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Resumo:
Esse estudo apresenta uma abordagem sobre o estudo da prova ilícita no processo penal demonstrando a relevância de alguns princípios processuais sobre a aceitação ou a sua vedação constitucional ás provas obtidas por meio ilícito.
Texto enviado ao JurisWay em 17/08/2015.
Última edição/atualização em 25/08/2015.
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VEDAÇÃO ÀS PROVAS ILÍCITAS NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO.
FRANCISCO ALEXSANDRO MOURA ROCHA[1]
RESUMO: Esse estudo apresenta uma abordagem sobre o estudo da prova ilícita no processo penal demonstrando a relevância de alguns princípios processuais sobre a aceitação ou a sua vedação constitucional ás provas obtidas por meio ilícito, e o único caso em que as provas são permitidas em favor do Réu. Estar previsto de forma expressa na Carta Magna de 1988 a vedação da prova ilícita no processo penal, mesmo assim, tem sido de grande tormento a interpretação dada ao inciso LVI do art. 5º da Constituição tendo em vista que, não raras vezes, o julgador ao apreciar a matéria atinente à prova ilícita, tem que julgar o confronto de outros direitos materiais tão ou mais importantes que a aludida norma. Aborda os dois pontos em relação ao tema em comento que é o confronto da regra da inadmissibilidade da prova ilícita no processo com a Teoria da Proporcionalidade e a Doutrina dos Frutos da Árvore Envenenada.
No tocante à prova ilícita por derivação, que advém da teoria do fruto da árvore envenenada (fruit of the poisonous tree doctrine), trata-se de um conjunto de regras jurisprudenciais nascidas na Suprema Corte Americana, segundo as quais as provas obtidas licitamente, mas que sejam derivadas ou em conseqüência do aproveitamento de informação contida em material probatório obtido com violação dos direitos constitucionais do acusado, estão igualmente viciados e não podem ser admitidas no processo penal.
Palavras-Chave:Inadmissibilidade – Admissibilidade – Prova ilícita – Proporcionalidade - Processo Penal.
Sumário: Introdução. 1. Vedação Às Provas Ilícitas No Processo Penal Brasileiro.
1.1. Limites à Licitude da Prova: Distinção entre Prova Ilícita e Prova Ilegítima. 1.2. Prova Ilícita No Processo Penal Brasileiro. 1.2.1 Teorias sobre a Admissibilidade das Provas Ilícitas. 1.2.2. Admissibilidade Processual da Prova Ilícita. 1.2.3. Inadmissibilidade Absoluta. 1.2.4. Corrente da Inadmissibilidade ou Teoria Obstativa. 1.2.5. Admissibilidade da Prova Ilícita em Nome do Princípio da Proporcionalidade (ou da Razoabilidade). 1.2.6. Admissibilidade da Prova Ilícita a Partir da Proporcionalidade Pro Reo. 1.2.7. Prova Ilícita por Derivação (fruit of the poisonous tree). Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
O direito processual regula os meios de provas, que são os instrumentos que trazem os elementos de prova aos autos, pois a prova é o meio destinado a convencer o juiz a respeito da verdade de uma situação de fato.
Neste contexto, surgem as provas que foram produzidas com violação aos direitos e garantias constitucionais ou, aos meios de provas regulados pela lei. Haja vista as partes componentes do litígio na tentativa de almejar o êxito de suas pretensões acabam extrapolando os limites constitucionais e legais na busca pela verdade real, e, quando isso ocorre, têm-se instalado na persecução penal a prova ilícita.
O art. 5º, LVI, da CF dispõe que: “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos” Trata-se de regra inovadora, já que ausente das anteriores ordens constitucionais. Segundo o ensinamento de Uadi Lammêgo Bulos: “(...) provas obtidas por meios ilícitos são as contrárias aos requisitos de validade exigidos pelo ordenamento jurídico”.
O art. 157 traz para o CPP alguma disciplina sobre as provas ilícitas. A inovação, que causará muita dor de cabeça para todos, é a pouco clara disposição acerca do nexo causal que define a contaminação e, ainda, a chamada teoria da fonte independente. Quanto ao problema da contaminação do juiz que teve contato com a prova ilícita e que deve (ria) ser impedido de julgar, o veto ao § 4º do art. 157 deve ser analisado a partir de seus fundamentos, de que a exclusão desse juiz comprometeria a “eficácia” do processo penal, gerando tumulto nas comarcas de juízo único.
