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Prisão em 2ª Instância. Presunção de inocência ou efetividade da justiça criminal?


Autoria:

Jeferson Botelho


Jeferson Botelho Pereira é ex-Secretário Adjunto de Justiça e Segurança Pública de Minas Gerais. Delegado Geral de Polícia, aposentado. Mestre em Ciência das Religiões; Professor de Direito Penal, Processo Penal, Teoria Geral do Processo, Legislação Especial, Direito Penal Avançado, Professor do Curso de Pós-Graduação de Direito Penal e Processo Penal da Faculdade Estácio de Sá, Pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela FADIVALE em Governador Valadares/MG, Especialização em Combate a Corrupção, Crime Organizado e Antiterrorismo pela Universidade de Salamanca - Espanha. Professor do curso de Pós-Graduação da FADIVALE/MG. Autor de livros. Palestrante. Jurista. Advogado Criminalista. Membro da Academia de Letras de Teófilo Otoni-MG.

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Resumo:

Prisão. Execução de pena. Sentença Penal condenatória. Trânsito em julgado. Presunção de inocência. Princípio da efetividade da Justiça Criminal.

Texto enviado ao JurisWay em 13/04/2018.



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Prisão em 2ª Instância.

Presunção de inocência ou efetividade da justiça criminal? 

 

O sistema de justiça criminal deve responder seus atos e funcionalidade à vontade suprema do povo. Por isso, num sistema de proteção, o garantismo deve volver seus olhos para a tutela dos interesses da vítima e não somente dos delinquentes, naquilo que chamamos de direito penal de terceira via. O livre arbítrio concede ao cidadão a opção de criar coisas virtuosas ou pecar, se opta em desviar seus atos por caminhos tortuosos, obviamente deve o recalcitrante sofrer as consequências pelo mau uso da liberdade. ( Prof. Jeferson Botelho)  

 

RESUMO. O presente texto tem por finalidade precípua analisar sem pretensão exauriente a possibilidade ou não da prisão para a execução da sentença penal condenatória em decisão de 2ª instância, antes do trânsito em julgado, estabelecendo, destarte, rota de colisão entre a regra da presunção de inocência e princípio da efetividade da justiça criminal. 

Palavras-Chave. Prisão. Execução de pena. Sentença Penal condenatória. Trânsito em julgado. Presunção de inocência. Princípio da efetividade da Justiça Criminal.  

RESUMEN. Este texto pretende analizar sin Director de exauriente pretensión la posibilidad o no de prisión para la ejecución de la sentencia penal anulada por una decisión de apelación, ante el tránsito, ajuste, por lo tanto, una colisión entre el regla de presunción de inocencia y el principio de la eficacia de la justicia penal. 

Palabras clave. Cárcel. Ejecución de la sentencia. Condena penal privativa de libertad. Tráfico. Presunción de inocencia. Principio de eficacia de la justicia penal.

 

 

Assunto que ganha repercussão no Brasil nos dias hodiernos é a possibilidade ou não de cumprimento de sentença penal condenatória antes do trânsito em julgado.

De início, torna-se imperioso, citar as garantias judiciais e a temática da proteção judicial, previstos na Convenção Interamericana de Direitos Humanos, instrumento de promoção de proteção da pessoa humana, o qual, o Brasil aderiu e prometeu implantar normas assecuratórias.

Assim, o Pacto de San José da Costa Rica, de 1969, ratificado pelo Brasil por meio do Decreto nº 678/92, assegura no artigo 8º as garantias judiciais, dentre elas, figura a garantia de que toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.

Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa. 

Assiste a todas as pessoas o direito de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior.

Acerca da proteção judicial, tem-se que toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os juízes ou tribunais competentes, que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela constituição, pela lei ou pela Convenção, mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas que estejam atuando no exercício de suas funções oficiais.

Por sua vez, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 10 de dezembro de 1948, em seus artigos 10 e 11, assegura que toda a pessoa tem direito, em plena igualdade, a que a sua causa seja equitativa e publicamente julgada por um tribunal independente e imparcial que decida dos seus direitos e obrigações ou das razões de qualquer acusação em matéria penal que contra ela seja deduzida.

