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Resumo:
O presente artigo visa fornecer subsídios para a defesa do consumidor em juízo, relativamente ao instituto da inversão do ônus da prova, quando presentes alguns requisitos.
Texto enviado ao JurisWay em 26/06/2011.
Última edição/atualização em 02/07/2011.
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A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NAS RELAÇÕES DE CONSUMO
1 INTRODUÇÃO
O processo de modificações sofridas pela sociedade impõe ao mundo jurídico uma maior flexibilidade na sua atuação, visando tutelar os direitos do cidadão.
Na esteira da tutela legal da dignidade humana, encontra-se a busca da proteção do homem como sujeito de direito na relação de consumo, sendo que o legislador constitucional visou resguardar a defesa dos seus direitos que, por muito, tinha sido esquecida.
É cediço que o consumidor, por definição, é vulnerável, sendo considerado o pólo fragilizado das relações de consumo, haja vista que se subordina ao fornecedor por critérios diversos, como por exemplo, o econômico, o tecnológico e o científico.
A visão da relação de consumo na via processual consubstancia-se, para a análise deste estudo, à figura da inversão do ônus da prova, insculpida no artigo 6º, inciso VIII do Código de Defesa do Consumidor.
Nesse sentido, verifica-se que a matéria probatória, no desenvolvimento do processo civil, vigora como ponto chave para a formação do livre convencimento do magistrado no seu anseio de prolatar uma justa decisão.
De outro norte, o critério de distribuição da prova na esfera do processo civil, apresenta-se diferenciado do âmbito das relações de consumo. Cumpre esclarecer que a teoria do ônus da prova, disposta nas normas do Código de Processo Civil, permanece inalterada nos seus fundamentos, identificando a figura da inversão do ônus da prova no Direito de Consumo num sistema próprio, visto que os seus momentos são diferenciados e opostos.
Ademais, no atual pensamento jurídico, o juiz atua na constituição da carga probatória, observando os fins sociais do processo, motivo pelo qual não há o que se falar em favorecimento de uma das partes na lide, ao passo que a imparcialidade do juiz ampara-se na obrigatoriedade de apreciar a inversão do ônus da prova, seja qual for a fase processual.
A propósito, indaga-se, ainda, o momento adequado para o magistrado apreciar os pressupostos da mudança na distribuição do ônus, os quais convalidam a argumentação verossímil ou a hipossuficiência do consumidor.
Nas diversas hipóteses, tem-se a aplicação da inversão no início do processo, no início da fase de saneamento e somente após a produção de provas (na prolação da sentença).
Sendo assim, a questão do ônus da prova no Código de Defesa do Consumidor é de grande relevância nos tempos atuais, tendo em vista as constantes demandas ajuizadas no Poder Judiciário sob a égide da lei consumerista, sendo, pois, de ciência geral que a questão probatória é ponto crucial no sistema processual brasileiro, isso porque é ela que vai confirmar a veracidade dos fatos alegados pelas partes, servindo, também, como fundamento da pretensão jurídica.
2 ASPECTOS GERAIS DO SURGIMENTO DA TUTELA DO CONSUMIDOR - DA EVOLUÇÃO DA SOCIEDADE DE CONSUMO AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
Os efeitos, positivos e negativos, sofridos pela sociedade após a revolução industrial são incontáveis. Essa ideia de mudança após a revolução industrial está fortemente entrelaçada à inovação tecnológica.
A inovação tecnológica trouxe o engrandecimento da produção. Por sua vez, o engrandecimento da produção permitiu, e ainda permite, que cada vez mais pessoas tenham acesso aos bens de consumo inseridos no mercado. Ou seja, a produção passou a ser em série, as contratações passaram a ser em série, surgindo, assim, uma verdadeira sociedade de massa. (Caldeira, 2001, p. 38).
Outrossim, o aumento da complexidade dos bens colocados à venda no mercado fez com que o consumidor se torne tão somente o destinatário final daquele produto, onde, na maioria das vezes, não é dado conhecer todas as características do bem com o qual tem contato diariamente.
Na tentativa de mudar essa situação, começaram a surgir os movimentos de defesa do consumidor. Paulo Sandroni (1994, p. 71) narra a evolução destes movimentos:
A defesa do consumidor surgiu nos Estados Unidos com a fundação das entidades Consumer´s Research (1929) e Consumer´s Union (1936), como reação aos preços extorsivos fixados pelos monopólios.
A partir de 1965, a luta dos consumidores adquiriu dimensões internacionais sob a liderança de Ralph Nader, que dirigiu amplo movimento de fiscalização popular, obrigando várias empresas a fabricar produtos menos nocivos à saúde humana e ao meio ambiente.
No Brasil, a defesa do consumidor é uma preocupação relativamente recente e ainda muito limitada ao poder público. A primeira iniciativa ocorreu em São Paulo, onde foi criado em 1976 o PROCON (Sistema Estadual de Proteção ao Consumidor, vinculado à Secretaria de Economia e Planejamento do Estado). É integrado por dois órgãos: o Conselho Estadual de Proteção ao Consumidor (deliberativo) e o Grupo Executivo de Proteção ao Consumidor (executivo).
A partir das leis existentes nos Estados Unidos e na Europa, o Congresso Nacional aprovou, a 11 de setembro de 1990, a lei de n. 8.078, com um amplo código de defesa do consumidor.
A descrição acima transmite um breve panorama dos acontecimentos históricos que levaram à criação do Código de Defesa do Consumidor. Todavia, deixou o referido autor de mencionar que antes da criação do CODECON, a defesa do consumidor já havia sido alcançada como garantia constitucional, proposta no art. 5º, inciso XXXII da atual Constituição Federal (BRASIL, 2010, p. 09), que assim dispõe:
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor.
Ao analisar o referido princípio constitucional, há de se advertir que deve-se buscar a paridade das partes no processo no seu efetivo sentido, e não somente a igualdade jurídica formal, vez que esta última seria claramente atingida com o emprego de regras legais estáticas. (Nery Júnior, 1999, p. 114).
Assim, a tutela do consumidor emerge e se justifica pela busca do equilíbrio na relação entre as partes. (Almeida, 2000, p. 19).
João Batista de Almeida (2000, p. 19), também comenta acerca do surgimento da tutela do consumidor, explanando que:
Foi uma reação a um quadro social, reconhecidamente concreto, em que se vislumbrou a posição de inferioridade do consumidor em face do poder econômico do fornecedor, bem como a insuficiência dos esquemas tradicionais do direito substancial e processual, que já não mais tutelavam novos interesses identificados como coletivos e difusos [...].
De mais a mais, acrescenta-se que o Código de Defesa do Consumidor possibilitou a este buscar os seus direitos. Trouxe as ferramentas necessárias para atender aos reclamos da sociedade e restabelecer o princípio da igualdade nas relações entre consumidores e fornecedores.
3 ELEMENTOS FORMADORES DA RELAÇÃO DE CONSUMO
Sabe-se que para aplicação das normas constantes do Código de Defesa do Consumidor, faz-se necessário analisar o conceito de relação jurídica de consumo.
Segundo Senise (2001, p. 121), relação de consumo “é o vínculo jurídico dotado de características próprias sobre o qual incide o microssistema denominado Código de Defesa do Consumidor”.
Nesse sentido, imperioso identificar a figura dos elementos que a compõe, quais sejam, o fornecedor e o consumidor, como elementos subjetivos, e produto e serviço, como elementos objetivos, o que se passa a fazer nos próximos itens.
3.1 CONSUMIDOR
O conceito legal de consumidor está previsto no artigo 2º da Lei 8.078/90 (BRASIL, 2010, p. 803), estabelecendo que:
Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
Tal conceito é muito bem abordado por José Geraldo Brito Filomeno, nas palavras de Ada Pelegrini Grinover (1991, p. 26-27) que o dissecou, lecionando da seguinte forma:
O conceito de consumidor adotado pelo Código foi exclusivamente de caráter econômico, ou seja, levando-se em consideração tão-somente o personagem que no mercado de consumo adquire bens ou então contrata a prestação de serviços, como destinatário final, pressupondo-se que assim age com vistas ao atendimento de uma necessidade própria e não para o desenvolvimento de uma atividade negocial.
A denominação de consumidor é igualmente descrita por Tupinambá Miguel do Nascimento (1991, p. 21):
Assim, consumidor pode ser a pessoa física, o que jamais alguém pretendeu negar. Mas uma pessoa jurídica, devidamente constituída e registrada, com personalidade independente da de seus membros, também pode adquirir, como destinatário final, uma máquina de escrever ou mesas de escritório, ou então servir-se da atividade de um autônomo, que venha lhe reparar a máquina. Esta pessoa jurídica, nestas situações, está abrangida, por ficção jurídica, pelo conceito de consumidor. [...] As sociedades irregulares – as que têm os atos constitutivos formalizados, embora sem o competente e necessário registro – e as sociedades de fato – as que são carentes de atos constitutivos e, logicamente, de registro, por não terem personalidade jurídica, não são consumidores. No entanto, nem por isso as relações de consumo em que, faticamente, participem estão destuteladas pelo Código do Consumidor. As pessoas que as compõem são pessoas físicas e, como tal, são as consumidoras.
Destaca-se, ainda, a definição sugerida por Nelson Nery Júnior (1995, p. 53), o qual sugere quatro conceituações:
[...] a) O conceito padrão ou standard (art. 2º, caput), segundo o qual consumidor é pessoa física ou jurídica que adquire produto ou serviço, como destinatário final; b) a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo (art. 2º, parágrafo único), a fim de possibilitar a propositura da class action (prevista art. 81, parágrafo único, III); c) vítimas de acidente de consumo (art. 17), a fim de que possam valer-se dos mecanismos e instrumentos do CDC na defesa de seus direitos; d) aquele que estiver exposto às práticas comerciais (publicidade, oferta, cláusulas gerais dos contratos, práticas comerciais abusivas, etc).