Resumindo a prova é uma peça importante e determinante na imposição da pena; e, por mais imperfeita que seja não é menos exato que se dá o castigo, a reparação, e, pois, ganho de causa para a justiça. Quando, porém, ao contrário, é a prova mal regulada, a sentença do juiz, em vez da verdade, pode decretar o erro; condenar o inocente, em vez do culpado; lançar a desconfiança em todos os espíritos e destruir, mesmo em seu princípio, o respeito à lei, essa base sagrada da ordem pública. [2]
É óbvio que o juiz que teve contato com a prova ilícita não pode julgar, pois está contaminado. Não basta desentranhar a prova; deve-se “desentranhar” e substituir o juiz! Numa análise mais profunda, conseguimos perceber que a prova que foi produzida em razão de outra prova ilícita estará contaminada pelo vício da repercussão causal. Chegamos à conclusão que foi adquirida em razão da teoria dos frutos da árvore envenenada, ora adotada pelo nosso pretório excelso. O princípio da contaminação (fruit of the poisonous tree) constituiu um grande avanço no tratamento da prova ilícita, mas que foi, infelizmente, atenuado, a ponto de a matéria tornar-se perigosamente casuística. O tal raciocínio hipotético, a ser desenvolvido para aferir se uma fonte é independente ou não, conduz ao esvaziamento do princípio da contaminação.
A respeito dos reflexos da prova ilegal no processo penal, não passaram despercebidos por nossa análise, haja vista ser de relevante importância à compreensão de sua abrangência, contaminação e o meio pelo qual se realiza a descontaminação do processo.
Também apreciaremos os meios de relativização da inadmissibilidade das provas ilegais, sendo algumas destas previstas no Código de Processo Penal, bem como outras adotas pelos nossos tribunais. Isto porque segundo melhor orientação, nenhuma garantia deve ser absoluta, pois se assim fosse, correríamos o risco de ficarmos “amarrados” e impossibilitados de nos adequar às novas situações de fato que surgem no mundo jurídico, em especial o processo penal, pois lida com os bens jurídicos mais relevantes para a sociedade.
1. VEDAÇÃO ÀS PROVAS ILÍCITAS NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO.
A Constituição prevê no seu art. 5º, LVI, que são “inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”. Estamos diante de uma norma geral, que simplesmente menciona “processo”, sem fazer qualquer distinção entre processo civil e penal, exigindo assim uma interpretação adequada à especificidade do processo penal e às exigências das demais normas constitucionais que o disciplinam. Inclusive, nessa matéria, a vedação absoluta deve em determinado caso, ser especificada, como verá na continuação.
Assim, importantes limitações constitucionais ao direito à prova devem ser pontuadas:
• direito de intimidade (inciso X);
• inviolabilidade do domicílio (inciso XI);
• inviolabilidade do sigilo da correspondência e das telecomunicações (inciso XII);
• além da genérica inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos (inciso LVI).
A Lei n. 11.690/2008 inseriu o tratamento da prova ilícita no Código de Processo Penal, assim dispondo:
Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.
Devem-se distinguir prova ilegal, ilegítima e ilícita. A prova “ilegal” é o gênero, do qual são espécies a prova ilegítima e a prova ilícita. Assim:
• prova ilegítima: quando ocorre a violação de uma regra de direito processual penal no momento da sua produção em juízo, no processo. A proibição tem natureza exclusivamente processual, quando for imposta em função de interesses atinentes à lógica e à finalidade do processo. Exemplo: juntada fora do prazo; prova unilateralmente produzida (como o são as declarações escritas e sem contraditório) etc.;
• prova ilícita: é aquela que viola regra de direito material ou a Constituição no momento da sua coleta, anterior ou concomitante ao processo, mas sempre exterior a este (fora do processo). Em geral, ocorre uma violação da intimidade, privacidade ou dignidade (exemplos: interceptação telefônica ilegal quebra ilegal do sigilo bancário, fiscal etc.).
A vedação da prova pode estar estabelecida em norma processual ou em norma de direito material, surgindo, em nível doutrinário, a diferença entre as duas: será prova ilegítima quando a ofensa for ao direito processual, e será ilícita quando a ofensa for ao direito material.
A prova ilícita é violadora do direito material. Seja porque a norma proíbe aquele tipo de prova (tortura, por exemplo), seja porque permite, mas desde que se cumpra com o que a norma exige (mandado de busca e apreensão para ingressar no domicilio).
Dentre outras, a principal distinção entre as duas espécies citadas é a natureza da norma violada, visto que a prova ilícita “estrito sensu” é aquela que ao ser produzida fere norma de direito material, já a prova ilegítima viola norma de direito processual.
A prova ilegal no direito processual penal, cujo surgimento se dá no desenrolar da dedução da pretensão punitiva pelo Estado, haja vista, diante de ofensa á lei penal, se faz necessário à imputação de um fato típico ao acusado. Neste diapasão, a convicção do julgador deverá advir de uma construção lógica, ou seja, demonstrável racionalmente, sendo assim, o julgador deverá se ater à análise de elementos capazes de comprovar a existência do fato típico. Logo, utilizando-se das provas.
