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Resumo:
Sabe-se da importância do direito ambiental na delimitação das ações humanas que afetam o meio ambiente.Esse viés multidisciplinar exige uma sistematização que possibilite a proteção do meio ambiente, o que é feito por meio dos princípios de direito.
Texto enviado ao JurisWay em 13/06/2017.
Última edição/atualização em 19/06/2017.
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Pode-se dizer com segurança que o direito ao meio ambiente e sua proteção foram consignados na Constituição Federal com muito acerto.Nessa acepção leciona Cirne:
“[...] quem pesquisa na área do direito ambiental, quando escreve sobre o Capítulo VI (Do Meio Ambiente), do Título VII (Da Ordem Social), da Constituição de 1988, geralmente só tem elogios a tecer. Uadi Lammêgo Bulos, por exemplo, quando aborda o tema em seu Curso de direito constitucional, afirma que “o capítulo do meio ambiente da Constituição de 1988 é um dos mais avançados e modernos do constitucionalismo mundial”. José Afonso da Silva, por sua vez, defende que a nossa Constituição é “eminentemente ambientalista” ao tratar do tema de maneira ampla e moderna. Édis Milaré fala que a Constituição de 1988 pode ser denominada como “verde”, ante o destaque dado ao meio ambiente[...]”. (2016, p.162).[1]
O texto constitucional inova ainda mais ao afirmar que o direito ao meio ambiente é um direito de todos (Constituição Federal art.225, caput). Da parte final desse dispositivo é possível inferir que seus titulares são pessoas indeterminadas e o direito é indivisível o que pela Lei n°8.078 de 1990, que dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências,é um direito difuso.
Nas palavras de Rizzatto Nunes:
“a Constituição Federal faz referência aos direitos difusos e coletivos (inciso III do art. 1292), mas não os define. Foi a Lei 8.078/90, que tratou de apresentar os parâmetros definidores de direitos difusos e direitos coletivos, o que fez no seu artigo 81.” [2]
A natureza de direito difuso significa que o direito precisa de uma guarida especial em sua defesa, pois quando violado atinge toda coletividade, característica pertencente ao direito ambiental e que o coloca no rol dos direitos difusos. Vendramini e Alves acrescentam acertadamente que o direito ambiental é um direito fundamental, com isso em se tratando da proteção ambiental, o Estado não deve ficar inerte. Ao contrário, é somente com sua atuação efetiva e contundente que a proteção ecológica será alcançada[3].
Sobre a proteção ambiental Hely Lopes Meirelles também ensina:
"A proteção ambiental visa à preservação da Natureza em todos os elementos essenciais à vida humana e à manutenção do equilíbrio ecológico, diante do ímpeto predatório das nações civilizadas, que, em nome do desenvolvimento, devastam florestas, exaurem o solo, exterminam a fauna, poluem as águas e o ar." [4]
Nessa via cabe aqui mencionar que a atuação estatal no âmbito de proteção ambiental é um dever que impõe a busca do equilíbrio ambiental e do desenvolvimento sustentável associado ao bem estar e a segurança da sociedade. Assim, produção legislativa brasileira em prol do meio ambiente, ou seja, a atuação do legislador por meio da definição de regras e parâmetros para o controle e monitoramento das atividades causadoras de impacto ambiental, teve como marco, para a compensação ambiental – objeto central dessa pesquisa, a Lei que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n° 6.938 de 1981). Nela foram fundamentados com nitidez, de forma inédita na legislação brasileira, os princípios ambientais e procedimentos norteadores do licenciamento ambiental. O dispositivo inovador normatizou princípios ambientais e definiu a necessidade do prévio licenciamento ambiental em caso de empreendimentos poluidores ou que causassem degradação ao meio ambiente[5].