Especificamente, acerca do princípio da presunção de inocência ou não culpabilidade, o artigo 11, assevera que toda a pessoa acusada de um ato delituoso presume-se inocente até que a sua culpabilidade fique legalmente provada no decurso de um processo público em que todas as garantias necessárias de defesa lhe sejam asseguradas.

E que ninguém será condenado por ações ou omissões que, no momento da sua prática, não constituíam ato delituoso à face do direito interno ou internacional. Do mesmo modo, não será infligida pena mais grave do que a que era aplicável no momento em que o ato delituoso foi cometido

Em rota de colisão o princípio da presunção de inocência, previsto no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição da República, segundo o qual, ninguém poderá ser considerado culpado sem o trânsito em julgado, e de outro lado, a efetividade da justiça criminal.

De plano é importante frisar que os componentes das provas de um processo criminal são esgotados quando do julgamento proferido em 1ª e 2ª instâncias, ficando para os Tribunais Superires tão somente análise da matéria de direito, no seu aspecto meramente formal, que não tem o poder de modificar a matéria fática.

Sabe-se que a execução provisória da sentença penal condenatória não depende do trânsito em julgado, posição assumida pelo próprio STF, no enunciado das Súmulas 716 e 717, que permitem a progressão de regime de cumprimento de pena ou aplicação imediata de regimes menos severo mesmo antes da decisão final.

 

SÚMULA 716 - Admite-se a progressão de regime de cumprimento da pena ou a aplicação imediata de regime menos severo nela determinada, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória. 

SÚMULA 716 - Não impede a progressão de regime de execução da pena, fixada em sentença não transitada em julgado, o fato de o réu se encontrar em prisão especial.

 

A matéria possui evolução histórica importante no campo da hermenêutica, com mudanças significativas, até mesmo em se tratando da mutação constitucional, considerando que a Constituição da República foi promulgada num momento histórico quase de exceção, uma fase de redemocratização do país, onde até então preponderava o regime militar, e a norma constitucional foi uma maneira de proteger os direitos dos cidadãos, notadamente, os direitos civis e políticos.

Mas depois de tudo isso, mais de 30 anos já se passaram, a democracia já não é tão jovem assim, aliás a Constituição Federal ainda se enquadra no conceito de juventude que fornecido pela Lei nº 12.852, de 05 de agosto de 2013, até o final deste ano, segundo conceito autêntico contextual previsto no artigo 1º, § 1, do Estatuto da Juventude, sendo que depois de outubro de 2018, ela deixa de ser jovem.

Até o ano de 2009, o STF tinha o entendimento pacificado que permitia a prisão em execução de pena, mesmo antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, até que entra em cena o HC nº 84.078- 7 MINAS GERAIS, Relator ministro Eros Roberto Grau, onde a Suprema Corte firmou posição de proibir a antecipação da pena num caso concreto registrado em Minas Gerais, onde um autor de crime contra a vida ingressou como o HC, não cumpriu nenhum dia de prisão, e  acabou tendo seu crime prescrito pelo decurso do prazo para a pretensão punitiva estatal.

 

EMENTA: HABEAS CORPUS.

INCONSTITUCIONALIDADE DA CHAMADA

“EXECUÇÃO ANTECIPADA DA PENA”. ART. 5º, LVII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. ART. 1º, III, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL.

1. O art. 637 do CPP estabelece que “[o] recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, e uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à primeira instância para a execução da sentença”. A Lei de Execução Penal condicionou a execução da pena privativa de liberdade ao trânsito em julgado da sentença condenatória. A Constituição do Brasil de 1988 definiu, em seu art. 5º, inciso LVII, que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

2. Daí que os preceitos veiculados pela Lei n. 7.210/84, além de adequados à ordem constitucional vigente, sobrepõem-se, temporal e materialmente, ao disposto no art. 637 do CPP.