Diante dessa situação se legitima e existência da prova dentro do processo penal, e, é neste contexto que surgem as provas ilegais, isto é, aquelas que foram produzidas com violação de normas de direito material ou processual.
Tendo em vista a clara lesão à segurança jurídica causada pelas provas ilegais caso fossem admitidas, têm-se a total repugnância do direito brasileiro, de modo que há previsão expressa no texto constitucional e em norma infraconstitucional.
Neste sentido corrobora Grinover (2013) acerca da inadmissibilidade da prova ilegal no processo:
È inaceitável a corrente que admite as provas ilícitas no processo, preconizando pura e simplesmente a punição daquele que cometeu o ilícito (male captum bene retentum): significa-a, ao mesmo tempo, a prática de atos ilícitos por agentes públicos ou por particulares e compactuar com violações imperdoáveis aos direitos da personalidade. No Estado de Direito, a repressão do crime não pode realizar-se pela prática de ilícitos, que são frequentemente, ilícitos penais.
Assim podemos verificar o repudio a prova ilegal no processo e que não seria lógico que o Estado, a pretexto de distribuir justiça, permitisse que seus agentes violassem normas jurídicas para garantirem o sucesso do esforço probatório, com provas ilícitas, pois assim, estaria incentivando comportamentos contrários à ordem jurídica que pretende tutelar com a atividade jurisdicional. Na Suprema Corte, o entendimento hodierno é de que a prova colhida em decorrência de uma prova obtida por meio ilícito é inadmissível no processo, pois ilícita por derivação, acarretando a nulidade no processo.
A questão é saber se uma prova legítima, que foi corretamente produzida no processo (juntada no prazo etc.), mas ao mesmo tempo ilícita (na medida em que houve a violação de uma norma de direito material ou da Constituição no momento de sua obtenção) pode ser valorada pelo juiz no julgamento?
O art. 157 da Constituição Federal é bastante confuso, especialmente quando aponta que provas ilícitas seriam aquelas “obtidas em violação a normas constitucionais ou legais”. “Esses legais” referem-se às normas materiais ou processuais? Ficando dúbio, más pensamos que apenas às normas materiais, persistindo, porque necessária, a distinção entre provas ilícitas e ilegítimas, tendo o art. 157 se ocupado das provas ilícitas (obtidas em desconformidade com a Constituição ou leis materiais).
A distinção é ainda mais relevante se considerarmos que as provas ilícitas (inadmissíveis no processo, portanto) não são passíveis de repetição, pois o vício vincula-se ao momento em que foi obtida (exterior ao processo). Assim, não havendo possibilidade de repetição, deve as provas ilícitas ser desentranhadas dos autos e destruídas.
Dessa forma, o sistema jurídico brasileiro, especialmente na seara processual, encontra-se de certa maneira preso a esse princípio, o qual deverá ser aplicado em todos os momentos processuais e pré-processuais, como durante o inquérito policial, por exemplo, que envolvam a produção de provas.
Logo, observa-se que para a aplicação da proibição de provas ilícitas, deve-se levar em consideração uma série de fatores: primeiramente, é preciso delimitar exatamente o conceito de provas ilícitas, distinguindo as provas ilícitas das provas ilegítimas, além de destacar alguns pontos especiais, como é o caso da prova ilícita por derivação (Teoria dos “Frutos da Árvore Venenosa”, importada do Direito norte-americano).
Segundo o entendimento da doutrina majoritária é inadmissível a prova ilegal no processo penal, do mesmo modo a jurisprudência segue o que é no mínimo razoável. Ademais, a expressa disposição constitucional a esse respeito, senão vejamos o art. 5. Inciso LVI, da Constituição Federal, são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos, isto é, aquilo que não é admissível deve ser retirado. Portanto, não há de existir dúvida quanto à inadmissibilidade dessas provas.
No tocante a prova ilícita por derivação, ou seja, aquela prova que embora seja lícita na sua origem, só fora produzida em razão de outra prova obtida de forma ilegal, tema este abrangido pelo estudo da prova ilegal, verifica-se que sua aplicação já se fazia presente no Brasil antes mesmo de haver previsão legal, haja vista o Supremo Tribunal Federal adotar a teoria dos frutos da arvore envenenada (fruits of poisonous tree doctrine).
Desta teoria se infere que a prova que fora produzida em razão de outra prova considerada ilegal, também estará contaminada pelo vício da ilegalidade.
Para Noberto Avena (2011), a prova ilícita por derivação, trata-se de provas que:embora lícitas na própria essência, decorrem exclusivamente de prova considerada ilícita ou de situação de ilegalidade manifesta ocorridas anteriormente à sua produção, restando, portanto, contaminadas.
