdos do site podem ser citados na íntegra ou parcialmente, desde que seja citado o nome do autor (quando disponível) e incluído um link para o site www.jurisway.org.br.


Comentários  



Outras perguntas sobre o artigo
A desconsideração da personalidade jurídica no direito brasileiro

- Como é a desconsideração da personalidade jurídica no direito brasileiro?
Os estudos do histórico da desconsideração da personalidade jurídica deve se pautar, necessariamente, na doutrina anglo-saxã da...

- Qual é a Extensão dos efeitos da desconsideração da personalidade jurídica?
Para FILHO há dois critérios na desconsideração da personalidade jurídica: no primeiro deles, denominado intensidade, a desconsideração pode ser...

- Qual é o Histórico da desconsideração da personalidade jurídica no Brasil e no mundo?
O caso pioneiro e emblemático da teoria da desconsideração da personalidade jurídica foi o...

- No Direito Comparado: Qual é a desconsideração da personalidade jurídica no direito norte-americano?
Em qualquer estudo sobre a teoria da desconsideração da personalidade jurídica é imprescindível abordar os julgados da...

- Como é a desconsideração da personalidade jurídica no direito brasileiro?
Antes de adentrar na discussão acerca das principais teorias da desconsideração da personalidade jurídica e sinalizar o entendimento vigente na jurisprudência pátria é ...

- Como é a desconsideração da personalidade jurídica no Código de Defesa do Consumidor?
Conforme o relatado anteriormente, a introdução legal da desconsideração da personalidade jurídica no direito brasileiro se deu por meio da Lei 8.078/90, que...

- Qual é a lei que regulamenta a desconsideração da personalidade jurídica na Lei dos Crimes Ambientais?
A Lei nº. 9.695/98, regulamentada pelo decreto federal nº. 3.179/99 dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e...

- Quando ocorre a Confusão patrimonial?
Em relação à confusão patrimonial, esta ocorre quando se confundem os negócios pessoais dos sócios, ou da...

- O que consiste a desconsideração inversa da personalidade jurídica?
A introdução da figura da desconsideração inversa da personalidade jurídica no direito brasileiro foi idealizada por COMPARATO em 1976 e se encontra ainda em ...

Provas de Concursos
Teste seus conhecimentos online

Treine
Faça as provas dos últimos concursos públicos de um jeito fácil e interativo.

Questões de concursos