Retomando a Constituição Federal de 1988, nela esses princípios ganharam status constitucional, ao ponto de o termo “meio ambiente” ser mencionado pela primeira vez na história das constituições do Brasi.[6]. E ainda, no mesmo artigo foi positivado constitucionalmente o procedimento do EIA/ RIMA como requisito para a instalação de obra ou atividade causadora de significativo impacto e degradação ambiental,[7]. Por conseguinte esse procedimento administrativo agora com status constitucional, delegado aos órgãos ambientais dos entes federativos, tornou-se o instrumento necessário dentre os requisitos para a aplicação da compensação ambiental, cabe aqui a lição de Vendramini e Alves:
“deu definições importantíssimas de meio ambiente, degradação da qualidade ambiental, poluição, poluidor e recursos ambientais, bem como instituiu um valioso mecanismo de proteção ambiental denominado estudos prévios de impacto ambiental (EIA) e seus respectivos relatórios (RIMA), instrumentos eficazes e modernos em termos ambientais mundiais.” [8]
Tais procedimentos e princípios serão estudados com aprofundamento nos tópicos adiante.
1.1 PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL.
Sabe-se da importância do direito ambiental na delimitação das ações humanas que afetam direta ou indiretamente o meio ambiente. Essas ações podem envolver várias dimensões do conhecimento técnico e cientifico. Assim, o direito ambiental é uma matéria transdisciplinar que regula a ação de várias áreas do conhecimento humano, entre elas a biologia, a química, a física, o conhecimento técnico o antropológico, arqueológico e o social. Esse viés multidisciplinar exige uma sistematização que possibilite a proteção do meio ambiente, o que é feito por meio dos princípios gerais específicos do direito ambiental e positivados constitucionalmente além da legislação pertinente fundamentada nesses mesmos princípios e que formam assim o alicerce do ordenamento jurídico ambiental.
Sobre os princípios, na concepção de Dworkin, os argumentos é que sustentam as decisões e são fundamentados em princípios como forma de se cumprir um padrão que é uma exigência de justiça ou equidade ou alguma outra dimensão da moralidade.[9]
Para Mirra (2011, p.208) é fundamental dedicar atenção maior ao estudo e à análise dos princípios do Direito Ambiental, pois permitem compreender a autonomia do Direito Ambiental em face dos outros ramos do Direito; auxiliam no entendimento e na identificação da unidade e coerência existentes entre todas as normas jurídicas que compõem o sistema legislativo ambiental; se extraem as diretrizes básicas que permitem compreender a forma pela qual a proteção do meio ambiente é vista na sociedade e servem de critério básico e inafastável para a exata inteligência e interpretação de todas as normas que compõem o sistema jurídico ambiental, condição indispensável para a boa aplicação do Direito nessa área.[10]
A estruturação da matéria ambiental a partir de princípios ampliou a produção legislativa sobre o tema, dando parâmetros normativos aplicáveis ao caso concreto. Destarte a realidade em constante transformação da questão ambiental foi abrangida com maior eficiência, pois a partir desses princípios foram instituídos instrumentos de tutela específicos para o meio ambiente. Entre esses instrumentos o mais importante para o recorte da pesquisa é o estudo prévio de impacto ambiental estabelecido no texto da Política Nacional do Meio Ambiente que dispôs ser atribuição do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, a sua imposição, in verbis:
“[...] determinar, quando julgar necessário, a realização de estudos das alternativas e das possíveis conseqüências ambientais de projetos públicos ou privados, requisitando aos órgãos federais, estaduais e municipais, bem assim a entidades privadas, as informações indispensáveis para apreciação dos estudos de impacto ambiental, e respectivos relatórios, no caso de obras ou atividades de significativa degradação ambiental, especialmente nas áreas consideradas patrimônio nacional [...]”