O doutrinador Renato Brasileiro (2014), entende que provas ilícitas por derivação são: os meios probatórios que, não obstante produzidos, validamente, em momento posterior, encontram-se afetados pelo vício da ilicitude originária, que a eles se transmite, contaminando-os, por efeito de repercussão causal.
Pondera Eugênio Pacelli (2013) no tocante a prova ilícita por derivação:
Se os agentes produtores da prova ilícita pudessem dela se valer para a obtenção de novas provas, a cuja existência somente se teria chegado a partir daquela (ilícita), a ilicitude da conduta seria facilmente contornável. Bastaria a observância a forma prevista em lei, na segunda operação, isto é, na busca das provas obtidas por meio das informações extraídas pela via da ilicitude, para que se legalizasse a ilicitude da primeira (operação). Assim, a teoria da ilicitudepor derivação é uma imposição da aplicação do princípio da inadmissibilidade das provas obtidas ilicitamente.
1.1 Limites à Licitude da Prova: Distinção entre Prova Ilícita e Prova Ilegítima
Fala-se, na doutrina, de “prova ilícita”, “prova ilegitimamente admitida”, “prova ilegítima”, “prova obtida ilegalmente” etc. Em resumo, a prova é proibida toda vez que caracterizar violação de normas legais ou de princípios do ordenamento de natureza processual ou material. [3]
Com fundamento nessa conceituação, dividem os autores as provas em: ilícitas, as que contrariam as normas de Direito Material, quer quanto ao meio ou quanto ao modo de obtenção; e ilegítimas, as que afrontam normas de Direito processual, tanto na produção quanto na introdução da prova no processo.
É necessário observar, porém, como faz Ada Pellegrini Grinover, que determinadas provas, ilícitas porque constituídas mediante a violação de normas materiais ou de princípios gerais do direito, podem ao mesmo tempo ser ilegítimas, se a lei processual também impede sua produção em juízo. [4]
Cortando cerce qualquer discussão a respeito da admissibilidade ou não de provas ilícitas em juízo, a Constituição Federal de 1988 expressamente dispõe que “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos” (art. 5º, LVI). Deu o legislador razão à corrente doutrinária que sustentava não ser possível ao juiz colocar, como fundamento da sentença, prova obtida ilicitamente.
A problemática em torno da prova ilícita e da prova ilegítima deve ser analisada, e que não se podem fazer analogias ou transmissão mecânica das categorias do processo civil para o processo penal, pois, aqui, partimos na premissa de que a forma dos atos é uma garantia, na medida em que implica limitação ao exercício do poder estatal de perseguir e punir. Portanto, desde logo, em que pesem as diversas manifestações do senso comum teórico e jurisprudencial, devem ser repelidas as noções de prejuízo e finalidade que têm conduzido os tribunais brasileiros a absurdos níveis de relativização das nulidades (e, portanto, das próprias regras e garantias do devido processo).
1.2 Prova Ilícita No Processo Penal Brasileiro
No tocante a possibilidade da produção de provas obtidas por meios ilícitos, que não sejam consideradas ilegítimas pelo ordenamento jurídico, a jurisprudência e a doutrina pátrias sempre se posicionaram com decisões e opiniões diversas.
É bom que compreendam que provas ilícitas não se confundem com provas ilegais ou ilegítimas. De acordo com o que já foi analisado, enquanto as provas ilícitas são aquelas obtidas com violação ao direito material, as provas ilegítimas são as obtidas com desobediência ao direito processual. Por sua vez, as provas ilegais seriam o gênero do qual são espécies as provas ilícitas e ilegítimas, pois se configuram pela obtenção com violação de natureza material ou processual ao ordenamento jurídico.
A rigor, a prova ilegítima nem entra no processo, e se erroneamente for admitida, deve ser desentranhada. Contudo, quando a prova é produzida no processo com violação das normas processuais a ela atinentes, a situação aproxima-se daquela questionada no parágrafo anterior, cujaresposta vem dada pelas teorias a seguir analisadas.
Existe uma corrente doutrinária que defende a produção de provas ilícitas no processo, enquanto uma outra entende ser juridicamente impossível essa produção. Há, porém posicionamentos de modo conciliador. Passemos a discorrer sobre cada uma delas.
1.2.1 Teorias sobre a Admissibilidade das Provas Ilícitas
Em ambos os casos, o tratamento vem dado através de uma das seguintes posições, chamadas de “teorias das provas ilícitas”, mas que acabam servindo, em determinados casos, também às provas ilegítimas. Em suma, como bem sintetiza MARIA THEREZA ASSIS MOURA, são as seguintes posições que encontramos as seguintes teorias:
1.2.2 Admissibilidade Processual da Prova Ilícita
Para essa corrente, a prova poderia ser admitida desde que não fosse vedada pelo ordenamento processual. Não interessava a violação do direito material.