Outrossim, os conceitos acima citados, apesar de extremamente importantes para a definição de consumidor à luz do Código de Defesa do Consumidor, nem somados se comparam à relevância da expressão "destinatário final" utilizada pelo legislador, posto que a referida denominação restringe a possibilidade de aplicação da lei consumerista.
Por exemplo, a paciente que necessita de um exame para constatação de câncer de mama gera uma relação de consumo com a clínica que escolher para a realização do diagnóstico. Agora, o médico oncologista que compra a máquina competente para realização de tal exame para montar sua clínica e prestar serviços para pacientes como o acima citado, não pratica relação de consumo com a fabricante de tal equipamento.
Neste sentido, entende o próprio IDEC – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, nas palavras de Lazzarini, Oliveira e Nunes Júnior (1991, p. 12):
[...] A aquisição para revenda, por apresentar uma destinação eminentemente profissional, não é protegida pelo Código de Defesa do Consumidor. Não há aí consumidor, na acepção jurídica. Só a aquisição para fins não profissionais, isto é a que não se processa no exercício das funções de produção, de transformação ou de distribuição, recebe a tutela especial do Código. [...] O fundamental é que o produto ou serviço não seja adquirido com a finalidade de produção ou comercialização, mas sim para uso próprio, alheio à atividade econômica. (Grifou-se).
Dito isto, nota-se que o espírito do legislador ao caracterizar a relação de consumo é oferecer proteção tão somente aos destinatários finais dos produtos ou serviços adquiridos, e não dar excessivos direitos a aqueles que se utilizam dos produtos como meio de auferir vantagem lucrativa.
Esse espírito se confirma, pois José Geraldo Brito Filomeno, um dos autores do anteprojeto da Lei 8.078/90, nas palavras de Ada Pellegrini Grinover (1991, p. 24), é hialino ao afirmar :
[...] O conceito de consumidor adotado pelo Código foi exclusivamente de caráter econômico, ou seja, levando-se em consideração tão-somente o personagem que no mercado de consumo adquire bens ou então contrata a prestação de serviços, como destinatário final, pressupondo-se que assim age com vistas ao atendimento de uma necessidade própria e não para o desenvolvimento de uma outra atividade negocial. (Grifou-se).
Ou seja, destinatário final é aquele que adquire certo bem ou serviço para o seu próprio uso, não tendo a pretensão de utilizá-lo como bem de produção.
Quanto à pessoa física, se compra um bem para utilizá-lo como consumidor final, o enunciado do artigo 2° acima transcrito se aplica de imediato: ela é consumidora.
Entretanto, no que concerne à pessoa jurídica, é preciso fazer a ressalva de que somente será consumidora se o bem adquirido não servir como meio para sua produção que será colocada no mercado novamente.
Como exemplo, imagina-se uma resma de papel ao ser comprada por uma empresa. Pergunta-se: essa empresa é consumidora? Depende. Se a empresa, hipoteticamente, for uma metalúrgica, que comprou o papel para a impressão de memoriais internos, sim, terá adquirido o papel de destinatária final e será uma consumidora daquele determinado produto. Entretanto, se a empresa que comprou aquela resma de papel for uma gráfica, que pretende produzir impressos para determinado cliente, a mesma não será destinatária final do produto e, portanto, resta prejudicada sua condição de consumidora. (Bellini Júnior, 2006, p. 65).
Em complemento, segue o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
RECURSO ESPECIAL – CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS – DESTINATÁRIO FINAL [...] – Insere-se no conceito de "destinatário final" a empresa que se utiliza dos serviços prestados por outra, na hipótese em que se utilizou de tais serviços em benefício próprio, não os transformando para prosseguir na sua cadeia produtiva. (REsp. 488274 – MG – 3ª T. – Rel. Min. Nancy Andrighi – DJU 23.06.2003 – p.367).
Como visto acima, o legislador definiu o conceito jurídico de consumidor, estabelecendo que qualquer pessoa, seja física ou jurídica, que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final, não comercializando o serviço ou produto, caracteriza-se por ser consumidor.
3.1.1 Consumidor por equiparação
Além do consumidor propriamente dito, o Código de Defesa do Consumidor (BRASIL, 2010, p. 803), no parágrafo único do artigo 2°, faz expressa alusão àqueles que são equiparados a consumidor, senão assim vejamos:
Art. 2°: Omissis.
Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.
O dispositivo acima citado há de ser enxergado em consonância com as disposições do art. 17 (BRASIL, 2010, p. 805), inserido na seção que disciplina a questão da responsabilidade dos fornecedores de produtos e serviços e art. 29 do mesmo diploma legal (BRASIL, 2010, p. 806), inserido no capítulo que trata “Das Práticas Comerciais e “Da Proteção Contratual”, que assim determinam:
Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento.
Art. 29. Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas.
Paulo de Tarso Vieira Sanseverino (2002, p. 208) ao doutrinar sobre a matéria, preleciona que:
Toda e qualquer vítima de acidente de consumo equipara-se ao consumidor para efeito da proteção conferida pelo CDC. Passam a ser abrangidos os chamados bystander que são terceiros que, embora não estejam diretamente envolvidos na relação de consumo, são atingidos pelo aparecimento de um defeito no produto ou no serviço.
Segundo Cecília Matos (1994, p. 19), “a equiparação é elemento indispensável, porquanto nem sempre as questões de consumo relacionam-se como o consumidor em sentido estrito, mas a relação pode se dar com pessoa tão vulnerável quanto ele”.
A título ilustrativo, suponha-se que um acidente automobilístico acontece em razão de um defeito de fabricação do veículo X e machuca uma criança que era passageira naquele carro. Ora, na acepção estrita do que é consumidor não poderia a criança aproveitar-se do Código de Defesa do Consumidor, uma vez que não fora ela quem adquirira o veículo como final consumidora. Entretanto, é equiparada ao consumidor, posto que um acidente de consumo lhe afetou, sendo protegida pelo Diploma Consumerista (Bellini Júnior, 2006, p. 67).
No mesmo norte, a jurisprudência não tem deixado de lado a questão da equiparação:
Direito Processual Civil – Agravo- Doação de Sangue – Código de Defesa do Consumidor – Aplicação na espécie – Consumidor por equiparação – Bystanders – Inversão do ônus da Prova – Denunciação à lide – Vedação – O doador de sangue como terceiro estranho à relação de consumo entre o prestador de serviços de hemoterapia e as pessoas que precisam de transfusão de sangue, é, quando vítima de um acidente de consumo decorrente de fato do serviço, equiparado ao consumidor para fins de responsabilidade perante terceiros, por força do disposto no art. 17 do Codecon, que protege os denominados bystanders, reconhecendo que os danos causados por vícios de qualidade dos bens ou serviços, com frequência, não afetam somente o consumidor, mas também, terceiros estranhos à relação de consumo. Cuidando de consumidor por equiparação, correta a aplicação das disposições do Codecon, relativas à inversão do ônus da prova e a vedação da denunciação à lide. Recurso improvido. (TJRJ, AI n. 362-2001-RJ, Rela. Desa. Marly Macedônio França, j. em 08/05/2001).
Desta forma, além da figura do consumidor exposta no artigo 2° da lei consumerista (stricto sensu), existem as figuras dos consumidores por equiparação, dentre os quais a do artigo 17 (bystander – espectador e vítima do evento). Com espeque no mencionado dispositivo, toda vítima de um serviço ou produto defeituoso (responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço) estará amparada pelo Código de Defesa do Consumidor, principalmente pelas normas de responsabilidade objetiva.
3.2 FORNECEDOR
A definição de fornecedor como sujeito de direito foi enquadrada no Código Consumerista (BRASIL, 2010, p. 803), em seu artigo 3°, que assim dispõe:
Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação.
Depreende-se que o legislador tratou de introduzir no artigo transcrito praticamente toda e qualquer forma de atuação no mercado consumerista, não deixando de fora sequer as pessoas físicas que forneçam produtos ou serviços na posição de autônomo ou firma individual. (Oliveira, 2009, p. online).
Na doutrina de João Batista de Almeida (2003, p. 41), tem-se que:
Praticamente, a definição legal esgotou todas as formas de atuação no mercado de consumo. Fornecedor é não apenas quem produz ou fabrica, industrial ou artesanalmente, em estabelecimentos industriais centralizados ou não, como também quem vende, ou seja, comercializada produtos nos milhares e milhões de pontos-de-venda espalhados por todo o território. Nesse ponto, portanto, a definição de fornecedor se distancia da de consumidor, pois, enquanto este há de ser o destinatário final, tal exigência já não se verifica quanto ao fornecedor, que pode ser o fabricante originário, o intermediário ou o comerciante, bastando que faça disso sua profissão ou atividade principal. Fornecedor é, pois, tanto aquele que fornece bens e serviços ao consumidor como aquele que o faz para o intermediário ou comerciante, porquanto o produtor originário também deve ser responsabilizado pelo produto que lança no mercado de consumo (CDC, art. 18). O conceito legal de fornecedor engloba também as atividades de montagem, ou seja, a empresa que compra peças isoladamente produzidas para a montagem do produto final (p. ex., automóveis), as de criação, construção, transformação (de matéria-prima em produto acabado), bem como as de importação, exportação e distribuição (p. ex., do atacadista para os pequenos varejistas).
Por derradeiro, apesar de não constar do preceptivo de lei anteriormente transcrito, a palavra “atividade” traduz o significado de que todo produto ou serviço prestado deverá ser efetivado com habitualidade.