Com o exposto se nota que os princípios são de fundamental relevância na aplicação dos parâmetros jurídicos de um sistema normativo tanto na legiferação quanto na interpretação de uma regra. Segundo Mirra (2011, p. 345), “se da interpretação de uma regra jurídica resultar contradição com os princípios, essa interpretação será incorreta e deverá ser afastada; se uma determinada regra admitir, do ponto de vista lógico, mais de uma interpretação, deverá prevalecer, como válida, aquela que melhor se compatibilizar com os princípios”.[11]
Desse modo a elaboração de um estudo prévio de impacto ambiental, diante de empreendimentos causadores de impactos significativos – condição necessária para aplicar a compensação ambiental da lei do SNUC, é de suma importância para que a autoridade ambiental tenha embasamento técnico na hora de aplicar esses princípios ambientais na tomada da melhor decisão para a sociedade e o ambiente.
Desta maneira, nesta pesquisa serão abordados os princípios que mais interessam ao entendimento do problema da compensação ambiental, mesmo ainda que se reconheça que outros poderiam ser indicados, o recorte é necessário para o melhor entendimento da temática. São eles: os princípios da prevenção e da precaução e do poluidor-pagador.
1.1.2 PRINCÍPIO DA PREVENÇÃO
O princípio da prevenção é o macro princípio do direito ambiental, isso decorre de seu caráter preventivo. Isto é, mesmo que em última instância o direito ambiental se apóie em dispositivos sancionadores, seus objetivos serão fundamentalmente preventivos, sendo também que até mesmo a repressão leva sempre à prevenção.
Para um melhor entendimento deste princípio cabe a lição acertada de Faria e Noiville (2011, p.40, 2004, p. 319, apud MACIEL, 2012, p.25):
“O princípio da prevenção consiste na lógica de se evitar, ou ao menos minorar, um dano conhecido, aplicando-se a casos em que se sabem os efeitos de uma dada atividade. O princípio da prevenção se sustentaria, com isso, no conhecimento das consequências de um ato, pois haveria comprovação do nexo causal entre ele e seus efeitos, somente obrigando-se a preocupação com os riscos decorrentes ante a constatação da sua existência”.[12]
Nesse mesmo sentido completa Wendy (2009. p.125, apud Varella, 2013.p.31):
“[...] o princípio da prevenção estará mais próximo do dano, já que nesta hipótese já se conhece, com antecedência e prévia comprovação científica, que a atividade em questão causa danos e degradação ao meio ambiente [...] o princípio da prevenção tem a finalidade de evitar o perigo concreto (comprovado cientificamente [...].” [13]
Do exposto presume-se que o princípio da prevenção é diretamente aplicado quando o estado usa os instrumentos de controle e regulação do desenvolvimento sustentável como no caso da obrigatoriedade do EIA/RIMA. Como se vê a constatação inequívoca do impacto que ocorrerá ao meio ambiente, de modo prévio, só será averiguada a partir do estudo de impacto ambiental e relatórios de impacto ambiental, instrumentos criados para esse fim e obrigatórios para a liberação das licenças[14] do empreendimento. Completa a lição o entendimento de Artigas (2011, p.95).
“Exemplos típicos da atuação preventiva [...] instrumentos do Estudo de Impacto Ambiental e o licenciamento ambiental, tendo ambos como objetivo avaliar e administrar os impactos a serem causados por um empreendimento ou atividade potencialmente poluidora. De igual modo, podem ser citados (i) as medidas preventivas e mitigadoras impostas no decorrer do licenciamento ambiental – que, observe-se desde já, também causam repercussões econômicas; (ii) os instrumentos econômicos, visando compor fundos para a proteção ambiental ou, ainda, incentivar condutas ‘mais limpas’; e (iii) as referidas medidas processuais preventivas de danos ambientais já apontadas em linhas anteriores. Dessa forma, a prevenção, necessariamente, implica um mecanismo antecipatório do modo de desenvolvimento da atividade econômica, mitigando, avaliando e procurando impedir os seus efeitos ambientais negativos.”