3. A prisão antes do trânsito em julgado da condenação somente pode ser decretada a título cautelar.

4. A ampla defesa, não se a pode visualizar de modo restrito. Engloba todas as fases processuais, inclusive as recursais de natureza extraordinária. Por isso a execução da sentença após o julgamento do recurso de apelação significa, também, restrição do direito de defesa, caracterizando desequilíbrio entre a pretensão estatal de aplicar a pena e o direito, do acusado, de elidir essa pretensão.

5. Prisão temporária, restrição dos efeitos da interposição de recursos em matéria penal e punição exemplar, sem qualquer contemplação, nos “crimes hediondos” exprimem muito bem o sentimento que EVANDRO LINS sintetizou na seguinte assertiva: “Na realidade, quem está desejando punir demais, no fundo, no fundo, está querendo fazer o mal, se equipara um pouco ao próprio delinquente”.

6. A antecipação da execução penal, ademais de incompatível com o texto da Constituição, apenas poderia ser justificada em nome da conveniência dos magistrados --- não do processo penal. A prestigiar-se o princípio constitucional, dizem, os tribunais [leia-se STJ e STF] serão inundados por recursos especiais e extraordinários e subsequentes agravos e embargos, além do que “ninguém mais será preso”. Eis o que poderia ser apontado como incitação à “jurisprudência defensiva”, que, no extremo, reduz a amplitude ou mesmo amputa garantias constitucionais. A comodidade, a melhor operacionalidade de funcionamento do STF não pode ser lograda a esse preço.

7. No RE 482.006, relator o Ministro Lewandowski, quando foi debatida a constitucionalidade de preceito de lei estadual mineira que impõe a redução de vencimentos de servidores públicos afastados de suas funções por responderem a processo penal em razão da suposta prática de crime funcional [art. 2º da Lei n. 2.364/61, que deu nova redação à Lei n. 869/52], o STF afirmou, por unanimidade, que o preceito implica flagrante violação do disposto no inciso LVII do art. 5º da Constituição do Brasil. Isso porque --- disse o relator --- “a se admitir a redução da remuneração dos servidores em tais hipóteses, estar-se-ia validando verdadeira antecipação de pena, sem que esta tenha sido precedida do devido processo legal, e antes mesmo de qualquer condenação, nada importando que haja previsão de devolução das diferenças, em caso de absolvição”. Daí porque a Corte decidiu, por unanimidade, sonoramente, no sentido do não recebimento do preceito da lei estadual pela Constituição de 1.988, afirmando de modo unânime a impossibilidade de antecipação de qualquer efeito afeto à propriedade anteriormente ao seu trânsito em julgado. A Corte que vigorosamente prestigia o disposto no preceito constitucional em nome da garantia da propriedade não a deve negar quando se trate da garantia da liberdade, mesmo porque a propriedade tem mais a ver com as elites; a ameaça às liberdades alcança de modo efetivo as classes subalternas.

8. Nas democracias mesmo os criminosos são sujeitos de direitos. Não perdem essa qualidade, para se transformarem em objetos processuais. São pessoas, inseridas entre aquelas beneficiadas pela afirmação constitucional da sua dignidade (art. 1º, III, da Constituição do Brasil). É inadmissível a sua exclusão social, sem que sejam consideradas, em quaisquer circunstâncias, as singularidades de cada infração penal, o que somente se pode apurar plenamente quando transitada em julgado a condenação de cada qual Ordem concedida.

 

Depois disso, o próprio STF por 7x 4, modificou seu entendimento em 17 de fevereiro de 2016 segundo o qual a prisão antes do trânsito em julgado não viola o princípio da presunção de inocência, num julgamento em sede de HABEAS CORPUS 126.292 SÃO PAULO de um condenado por crime de roubo em São Paulo, de relatoria do ex-ministro Teori Zavascki.