Ilustra Antônio Herman Vasconcelos Benjamin (2001, p. 276), o conceito jurídico do fornecedor quanto à habitualidade:
O importante nessa definição é que qualquer pessoa, seja pessoa física, seja jurídica, é considerada fornecedor, desde que pratique alguma daquelas atividades enumeradas. O CDC, em nenhum momento fala em habitualidade como requisito para a caracterização da posição jurídica do fornecedor. Parece, contudo, que uma certa profissionalidade está implícita. Tanto assim que é feita referência, no texto do dispositivo, a desenvolvimento de atividades, o que indica, senão habitualidade, pelo menos algum componente profissional.
Dito isto, além de observar quem é fornecedor, nos termos em que a lei preceitua, faz-se necessário ter em mente que, além disso, este precisa fornecer seus serviços de modo frequente.
3.3 PRODUTO E SERVIÇO
Estabelecidos os conceitos concernentes aos elementos subjetivos da relação de consumo (consumidor e fornecedor), os parágrafos 1º e 2º do artigo 3° do Código de Defesa do Consumidor (BRASIL, 2010, p. 803) conceituam os elementos objetivos da relação consumerista, da seguinte forma:
Art. 3º. Omissis.
§ 1º - Produto é qualquer bem móvel ou imóvel, material ou imaterial.
§ 2º - Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancárias, financeiras, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.
A definição legal de produto é demasiadamente ampla, sendo muito difícil afigurar um objeto ou coisa que não se amolde como móvel ou imóvel, material ou imaterial, gozando êxito o Código em difundir sua aplicabilidade nas mais diversas relações negociais entre consumidor e fornecedor.
Tupinambá Miguel Castro do Nascimento (1991, p. 23), de forma ampla, conceitua produto, merecendo transcrição:
Ao conceito de produto, para fins das relações de consumo, interessa saber que é um bem com determinado conteúdo finalístico. É um bem porque, no sentido genérico, tem aptidão para satisfazer necessidades humanas e, mais do que isto, tem valor econômico e pode ser objeto de uma relação jurídica entre pessoas. Não importa ao conceito se não móveis ou imóveis, corpóreos ou incorpóreos (art. 3º, § 1º, do Código). De outro lado, agrega-se ao conceito a sua finalidade. É aquele que é suscetível de circular das mãos do fornecedor para o consumidor, como destinatário final, circulação que pode ser física, significando tradição da posse (bem alugado, arrendado, leasing, etc.), ou jurídica, esta importando na mudança da titularidade dominical do bem (compra e venda, permuta, etc.).
Assim, considera-se produto todo e qualquer bem, desde que objeto de uma relação consumerista, destinado a saciar uma precisão do consumidor. A propósito, o vocábulo "bem", mais vasto que o termo "produto", melhor identificaria o primeiro objeto das relações consumeristas. Este raciocínio é corroborado por Filomeno (2001, p. 48):
Na versão original da Comissão Especial do Conselho Nacional de Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça, bem como no texto final aprovado pelo plenário do referido órgão extinto pelo atual governo federal, em todos os momentos se fala em ‘bens’- termo tal que de resto é inequívoco e genérico, exatamente no sentido de apontar para o aplicador do Código de Defesa do Consumidor os reais objetos de interesses nas relações de consumo. Desta forma, e até para efeitos práticos, dir-se-ia que, para fins do Código de Defesa do Consumidor, produto (entenda-se “bens”) é qualquer objeto de interesse em dada relação de consumo, e destinado a satisfazer uma necessidade do adquirente, como destinatário final.
Relativamente à conceituação de serviço, a definição trazida pela lei também é bastante ampla e busca alcançar a mais extensa gama de atividades alastradas pelos fornecedores, as quais possam ser objeto de uma relação de consumo.
A seu turno, Tupinambá Miguel Castro do Nascimento (1991, p. 23), também ousou conceituar serviço:
Serviço é prestação de atividade, é o labor em favor de outrem. Nem toda atividade, porém, ingressa no conceito que interessa à lei de proteção ao consumidor. Primeiro, tem que ser atividade que se localiza no mercado de consumo. E, mais do que isto, atividade remunerada. Aqui, o caráter de ser gratuito o serviço prestado exclui da lei a atividade. Pela onerosidade, o conceito abrange a atividade de autônomos em geral, as atividades “de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária” (art. 3º, § 2º, do Código), dos órgãos públicos, das concessionárias e permissionárias, e também dos profissionais liberais (art. 14, § 4º), tais como médicos, advogados, farmaceutas, engenheiros, arquitetos, etc.
Acrescentando à característica remuneratória dos serviços, tal como discorrida por Nascimento, Cláudia Lima Marques (2006, p. 114), preceitua que:
A expressão utilizada pelo art. 3º do CDC para incluir todos os serviços de consumo é “mediante remuneração”. O que significaria esta troca entre a tradicional classificação dos negócios como “onerosos” e gratuitos por remunerados e não-remunerados? Parece-me que a opção pela expressão “remunerado” significa uma importante abertura para incluir os serviços de consumo remunerados indiretamente, isto é, quando não é o consumidor individual que paga, mas a coletividade (facilidade diluída no preço de todos) ou quanto ele paga indiretamente o “benefício gratuito” que está recebendo. A expressão “remuneração” permite incluir todos aqueles contratos considerados “unilaterais”, como o mútuo, assim como na poupança popular, possuem um sinalagma escondido e são remunerados.
Assim, observa-se que, para que seja identificada a pessoa como sendo fornecedora, é necessário que a mesma detenha, além da habitualidade de uma profissão, o fornecimento do serviço mediante remuneração. Do contrário, não será caracterizada relação de consumo.
4 CONCEITO DE PROVA
Existindo controvérsia acerca de determinado acontecimento, as alegações fáticas trazidas pelas partes não bastam para que o juiz possa julgar. Faz-se necessário que as partes demonstrem ao magistrado que suas alegações são verdadeiras.
Isso porque, a fim de decidir a controvérsia, o juiz deve conhecê-la. E o processo é precisamente o instrumento destinado ao conhecimento e decisão da lide. (Santos, 1983, p. 9).
Aclibes Burgarelli (2000, p. 22), define a palavra prova da seguinte maneira:
No direito processual, provar resume-se na realização de uma tarefa necessária e obrigatória, para constituir estado de convencimento no espírito do juiz, este na condição de órgão julgador, a respeito de um fato alegado e sua efetiva ocorrência, tal como foi descrito. Prova, assim, é meio, é instrumento utilizado para a demonstração da realidade material. De modo a criar, no espírito humano, convencimento de adequação. Prova judiciária, por seu turno, é o meio demonstrativo de veracidade entre o fato material (fato constitutivo do direito) e o fundamento jurídico do pedido. Vale dizer é o meio pelo qual se estabelece relação de veracidade e adequação entre a causa próxima e a causa remota, elementos da causa de pedir. Estabelecida a relação, por meio da prova, ao juiz é dada a tarefa de aplicar a lei, a hipótese normativa de incidência fática, em regra, a norma de direito material.
Arruda Alvim (1996, p. 399), de sua parte, conceitua prova, dizendo consistir esta "naqueles meios definidos pelo direito ou contidos por compreensão num sistema jurídico, como idôneos a convencer o juiz da ocorrência de determinados fatos [...]”.
Para Moacyr Amaral Santos (1994, p. 11), prova "é a verdade resultante das manifestações dos elementos probatórios, decorrente do exame, da estimação e ponderação desses elementos; é a verdade que nasce da avaliação, pelo juiz, dos elementos probatórios".
Humberto Theodoro Júnior (2003, p. 381-382) diz que provar "é conduzir o destinatário do ato (o juiz, no caso dos litígios sobre negócios jurídicos) a se convencer da verdade acerca de um fato. Provar é conduzir a inteligência a descobrir a verdade".
Finalmente, transcrevem-se as nobres palavras do emérito Joel Dias Figueira Júnior (1997, p. 251), acerca da conceituação de prova judiciária:
A prova é a “alma” do Direito aplicado ao caso concreto, sem a qual as pretensões subjetivadas nos pedidos individualizados não encontrarão respaldo algum. Todo o processo, como instrumento capaz de levar à concretização do direito material violado ou ameaçado e, numa escala mais ampla, à pacificação social, gira incessantemente em torno de um único e eterno eixo – as provas; sem elas, não há direito subjetivo e, sem direito, não há processo. (Grifou-se).
Assim, a prova se mostra como verdadeiro instrumento que possibilita ao juiz e às partes reconstruir acontecimentos pretéritos, permitindo ao primeiro usar dessa reconstrução histórica para pôr fim ao conflito de interesses que lhe foi submetido a exame.
E a essa atividade, onde todos os sujeitos processuais tentam influir na convicção do juiz, chama-se instrução. (Dinamarco, 2002, p. 34).
A instrução se faz necessária para que o magistrado adquira o conhecimento fático necessário para poder proferir julgamento.
Entretanto, o juiz ao colecionar as provas trazidas pelos litigantes do processo não forma juízo de verdade absoluta.
Durante a instrução processual, o juiz recria os fatos históricos necessários para formar sua convicção, porém, estes fatos não passam de um juízo de verossimilhança, não de verdade absoluta. (Bellini Júnior, 2006, p. 18).
Assim, o que se atinge com a coleta produzida através da instrução processual nada mais é que a aparência da verdade.
4.1 OBJETO DA PROVA
Em regra, a prova tem como objeto um fato. Faz-se necessário, no entanto, seja ele controvertido, segundo a doutrina.
Em verdade, é preciso que, além de controverso, seja ele relevante para a solução da lide. Por isso, não se provam fatos notórios (art. 334, I do CPC), os que foram confessados (art. 334, II do CPC) e também aqueles sobre os quais há presunção legal (art. 334, IV do CPC). (Santos, 2006, p. 51).
