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COISA ACHADA NÃO É ROUBADA. Crime é não devolver


Autoria:

Jeferson Botelho


Jeferson Botelho Pereira é ex-Secretário Adjunto de Justiça e Segurança Pública de Minas Gerais. Delegado Geral de Polícia, aposentado. Mestre em Ciência das Religiões; Professor de Direito Penal, Processo Penal, Teoria Geral do Processo, Legislação Especial, Direito Penal Avançado, Professor do Curso de Pós-Graduação de Direito Penal e Processo Penal da Faculdade Estácio de Sá, Pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela FADIVALE em Governador Valadares/MG, Especialização em Combate a Corrupção, Crime Organizado e Antiterrorismo pela Universidade de Salamanca - Espanha. Professor do curso de Pós-Graduação da FADIVALE/MG. Autor de livros. Palestrante. Jurista. Advogado Criminalista. Membro da Academia de Letras de Teófilo Otoni-MG.

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Resumo:

O presente texto tem por escopo principal analisar a parêmia popular segundo afirmação de que coisa achada não é roubada. Visa fazer o verdadeiro enquadramento jurídico na moldura do artigo 169, II, do Código Penal..

Texto enviado ao JurisWay em 14/04/2019.



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COISA ACHADA NÃO É ROUBADA. Crime é não devolver

 

"Ademais, além da questão do intervencionismo mínimo do Direito Penal, ferramenta a ser utilizada somente quando os demais ramos do direto se demonstrarem ineficazes para a tutela dos bens jurídicos em jogo, é correto afirmar que aquele que se apropria de coisa achada, que, portanto, não lhe pertence, indubitavelmente, padece de bons valores morais, educacionais, fraqueza de caráter, além de graves ofensas a outros princípios éticos de boa convivência, contumélia irremissível a valores agudos salvaguardados por uma sociedade que estimula o bom caráter e o senso de responsabilidade entre seus membros". 

 

RESUMO. O presente texto tem por escopo principal analisar a parêmia popular segundo afirmação de que coisa achada não é roubada. Visa fazer o verdadeiro enquadramento jurídico na moldura do artigo 169, II, do Código Penal, consistente em apropriação indébita de coisa achada. 

Palavras-chave. Direito Penal. Coisa achada. Não devolução. Crime. Apropriação de coisa achada. Artigo 169, II, do Código Penal. 

 

SUMÁRIO. 1. NOTAS INTRODUTÓRIAS. 2. DAS NORMAS DO DIREITO CIVIL. 3. DA TIPICIDADE PENAL. 4. DO DIREITO PENAL CASTRENSE. 5. DO PROCEDIMENTO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA. 6. DAS CONSIDERAÇÕES FINAIS. DAS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. 

 

1. NOTAS INTRODUTÓRIAS

 

Adágio popular muito conhecido no meio social é no sentido de que coisa achada não é roubada.

Isso mesmo. O brocardo de coisa achada não é roubada, isto porque para que a coisa fosse roubada, na correta acepção da palavra e sentido jurídico, seria preciso que alguém para assegurar a sua posse, o faça com o uso de violência ou grave ameaça.

Assim agindo, estaria configurado o tipo penal previsto no artigo 157 do Código Penal, consistente em subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência, cominando pena de reclusão, de quatro a dez anos, e multa. 

 

2. DAS NORMAS DO DIREITO CIVIL 

 

Agora segundo dicção do artigo 1.233 do Código Civil, Lei nº 10.406/2002, que prevê o instituto da descoberta, aquele que ache coisa alheia perdida há de restituí-la ao dono ou legítimo possuidor.

Não o conhecendo, o descobridor fará por encontrá-lo, e, se não o encontrar, entregará a coisa achada à autoridade competente.

A lei não informa que tipo de autoridade deverá a coisa ser entregue, o que vai depender da coisa. Imagine alguém localizar um cachorro perdido de seu dono.

O descobridor deverá diligenciar para localizar o seu verdadeiro dono, afixando anúncios em postes, rádios, grupos de redes sociais. Não encontrando o domo, deverá fazer a entrega numa Organização Não governamental e entidades de proteção aos animais.

Aquele que restituir a coisa achada, nos termos do artigo antecedente, terá direito a uma recompensa não inferior a cinco por cento do seu valor, e à indenização pelas despesas que houver feito com a conservação e transporte da coisa, se o dono não preferir abandoná-la.

Na determinação do montante da recompensa, considerar-se-á o esforço desenvolvido pelo descobridor para encontrar o dono, ou o legítimo possuidor, as possibilidades que teria este de encontrar a coisa e a situação econômica de ambos.

O descobridor responde pelos prejuízos causados ao proprietário ou possuidor legítimo, quando tiver procedido com dolo.

A autoridade competente dará conhecimento da descoberta através da imprensa e outros meios de informação, somente expedindo editais se o seu valor os comportar.