No caso concreto, consta dos autos, em síntese, que (a) o paciente foi condenado à pena de 5 anos e 4 meses de reclusão, em regime inicial fechado, pela prática do crime de roubo majorado (art. 157, 2º, I e II do CP), com direito de recorrer em liberdade; (b) inconformada, somente a defesa apelou para o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que negou provimento ao recurso e determinou a expedição de mandado de prisão contra o paciente; (c) contra a ordem de prisão, a defesa impetrou habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça, ocasião em que o Ministro Presidente indeferiu o pedido de liminar, em decisão assim fundamentada: 

“As Quinta e Sexta Turmas do Superior Tribunal de Justiça firmaram o entendimento majoritário de que é inadequado o manejo de habeas corpus contra decisório do Tribunal a quo atacável pela via de recurso especial (v.g.: (HC 287.657/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, DJe 04/12/2014; HC 289.508/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, DJe 03/12/2014; HC 293.916/RS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, DJe 11/12/2014; HC 297.410/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, DJe 02/12/2014). Diante dessa nova orientação, não são mais cabíveis habeas corpus utilizados como substitutivos de recursos ordinários e de outros recursos no processo penal. Essa limitação, todavia, não impede que seja reconhecida, mesmo em sede de apreciação do pedido liminar, eventual flagrante ilegalidade passível de ser sanada pelo writ (HC 248757/SP, Sexta Turma, Relª. Minª. Assusete Magalhães, DJe de 26/09/12). Na hipótese em apreço, no entanto, não se evidencia a aventada excepcionalidade. Ante o exposto, INDEFIRO o pedido liminar, sem prejuízo de uma análise mais detida quando do julgamento do mérito pelo Ministro Relator”. 

A seguir, também em outubro de 2016, o STF julgando pedido de liminar em Ação Declaratória de Constitucionalidade do artigo 283 do Código de Processo Penal, que delimita os casos de prisões, medida proposta pelo PEN( Partido Ecológico Nacional) e pela OAB, manteve o entendimento de que a execução da pena antes do trânsito em julgado não viola o princípio da presunção de inocência.

Por maioria, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que o artigo 283 do Código de Processo Penal (CPP) não impede o início da execução da pena após condenação em segunda instância e indeferiu liminares pleiteadas nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) 43 e 44.

Aqui, trechos do voto do ministro Luiz Edson Fachim: 

"(...) Esta Suprema Corte retomou um entendimento que vigorou desde a promulgação da Constituição em 1988 até 2009, por quase vinte e um anos portanto, segundo o qual o efeito meramente devolutivo dos recursos especial e extraordinário não colide com o princípio constitucional da presunção de inocência, previsto no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal. Como se vê, vinte e um dos vinte e oito anos registrou essa compreensão. Foram mais de duas décadas e sob a égide da CRFB, tempo no qual as portas do STF, para proteger a liberdade, jamais se fecharam por esse motivo. E ao fazê-lo em fevereiro último apreciou processo pautado pela Presidência do Tribunal no âmbito de seus regulares afazeres. Sendo assim, Senhora Presidente, peço vênia ao eminente Relator para, uma vez mais, reafirmar o voto que proferi em 17 de fevereiro próximo passado, quando esta Corte, ao julgar o Habeas Corpus 126.292/SP, assentou a tese segundo a qual “A execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal.”. Nessa linha, reitero in totum o voto que proferi naquela assentada, consignando que não considero a decisão proferida por este egrégio Plenário contrastante com o texto do art. 283 do Código de Processo Penal. Com a devida vênia de quem eventualmente conceba de forma diversa, considero haver um agigantamento dos afazeres deste Supremo Tribunal Federal que decorre da própria forma como esta Corte interpreta determinadas regras constitucionais. Não faço aqui apologia daquilo que se costuma denominar de jurisprudência defensiva. Quero, todavia, dizer que, dentro daquele espaço que a Constituição outorga ao intérprete uma margem de conformação que não extrapola os limites da moldura textual, as melhores alternativas hermenêuticas quiçá são, em princípio, as que conduzem a reservar a esta Suprema Corte primordialmente a tutela da ordem jurídica constitucional, em detrimento de uma inalcançável missão de solver casos concretos. Por essa razão, interpreto a regra do art. 5º, LVII, da Constituição da República, segundo a qual “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, entendendo necessário concebê-la em conexão a outros princípios e regras constitucionais que, levados em consideração com igual ênfase, não permitem a conclusão segundo a qual apenas após esgotadas as instâncias extraordinárias é que se pode iniciar a execução da pena privativa de liberdade(...)". 