Cabe mencionar ainda, sem muito aprofundamento da questão atualmente celeuma no direito ambiental e administrativo, que neste trabalho adotaremos a lição de Silva[16] que entende que “há tanto licença quanto autorização ambiental e observa que as licenças ambientais, em geral, são atos administrativos de controle preventivo de atividades de particulares no exercício de seus direitos” (grifo nosso). Portanto, a distinção entre o licenciamento ambiental e licença é que o primeiro diz respeito a um procedimento administrativo complexo e o segundo é o objeto a ser alcançado quando cumpridas as etapas desse procedimento, mas ambos são decorrentes do princípio da prevenção no direito ambiental”.
1.1.2 PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO
O princípio da precaução tem sido utilizado diante demandas dos setores da economia que podem causar efeitos degradantes ou nocivos ao meio ambiente. Esse princípio, diferente do princípio da prevenção, tem sua aplicação na ausência de certeza científica quanto ao real impacto que uma obra irá causar ao meio ambiente. Isto é, quando os potenciais efeitos e sua dimensão não são conhecidos esse princípio é aplicado a fim de evitar ou minimizar o dano potencial. No entendimento de HAMMERSCHMIDT “a precaução, enfrenta a natureza da incerteza: a incerteza dos saberes científicos em si mesmo.” [17]
Importante saber que não obstante aplicados pela doutrina ou jurisprudência muitas vezes como sinônimos o princípio da precaução e o da prevenção apesar de próximos não se confundem. Nesse sentido é valiosa a lição de Artigas:
É certo que na aplicação do princípio da precaução, há vinculação à permanência da insuficiência, imprecisão e inconclusão dos dados científicos ou, ainda, ao julgamento de convicção do acentuado potencial de perigo, que impeça a tomada de decisão no sentido de permitir que a sociedade o suporte. Será sempre, portanto, uma decisão política baseada no fato de inexistir conhecimento científico acerca de uma determinada atividade. Quando houver o conhecimento científico, o risco passa a ser gerenciado pelo princípio da prevenção.[18]
Como ensina Milaré (apud Varella 2013) “a diferenciação inicia-se na origem das palavras (etimologia), em que se constata que prevenção é substantivo do verbo prevenir, e significa ato ou efeito de se antecipar, chegar antes; induz uma conotação de generalidade, simples antecipação no tempo”. E continua “precaução é substantivo do verbo precaver (do latim prae=antes e cavere=tomar cuidado), e sugere cuidados antecipados, cautela para que uma atitude ou ação não venha a concretizar-se ou a resultar em efeitos indesejáveis”.[19]
Esse princípio pode ser concebido como decorrência do exercício da dúvida e pressupõe uma conduta in dúbio pro ambiente, ou seja, o ambiente prevalece sobre uma atividade de perigo ou risco. Vale lembrar que esse princípio foi tratado de modo específico no Princípio 15 da Declaração do Rio de Janeiro de 1992 (Rio-1992), in verbis:
“Princípio 15 – De modo a proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deve ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental.”
Portanto, o princípio da precaução está centrado na incerteza, na imprevisão, ou seja, risco abstrato, e busca evitar que uma atividade cujo efeito potencialmente arriscado e que não tenha sido objeto de análise científica conclusiva, venha a ocorrer.
1.1.3 PRINCÍPIO DO POLUIDOR PAGADOR
O princípio do poluidor pagador surge em função da ação que o homem pratica no do meio ambiente – para sobreviver ele depende dos recursos ambientais que o cercam. Isto é, de um modo ou outro ele utilizará recursos que se sabe são escassos, mas imprescindíveis para o desenvolvimento humano, e por meio do princípio se busca então responsabilizar o poluidor pela reparação dos danos causados. O princípio do poluidor é a expressão da internalização dos custos ambientais da atividade degradante ao meio ambiente somados aos custos totais do empreendimento com a finalidade de controlar ou reduzir a degradação ambiental por parte do poluidor.
