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Lei 12.764/2012: Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista


Autoria:

Carlos Eduardo Rios Do Amaral


MEMBRO DA DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO

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Resumo:

Lei 12.764/2012: Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista

Texto enviado ao JurisWay em 18/04/2016.



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Lei 12.764/2012: Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista

 

Por Carlos Eduardo Rios do Amaral

 

A Senhora Presidente Dilma Rousseff sancionou aos 27 de dezembro de 2012 a Lei Ordinária Federal nº 12.764, que instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, estabelecendo diversas diretrizes para sua consecução.

 

A Lei 12.764/2012 é fruto do projeto de lei do Senado Federal nº 168/2011, de sua Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, decorrente de sugestão legislativa apresentada pela Associação em Defesa do Autista. Foi batizada de “Lei Berenice Piana”, em justa homenagem a uma mãe que desde que recebeu o diagnóstico de seu filho luta pelos direitos das pessoas com autismo.

 

O uso pela lei da expressão “pessoa com transtorno do espectro autista” é muito mais abrangente que o termo “autista”, abrangendo várias síndromes como a de Asperger, Kanner, Heller ou ainda o Transtorno Invasivo do Desenvolvimento Sem Outra Especificação.

 

Os incisos I e II, do §1º, do Art. 1º, definem que é considerada pessoa com transtorno do espectro autista aquela portadora de síndrome clínica caracterizada na seguinte forma:

 

a) deficiência persistente e clinicamente significativa da comunicação e da interação sociais, manifestada por deficiência marcada de comunicação verbal e não verbal usada para interação social; ausência de reciprocidade social; falência em desenvolver e manter relações apropriadas ao seu nível de desenvolvimento; e,

 

b) padrões restritivos e repetitivos de comportamentos, interesses e atividades, manifestados por comportamentos motores ou verbais estereotipados ou por comportamentos sensoriais incomuns; excessiva aderência a rotinas e padrões de comportamento ritualizados; interesses restritos e fixos.

 

O §2º deste mesmo Art. 1º prescreve que a pessoa com transtorno do espectro autista é considerada pessoa com deficiência, para todos os efeitos legais. O que acaba repercutindo na aplicabilidade integral das disposições da Lei 13.146/2015, que cria o Estatuto da Pessoa com Deficiência, destinado a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania.

 

O Art. 2º estabelece sete diretrizes da Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista:

 

a) a intersetorialidade no desenvolvimento das ações e das políticas e no atendimento à pessoa com transtorno do espectro autista;

 

b) a participação da comunidade na formulação de políticas públicas voltadas para as pessoas com transtorno do espectro autista e o controle social da sua implantação, acompanhamento e avaliação;

 

c) a atenção integral às necessidades de saúde da pessoa com transtorno do espectro autista, objetivando o diagnóstico precoce, o atendimento multiprofissional e o acesso a medicamentos e nutrientes;

 

d) o estímulo à inserção da pessoa com transtorno do espectro autista no mercado de trabalho, observadas as peculiaridades da deficiência e as disposições da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente);

 

e) a responsabilidade do poder público quanto à informação pública relativa ao transtorno e suas implicações;

 

f) o incentivo à formação e à capacitação de profissionais especializados no atendimento à pessoa com transtorno do espectro autista, bem como a pais e responsáveis; e,

 

g) o estímulo à pesquisa científica, com prioridade para estudos epidemiológicos tendentes a dimensionar a magnitude e as características do problema relativo ao transtorno do espectro autista no País.

 

Para cumprimento dessas diretrizes o Poder Público poderá firmar contrato de direito público ou convênio com pessoas jurídicas de direito privado. Entretanto, essa faculdade passa a se constituir em uma obrigação quando o Poder Público não conseguir solitariamente atender a todas essas diretrizes.

 

Deixar o Poder Público de atender a quaisquer das diretrizes da Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista sob o argumento de que contratos de direito público ou convênios com pessoas jurídicas de direito privado seria uma faculdade legal, deverá importar na responsabilização civil, penal e administrativa do agente público, sem prejuízo da judicialização de políticas públicas em favor das pessoas com transtorno do espectro autista.

 

O Art. 3º trata dos direitos conferidos à pessoa com transtorno do espectro autista, quais sejam:

 

a) vida digna, integridade física e moral, livre desenvolvimento da personalidade, segurança e lazer;

 

b) proteção contra qualquer forma de abuso e exploração;

 

c) acesso a ações e serviços de saúde, com vistas à atenção integral às suas necessidades de saúde, incluindo o diagnóstico precoce, ainda que não definitivo, o atendimento multiprofissional, a nutrição adequada e a terapia nutricional, os medicamentos e as informações que auxiliem no diagnóstico e no tratamento;

 

d) acesso à educação e ao ensino profissionalizante;

 

e) acesso à moradia, inclusive à residência protegida;

 

f) acesso ao mercado de trabalho; e,

 

d) acesso à previdência social e à assistência social.

 

Juízes de Direito, Promotores de Justiça, Defensores Públicos, Comissários de Menores, Assistentes Sociais e Psicólogos que militam nos juizados da infância e da juventude com competência cível sabem muito bem da importância e da necessidade do legislador estabelecer expressamente direitos e garantias fundamentais a grupos sociais vulneráveis, como é o caso das pessoas com transtorno do espectro autista.