 

As ações declaratórias de constitucionalidade são em torno do artigo 283 do Código de Processo Penal Brasileiro, in verbis: 

Art. 283.  Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva.         

Há de se ressaltar que o artigo 283 ganhou esta redação com a Lei nº 12.403, de 2011, a mesma que criou uma série de medidas alternativas da prisão em flagrante e que de lá para cá, transformou a vida da sociedade brasileira que é obrigada a conviver com tanta criminalidade.

O criminoso é preso de manhã e a tarde está nas ruas novamente, por força do artigo 319 desta famigerada lei e também dos efeitos cruéis da nojenta Audiência de Custódia. 

E agora em 2018, julgando HABEAS CORPUS 152.752 PARANÁ, proposto pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a Suprema Corte manteve por 6 x 5 a possibilidade da prisão em sentença condenatória de 2ª Instância antes do trânsito em julgado. 

Aqui breves anotações do voto da excelsa ministra Rosa Weber: 

"(...) Nesse contexto normativo e institucional, reputo o princípio da colegialidade imprescindível (isto é, necessário e suficiente) para o sistema, porquanto a individualidade dentro do tribunal, no processo decisório, tem um momento delimitado, a partir do qual cede espaço para a razão institucional revelada no voto majoritário da Corte. Corrobora essa afirmativa o argumento esgrimido por Neil MacCormick: Um procedimento decisório razoável é a única solução apropriada para desacordos interpessoais, situação em que todos ou a maioria dos afetados pela decisão aceitam que o desacordo é de fato razoável, e não simplesmente a face gentil dos poderosos direcionada àqueles com menor poder. Portanto, é inerente a tal procedimento a produção de determinação jurídica, operando (no mínimo) caso a caso. Os direitos ou infrações das partes, e as respectivas ações judiciais ou penalidades estabelecidas após tal debate são, ou se tornam pelo ato mesmo da decisão, os direitos ou responsabilidades jurídicas daquelas partes nos termos firmados pela opinião majoritária (ou, quando possível unânime) do tribunal em questão. Sob um sistema de precedentes vinculantes ou persuasivos, tais decisões também transcendem cada caso particular e são recebidas como criadoras do Direito ou como decisões que interpretam e determinam o Direito como autoridade, na medida em que se aplicam a qualquer outra pessoa dentro daquela jurisdição(...)” 

"(...) Em resumo, compartilho da visão de que os juízes, individualmente considerados, de uma Corte Constitucional estão a serviço de um propósito institucional. O incremento da cultura constitucional e da legitimidade da jurisdição constitucional no corpo social e dos demais atores institucionais da democracia deve ser fomentado, precipuamente, por este Supremo Tribunal Federal. Nessa senda as lúcidas observações do Professor italiano Gustavo Zagrebelsky, ex-integrante da Corte Constitucional italiana, quanto à questão da colegialidade nos tribunais, verbis: “A atividade do Tribunal está fundada sobre as distintas personalidades dos juízes que se expressam nas salas de deliberações. Ao mesmo tempo, é rigorosamente colegiado. Isto assume um significado profundo, que vai além do mero respeito às regras de funcionamento. É mais, conquanto em outros países os juízes constitucionais estão dotados de personalidade própria e individualidades institucional, na Itália os juízes constitucionais – aos quais se reconhece a mais plena subjetividade dentro do colégio – não são nada fora do Tribunal. (...) Esta condição que claramente distingue um órgão como o Tribunal Constitucional de outro parecido político ou municipal, como um parlamento ou assembleia, pode manter-se sempre que o número de componentes seja adequado ao espírito do órgão e a sua função, ou seja, um número não muito elevado(...)” 