Segundo Antunes (2008, p. 48-49, apud. Artigas. 2013 p. 154) tal princípio “parte da constatação de que os recursos ambientais são escassos e que o seu uso na produção e no consumo acarreta a sua redução e degradação”. Continua o autor, frisando que “se o custo da redução dos recursos naturais não for considerado no sistema de preços, o mercado não será capaz de refletir a escassez”. E conclui: “são necessárias políticas públicas capazes de eliminar a falha de mercado, de forma a assegurar que os preços dos produtos reflitam os custos ambientais.” [20]
Podemos encontrar o princípio de forma implícita na Constituição Federal (Brasil, 1988), no art. 225, in verbis:
§ 2. º Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com a solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.
§ 3.º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
O princípio do poluidor pagador também se encontra no item 16 da Declaração do Rio de Janeiro que prescreve que o empreendedor deve esforçar-se para promover a internalização dos custos de proteção do meio ambiente e o uso dos instrumentos econômicos assumindo assim o custo da poluição.Quanto à isso leciona Tupiassu (2003, p. 156):
“De fato, tal diretriz encontra-se consolidada pelo item 16 da Declaração do Rio de Janeiro, firmada em 1992, sugerindo que "as autoridades nacionais devem esforçar-se para promover a internalização dos custos de proteção do meio ambiente e o uso dos instrumentos econômicos, levando-se em conta o conceito de que o poluidor deve, em princípio, assumir o custo da poluição, tendo em vista o interesse público, sem desvirtuar o comércio e os investimentos internacionais". No mesmo sentido a antiga Câmara Internacional do Comércio (atual OMC) firmou orientação, durante o Wicen II (Roterdã - 1992), para que os agentes econômicos aperfeiçoem o princípio do poluidor-pagador. ”[21]
Uma leitura desatenta e reducionista do princípio, como se fosse uma autorização do tipo poluiu/pagou, é um entendimento equivocado. O princípio do poluidor-pagador em sua essência preventiva não significa a atribuição de preço para a poluição. Se assim o fosse com uma interpretação extrapolada poderíamos afirmar que à atividade poluidora estaria liberada desde que seu preço pudesse ser custeado pelo empreendedor, o que contraria toda a lógica do direito ambiental onde o dano ambiental não pode, em circunstância alguma, valer a pena ao poluidor.
Na lição de Varela (2013, p.51) temos um excelente esclarecimento da função do princípio do poluidor pagador:
“[...] a idéia primordial do princípio do poluidor-pagador é criar obrigações para o agente poluidor, coibindo e limitando a exploração de atividades consideradas lesivas ao meio ambiente, com a finalidade de que o agente causador do dano descubra e empregue técnicas e meios de produção cada vez menos nocivas ao meio ambiente, sob pena de não o fazendo ser compelido a reparar o dano, a pagar multas, além de responder processo administrativo e criminal por danos ao meio ambiente. A máxima neste caso consiste em permitir a exploração do meio ambiente da forma menos onerosa possível, eis que necessária, porém, utilizando-se de cautela e moderação para que as gerações futuras também tenham como atender as suas necessidades.”[22]
Sendo assim, com intuito preventivo o princípio do poluidor pagador é um mecanismo de tutela administrativa à medida que, entre suas facetas, busca a reparação dos danos ambientais por meio de ações protetivas implantadas em âmbito administrativo que obriga ao poluidor que pague pela poluição produzida. Seu significado fundamenta-se no princípio da prevenção, conforme leciona Antunes:
“[...] o princípio do poluidor-pagador em sua concepção tradicional repousa no fato de que através dele se busca afastar o ônus do custo econômico das costas da coletividade e dirigi-lo diretamente àquele que utiliza os recursos ambientais. Assim, define o autor que o princípio do poluidor-pagador não está fundamentado no princípio da responsabilidade pura e simplesmente, mas no princípio da solidariedade social e na prevenção mediante a imposição da carga pelos custos ambientais aos produtores e consumidores”.[23]