Para seus seguidores dessa teoria (minoritários hoje), o responsável pela prova ilícita poderia utilizá-la no processo, respondendo em outro processo pela eventual violação da norma de direito material (que poderia constituir um delito ou mesmo um ilícito civil).
Nessa linha, CORDERO afirma que não importa a violação de normas de direito material, apenas a vedação processual. O autor explica que "a dizer quando uma prova é admissível; e deve falar no negativo; está previsto que nenhuma norma excluídos. Regras processuais, é claro. Não importa o que foi descoberto ou estabelecido ilegalmente. Um caso típico é a requisição não ordenadas pelo juiz e pela polícia do lado de fora dos casos previstos no artigo 352, parágrafo 1 (flagrante delito ou evasão); que fez a requisição de conta por abuso (CP, art 609.), mas se as pistas descobertas têm ligação ao crime, nada impede o reconhecimento de seqüestro (art 355, segundo parágrafo ..); e encontrando (por exemplo, a arma do crime) termina em prova material, destinado à acusação (art. 431, alínea f). No fundo, é óbvio o quanto a prova é admissível (fenômeno do processo), eles dizem que as regras internas do sistema, ou processual ". A crítica a essa corrente nasce exatamente dessa paradoxal situação criada: um mesmo objeto, diante da ilicitude com que foi obtido, seria considerado como corpo de delito para ensejar a condenação de alguém e, ao mesmo tempo válido para produzir efeitos no processo penal. No Brasil, é uma posição que não encontra mais qualquer abrigo na jurisprudência.
1.2.3 Inadmissibilidade Absoluta
Defendem essa posição os que fazem uma leitura literal do art. 5º, LVI, da Constituição, onde está previsto que são “inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”.
Tal teoria encontra amparo, principalmente, nos casos em que na obtenção da prova (ilícita) são violados direitos constitucionalmente assegurados. Partem, ainda, da premissa de que a vedação constitucional não admitiria exceção ou relativização. É uma corrente que possui vários seguidores e que encontra algum abrigo na jurisprudência (inclusive do STF).
A crítica é exatamente em relação à “absoluta utilização” da vedação, num momento em que a ciência (desde a teoria da relatividade) e o próprio direito constitucional negam o caráter absoluto de regras e direitos. Para nós, desde Einstein, não há mais espaço para tais teorias que têm a pretensão de serem “absolutas”, ainda mais quando é evidente que todo saber é datado e tem prazo de validade e, principalmente, que a Constituição, como qualquer lei, já nasce com conceitos ultrapassados, diante da velocidade da mudança do perfil social. Logo, a inadmissibilidade absoluta tem a absurda pretensão de conter uma razão universal e que pode (ria) prescindir da ponderação exigida pela complexidade e situações que envolvem cada caso na sua especificidade.
1.2.4 Corrente da Inadmissibilidade ou Teoria Obstativa
Sustenta essa corrente que toda e qualquer prova obtida por meios ilícitos, deve ser de pronto rejeitada. Isso significa que a aludida teoria apóia-se no fato de que a prova ilícita deve ser sempre rejeitada, reputando-se assim não apenas a afronta ao direito positivo, mas também aos princípios gerais do direito, especialmente nas Constituições assecuratórias de um critério extenso quanto ao reconhecimento de direitos e garantias individuais.
Francisco das Chagas Lima Filho, como defensor da teoria, sustenta que "a prova obtida por meios ilícitos deve ser banida do processo, por mais altos e relevantes que possam se apresentar os fatos apurados".
Ainda, de acordo com os ensinamentos de Ada Pellegrini Grinover:
Nesses casos incide a chamada atipicidade constitucional, isto é, desconformidade do padrão, do tipo imposto pela Carta Magna. E, também, porque os preceitos constitucionais relevantes para o processo têm estatura de garantia, que interessam à ordem pública e à boa condução do processo, a contrariedade a essas normas acarreta sempre a ineficácia do ato processual, seja por nulidade absoluta, seja pela própria inexistência, porque a Constituição tem como inaceitável a prova alcançada por meios ilícitos.
Para esta teoria, o direito não deve proteger alguém que tenha infringido preceito legal para obter qualquer prova, com prejuízo alheio. Nestes casos, o órgão judicial tem o dever de ordenar o desentranhamento dos autos da prova ilicitamente obtida, não lhe reconhecendo eficácia.
1.2.5 Admissibilidade da Prova Ilícita em Nome do Princípio da Proporcionalidade (ou da Razoabilidade)
Para os seguidores dessa corrente, a prova ilícita, em certos casos, tendo em vista a relevância do interesse público a ser preservado e protegido, poderia ser admitida. Abranda a proibição para admitir a prova ilícita, em casos excepcionais e graves, quando a obtenção e a admissão forem consideradas a única forma possível e razoável para proteger a outros valores fundamentais.