Decorridos sessenta dias da divulgação da notícia pela imprensa, ou do edital, não se apresentando quem comprove a propriedade sobre a coisa, será esta vendida em hasta pública e, deduzidas do preço as despesas, mais a recompensa do descobridor, pertencerá o remanescente ao Município em cuja circunscrição se deparou o objeto perdido.

Sendo de diminuto valor, poderá o Município abandonar a coisa em favor de quem a achou.

 

3. DA TIPICIDADE PENAL

 

Por outro lado, aquela que se apropria de coisa achada não fazendo a sua devida devolução ao legítimo dono pode cometer conduta criminosa de apropriação indébita de coisa achada prevista no artigo 169, inciso II, do Código Penal, a saber: 

II - quem acha coisa alheia perdida e dela se apropria, total ou parcialmente, deixando de restituí-la ao dono ou legítimo possuidor ou de entregá-la à autoridade competente, dentro no prazo de quinze dias.

 

A pena será de detenção, de um mês a um ano, ou multa. Portanto, trata-se de pena alternativa, ou pena privativa de liberdade ou tão somente pena de multa.

Por se tratar de crime de menor potencial ofensivo, cuja pena máxima em abstrato não é superior a dois anos de prisão, a competência para o processo e julgamento é do Juizado Especial Criminal, Lei nº 9.099/95.

Lado outro, o Código Penal Militar, Decreto-Lei nº 1001/69, também criminaliza a conduta de apropriação de coisa achada, em seu artigo 249, parágrafo único, punindo com detenção de até ano, in verbis: 

Apropriação de coisa achada

Parágrafo único. Na mesma pena incorre quem acha coisa alheia perdida e dela se apropria, total ou parcialmente, deixando de restituí-la ao dono ou legítimo possuidor, ou de entregá-la à autoridade competente, dentro do prazo de quinze dias.

Inúmeras são as decisões acerca do tema nos Tribunais Superiores, a saber:

"O automóvel subtraído de seu domo e abandonado na via pública pelos ladrões deve ser considerado coisa perdida, de modo a não ensejar a tipificação de crime de furto na conduta daquele que vem a apoderar-se do veículo, existindo na hipótese tão somente o delito de apropriação de coisa alheia achada" ( TACRIM/SP - AC  - Rel. Rafael Granato - JUTACRIM 44/381).

"Apropriar-se de coisa esquecida pelo dono está mais próximo da figura do art. 169 do que o art. 155 do CP" ( TACRIM-SP - AC  - Rel. Adauto Suannes - JUTACRIM 78/411).

" Se a coisa foi objeto de anterior subtração e, ao depois, é deixada em via pública, cuida-se de coisa perdida. O proprietário do veículo perdeu toda disponibilidade sobre o mesmo. Quem tem um objeto subtraído, perde-o. Não sabe onde o mesmo se encontra. Não tem notícias sobre ele, perdeu toda e qualquer vigilância, não tem mais disponibilidade. Perdida a coisa e achada por outra, o crime a se identificar há de ser "apropriação de coisa achada" ( TACRIM-SP -AC - Voto vencido: Camargo Sampaio - JUTACRIM 71/249).

Vale ressaltar importante entendimento acerca do tema em testilha:

"O saudoso Celso Delmanto, em seu Código Penal Anotado, 2ª ed., 1988, p. 336, referente v. acórdão do E. 2º Grupo deste Col. Tribunal publicado na RT 571/346, segundo o qual "se a coisa assim foi furtada, mas depois abandonada pelo ladrão, tornou-se coisa perdida; não estando mais na posse do proprietário, do larápio ou de terceiro, caracterizou-se o perdimento, razão por que não se pode cogitar de furto, mas de apropriação de coisa achada". Tal entendimento, conforme se lê na fundamentação desse v. acórdão, ajusta-se " a lição de Magalhães Noronha, para quem o conceito de coisa perdida se firma no de posse como res facti segundo a teoria de Angelotti, que distingue os elementos da coisa definida": a) res aliene, b) res vacua possessionis, ou seja, não esteja na posse de alguém; e c) o desaparecimento da coisa em relação ao possuidor ( Direito Penal, vol. 2/453, 1963). "Nesse sentido, por igual, o magistério de Nelson Hungria". "Também a apropriação de coisa perdida ( res perdita) que não se confunde com a coisa abandonada ( porque sua propriedade não foi renunciada), escapa ao conceito  do furto: não se pode falar , no caso, propriamente em subtração ( pois a coisa perdida não está atualmente no poder de disposição do dono); mas o seu assenhoreamento não deixa de ser ilícito penal constituindo o crime de apropriação indébita( art. 169, II)" ( Comentários ao Código Penal, vol. VII/21, 1967). É o caso dos autos. O veículo foi roubado e depois abandonado pelos roubadores, não estando, portanto, na posse da vítima, dos roubadores ou de terceiro quando foi encontrado pelo apelante, que dele se apossou. Impõe-se, assim, a desclassificação dos fatos para o delito de apropriação de coisa achada, o que não é obstado pelo fato de ter sido o veículo apreendido antes de decorrido o prazo de quinze dias  a que alude o referido art. 169, parágrafo único, II, do CP, uma vez, conforme já se decidiu neste E. Tribunal em v. acórdão relatado pelo eminente Juiz P. Costa Manso, "a fluência daquele prazo temporal, sem que o inventor tome a iniciativa de devolver o objeto encontrado, induz presunção de sua responsabilidade penal, não sendo condição para que venha a ser afirmada essa responsabilidade. Tal prazo, segundo se lê em v. acórdão mencionado nesse aresto, só impede que se caracterize o delito na hipótese em que, antes de transcorrido, o agente não demonstre ter incorporado ao seu patrimônio a coisa achada" ( JUTACRIM 85/307)" ( TACRIM-SP - AC - Voto vencido: Paulo Franco - RJD 4/97).