Artigas (2013, p.155) busca o significado do princípio nas recomendações da OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, que dizem que:
“O princípio que se usa paraafetar os custos das medidas de prevenção e controle da poluição, para estimulara utilização racional dos recursos ambientais escassos e para evitar distorçõesao comércio e ao investimento internacionais, é o designado ‘princípio dopoluidor-pagador’. Este princípio significa que o poluidor deve suportar oscustos do desenvolvimento das medidas acima mencionadas decididas pelasautoridades públicas para assegurar que o ambiente esteja num estado aceitável.Por outras palavras, o custo destas medidas deveria refletir-se no preço dos bense serviços que causam poluição na produção ou no consumo.” [24]
Discordando da interpretação do princípio do poluidor pagador que admite o repasse a sociedade da internalização de custos da atividade poluidora por meio do aumento de preços dos produtos originários da atividade poluidora, Milaré (1999, p.116 apud Varella, 2013, p.57), observa que esse custo ambiental não pode de forma alguma valer a pena ao empreendedor. Assim, ele diz que “o princípio não visa, por certo, tolerar a poluição mediante um preço, nem se limita a compensar danos causados, mas sim, precisamente, procura evitar dano ambiental”. No mesmo sentido completa Bechara[25]: “onde está à justiça dessa situação em que aquele que deu causa à externalidade negativa não responde por ela, mas sim terceiros? Simplesmente não está em lugar algum...”.
Essa interpretação abrangente onde existe uma socialização dos custos da poluição se desdobra no que parte da doutrina chama de princípio do usuário pagador. Esse princípio, em sua essência decorre da tal internalização dos custos na atividade a ser realizada pelo agente poluidor e que por isso os mesmos devem ser repassados pela cadeia produtiva ao consumidor final de um produto ou serviço. A finalidade seria desincentivar o consumo de um produto produzido a partir de atividade poluidora.
Outro ponto a ser assentado é que o princípio também não pode ser usado de modo desproporcional, chegando ao ponto injustificado de impedir o exercício da atividade econômica com os custos do empreendimento na aplicação do princípio inviabilizando a o empreendimento de modo injustificado. Contudo, caso ocorram excessos na aplicação do princípio por qualquer autoridade responsável cabe ainda o controle de legalidade exercido pelo poder judiciário sobre os atos da administração pública.
No entanto, para o objetivo dessa pesquisa, qual seja contribuir para o debate da natureza jurídica da compensação ambiental, os princípios apresentados dentro dos limites propostos são suficientes para entendimento do tema.
[1] CIRNE, Mariana Barbosa. HISTÓRIA CONSTITUCIONAL BRASILEIRA DO CAPÍTULO SOBRE O MEIO AMBIENTE Brazilian constitutional history of the chapter about the environment Revista de Direito Ambiental. DRT. V.83. p. 85 – 112, Jul /Set. 2016.
[2] NUNES, Rizzatto. ABC do CDC: As ações coletivas e as definições de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos no direito do consumidor. Quinta-feira, 3 de março de 2011, disponível em: http://www.migalhas.com.br/ABCdoCDC/92,MI128109,31047As+acoes+coletivas+e+as+definicoes+de+direitos+difusos+coletivos+e, acessado em 08 de junho de 17
[3] VENDRAMINI, Sylvia Maria Machado; ALVES, Oscar Santos. UMA RECONSTRUÇÃO DA RELAÇÃO HOMEM/MEIO AMBIENTE VISANDO À SADIA QUALIDADE DE VIDA. Revista de Direito Ambiental. DRT. V. 42. p. 162 – 207, Abr/Jun. 2006.
[5] Art. 10. A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental dependerão de prévio licenciamento ambiental. (Redação dada pela Lei Complementar nº 140, de 2011) Lei n° 6.938 de 1981, sobre Política Nacional do Meio Ambiente http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6938.htm.
