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Resumo:
O presente trabalho se propõe a analisar a organização política das ditas sociedades primitivas a partir de suas características políticas e econômicas que tornavam pouco propício o desenvolvimento da instituição do Estado nesses meios sociais
Texto enviado ao JurisWay em 10/04/2019.
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Em “A Sociedade contra o Estado”, Pierre Clastres analisa a organização política das sociedades primitivas. A partir de uma posição crítica em relação à concepção evolucionista em voga no pensamento antropológico à época na qual a obra foi escrita, explica-se o funcionamento da economia dessas sociedades e, posteriormente, o funcionamento de sua política, o que explicaria, a inexistência de Estado, tal qual o conhecemos, nesses meios sociais.
Inicialmente, o autor chama a atenção para o tratamento conferido pela Antropologia às sociedades primitivas, as quais, comparadas com as nossas sociedades, são sempre compreendidas como situadas em um estágio civilizatório anterior. Essa concepção se deve a uma visão etnocêntrica e evolucionista que entende a história como tendo um sentido único e as "sociedades primitivas" como o passado das "sociedades civilizadas".
Esse etnocentrismo é revelado a partir das denominações "sociedade sem escrita", "sociedade sem história" e "sociedades sem estado". Essas definições evidenciariam a ideia de que as referidas sociedades sofrem um déficit de instituições ou elementos culturais presentes na nossa sociedade. Da mesma forma, a determinação no plano econômico dessas sociedades como "sociedades de subsistência" é orientada por uma concepção equivocada da forma como se opera suas economias e pela ideia de que a esses organismos sociais falta uma economia de mercado.
A verdade é que à economia de subsistência não pode ser associada a ideia de falta. Uma sociedade que pratica economia de subsistência não é uma sociedade incapaz de produzir excedentes. Na maioria das vezes, não há qualquer interesse na produção de excedentes, o que o autor demonstra por meio da descrição da organização do trabalho nas sociedades indígenas americanas.
Essas constatações trazidas pelo texto chamam a atenção para a importância de, ao nos depararmos com uma cultura diferente da nossa, adotarmos uma postura relativista. Relativismo cultural aqui entendido como a compreensão do funcionamento de determinada sociedade a partir de fatores internos relativos à cultura daquele sociedade. Por essa razão, não faz sentido pensar em excedente de produção em uma sociedade na qual não há economia de mercado.
O autor mostra que a forma como o trabalho é organizado, nas sociedades que analisou, deve-se a fatores culturais que determinam a forma como os indivíduos daquela sociedade lidam com as atividades produtivas. Não se trata de deficiência técnica que não os permite produzir além do suficiente à satisfação de suas necessidades básicas.
Da mesma forma, a compreensão da organização política de determinada sociedade deve se dar a partir do entendimento dos elementos intrínsecos à cultura que justificam a opção por uma determinada forma de organização ou outra. Assim, não faz sentido a denominação "sociedade sem estado", assim entendida como uma sociedade que não alcançou o progresso civilizatório necessário para a constituição do estado, como se esse tipo de organização política fosse o fim para o qual converge todas as sociedades.
O autor passa então a procurar a origem da diferença entre as sociedades com estado e sociedades sem estado. Rechaça a ideia de que o surgimento do estado se relaciona às mudanças advindas da Revolução Neolítica, tendo em vista que existem diversos povos nômades e agricultores, nos quais não há esse tipo de organização política, afirmando que, ao contrário do que afirma o marxismo clássico, não são as mudanças na ordem econômicas as determinantes das mudanças politicas.
O surgimento do estado pressupõe o surgimento anterior de classes antagônicas entre as quais se estabelece uma relação de dominação. O estado seria apenas a instrumentalização de uma relação entre classes que se estabeleceu preliminarmente à sua consolidação. Com base nessas considerações, objetiva-se explicar porque, nas sociedade primitivas, o estado é impossível.
Clastres vale-se de exemplos baseados na estrutura de sociedades ameríndias para mostrar que, nas sociedades primitivas, não é possível o surgimento de relações de dominação necessárias à formação do estado. O autor explica sua posição a partir da descrição da função do chefe das comunidades indígenas e da limitação ao surgimento do estado decorrente de fatores demográficos.
O chefe das comunidades indígenas é incapaz de exercer poder para a realização de seus próprios interesses. O chefe da tribo é quem deve atender os interesses da comunidade, que é incapaz de reconhecer a autoridade se exercida de outra forma, o que constitui um empecilho para o desenvolvimento de relações de dominação nessas sociedades, o que funcionaria como um mecanismo de defesa contra o estado.
Os fator relacionado ao crescimento populacional, é o surgimento de profetas, com o aumento do contingente populacional das comunidades indígenas, que estimulavam indivíduos a abandonaram as tribos, controlando uma eventual superpopulação, condição propícia ao desenvolvimento de relações das quais poderia advir o surgimento de um aparelho estatal. Vale salientar, no entanto, que tal entendimento parece um pouco determinista.
Apesar disso, o texto é bastante interessante, sobretudo em razão das críticas feitas ao evolucionismo cultural e ao etnocentrismo. Além disso, é capaz de explicar satisfatoriamente a diferença existente entre sociedades com estado e sociedades sem estado e propor uma explicação válida sobre as causas dessa diferença, mostrando que as sociedades primitivas, ao contrário de não terem alcançado um patamar evolutivo que as propicie a constituição de uma máquina estatal, tem uma lógica de funcionamento que contorna o surgimento de relações de dominação necessárias à consolidação do estado.
REFERÊNCIA
CLASTRES, Pierre. A sociedade contra o estado: pesquisas de antropologia política; tradução de Theo Santiago. Rio de Janeiro, F. Alves, 1978
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