"(...) Senhora Presidente, enfrento este habeas corpus nos exatos termos como fiz todos os outros que desde 2016 me foram submetidos, reafirmando que o tema de fundo, para quem pensa como eu, há de ser sim revisitado no exercício do controle abstrato de constitucionalidade, vale dizer, nas ADCs da relatoria do Min. Marco Aurélio, em que esta Suprema Corte, em atenção ao princípio da segurança jurídica, em prol da sociedade brasileira, há de expressar, como voz coletiva, enquanto guardião da Constituição, se o caso, outra leitura do art. 5º, LVII, da Lei Fundamental. Tal preceito, com clareza meridiana, consagra o princípio da presunção de inocência, ninguém o nega, situadas no seu termo final – o momento do trânsito em julgado - sentido e alcance, pontos de candentes divergências, as disputas hermenêuticas. ACOMPANHO, POIS, NO ÂMBITO DESTE HABEAS CORPUS, O RELATOR, a quem renovo minhas homenagens, DENEGANDO A HC 152752 / PR(...)" 

É sabido que inúmeros países do mundo permitem a execução da pena entes da decisão final, até mesmo quando da sentença de 1º grau, como Inglaterra, Estados Unidos, Canadá, Alemanha, França, Portugal, Espanha e Argentina, além de outros, países de democracia muito mais avançada que o Brasil, não havendo espaço para invocar possível violação de direitos humanos.

E mais. Quando a Constituição Federal estabelece que ninguém poderia ser considerado culpado até o trânsito da sentença penal condenatória não exclui a possibilidade de ter o início da execução da pena. Justiça que julga olhando quem está na fila é justiça tendenciosa, desacreditada e cega.

Em meio a toda essa discussão jurídica, aparecem os congressistas, que já se articulam para a apreciação da proposta de emenda constitucional, a PEC 410, que propõe a modificação do artigo 5º, inciso LVII, para prevê que " ninguém será considerado culpado até a confirmação de sentença penal condenatória em grau de recurso".

A primeira discussão é que não se pode emendar a Constituição Federal na vigência de Intervenção Federal, no caso específico, no caso declarada no Rio de Janeiro, mas fica claro que não impede que haja essa discussão sem aprovação.

Outra questão delicada é sobre a constitucionalidade da modificação de uma cláusula pétrea, no caso a restrição do alcance do princípio da presunção da inocência,  peremptoriamente, proibida pela própria Carta Magna.

O certo é que a sociedade brasileira está cansada de impunidade e não pode ter bandido de estimação, nem pugnar por interesses meramente umbilicais em detrimento do tecido social, e por isso, a justiça deve ser para todos, independente de seu grau de importância, de sua bandeira partidária ou status social.

Assim, a sociedade brasileira espera que a Suprema Corte cumpra fielmente com seu papel de guardião da Constituição e mantenha sua própria decisão de permitir o cumprimento da sentença, quando decidida em segundo grau, pois, nesta instancia se exaure toda a matéria fática ficando para os tribunais em Brasília tão somente a matéria de direito.

E nesse é o caminhar do voto do ministro Alexandre de Morais, quando assevera com singular propriedade: 