E mais:

"Constitui apropriação de coisa achada e não furto, o fato de os agentes se apossarem de carro, encontrado na via pública, o qual fora objeto de roubo praticado por desconhecidos e abandonado pelos roubadores" ( TACRIM-SP - AC - Rel. Hélio de Freitas - BMJ 81/3). 

 

4. DO DIREITO PENAL CASTRENSE

 

No caso da Justiça Castrense, sendo o agente primário, e de pequeno valor a coisa apropriada, o juiz pode diminuir a pena de um a dois terços, ou considerar a infração como disciplinar. Entende-se pequeno o valor que não exceda a um décimo da quantia mensal do mais alto salário mínimo do país. Também aplica-se o mesmo benefício, em sendo o autor primário, este restitui a coisa ao seu dono ou repara o dano causado, antes de instaurada a ação penal.

Consoante artigo 90-A, as disposições da Lei nº 9.099/95, não se aplicam no âmbito da Justiça Militar.

 

A Súmula nº 9 do Superior Tribunal Militar, aduz: 

"A Lei n° 9.099, de 26.09.95, que dispõe sobre os Juízos Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências, não se aplica à Justiça Militar da União."

 

Agora se a coisa achada foi abandonada pelo legítimo proprietário, a chamada res derelictae e coisa de ninguém ou res nulliis que não podem figurar como objeto material do crime de furto, com maior razão também não poderá servir de objeto material do crime de apropriação indébita de coisa achada. 

 

5. DO PROCEDIMENTO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA.

 

O capítulo XV, Seção VIII, do Código de Processo Civil, Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, define os procedimentos de jurisdição voluntário, sendo o procedimento atinente às coisas vagas, artigo 746 estatui que recebendo do descobridor coisa alheia perdida, o juiz mandará lavrar o respectivo auto, do qual constará a descrição do bem e as declarações do descobridor.

Recebida a coisa por autoridade policial, esta a remeterá em seguida ao juízo competente.

Depositada a coisa, o juiz mandará publicar edital na rede mundial de computadores, no sítio do tribunal a que estiver vinculado e na plataforma de editais do Conselho Nacional de Justiça ou, não havendo sítio, no órgão oficial e na imprensa da comarca, para que o dono ou o legítimo possuidor a reclame, salvo se se tratar de coisa de pequeno valor e não for possível a publicação no sítio do tribunal, caso em que o edital será apenas afixado no átrio do edifício do fórum. 

 

6. DAS CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

A doutrina pátria mais autorizada critica a existência do tipo penal de apropriação indébita de coisa achada, argumentando com razoável razão que o Direito Civil é instrumento hábil e suficientemente capaz de proteger o bem jurídico lesado, havendo quem sustente a necessidade de revogação do artigo 169, II, do Código Penal, em nome do princípio da intervenção mínima do moderno direito penal.

Ademais, além da questão do intervencionismo mínimo do Direito Penal, ferramenta a ser utilizada somente quando os demais ramos do direto se demonstrarem ineficazes para a tutela  dos bens jurídicos em jogo, é correto afirmar que aquele que se apropria de coisa achada, que, portanto, não lhe pertence,  indubitavelmente, padece de bons valores morais, educacionais, fraqueza de caráter, além de graves ofensas a outros princípios éticos de boa convivência, contumélia irremissível a valores agudos salvaguardados por uma sociedade que estimula o bom caráter e o senso de responsabilidade entre seus membros.

Diante do exposto pode-se afirmar, categoricamente, que coisa achada não é mesmo roubada, mas achando e NÃO devolvendo ao seu verdadeiro dono pode servir de objeto material de CRIME de apropriação indébita de coisa achada na melhor forma do artigo 169, II, do Código Penal.

 

 

DAS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BRASIL. Código Penal Brasileiro.  Decreto-Lei nº 2848, de 07 de dezembro de 1940. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848compilado.htm. Acesso em 13 de abril de 2019.

BRASIL. Código Civil Brasileiro. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm. Acesso em 13 de abril de 2019.

BRASIL. Código de Processo Civil. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm. Acesso em 13 de abril de 2019, às 22h43min.

FRANCO, Alberto Silva... ( et al.). Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial. 4ª Edição, revista e ampliada. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo. 1993. 

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