Conforme ensinamentos de Humberto Theodoro Júnior (1997, p. 416), tem-se que:
Toda a prova há de se ter um objeto, uma finalidade, um destinatário, e deverá ser obtida mediante meios e métodos determinados. A prova judiciária tem como objeto os fatos deduzidos pelas partes em juízo. Sua finalidade é a formação da convicção em torno dos mesmos fatos. O destinatário é o juiz, pois é ele que deverá se convencer da verdade dos fatos para dar a solução jurídica ao litígio.
O mesmo autor (1997, p. 418-419), ao comentar a respeito da finalidade e destinatário da prova, diz que:
O processo moderno procura solucionar os litígios à luz da verdade real e é, na prova nos autos, que o juiz busca localizar essa verdade.
Como, todavia, o processo não pode deixar de prestar a tutela jurisdicional, isto é, não pode deixar de dar solução jurídica à lide, muitas vezes essa solução, na prática, não corresponde exatamente à verdade real.
O juiz não pode eternizar a pesquisa da verdade, sob pena de inutilizar o processo e de sonegar a justiça postulada pelas partes [...].
Em consequência, deve-se reconhecer que o direito processual se contenta com a verdade processual, ou seja, aquela que aparenta ser, segundo os elementos do processo, a realidade.
Enfim, do ponto de vista objetivo e prático do processo, a finalidade da prova é formar a convicção do juiz, permitindo-lhe, por meio de convencimento, compor a lide, ou seja, a função da prova é a apuração da verdade para convencê-lo de quem tem razão.
5 A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NAS RELAÇÕES DE CONSUMO
5.1 ÔNUS DA PROVA
Inicialmente, chama-se a atenção para o fato de que a premissa basilar neste tópico é a de que, conforme ensina Tânia Lis Tizzoni Nogueira (2001, p. 72), “às partes incumbe o ônus de provar suas alegações. Não se trata de obrigação, trata-se da carga que recai sobre elas, e assim agem visando seu próprio interesse”.
Assim, em regra, a obrigação está atrelada ao direito material, onde requer-se uma conduta de adimplemento ou cumprimento, restando certo que a omissão do devedor poderá ocasionar na sua coerção para que cumpra a obrigação que lhe fora imputada. Já o ônus caracteriza-se por uma faculdade da parte, não sujeitando-se à coerção, mas aos efeitos que a inércia resultará.
Nos dizeres de Pontes de Miranda (2000, p. 458):
Ônus da prova é o ônus que tem alguém de dar prova de algum enunciado de fato. Não se pode pensar em dever de provar, porque não existe tal dever, quer perante outra pessoa, quer perante o juiz; o que incumbe ao que tem o ônus da prova há exercer-se o seu próprio interesse.
Não divergindo, e de forma extremamente didática, ensina Carreira Alvim (2006, p. 266) que:
O ônus probatório corresponde ao encargo que pesa sobre as partes, de ministrar provas sobre os fatos que constituem fundamento das pretensões deduzidas no processo. Ônus não é sinônimo de obrigação e ônus de provar não é o mesmo que obrigação de provar. O conceito de ônus (encargo), enquanto necessidade de prova para prevenir um prejuízo processual corresponde ao conceito de “obrigação”, mas pertence a área distinta do direito: o ônus, ao direito processual; a obrigação, ao direito material [...]. O ônus não é o mesmo que “dever jurídico”, mas um “encargo”. O dever é sempre em relação a alguém; há uma relação jurídica entre dois sujeitos, em que um deve uma prestação ao outro; a satisfação da obrigação é do interesse do sujeito ativo. O ônus, por seu turno, é em relação a si mesmo; satisfazer o ônus é interesse do próprio onerado. Assim, o réu tem o ônus da contestação.
Feitas tais considerações, como já dito, havendo controvérsia sobre determinado acontecimento, as alegações fáticas trazidas pelas partes não bastam. É preciso que os litigantes demonstrem ao juiz que suas alegações são verídicas.
A realização da prova é um encargo que cabe à parte, um ônus.
De acordo com Plácido e Silva (1993, p. 282), “a palavra ônus advém do latim onus (carga, peso, obrigação), na significação jurídica, entende-se todo encargo, dever ou obrigação jurídica que pesa sobre uma coisa ou uma pessoa, em virtude do que está obrigada a respeitá-los ou cumpri-los”.
Ainda nos dizeres de Plácido e Silva (1993, p. 282), onus probandi “é o ônus ou encargo da prova [...]. Sem fugir, pois, ao sentido literal do vocabulário (ônus), exprime a locução: a obrigação de provar”.
Assim, o ônus da prova se apresenta como um fardo que deve ser carregado pela parte interessada em produzir determinada prova. Caso a parte deixe de provar aquele fato cujo ônus era seu, será sucumbente.
O juiz, quando da prolação da sentença, irá apreciar se a parte cumpriu ou não o ônus probatório que a lei imputa como seu. Essa apreciação será feita analisando se a parte demonstrou de modo adequado a existência deste ou daquele determinado fato. (Bellini Júnior, 2006, p. 33).
O ônus é um componente imprescindível para o processo, capaz de estimular os litigantes. Entretanto, não corresponde à concepção de obrigação. Ou seja, não se pode exigir o cumprimento do ônus da prova, o qual é facultativo.
Sobre o tema, colacionam-se os dizeres de José Albuquerque Rocha (2000, p. 273):
O ônus da prova deve ser entendido como a necessidade de ter uma conduta no próprio interesse, enquanto que o dever importa conduta no interesse de outrem, nisso consistindo a diferença entre ônus e dever ou obrigação. Por consequência, a não observância do ônus não implica ilicitude, senão perda da vantagem que se obteria com o seu cumprimento, ao passo que a não satisfação do dever constitui ilícito, porque prejudica o terceiro em favor de quem existe o dever.
De acordo com Ernani Fidelis dos Santos (1997, p. 420), com um simples exemplo fica mais fácil entender o que é o encargo do ônus da prova:
Quer-se provar que o cidadão não foi ao serviço determinado dia, mas há dúvida sobre o fato. Sabe-se, contudo, que dos trinta dias do mês faltou ele vinte e cinco. Mesmo que a prova da falta pertença a outra parte, já há probabilidade maior a lhe favorecer, de forma que o empregado não pode ser desincumbido de provar o comparecimento.
Assim, para Rocha (2000, p. 273), o ônus tem duas funções básicas:
“[...] Cria para a parte a necessidade de provar as alegações sobre os fatos e [...] serve de regra de julgamento, segundo o qual o juiz deve julgar contra a parte que tem o ônus de provar e não o faz”.
5.2 O ÔNUS DA PROVA NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
O sistema legal de divisão do ônus da prova está estampado no artigo 333, incisos I e II do Código de Processo Civil (BRASIL, 2010, p. 413), segundo o qual, o ônus da prova incumbe:
I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito; II – ao réu, quanto a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
Da simples leitura do referido preceptivo de lei, constata-se que: quem alega deve provar o alegado.
De acordo com Dinarmarco (2003, p. 792):
O princípio do interesse é que leva a lei a distribuir o ônus da prova pelo modo que está no art. 333 do Código de Processo Civil, porque o reconhecimento dos fatos constitutivos aproveitará ao autor e o dos demais ao réu; sem a prova daqueles, a demanda inicial é julgada improcedente e, sem a prova dos fatos impeditivos, modificativos ou extintivos, provavelmente a defesa do réu não obterá sucesso.
Importante salientar a definição das espécies de fatos narrados no artigo 333 do Código de Processo Civil, na visão do doutrinador Ernani Fidelis dos Santos (1997. p. 418), iniciando por fatos constitutivos, o qual “entende-se os que revelam o direito do demandante”.
Por exemplo, quando o demandado não paga no vencimento uma dívida proveniente de mútuo, caberá ao demandante o ônus de provar que emprestou o dinheiro (apresentação de contrato, título de crédito, etc), e que o prazo de pagamento expirou. (Fidélis dos Santos, 1997, p. 418).
Fato modificativo “é aquele que altere as condições iniciais do direito pretendido pelo autor”, como, por exemplo, a prorrogação do prazo de pagamento da dívida decorrente do contrato de empréstimo. (Fidélis dos Santos, 1997, p. 418).
Fato extintivo “é aquele que é capaz de extinguir determinado direito que gerou ao réu uma obrigação decorrente de qualquer relação jurídica”, como por exemplo, o pagamento, o perdão e a prescrição da dívida. (Fidélis dos Santos, 1997, p. 418).
Fato impeditivo “é aquele que pode causar algum obstáculo o direito do autor”. Na situação hipotética do contrato de empréstimo, imagine-se que o devedor era pessoa incapaz de praticar os atos da vida civil. (Fidélis dos Santos, 1997, p. 418).
Além de uma razão de oportunidade e experiência, o fundamento da repartição do ônus da prova se dá com espeque na noção de equidade, pois não é uma só das partes responsável pela prova de suas alegações. (Zolandeck apud Antônio Carlos de Araújo Cintra, 2009, p. 126).
5.3 O ÔNUS DA PROVA NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
Chega-se ao objetivo real do presente estudo. Portanto, a análise deste instituto será feita minuciosamente nos próximos itens.
A questão do ônus da prova perante o Código Consumerista encontra amparo no artigo 6º, inciso VIII do Código de Defesa do Consumidor (BRASIL, 2010, p. 803-804), o qual determina que:
São direitos básicos do consumidor: [...] VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências. (Grifou-se).