A intenção é evitar aqueles resultados repugnantes e flagrantemente injustos. No Brasil é adotada com reservas, sobretudo, nas questões de direito de família. Em matéria penal, são raras as decisões que a adotam.
O perigo dessa teoria é imenso, na medida em que o próprio conceito de proporcionalidade é constantemente manipulado e serve a qualquer senhor. Basta ver a quantidade imensa de decisões e até de juristas que ainda operam no reducionismo binário do interesse público x interesse privado, para justificar a restrição de direitos fundamentais (e, no caso, até a condenação) a partir da “prevalência” do interesse público...
Entendemos que sociedade deve ser compreendida dentro da fenomenologia da coexistência, e não mais como um ente superior, de que dependem os homens que o integram. Há dois pontos que precisam ser apreciados sob a ótica do princípio da proporcionalidade. O primeiro ocorre quando o direito de maior relevância for o violado. Neste caso, tal direito deverá ser tutelado pelo Poder Judiciário e, conseqüentemente, a prova ilicitamente obtida não deverá ser aceita. O segundo acontece no momento em que o direito oriundo da prova ilicitamente obtida possuir maior relevância que o direito violado pela ilicitude na obtenção da prova. Neste caso, a prova ilícita deverá ser aceita válida e eficazmente.
Em decorrência disso, é indubitável que o princípio ou teoria da proporcionalidade exige que sejam sopesados os interesses e direitos postos em questão, predominando o de maior relevância.
Porém, com certeza não é fácil o papel do Julgador quando da valoração desses direitos colocados em confronto, já que ambos possuem pesos distintos conforme a situação concreta que se apresentam. Nossa atual Constituição e, antes dela, a Declaração Universal dos Direitos Humanos consagram certas limitações necessárias para a coexistência e não toleram tal submissão do homem ao ente superior, essa visão antropomórfica que corresponde a um sistema penal autoritário.
1.2.6 Admissibilidade da Prova Ilícita a Partir da Proporcionalidade Pro Reo
Nesse caso, a prova ilícita poderia ser admitida e valorada apenas quando se revelasse a favor do réu. Trata-se da proporcionalidade pro reo, em que a ponderação entre o direito de liberdade de um inocente prevalece sobre um eventual direito sacrificado na obtenção da prova (dessa inocência).
A prova ilícita pro reo e uma exceção considerada legitima, pois objetiva comprovar a
inocência de um acusado. Pode-se mencionar como exemplo o fato de uma interceptação telefônica clandestina que esclarece o verdadeiro autor da infração criminosa, quando se havia sido apontado injustamente a um inocente.
Situação típica é aquela em que o réu, injustamente acusado de um delito que não cometeu, viola o direito à intimidade, imagem, inviolabilidade do domicílio, das comunicações etc. de alguém para obter uma prova de sua inocência.
Como explica GRECO FILHO, “uma prova obtida por meio ilícito, mas que levaria à absolvição de um inocente (...) teria de ser considerada, porque a condenação de um inocente é a mais abominável das violências e não pode ser admitida ainda que se sacrifique algum outro preceito legal”.
Desnecessário argumentar que a condenação de um inocente fere de morte o valor “justiça”, pois o princípio supremo é o da proteção dos inocentes no processo penal.
Ademais, deve-se recordar que o réu estaria, quando da obtenção (ilícita) da prova, acobertado pelas excludentes da legítima defesa ou do estado de necessidade, conforme o caso. Também é perfeitamente sustentável a tese da inexigibilidade de conduta diversa (excluindo agora a culpabilidade). Tais excludentes afastariam a ilicitude da conduta e da própria prova, legitimando seu uso no processo.
Na mesma linha, RANGE aponta o acerto da aplicação da chamada teoria da exclusão da ilicitude, em que a conduta do réu ao obter a prova ilícita está amparada pelo direito (causa de exclusão da ilicitude) e, portanto, essa prova não pode mais ser considerada ilícita. Assim, por exemplo, pode ser admitida a interceptação telefônica feita pelo próprio réu, sem ordem judicial, desde que destinada a fazer prova de sua inocência em processo criminal que busca sua condenação. Ou, ainda, quando comete um delito de invasão de domicílio ou violação de correspondência, para buscar elementos que demonstrem sua inocência, estaria ao abrigo do estado de necessidade, que excluiria a ilicitude de sua conduta e conduziria à admissão da prova.