[6]A Constituição [...] representa a norma mais importante do ordenamento jurídico de um determinado Estado, isto porque é ela quem estrutura os órgãos deste Estado, dando a cada ente sua parcela de poder. Sobre esta “pedra fundamental” do Estado assentam-se, ainda, as principais garantias para a fruição dos direitos fundamentais que ela mesma insculpe [...] Nenhuma Constituição anterior à de 1988 tinha internalizado a idéia da necessidade de compatibilizar o desenvolvimento econômico com um mínimo de ordem e controle ambiental.
[7]Art. 225. IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade Constituição Federal, art. 225. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em 09 de junho de 2017
[8]VENDRAMINI, Sylvia Maria Machado; ALVES, Oscar Santos. UMA RECONSTRUÇÃO DA RELAÇÃO HOMEM/MEIO AMBIENTE VISANDO À SADIA QUALIDADE DE VIDA. Revista de Direito Ambiental. DRT. V. 42. p. 162 – 207, Abr/Jun. 2006
[9] DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Trad. Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 34 e 46.
[10] MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Princípios Fundamentais Do Direito Ambiental. Doutrinas Essenciais de Direito Ambiental | vol. 1 | p. 339 - 360 | Mar / 2011 | DTR\1996\154
[11] MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Princípios Fundamentais Do Direito Ambiental. Doutrinas Essenciais de Direito Ambiental | vol. 1 | p. 339 - 360 | Mar / 2011 | DTR\1996\154
[12] MACIEL, Marcela Albuquerque. COMPENSAÇÃO AMBIENTAL: INSTRUMENTO PARA A IMPLEMENTAÇÃO DO SISTEMA NACIONAL DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO. Dissertação de Mestrado, Brasília, 2012, disponível in: http://repositorio.uniceub.br/bitstream/235/5775/1/61000220.pdf. acessado em 10 de junho de 2017.
[13] VARELLA, Jefferson da Silva. Os Princípios Do Direito Ambiental No Supremo Tribunal Federal e No Superior Tribunal De Justiça: Prevenção, Precaução e Poluidor-Pagador. Caxias do sul 2013, disponível in: https://repositorio.ucs.br/xmlui/handle/11338/22013, acessado em 10 de junho de 2017.
[14] A respeito desses licenças completa Mota que “os instrumentos mais utilizados são as licenças, autorizações, padrões, normas, regulamentos, zoneamento e demais controles editados no exercício do poder de polícia ambiental”. MACIEL, Marcela Albuquerque, 2012, Op. cit. p. 27.
[16] SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 281/282.
[17] HAMMERSCHMIDT, Denise. O RISCO NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA E O PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃONODIREITOAMBIENTAL https://periodicos.ufsc.br/index.php/sequencia/arcle/view/15317/13912, Acessado em 11 de junho de 2017
[18] Artigas, Priscila Santos Tese de Doutorado (Catálogo USP). 2013 Disponível em http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2133/tde-15052013-163336/pt-br.php. acessado em 11 de junho de 2017
[19] VARELLA, Jefferson da Silva. Os Princípios Do Direito Ambiental No Supremo Tribunal Federal e No Superior Tribunal De Justiça: Prevenção, Precaução e Poluidor-Pagador.
[20] Artigas, Priscila Santos Tese de Doutorado (Catálogo USP). 2013 Disponível em http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2133/tde-15052013-163336/pt-br.php. acessado em 11 de junho de 2017.
[21] TUPIASSU, Lise Vieira da Costa. O DIREITO AMBIENTAL E SEUS PRINCÍPIOS INFORMATIVOS Revista de Direito Ambiental. Doutrinas Essenciais de Responsabilidade Civil | vol. 7 | p. 111 - 137 | Out / 2011 | DTR\2003\202
[22] VARELLA, Jefferson da Silva. Os Princípios Do Direito Ambiental No Supremo Tribunal Federal e No Superior Tribunal De Justiça: Prevenção, Precaução e Poluidor-Pagador.
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