Com relação às dificuldades que norteiam o consumidor no momento da produção das provas de suas alegações, pertinentes as ponderações de Sônia Maria Vieira de Mello (1998, p. 38-39):
Tal benefício, a inversão do ônus da prova, veio como grande avanço prático com vista ao efetivo ressarcimento do dano causado ao consumidor, pois uma das grandes dificuldades para os consumidores de um modo geral é justamente a questão da produção de provas no sentido de provar o alegado, pois quando envolvem questões técnicas de produtos ou serviços prestados, o próprio consumidor não possui o preparo e o conhecimento suficientes para munir-se destas provas e consubstanciar o seu direito, o que já é de extrema facilidade para o fornecedor, muitas vezes indústrias poderosas com departamentos jurídicos extremamente competentes.
Deste modo, dentro de determinadas situações e presentes certos requisitos, o ônus da prova será modificado para facilitar a defesa do consumidor em juízo.
De acordo com Plácido e Silva (1993, p. 517), “a inversão deriva do latim inversio; é a ação de inverter ou de mudar uma coisa em outra”.
Na doutrina e na jurisprudência pátria, a inversão, em matéria probatória, ganhou suas força inicial na Justiça do Trabalho, conforme ensina Mauro Pinto Marques (1997, p. 150):
Quando enfatizado pelo Direito do Trabalho brasileiro o seu caráter de proteção ao mais fraco, pela possibilidade de alegação, reclamação, sem necessidade de comprovar a correspondência dela com a verdade, transferindo ao reclamado a obrigação de desmerecer o alegado, ganhou força a expressão inversão do ônus.
Nas palavras de Barbosa Moreira (1997, p. 36), “a inversão representa a isenção de um ônus; quanto à parte contrária, a criação de novo ônus probatório, que se acrescenta aos demais”.
Tal possibilidade é verdadeiro desdobramento do princípio da igualdade, inserido no caput do artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, o qual proclama que “todos são iguais perante a lei”.
No processo, a repercussão de tal preceito emerge do fato de que as partes e seus respectivos procuradores devem ser tratadas de maneira igualitária, para que possam ter as mesmas chances de mostrar as suas motivações em juízo. (Belli Júnior, 2006, p. 72).
De acordo com Antônio Carlos de Araújo Cintra (2002, p. 53):
A aparente quebra do princípio da isonomia, dentro e fora do processo, obedece exatamente o princípio da igualdade real e proporcional, que impõe tratamento desigual aos desiguais, justamente para que, supridas as diferenças, se atinja a igualdade substancial.
Assim, para que exista uma igualdade justa no processo, é necessário que as partes sejam colocadas em paridade de armas. Se elas são desiguais, só poderá acontecer se forem tratadas desigualmente na dimensão de suas diferenças.
A aplicação do princípio da isonomia, sob o enfoque proporcional, é que acarretou à inversão do ônus da prova em prol do consumidor, o qual é presumidamente vulnerável (art. 4º, I do Código de Defesa do Consumidor).
Conforme preceitua Bellini Júnior (2006. p. 74), “por isso mesmo é que a inversão só pode ocorrer em favor do consumidor, que é a parte mais fraca do litígio, a parte vulnerável. [...]. Nunca se inverte o ônus para prestigiar a defesa do fornecedor”. (Grifou-se).
Mas a inversão não se aplica a todas as provas pretendidas pelo consumidor. Até mesmo porque, quem é o destinatário da prova é o juiz, e é ele quem deverá analisar se aquilo que está sendo requerido é pertinente ou não ao processo.
Ainda conforme o doutrinador acima citado (2006. p. 75):
Nos litígios relacionados aos acidentes de consumo previstos nos artigos 12 e 14 do Código de Defesa do Consumidor, que atribuem responsabilidade objetiva ao fornecedor, a inversão do ônus da prova poderá abranger a questão do nexo de causalidade. Sendo objetiva a responsabilidade, inócua qualquer discussão sobre a culpa.
Nos demais litígios sobre consumidor, inclusive nos acidentes de consumo onde o fornecedor for profissional liberal (art. 14, §4 do CDC), a inversão poderá abranger o nexo de causalidade e a culpa.
Ademais, vale trazer à baila a advertência de Dinamarco (2001, p. 66), o qual leciona:
“Nem todas as provas podem ter o seu encargo invertido. Evidente que somente aquelas provas que estejam no âmbito técnico do fornecedor poderão ser atribuídas a ele”.
Deste modo, é impossível a inversão do ônus da prova que implique em ônus de prova negativa ao fornecedor, com o que, se fosse permitido, estar-se-ia privilegiando o consumidor e cerceando a defesa do fornecedor.
Não divergindo, colhe-se da doutrina de Fredie Didier Júnior (2006, p. 524):
Quando se está diante de uma prova diabólica, o ônus probatório deverá ser distribuído dinamicamente, caso a caso. [...] Em outras palavras: prova quem pode. Esse posicionamento justifica-se pelos princípios da adaptabilidade do procedimento às peculiaridades de caso concreto, da cooperação e da igualdade.
No mesmo sentido, segue a recente jurisprudência do Tribunal de Justiça Catarinense:
A prova da não-contratação alegada pelo consumidor é impossível, conhecida também como “prova diabólica”, cabendo à editora da revista fazer a prova da existência da contratação correspondente aos descontos efetuados diretamente na conta do cartão de crédito. Não se pode impor que o agravante prove que não contratou os serviços da empresa-jornalística, uma vez que esta determinação se constituiria na denominada prova negativa. Precedentes do STJ (TJ-RS, Des. Adão Sergio do Nascimento Cassiano). (Apelação Cível n. 2004.028590-9, de Itajaí, Relatora: Desa. Maria do Rocio Luz Santa Ritta, julgado em 24/07/2007). (TJSC, Apelação Cível n. 2006.039109-5, Relatora: Desa. Subst. Denise Volpato, julgado em 09/03/2011).
Por fim, ressalte-se que a decisão deferitória da inversão não implica em pré-julgamento do mérito, favorável ou não à parte – ao contrário, cuida-se, somente, de um ônus processual. (Sá dos Santos, 2006, p. 73).
5.4 REQUISITOS PARA A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA
Para que o magistrado proceda com a inversão do ônus da prova, não basta que a lide sob exame advenha de uma relação de consumo.
O artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor elenca em seu inciso VIII, os requisitos necessários para que o juiz possa inverter o ônus da prova, quais sejam: 1) ser o consumidor hipossuficiente; b) ser verossímil a alegação do consumidor.
Em que pese a lei utilizar a locução “ou” entre uma hipótese e a outra, parte da doutrina, que é a minoritária, entende que o juiz só deve deferir a inversão caso vislumbre a ocorrência de ambas as hipóteses. Antônio Gidi (1995, p. 34) defende esta hipótese:
Afigura-se-nos que verossímil a alegação tem que ser. A hipossuficiência do consumidor per se não respaldaria uma atitude tão drástica como a inversão do ônus da prova, se o fato afirmado é destituído de um mínimo de racionalidade. A ser assim, qualquer mendigo do centro da cidade poderia acionar um shopping center luxuoso, requerendo preliminarmente, em face de sua incontestável extrema hipossuficiência, a inversão do ônus da prova para que o réu prove que o seu carro (do mendigo) não estava estacionado nas dependências do shopping e que, nele, não estavam guardadas todas as suas compras de natal.
Em sendo verossímil a alegação do consumidor, ainda seria preciso aferir a sua hipossuficiência? Como vimos, inverte-se o ônus da prova apenas como forma de facilitar a defesa do consumidor em juízo. Assim, se o autor, em tese, dispõe de meios para provar as suas alegações, a inversão é de todo desautorizada.
Temos, portanto, que, para que a inversão do ônus da prova seja autorizada, tanto a afirmação precisa ser verossímil, quanto o consumidor precisa ser hipossuficiente.
Corroborando, segue o julgado:
Indenizatória. Cerceamento de Defesa. Não ocorrência. Inversão do Ônus da Prova. Ausência de Requisitos. Improcedência. Sentença correta. A inversão do ônus da prova de acordo com o artigo 6º, inciso VIII do CDC fica subordinada ao critério do julgador, quanto às condições de verossimilhança das alegações e de hipossuficiência, segundo as normas de experiência e de exame fáticos dos autos. O que não ocorreu neste caso. Desprovimento do recurso. (TJRJ, AC 3456889-2, Nona Câmara Cível, Rel. Des. Joaquim Alves de Brito, j. em 04/07/2006).
Destarte, a maior parte da doutrina acompanha as palavras de Barbosa Moreira (1997, p. 141):
O ato judicial, devidamente motivado, indicará a ocorrência de uma dentre essas duas situações: a) a alegação do consumidor é verossímil; ou b) o consumidor é hipossuficiente. O emprego da conjunção alternativa - e não da aditiva e – significa que o juiz não haverá de exigir a configuração simultânea de ambas as situações, bastando que ocorra a primeira ou a segunda. O entendimento oposto, que manifestei em ocasião anterior, deve ser evitado: em primeiro lugar porque se estaria adotando, entre as duas possíveis exegeses, a menos favorável ao consumidor; o que não parece razoável; em segundo lugar, porque não colhe o argumento de que a inversão, ditada pela simples hipossuficiência, poderia conduzir a situações de extrema iniquidade, como a do mendigo de rua que, propondo ação contra luxuoso shopping center e que, nele, não estavam guardadas todas as suas compras de natal. Inconvenientes deste jaez serão evitados adequadamente, se o Judiciário vir na hipossuficiência algo além da indigência financeira, e se, além disso, for bem manejado o novo instrumento [...].
Stephan Klaus Radloff (2002, p. 64) adota a mesma posição:
Ponto pacífico entre os doutrinadores que os requisitos já referidos atuam separadamente ou de forma concorrente, assinalando que a presença de somente um deles é suficiente para, considerando o livre critério do magistrado, decretar a inversão do ônus da prova.