Uma prova que serviu para a absolvição do inocente não pode ser utilizada contra terceiro, na medida em que, em relação a ele, essa prova é ilícita e assim deve ser tratada (inadmissível, portanto). Não há nenhuma contradição nesse tratamento, na medida em que a prova ilícita está sendo, excepcionalmente, admitida para evitar a injusta condenação de alguém (proporcionalidade).
Ela segue sendo ilícita e, portanto, não pode ser utilizada em outro processo para condenar alguém, sob pena de, por via indireta, admitirmos a prova ilícita contra o réu (sim, porque ele era “terceiro” no processo originário, mas assume agora a posição de réu). Tampouco pode ser invocada a proporcionalidade (contra réu), pelos motivos expostos na crítica à terceira corrente. Em definitivo, não pode ser utilizada contra terceiro, pois frente a ele essa prova continua ilícita.
Com certeza, diante das demais teorias expostas, é a mais adequada ao processo penal e ao conteúdo de sua instrumentalidade, na medida em que o processo penal é um instrumento a serviço da máxima eficácia dos direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição. A jurisprudência não é pacífica, mas há acórdãos acolhendo esse entendimento. A Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988 não afasta bruscamente nenhuma tendência, haja vista que os direitos e garantias fundamentais não podem ser compreendidos em sentido absoluto, pois encontram restrições advindas do principio de sua convivência, que determina a interpretação harmônica e globalizada das liberdades constitucionais.
Pode-se dizer que a teoria da proporcionalidade busca um certo equilíbrio entre os interesses sociais e o direito fundamental do individuo.
A teoria supramencionada reconhece a ilicitude da prova, entretanto, tendo em vista o
interesse social predominante, admite que tal prova seja produzida.
1.2.7 Prova Ilícita por Derivação (fruit of the poisonous tree)
Uma vez considerada ilícita a prova (e não tendo sido ela admitida, conforme as teorias anteriormente tratadas) deve ser verificada a eventual contaminação que essa prova produziu em outras e até mesmo na sentença, conforme exigência feita pelo art. 573, § 1º, do CPP.
Com o advento da Lei n. 11.690/2008, a problemática da contaminação foi assim disciplinada:
Art. 157. (...)
§ 1º São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.
§ 2º Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova.
§ 3º Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente.
Desses enunciados, extraem-se algumas regras:
Inadmissibilidade da prova derivada (princípio da contaminação);
Não há contaminação quando não ficar evidenciado o nexo de causalidade;
Não há contaminação quando a prova puder ser obtida por uma fonte independente daquela ilícita;
Desentranhamento e inutilização da prova considerada ilícita.
Vejamos agora, sucintamente, algumas considerações sobre essas regras.
A origem do princípio da contaminação tem seu inicio no caso Silverthorne Lumber & Co. v. United States, em 1920, tendo a expressão fruits of the poisonous tree sido cunhada pelo Juiz Frankfurter, da Corte Suprema, no caso Nardone v. United States, em 1937. A lógica é muito clara, ainda que a aplicação seja extremamente complexa, de que se a árvore está envenenada, os frutos que ela gera estarão igualmente contaminados (por derivação).
Exemplo típico é a apreensão de objetos utilizados para a prática de um crime (armas, carros etc.) ou mesmo que constituam o corpo de delito, e que tenham sido obtidos a partir da escuta telefônica ilegal ou através da violação de correspondência eletrônica. Mesmo que a busca e apreensão seja regular, com o mandado respectivo, é um ato derivado do anterior, ilícito. Portanto, contaminado está.
Conforme lição de Luiz Francisco Torquato Avolio [5]está diante de uma prova ilícita por derivação nas hipóteses em que "a prova foi obtida de forma lícita, mas a partir da informação extraída de uma prova obtida por meio ilícito".
Essa categoria de provas ilícitas foi reconhecida pela Suprema Corte norte-americana, com base na teoria dos "frutos da árvore envenenada" – fruits of the poisonous tree –, segundo a qual o vício da planta se transmite a todos os seus frutos.
O maior inconveniente é a timidez com que os tribunais tratam da questão, focando no “nexo causal” de forma bastante restritiva para verificar o alcance da contaminação. Assim, acabam tornando lícitas provas que estão contaminadas, sob o argumento de que não está demonstrada claramente uma relação de causa e efeito. Significa considerar que não existe conexão com a prova ilícita ou que essa conexão é tênue, não se estabelecendo uma clara relação de causa e efeito.
Intimamente relacionada com a problemática em torno do nexo causal, está a teoria da fonte independente. A aplicação da teoria tem por objetivo impedir que os agentes produtores de uma prova ilícita possam dela se valer para a obtenção de novas provas, cuja existência somente seria notada a partir daquela ilícita. Se isso ocorresse, a ilicitude da conduta seria facilmente driblada.
No Brasil, não há qualquer disposição legal acerca da prova ilícita por derivação, sendo que a solução dos casos é buscada na doutrina e na jurisprudência que, em regra, tendem a repelir tais provas.