"(...) Essa análise do conjunto probatório não pode ser revista pelo Superior Tribunal de Justiça ou pelo Supremo Tribunal Federal, pois, em relação a essas Cortes, a competência constitucional é restrita, não permitindo nova análise da justiça ou injustiça da valoração probatória realizada pelos juízos ordinários competentes. Esse mesmo “esquema organizatório-funcional” autoriza constitucionalmente a prisão por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente e reserva para eventuais abusos dos tribunais de segunda instância a possibilidade do ajuizamento de Habeas Corpus perante o Superior Tribunal de Justiça com recurso ordinário constitucional ao Supremo Tribunal Federal. Exigir o trânsito em julgado ou decisão final do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal para iniciar a execução da pena aplicada após a análise de mérito da dupla instância judicial constitucionalmente escolhida como juízo natural criminal seria subverter a lógica de harmonização dos diversos princípios constitucionais penais e processuais penais e negar eficácia aos diversos dispositivos já citados em benefício da aplicação absoluta e desproporcional de um único inciso do artigo 5º, com patente prejuízo ao princípio da tutela judicial efetiva. A tutela judicial efetiva, com efeito, exige o início da execução provisória da pena como marco interruptivo da prescrição penal, de maneira a impedir a inefetividade da jurisdição penal em face da ocorrência de grandes lapsos temporais entre a sentença ou acórdão condenatório e eventual início do cumprimento da pena após o trânsito em julgado, postergado pela demora nos julgamentos dos recursos especiais e extraordinários. Trata-se do mesmo entendimento nos ordenamentos jurídicos do Direito Comparado, que, no máximo, exigem para iniciar o cumprimento da pena a efetivação do duplo grau de jurisdição, conforme detalhadamente destacado no brilhante voto do saudoso Ministro TEORI ZAVASCKI (HC 126.292). Da mesma maneira, não há nenhuma exigência normativa, seja na Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San Jose da Costa Rica), seja na Convenção Europeia dos Direitos do Homem que condicione o início do cumprimento da pena ao trânsito em julgado da sentença condenatória. Ambas – respectivamente artigo 8.2 e 6º, 2 – consagram o princípio da presunção de inocência até o momento em que a culpabilidade do acusado for legalmente comprovada, respeitados os demais princípios e garantias penais e processuais penais já analisados(...)" 

Então a execução da pena em face da decisão de 2ª Instância pode e deve ser  efetivada, sem se cogitar de nenhuma pecha de anormalidades ou vício de legalidade, tudo devidamente permitido por lei e pelas Convenções de Direitos Humanos, em nome da justiça efetiva e em repúdio à impunidade que jorra feito enxurrada nas encostas entrincheiradas do descaso que destroem as camadas sociais desprovidas de zelo e comprometimento do Poder Público. Respeita-se, a quem pensa diferente, mas certamente deve ter qualquer interesse subjacente ou subterrâneo.

Caso contrário, criaremos um rochedo de impunidade neste Torrão, podemos fechar as portas deste país de chacais e entregá-lo de vez aos bandidos, políticos e delinquentes de colarinho branco, precursores da corrupção sistêmica que tomou conta do Brasil, com sérias consequências para os direitos humanos.

O sistema de justiça criminal deve responder seus atos e funcionalidade à vontade suprema do povo. Por isso, num sistema de proteção, o garantismo deve volver seus olhos para a tutela dos interesses da vítima e não somente dos delinquentes, naquilo que chamamos de direito penal de terceira via. O livre arbítrio concede ao cidadão a opção de criar coisas virtuosas ou pecar, se opta em desviar seus atos por caminhos tortuosos, obviamente deve o recalcitrante sofrer as consequências pelo mau uso da liberdade

Por fim, para não nos possibilitar contar uma nefasta e tétrica história para as gerações futuras, é preciso colocar o país novamente nos trilhos da moralidade e da ética, a fim de estancar a hemorragia da impunidade que grassa serenamente nos portais da justiça e nos emaranhados da maldita política, se preciso for resgatar o lenço branco que o estadista Teófilo Benedito Otoni usava no bolso de seu terno, para simbolizar a pureza na vida pública e varrer do meio circundante os asseclas da corrupção e dos desmandos, os peculatários e os concussionários da Administração Pública, tudo isso almejando construir uma história diferente, pois se não há possibilidade de mudar a história do passado nojento, que edificaremos uma história melhor e mais digna para as nossas futuras gerações.   

 

Referências Bibliográficas. 

 

BRASIL. Código Penal: lei nº. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. http://www2.planalto.gov.br. Acesso em 12 de abril de 2018, às 11h42min. 

BRASIL. Lei nº 8072, de 1990. http://www2.planalto.gov.br. Acesso em 12 de abril de 2018, às 11h43min. 

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: Promulgada em 05 de outubro de 1988. http://www2.planalto.gov.br, acesso em 12/04/2018, às 11h44min.

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