Assim, a orientação legal é cristalina ao constar a partícula “ou” entre os dois requisitos autorizadores da inversão do ônus da prova, deixando expressamente consignado para que se proceda a mudança do fardo probatório em uma ou outra hipótese, não precisando estarem os dois requisitos presentes.
Além do mais, pode acontecer que um consumidor hipossuficiente apresente uma alegação não necessariamente verossímil, mas que, porém, necessite ser confirmada. (Sá dos Santos, p. 66).
É exatamente o que a lei quer alcançar.
No voto proferido pelo relator Ministro Waldemar Zveiter, a adoção da tese referente à exigência de apenas um dos requisitos é confirmada, como se vê da seguinte ementa:
Responsabilidade civil – Prova – Vítima de um ferimento simples no dedo que, após o atendimento médico-hospitalar, teve a extremidade do membro amputada devido a um foco infeccioso – Inversão do ônus da prova para que o médico e o hospital comprovem que o atendimento foi adequado – Aplicação dos arts. 6, VIII e 14, § 4 da Lei 8.078/90 [...]. Dentro desse contexto probatório deve ser encontrado o elemento definidor da existência ou não da culpa dos réus, sendo esta ensejadora, o fato gerador do dever de indenizar e, tratando-se a controvérsia de uma relação de consumo, posto que o autor é um usuário do serviço médico e os réus prestadores de tal serviço, resulta cabível a inversão do ônus da prova, como promana do art. 6, VIII do CDC (Lei 8.078/90), já que verossímil a alegação do autor e, se assim não fosse, com certeza hipossuficiente, segundo as regras de experiência, pois encontra-se o autor em patamar de inferioridade em relação ao médico e ao hospital para discutir a qualidade do atendimento prestado”. (STJ, REsp 171.988/RS, Rel. Min. Waldemar Zveiter, j. em 24/05/1999). (Grifou-se).
Deste modo, entende-se que o juiz poderá inverter o ônus da prova em favor do consumidor, na presença isolada da “hipossuficiência” ou “verossimilhança”, desde que se reconheça a dificuldade que terá para a produção da prova necessária ao julgamento da lide. Isso quer dizer que a verossimilhança, por si só, já é hábil a autorizar a inversão da carga probatória, facilitando, desde modo, o exercício do direito de ação e defesa por parte do consumidor. (Zolandeck, 2009, p. 136).
5.4.1 O hipossuficiente
Como visto acima, um dos requisitos que a lei exige para que o magistrado possa inverter o ônus da prova em favor do consumidor é a hipossuficiência.
No presente estudo, o vocábulo “hipossuficiente” deve ser entendido a partir da finalidade na norma, que é justamente a de tornar mais fácil, no campo específico da instrução do processo, a defesa dos direitos do consumidor. (Sá dos Santos, 2006, p. 67).
Deste modo, a hipossuficiência deve ser entendida como a impossibilidade de produção da prova, seja porque não é acessível à parte, seja porque há insuperável dificuldade que embaraça o acesso à obtenção de informações nas quais estaria consolidada a prova do direito alegado, seja porque inexiste o conhecimento das condições de prestação do serviço ou de funcionamento do produto.
Nesse norte, Luiz Antônio Rizzato Nunes (2000, p. 123-124), ensina que:
A hipossuficiência, para fins da possibilidade de inversão do ônus da prova, tem sentido de desconhecimento técnico e informativo do produto e do serviço, de suas propriedades, de seu funcionamento vital e/ou intrínseco, dos modos especiais de controle, dos aspectos que podem ter gerado o acidente de consumo e o dano, das características do vício, etc.
Não divergindo, segue o entendimento de Mirella D´Angelo Caldeira (2001, p. 83):
“O fornecedor é quem detém os meios e técnicas de produção, tendo, consequentemente, acesso aos elementos de provas relativas à demanda, isto é, o fornecedor está em melhores condições de realizar a prova de fato ligada diretamente à sua atividade”.
E é por isso que Tânia Lis Tizzoni Nogueira (1994, p. 58) chega a afirmar que “na maioria dos casos, todos nós somos tecnicamente hipossuficientes diante de um fornecedor, e somente em raras situações não seremos”.
Mas não é só a doutrina que encampou a ideia de que a hipossuficiência do consumidor está ligada às questões técnicas.
Toma-se por base a Ação Revisional de Contrato ingressada em face de uma instituição bancária, julgada pelo Colendo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, na qual não se apreciou em nenhum momento a hipossuficiência do correntista no sentido econômico, mas sim a impossibilidade técnica da produção da prova e a facilidade do banco em juntar cópia dos contratos e dos demonstrativos da conta, conforme segue:
CONSUMIDOR - Ação revisional de contrato bancário. Ônus da prova imposto à instituição financeira - Admissibilidade - Inteligência do art. 6º, VIII, da Lei 8.078/90. Na ação revisional de contrato bancário a instituição financeira pode ser obrigada a juntar documentos demonstrativos da evolução dos débitos e créditos se houver dificuldade do cliente em fazê-lo, em face do princípio da inversão do ônus da prova consagrado no art. 6, VIII da Lei 8.078/90. [...] Por isso, identificada a dificuldade do demandante em produzir determinada prova que está em poder do demandado, a distribuição do ônus da prova (art. 333 CPC) é flexibilizada com a aplicação do art. 6, VIII, do CDC. (Revista dos Tribunais. São Paulo: RT, v. 758, dez. 1998, p. 344).
Outro típico exemplo consubstancia-se no sujeito que foi submetido à transfusão de sangue que descobre, depois de um ano da transfusão, ser portador do vírus HIV. Na ocasião, o sujeito não mais está em poder dos documentos que comprovem a intervenção realizada. Neste caso, inverter-se-ia o ônus da prova, com o objetivo de que o hospital ou laboratório comprove a inexistência de erro no procedimento, bem como que o paciente submeteu-se de forma efetiva ou não a uma transfusão de sangue naquele estabelecimento, naquela época. (Oliveira, 2001, p. 382).
Assim, tem-se que o consumidor será considerado hipossuficiente quando em determinado assunto estiver em desvantagem técnica ou de informações se comparado com o fornecedor.
5.4.2 Da verossimilhança das alegações
Conforme acima explicado, já se sabe que o julgador pode inverter o ônus da prova quando forem verossímeis as alegações do consumidor. Mas o que é essa verossimilhança de que trata a norma legal?
Tupinambá Miguel Castro do Nascimento (1991, p. 27) elucida a questão da seguinte forma:
A qualidade de verossimilhança tem o significado que a alegação parece verdadeira, não repugnando a verdade. Não se exige que ela seja verdadeira, porque então sempre dependeria de prova; basta a parecença com a verdade, a crença de que seja faticamente real.
A inquietude dos juristas emerge de qual deve ser o grau de exatidão para que se afirme ser verossímil ou não a alegação do autor, vez que a inversão do ônus da prova pode levar a procedência em favor do autor no caso de ausência de prova desconstitutiva do seu direito por parte do réu.
O professor Cândido Rangel Dinamarco (1995, p. 143) auxilia no conceito de verossimilhança ao fazer a seguinte colocação:
“Convencer-se da verossimilhança, ao contrário, não poderia significar mais do que imbuir-se do sentimento de que a realidade fática pode ser como a descreve o autor”.
Sendo assim, a verossimilhança repousa num juízo de probabilidade, de tal modo que se apresente a alegação do consumidor como provavelmente verdadeira. O magistrado aceita o fato como provável, e não como verdadeiro. O consumidor não precisa provar veementemente o fato alegado, até porque, neste caso, não haveria necessidade de se inverter o ônus da prova, mas de demonstrar que o fato alegado é provável. (Bellini Júnior, 2006, p. 88).
Nessa marcha, manifestou-se o Tribunal de Justiça de São Paulo, nos seguintes termos:
É necessário que o autor leve ao magistrado um mínimo de demonstração no sentido de que sua alegação é verossímil. Que ofereça elementos, ou dados, ou indícios quaisquer que, em confronto com a narração das circunstâncias de que dá conta a inicial, que, em cotejo com a descrição dos fatos que consubstanciam o direito controvertido, possam, a priori, indiciar, apontar, sugerir, induzir um quê de verdade. (Apelação Cível nº. 45.651-4, 10ª Câmara de Direito Privado, Relator Desembargador Souza José, julgado em 24.06.1997).
Por fim, oportuno esclarecer que a verossimilhança apontada no caso, não deve ser confundida com a verossimilhança estampada no artigo 273 do CPC como requisito para a antecipação dos efeitos da tutela. No artigo 273 do CPC o juiz se baseia nas provas já existentes no processo, enquanto que aqui o juiz apreciará as possibilidades de produção de prova em momento posterior.
Aliás, Alexandre Costa de Araújo apud Luis Guilherme Marinoni (2007, p. online) disseca a questão, nos termos que se passa a expor:
Essa convicção de verossimilhança é claro, não se confunde com a convicção de verossimilhança da tutela antecipatória, pois não é uma convicção fundada em parcela das provas que ainda podem ser feitas no processo, mas, sim, uma convicção fundada nas provas que puderam ser realizadas no processo, e que, diante da natureza da relação de direito material, devem ser consideradas suficientes para fazer crer que o direito pertença ao consumidor.
Permissível se concluir, então, nas palavras de Theodoro Júnior (2001, p. 135) que:
"A verossimilhança é o juízo de probabilidade extraída de material probatório de feitio indiciário, do qual se consegue formar a opinião de ser provavelmente verdadeira a versão do consumidor".
5.5 O MAGISTRADO DIANTE DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA
5.5.1 O dever de fundamentar a decisão
O juiz ao inverter o ônus da prova deve fundamentar sua decisão, forte no art. 93, IX da Constituição Federal, o qual preceitua que:
Art. 93 º. Omissis:
IX. todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação. (Grifou-se).
Fundamentar, segundo doutrina Nelson Nery Junior (2000, p. 176), “significa o magistrado dar as razões, de fato e de direito, que o convenceram a decidir a questão daquela maneira".