 

Em se tratando de Brasil, país de grandes desigualdades sociais, mergulhado em intermináveis escândalos de corrupção generalizada, onde a prevalência da dignidade da pessoa humana muitas vezes não passa de uma mera retórica política, todo artigo, alínea ou inciso de lei que puder conferir expressamente direitos a crianças e adolescentes com deficiência será muito benvinda pela comunidade jurídica nacional.

 

O Art. 3º, III, quando consagra o direito à saúde ao autista, especificando as garantias do diagnóstico precoce, do atendimento multiprofissional, da nutrição adequada e da terapia nutricional, dos medicamentos e das informações que auxiliem no diagnóstico e no tratamento, com vistas à atenção integral às suas necessidades, não deixa nenhuma margem para que se justifique a negligência do Poder Público em juízo.

 

A pessoa com transtorno do espectro autista incluída nas classes comuns de ensino regular terá direito a acompanhante especializado, nos casos de comprovada necessidade.

 

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96), dedicando capítulo inteiro à educação especial, prescreve que sempre que necessário haverá serviços de apoio especializado, na escola regular, para atender às peculiaridades dos alunos de educação especial.

 

Determinando, ainda, a LDB, que os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com deficiência professores com especialização adequada em nível médio ou superior, para atendimento especializado, bem como professores do ensino regular capacitados para a integração desses educandos nas classes comuns.

 

O Estatuto da Pessoa com Deficiência, como não poderia deixar de ser, também é categórico ao consagrar o direito à formação e disponibilização de professores para o atendimento educacional especializado e de profissionais de apoio na sala de aula, para a pessoa com deficiência, de forma a alcançar o máximo desenvolvimento possível de seus talentos e habilidades físicas, sensoriais, intelectuais e sociais, segundo suas características, interesses e necessidades de aprendizagem (Art. 28, XI).

 

Sonegar à criança ou ao adolescente com transtorno do espectro autista o direito a acompanhante especializado em sala de aula, quando devidamente demonstrada a sua imperiosa necessidade, importa em última análise em ab-rogação pelo agente público do direito constitucional à educação. Que deverá prontamente ser remediada pela ação da Defensoria Pública compelindo o Poder Público ao cumprimento dos ditames da legislação em vigor.

 

O gestor escolar, ou autoridade competente, que recusar a matrícula de aluno com transtorno do espectro autista, ou qualquer outro tipo de deficiência, será punido com multa de três a vinte salários-mínimos. Em caso de reincidência deverá haver a perda do cargo.

 

A pessoa com transtorno do espectro autista não será submetida a tratamento desumano ou degradante, não será privada de sua liberdade ou do convívio familiar, nem sofrerá discriminação por motivo de sua deficiência.

 

A internação médica do autista em unidades especializadas, em qualquer de suas modalidades, só poderá ocorrer quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes. Em todo o caso, a internação desse paciente jamais poderá se dar em instituições com características asilares.

 

O tratamento de saúde visará, como finalidade permanente, a reinserção social do paciente em seu meio. O regime de internação deverá ser estruturado de forma a oferecer assistência integral à pessoa autista, incluindo serviços médicos, de assistência social, psicológicos, ocupacionais, de lazer e outros (§ único, do Art. 4º).

 

A pessoa com transtorno do espectro autista não poderá ser impedida de participar de planos privados de assistência à saúde em razão de sua condição de pessoa com deficiência. O Art. 14 da Lei 9.656/98, que regulamenta os planos e seguros privados de assistência à saúde no País, já previa que em razão da condição de pessoa portadora de deficiência ninguém poderá ser impedido de participar de planos privados de assistência à saúde.

 

O sítio eletrônico The Huffington Post, em matéria publicada recentemente em 11/04/2016, denuncia que pessoas com autismo no mundo estão morrendo décadas antes da média da população. Infelizmente, o suicídio emerge como uma das causas principais de morte precoce de autistas.

 

Em comemoração ao Dia Mundial de Sensibilização para o Autismo, celebrado no dia 02/04/2016, o Secretário-Geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, destacou que a rejeição das pessoas que apresentam essa condição neurológica “é uma violação dos direitos humanos e um desperdício de potencial humano”.

 

Também por ocasião do Dia Mundial, o Presidente da Assembleia Geral da ONU, Mogens Lykketoft, disse que “o autismo e outras formas de deficiência são parte da experiência humana que contribui para a diversidade humana”. Para Lykketoft, a data permite celebrar os talentos únicos das pessoas com autismo, além de lembrar que cada um desses indivíduos deve ser tratado como um membro de valor da sociedade, tendo direito, portanto, a oportunidades iguais em todos os aspectos, incluindo educação, emprego, acesso à informação e participação na vida social, política e cultural (www.onu.org.br).

 

A Lei 12.764/2012, assim, resgata finalmente o sincero comprometimento do Brasil com a promoção dos direitos humanos. Traduzindo-se em valiosíssima e salvífica ferramenta legal de inclusão da pessoa com deficiência, mormente quando impõe ao Poder Público e seus agentes o desenvolvimento de políticas, ações e serviços visando garantir uma vida digna à pessoa com transtorno do espectro autista.

 

____________

 

Carlos Eduardo Rios do Amaral é Defensor Público dos Direitos da Criança e do Adolescente no Estado do Espírito Santo

 

 

 

 

 

 

 

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