Por Henrique Guimarães – Especialista em Direito Civil e do Consumidor
 
O  momento é de super aquecimento do mercado imobiliário. A televisão  diariamente traz anúncios publicitários de novos imóveis. Ao sair às  ruas, prédios e mais prédios sendo erguidos para onde se dirige o olhar.  Nos semáforos, inevitavelmente, panfletos de algum novo empreendimento.  É o mercado que comercializa o sonho da casa própria comemorando  resultados excepcionais.
                
Com  tanta demanda no mercado, porém, muitas construtoras não conseguem  concluir a obra no prazo previsto. É quando o sonho de muitos  consumidores se transforma em pesadelo. Transtornos variados, frustração  e prejuízos são o resultado dos atrasos das obras. O que diz o Direito  do Consumidor a cerca de problemas como esse?
 Primeiramente, é preciso  esclarecer aos consumidores que nem tudo que está presente nos  contratos de Compra e Venda com as construtoras é legal. Esses contratos  são de adesão, aonde as cláusulas são pré-formuladas e impostas aos  adquirentes, não admitindo discussão sobre o seu conteúdo. Dessa forma  elas incluem várias cláusulas abusivas, apostando no desconhecimento da  população acerca da legislação de consumo.  Uma  das cláusulas abusivas mais comuns é a que oferece à empresa um prazo  excessivamente dilatado para a entrega da obra, quase sempre sem  previsão de multas ou outras penalidades. A cláusula contempla a data  prevista para a conclusão do empreendimento, porém, com tolerância de 90  dias, prorrogáveis por mais 120, 180 e até 270 dias em alguns casos.  São evidentemente desproporcionais tais estipulações, já que em  contrapartida as obrigações contratuais para os adquirentes são sempre específicas, determinadas e com penalidades pesadas.
Por  outro lado, o Direito do Consumidor é um micro-sistema jurídico que  reconhece a desproporção de forças entre fornecedores e consumidores,  sendo dotado de normas que são verdadeiros mecanismos de proteção à  vulnerabilidade da parte mais fraca. No caso específico, o CDC institui  entre o rol de direitos básicos dos consumidores "a modificação de  cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais" (art.  6º,V). Já o art. 51 do mesmo código estatui:
"São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativamente ao fornecimento de produtos e serviços que:
IV  - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o  consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a  boa-fé ou a equidade".
Assim,  toda vez que ocorrer demora excessiva na entrega de imóvel, mesmo  existindo cláusula de tolerância que estenda o prazo original, o  consumidor poderá ingressar em juízo para ver declarada a abusividade de  tal disposição, além de buscar o ressarcimento de prejuízos que  eventualmente tenha suportado.
As  únicas hipóteses em que as construtoras se eximem da responsabilidade  indenizatória pelo atraso é se conseguirem provar: a) a existência de um  caso fortuito ou de força maior ou b) demonstrar a culpa exclusiva dos  consumidores pelo atraso. Registre-se que o dever de provar estas  excludentes de responsabilidade é das construtoras, que respondem  objetivamente consoante art. 14 do CDC:
Art.  14. O fornecedor de serviços responde, independente da existência de  culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos  relativos à prestação dos serviços, (...)
Os  atrasos geram inúmeros transtornos. Existem vários casos de  consumidores que vendem o imóvel anterior confiando no prazo de entrega e  acabam tendo que pagar aluguel por conta do atraso. Outros adquirem um  imóvel maior planejando a chegada de um filho em data próxima à previsão  de conclusão do empreendimento e sofrem prejuízos e frustrações em suas  expectativas. Há os que organizam o casamento em face do prazo da  construtora e regressam da lua-de-mel sem ter o sonhado lar doce lar.
Já  há um entendimento pacificado no STJ de que o atraso injustificado na  entrega da obra gera direito aos adquirentes de receberem indenização  por lucros cessantes equivalentes ao valor do aluguel do imóvel em  atraso até a conclusão definitiva da obra. Isto independente de ter que  provar qualquer tipo de prejuízo.
Um  ponto importante, também, é que, pelos princípios da equidade, boa-fé  objetiva e bilateralidade, pode-se pedir na justiça o recebimento dos  mesmos encargos contratuais previstos contra os consumidores em caso de  mora destes. Seria cobrar da construtora aquilo que ela cobraria dos  consumidores caso estivessem inadimplentes. Ex: juros moratórios mensais  até a entrega das chaves e multa de mora. E não é pouca coisa, haja  vista que normalmente as construtoras estipulam os juros de mora mensais  em 1% sobre o valor do imóvel adquirido, e a multa de mora em 2% também  sobre o imóvel. É uma forma de fazer o feitiço virar contra o  feiticeiro!
Outra  questão relevante sobre o tema é que o saldo devedor a ser pago pelos  adquirentes na entrega das chaves, geralmente através de financiamento  bancário, continua a ser corrigido, normalmente pelo INCC (índice  Nacional de Custo da Construção), gerando uma oneração adicional  significativa nos contratos, mesmo não tendo os consumidores qualquer  responsabilidade sobre o atraso.
Tal  situação é nitidamente abusiva posto que pelo princípio consumerista da  reparação integral, todo e qualquer prejuízo gerado pelos fornecedores  aos consumidores – excetuando-se situações de caso fortuito e de força  maior e de culpa exclusiva do consumidor – deverão ser reparados da  forma mais ampla e completa possível. Assim, pode-se, em juízo, requer  que o saldo devedor sofra apenas a atualização monetária, anulando-se  qualquer reajuste superior à inflação oficial.
Uma  indenização por danos extrapatrimoniais (morais) também poderá ser  pleiteada pelos consumidores e concedida pelo Poder Judiciário, desde  que se consiga bem configurar a situação fática danosa, geralmente  indireta, que o atraso da obra gerou. Todos os direitos até aqui  abordados podem ser requeridos conjuntamente numa mesma ação judicial,  reparando assim os prejuízos impostos pelas construtoras pela sua  atuação de forma não responsável no mercado de consumo.
Vale  registrar ainda que, conforme permissão do art. 46 do Código de  Processo Civil, os adquirentes de um mesmo empreendimento poderão  ajuizar ações em conjunto, de forma plúrima, angariando mais força e  legitimidade para a ação e repartindo o valor das custas judiciais.
Enfim,  os atrasos sempre geram inúmeros dissabores e prejuízos para os  consumidores, que, com amparo no Código de Defesa do Consumidor, podem  ingressar em juízo buscando a reparação através de ações de indenização  por danos materiais e morais. Nos casos mais graves, o juiz poderá até  fixar multa diária contra a construtora, até a data da entrega,  forçando, assim, a aceleração da conclusão da obra. Fique atento,  consumidor inteligente é consumidor bem informado.
 
Henrique Guimarães é advogado especializado em defesa do consumidor imobiliário na Bahia.
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