Porém, convém destacar que é óbvio que nem todas as decisões deverão ser fundamentadas, como é o caso de meros despachos de expediente.
Entretanto, as decisões interlocutórias e as sentenças hão de ser devidamente fundamentas. Assim, independentemente de acreditar que o ônus deva ser invertido, deverá ser a decisão revestida da devida fundamentação.
Para fundamentar tal decisão, não basta que o magistrado copie o dispositivo de lei, proferindo decisões do tipo: “presentes os requisitos legais, defiro a inversão do ônus da prova” ou “os fatos apresentados pelo consumidor mostram a necessária verossimilhança como o que defiro a inversão do ônus da prova”. Tais fundamentos são deficientes e, fundamentação deficiente, em regra, não é fundamentação. Fundamentar significa mostrar os motivos que surgiram das questões de fato e direito, as quais sustentam a decisão. (Nojiri, 1999, p. 116).
A propósito, Nelson Nery Júnior (2000, p. 177), assim leciona:
Interessante observar que normalmente a Constituição Federal não contém norma sancionadora, sendo simplesmente descritiva e pricipiológica, afirmando direitos e impondo deveres. Mas a falta de motivação é vício de tamanha gravidade que o legislador constituinte, abandonando a técnica de elaboração da Constituição, cominou no próprio texto constitucional a pena de nulidade.
Assim, a fundamentação que defere a inversão do ônus da prova, além de citar a regra geral, deve apontar os fatos, bem como a respectiva demonstração de onde o julgador encontrou a verossimilhança da alegação ou a hipossuficiência do consumidor.
5.5.2 A inversão ex officio
O dispositivo do Código de Defesa do Consumidor que trata da inversão do ônus da prova não registra se o juiz deverá ser provocado ou agirá de ofício neste caso.
Invocando Barbosa Moreira (1997, p. 139), tem-se que:
A inversão poderá ser determinada tanto a requerimento da parte, como ex officio: tratando-se de um dos direitos básicos do consumidor, e sendo o diploma composto de normas de ordem pública (art. 1º), deve-se entender que a medida independe de iniciativa do interessado de requerê-la.
Sendo uma norma de ordem pública, se quisesse o legislador que só fosse aplicada mediante requerimento, teria incluído expressa menção nesse sentido no dispositivo legal. Como não há qualquer tipo de restrição, a norma deve ser interpretada da maneira mais abrangente possível, permitindo a inversão do ônus da prova de ofício. (Bellini Júnior, 2006 p. 92).
5.6 MOMENTO PROCESSUAL ADEQUADO PARA A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA
A lei é omissa quanto ao momento para que seja procedida a inversão de seu ônus, eis que o legislador não o declara, transferindo esse munus para as regras de interpretação das normas jurídicas.
Diante dessa omissão, atualmente, existem três teorias do momento próprio para o ato judicial que determina a inversão: 1) no despacho inicial; 2) no despacho saneador e 3) na sentença.
5.6.1 No despacho inicial
Parte da doutrina acredita que o momento para a aplicação da inversão do ônus da prova é no despacho inicial, eis que assim fazendo, estaria, desde um primeiro momento, agindo de maneira transparente e permitindo que cada parte tenha conhecimento de seus encargos.
Tânia Lis Nogueira (1994, p. 59), pensa nesse sentido:
Contudo, entendo que o autor consumidor deverá já na inicial requerer a inversão do ônus da prova, e desta forma a fase processual em que o juiz deverá se manifestar sobre a questão será no ato do primeiro despacho, que não se trata de mero despacho determinante da citação, mas decisão interlocutória, passível, portanto, de recurso de agravo.
Antônio Gidi (1995, p. 39), também pactua desta opinião, porém, flexibilizando-a no sentido de se poder estender o momento da inversão até o despacho saneador:
A oportunidade propícia para a inversão do ônus da prova é em momento anterior à fase instrutória. Do momento em que se despacha a inicial, até a decisão do saneamento do processo, o magistrado já deve dispor de dados para se decidir sobre a inversão. Assim, a atividade instrutória já se inicia com cargas probatórias transparentemente distribuídas entre as partes.
Corroborando, traz-se à baila um dos poucos julgados que mais se aproxima da tese aqui defendida:
"[...] Por outro lado, o momento processual mais adequado para decisão sobre a inversão do ônus da prova é o situado entre o pedido inicial e o saneador". (TJPR, AC n. 7233, 5ª.Câmara Cível, Rel. Des. Bonejos Demchuk, j. em 29.06.2001).
De outro norte, esclareça-se que existem divergências quanto a essa tese. O Desembargador Gaúcho Voltaire de Lima Moraes (1999, p. 68) adota posição em sentido contrário, nas seguintes lições:
A inversão do ônus da prova, com a devida vênia, não deve ser decretada ad initio, quando o juiz analisa a petição inicial, pois sequer houve manifestação do demandado, não se podendo precisar, inclusive a dimensão de sua resposta, muito menos os pontos controvertidos. Assim, mostra-se prematura e indevida a decretação da inversão do ônus da prova nessa fase do procedimento.
Antônio Carlos Bellini Júnior (2006, p. 115), também coaduna com essa linha de raciocínio:
Não deve ser a inversão realizada no recebimento da petição inicial, pois naquele momento processual o juiz conhece somente os argumentos trazidos pelo autor. O magistrado somente terá uma noção dos pontos controvertidos, que são os que realmente precisam ser provados, com a vinda da contestação. Porém, se inexistirem pontos controvertidos, inexiste a possibilidade de o juiz identificar com precisão quais os pontos contraditórios que deverão ser invertidos.
5.6.2 No saneador
Conforme já salientado, a inversão do ônus da prova está alicerçada no princípio constitucional da igualdade, fato este que não pode ofender outros princípios da mesma ordem.
Sendo assim, os doutrinadores que sustentam ser o contraditório o momento oportuno para se proceder a inversão do ônus da prova, fazem-no com argumento no próprio princípio constitucional do contraditório (artigo 5º, inciso LV da Constituição Federal). (Bellini Júnior, 2006, p. 104).
O princípio do contraditório, segundo Sálvio de Figueiredo Teixeira (1988, p. 97) é desdobramento do devido processo legal e consiste “na garantia constitucional da igualdade substancial, um dos fundamentos da democracia e um dos direitos essenciais do ser humano”.
Antônio Carlos de Araújo Cintra (2002, p. 56) completa a afirmação acima dizendo que “decorre de tais princípios a necessidade de que se dê ciência a cada litigante dos atos praticados pelo juiz e pelo adversário. Somente conhecendo-os, poderá ele efetivar o contraditório”.
Outrossim, o princípio do contraditório afigura-se num óbice para inversão do ônus da prova no momento da sentença sem que antes tenha avisado ao fornecedor que o faria. A doutrina de Simone M. Silveira Monteiro (2003, p. 65) é nesse sentido:
Tenho que a inversão do ônus da prova, nos termos do supracitado dispositivo legal, para ser eficaz no processo deve ser expressamente determinado pelo juiz, sob pena de implicar em cerceamento de defesa para a parte, a quem passa a se imputar o ônus da prova.
Diversos acórdãos têm ratificado tal posicionamento. A propósito:
AGRAVO DE INSTRUMENTO - DESPACHO SANEADOR - OCASIÃO DO JULGAMENTO SOBRE A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA - AGRAVO PROVIDO. O momento adequado para a decretação da inversão do ônus da prova dar-se-á por ocasião do saneamento do processo, quando, inexitosa a audiência de conciliação, o Juiz tiver fixado os pontos controvertidos, aí sim, em seguimento, decidirá as questões processuais pendentes, dentre as quais o cabimento ou não da inversão do ônus da prova (art. 331, §2º, do CPC), ficando dessa forma cientes as partes da postura processual que passarão a adotar. (Revista de Direito do Consumidor, SP, RT, 1999, v. 31, p.69). (TJSC, AI n. 00.012499-0, rel. Des. Sérgio Roberto Baasch Luz, j. em 22/02/2001).
A inversão do ônus da prova, como exceção à regra geral do art. 333, do CPC, depende de decisão fundamentada do magistrado antes do término da instrução processual, sob pena de não poder ser adotada na sentença, o que incorreria em cerceio de defesa, devendo ser decidida, de preferência, no momento do saneador, podendo, todavia, ser decretada no despacho inicial, após especificação das provas, na audiência de conciliação ou em qualquer momento que se fizer necessária, desde que assegurados os princípios do contraditório e ampla defesa. (TAMG, AC n. 301800-0, j. em março de 2000).
Na mesma linha foi a decisão da Colenda 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, no Agravo de Instrumento nº 598600955 (Rel. Des. Lúcia de Castro Boeller, julgado em 11/05/1999):
“O exame dos requerimentos de aplicação de pena de confissão ficta e de inversão dos ônus da prova deve ocorrer em saneamento”.
Ada Pellegrini Grinover (1991, p. 737), embora manifeste entendimento segundo o qual o momento de deliberação a respeito da inversão do ônus da prova deva ser quando da sentença, adverte:
É, todavia, medida de boa política judiciária, na linha evolutiva do processo civil moderno, que confere ao juiz até mesmo atribuições assistenciais, e na conformidade da sugestão de Cecília Matos, que, no despacho saneador ou em outro momento que preceda a fase instrutória da causa, o magistrado deixe advertido às partes que a regra de inversão do ônus da prova poderá, eventualmente, ser aplicada no momento do julgamento final da ação. Com semelhante providência ficará definitivamente afastada a possibilidade de alegação de cerceamento de defesa.
5.6.3 Na sentença
Por fim, cabe analisar as razões daqueles que acreditam que o momento oportuno para inverte-se o ônus da prova é na sentença.
Aqueles que defendem tal posicionamento baseiam-se em argumentos técnicos.
Para eles, a inversão do ônus probatório é regra técnica a ser aplicada pelo juízo ao sentenciar, quando irá apurar a essência da prova produzida, sendo que após fazê-lo, se existirem dúvidas na formação de seu convencimento, poderá aplicar o critério da inversão do ônus da prova. (Bellini Júnior, 2006, p. 98).
Para abrir o rol de defensores de tal tese, inicia-se trazendo o entendimento de Ada Pelegrini Grinover em comentários ao anteprojeto de lei que deu origem ao Código de Defesa do Consumidor (1991, p. 735):
Quanto ao momento da aplicação da regra de inversão do ônus da prova [...] é o do julgamento da causa. É que as regras de distribuição do ônus da prova são regras de juízo, e orientam o juiz, quando há um non liqued em matéria de fato, a respeito da solução a ser dada à causa. Constituem, por igual, uma indicação às partes quanto à sua atividade probatória. Como o juízo de verossimilhança, decorrente da aplicação das regras de experiência, deixa de existir o non liqued (considera-se demonstrado o fato afirmado pelo consumidor) e, consequentemente, motivo algum há para a aplicação de qualquer regra de distribuição do ônus da prova. Por isso mesmo, como ficou anotado, não se tem verdadeiramente uma inversão do ônus da prova em semelhante hipótese.
Para Cíntia Rosa Pereira de Lima (2003, p. 229):
O momento para a inversão do ônus da prova é o momento de julgar a lide por ser uma regra técnica do juízo para evitar o non liqued. E o fornecedor terá de ser diligente se quiser o benefício da improcedência do pedido do consumidor. Aliás, se as alegações do consumidor não procedem, o fornecedor terá meios suficientes para ilidí-las.
Ernani Fidelis dos Santos (1997, p. 278), não só orienta ser a sentença o momento adequado para aplicar o instituto, mas explica, ainda, o exato momento da sentença em que o juiz deverá fazê-lo:
Ao juiz cumpre julgar de acordo com seu convencimento, o que faz presumir que, no momento do julgamento, esteja de posse de todos os elementos necessários para concluir pela existência ou inexistência dos fatos, o que, todavia, não impede que todos ou alguns, sem possibilidade de conclusão de certeza, permaneçam duvidosos, hipótese, então, que obriga o juiz a lançar mão do critério subsidiário da prova, em princípio, considerando não provado o que está em dúvida [...]. Neste exato momento, pois, do julgamento, é que o juiz empregará, se for o caso, a regra de experiência, considerando provado o fato que nela se baia, posição esta defendida por Kazuo Watanabe, um dos autores do Projeto do Código de Defesa do Consumidor.
O entendimento jurisprudencial do Tribunal de Justiça do Amazonas coaduna com esta linha de raciocínio:
Todavia, penso que a inversão do ônus da prova deverá ser analisada apenas na sentença, quando o julgador avalia o conjunto probatório e vê quem faltou com o seu dever de comprovar os fatos do processo e por isso ficou prejudicado por essa omissão. Ou seja, depende de todo o contexto probatório [...]. A dita inversão do ônus da prova prevista no Código de Defesa do Consumidor se dá no momento do julgamento, quando o magistrado avalia quem deveria ter provado tal fato, em face do acesso à prova. (TJPR, AC n. 8319, rel. Des. Domingos Ramina, j. em 26-03-2002).
Os que defendem a sentença como um momento para a aplicação da inversão do ônus da prova rechaçam a tese de que se estaria cerceando o direito do fornecedor ao contraditório, com a alegação de que estes deveriam conhecer a lei, bem como as incumbências que esta lhe traz.
Sustentam, para tanto, que essa alegação não procede, porque ninguém pode alegar prejuízo por ignorar a lei, e a possibilidade de inversão do ônus da prova é previamente legislada e, portanto, desde logo o fornecedor tem conhecimento do instituto. (Pereira de Lima, 2003, p. 229).
Nesse sentido:
“Tratando-se de relação de consumo, a inversão do ônus da prova, que é regra de julgamento, pode se dar no momento da sentença, tendo em vista que o fornecedor não pode alegar desconhecimento de prática tão comum nesta seara”. (TJSC, AC. n. 2004.023963-7, da Capital, rel. Des. Victor Ferreira, j. 12-02-2009).
De outro norte, importante destacar que para Carlos Alberto Barbosa Moreira (1997, p. 306), a inversão do ônus da prova no momento da sentença, implicaria, sim, em cerceamento de defesa:
A inversão ordenada na sentença representará, quanto ao fornecedor, não só a mudança de regra até ali vigente, naquele processo, como também algo que comprometerá sua defesa, porquanto, se lhe foi transferido um ônus que, para ele, não existia antes da adoção da medida, obviamente deve o órgão jurisdicional assegurar-lhe a efetiva oportunidade de dele se desincumbir.
Na mesma esteira, segue o entendimento de Sandra Aparecida Sá dos Santos (2006, p. 79):
O fator surpresa não pode existir no processo, seja qual for a natureza do objeto, bem como no que concerne ao reconhecimento do direito, porque processo e surpresa são incompatíveis entre si.
Do contrário, comprometer-se-ia por completo a defesa do demandado, que antes do julgamento não teria o ônus processual da produção da prova, porque até então seriam aplicadas as regras gerais do processo.
Além disso, de admitirmos a inversão na sentença estaremos também violando o princípio da economia processual.
É que, para atacarmos referida decisão no bojo da sentença, não nos resta outra opção: interposição de apelação, com preliminar de cerceamento de defesa. No caso de o tribunal acolher a preliminar, os autos serão remetidos ao juízo a quo, para a reabertura da instrução.
O entendimento do Superior Tribunal de Justiça corrobora a tese desfavorável:
[...] Há muito se consolidou nesta Corte Superior o entendimento quanto à aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor às instituições financeiras (enunciado n. 297 da Súmula do STJ) e, por conseguinte, da possibilidade de inversão do ônus da prova, nos termos do inciso VIII do artigo 6º da lei consumerista. [...] Mesmo que controverso o tema, dúvida não há quanto ao cabimento da inversão do ônus da prova ainda na fase instrutória - momento, aliás, logicamente mais adequado do que na sentença, na medida em que não impõe qualquer surpresa às partes litigantes, posicionamento que vem sendo adotado por este Superior Tribunal, conforme precedentes. 4. Recurso especial parcialmente conhecido e, no ponto, provido. (REsp 662608/SP, rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, j. em 12-12-2006).
Assim, pelo estudo realizado, restou claro que, em que pese a doutrina dividir-se quanto ao momento apropriado para que seja procedida a inversão do ônus da prova, a jurisprudência, na sua maioria, já posicionou entendimento no sentido de aplicar tal ato quando da instrução do feito.
6 CONCLUSÃO
O efetivo acesso à justiça e a defesa do consumidor em juízo, a princípio, são os objetivos deste trabalho.
Sabendo-se que as sentenças hão de se acostar nas provas produzidas pelos litigantes, fácil é concluir que, quanto mais se garantir tratamento igualitário às partes no acesso à justiça, melhor há de se dar a cada um o que é seu.
Por isso, o equilíbrio na distribuição do ônus da prova, nas relações jurídicas, é indispensável para a efetiva garantia do devido processo legal.
O juiz tem papel crucial na busca pela verdade real (ou como mencionado no bojo do estudo, pela busca da “aparência da verdade”), determinado a produção das provas que entender necessárias, no sentido de manter os litigantes em posição de igualdade.
A aplicabilidade do instituto da inversão do ônus da prova é medida que se impõe, toda vez que esteja presente qualquer dos requisitos legais, quais sejam, a hipossuficiência do consumidor ou a verossimilhança de suas alegações.
Nesse sentido, consagra-se o princípio constitucional da igualdade e, em consequência, por que não dizer que o alcance da efetiva prestação jurisdicional, que de outra forma, estaria predestinada à ineficácia.
A produção de provas no processo é ponto de extrema importância para o julgamento da lide, o que revela, pois, a necessidade de sua inversão nas hipóteses apontadas.
A propósito, um dos principais aspectos abordados foi o momento adequado para que seja procedida a inversão do onus probandi.
Por derradeiro, ouso demonstrar a opinião por mim defendida, qual seja, que o momento certo para que seja tomada tal decisão seja no momento da produção de provas.
Compactuo com tal corrente, eis que na inicial o magistrado ainda não tem mãos todos os elementos necessários para a formação de sua convicção, necessitando ouvir, primeiramente, o que a parte contrária tem a dizer, enaltecendo, assim, os princípios do contraditório e ampla defesa.
Inverter-se o ônus da prova no momento da sentença, seria o mesmo que cercear a defesa do consumidor em juízo, seja porque o fator surpresa não pode existir no processo, seja por questão de economia processual.
Ora, se existe a fase de instrução probatória, nada mais justo do que o juiz conhecer dos fatos naquele momento. Na decisão final, o magistrado deve ter plena convicção do seu convencimento. O Judiciário não pode valer-se de decisões temerárias, afinal, é a ele que as partes socorrem-se para resolver seus conflitos de interesses.
Por fim, acrescenta-se que os reflexos trazidos com os mais de vinte anos de existência da Lei 8.078/90 são visíveis no Judiciário, tendo em vista o alto número de demandas ajuizadas sob a égide da lei consumerista, o que contempla a busca da efetiva proteção dos direitos do consumidor, sendo que a inversão do ônus da prova é mais um mecanismo posto para a efetivação desses direitos como garantia constitucional do devido processo legal.
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