Antônio Scarance Fernandes sustenta que a ilicitude da prova se transmite a tudo o que dela advier, sendo inadmissíveis as provas ilícitas por derivação, dentro do nosso sistema constitucional:
Na posição mais sensível às garantias da pessoa humana, e conseqüentemente mais intransigente com os princípios e normas constitucionais, a ilicitude da obtenção da prova transmite-se às provas derivadas, que são igualmente banidas do processo.
Assim, de acordo com uma parte da doutrina, no caso de provas ilícitas por derivação, também será aplicado o princípio da proporcionalidade, que admite, sempre em caráter excepcional e em casos extremamente graves, a prova ilícita baseando-se no princípio do equilíbrio entre os valores contrastantes.
De acordo com Nelson Nery Júnior "admitir uma prova ilícita para um caso de extrema necessidade significa quebrar um princípio geral para atender a uma finalidade excepcional justificável" (NERY JUNIOR, 1999, p. 121).
No Brasil, o STF proferiu interessante decisão sobre a prova ilícita e, especialmente, sobre a independent source, no julgamento do RHC 90.376/ RJ, relator Min. CELSO DE MELLO, 2ª Turma, julgado em 03/04/2007.
No caso em comento, em apertada síntese, tratava-se de uma busca e apreensão de materiais e equipamentos, realizada em quarto de hotel, sem o respectivo mandado judicial. O STF entendeu que o quarto de hotel merece a mesma tutela de inviolabilidade que a “casa”, art. 5º, XI, da Constituição, sendo ilícita a prova produzida sem a respectiva autorização judicial. A seguir, travou-se a discussão acerca da contaminação dos atos subseqüentes, tendo o STF sustentado à necessidade de exclusão da prova originariamente ilícita e de todas aquelas posteriores, que mesmo produzidas validamente estavam contaminadas pelo efeito da repercussão causal. São igualmente ilícitos os elementos obtidos pelas autoridades estatais, que somente a eles tiveram acesso em razão da prova originariamente ilícita.
Contudo, e aqui se revela o problema da teoria da fonte independente, “se o órgão da persecução penal demonstrar que obteve, legitimamente, novos elementos de informação a partir de uma fonte autônoma de prova – que não guarde qualquer relação de dependência nem decorra da prova originariamente ilícita, com esta não mantendo vinculação causal –, tais dados probatórios revelar-se-ão plenamente admissíveis, porque não contaminados pela mácula da ilicitude originária”.
Como construção teórica, a tese da fonte independente (e também do encontro inevitável) é bastante clara e lógica, mas revela-se perversa quando depende da casuística e da subjetividade do julgador, na medida em que recorre a conceitos vagos e imprecisos (como o é a própria discussão em torno do nexo causal) que geram um espaço impróprio para a discricionariedade judicial.
Ambas as teorias (fonte independente e encontro inevitável) atacam o nexo causal e servem para mitigar a teoria da contaminação, restringindo ao máximo sua eficácia, de modo que, como sintetiza MARIA THEREZA, se a prova ilícita não foi absolutamente determinante para a descoberta da prova derivada, ou se esta derivar de fonte própria, não fica contaminada e pode ser produzida em juízo.
O princípio da contaminação (fruit of the poisonous tree) constituiu um grande avanço no tratamento da prova ilícita, mas que foi, infelizmente, atenuado, a ponto de a matéria tornar-se perigosamente casuística. O tal raciocínio hipotético, a ser desenvolvido para aferir se uma fonte é independente ou não, conduz ao esvaziamento do princípio da contaminação. Na mesma esteira, ZILLI afirma que “a operação proposta é perigosa podendo levar a um alargamento da tolerância judicial das provas derivadas, desvirtuando o sentido da teoria” (da contaminação).
Assim, predomina o entendimento nos tribunais superiores de que não se anula a condenação se a sentença não estiver fundada exclusivamente na prova ilícita. Tampouco se anula a decisão condenatória, em que pese existir uma prova ilícita, se existirem outras provas, lícitas, aptas a fundamentar a condenação. Por fim, a teoria da contaminação é bastante mitigada, levada quase à ineficácia, pela aplicação da teoria da fonte independente e suas variações.
Antônio Scarance Fernandes sustenta que a ilicitude da prova é transmitida a tudo o que dela advier, sendo inadmissíveis as provas ilícitas por derivação, dentro do nosso sistema constitucional:
Na posição mais sensível às garantias da pessoa humana, e conseqüentemente mais intransigente com os princípios e normas constitucionais, a ilicitude da obtenção da prova transmite-se às provas derivadas, que são igualmente banidas do processo.
Corroborando este entendimento Ada Pellegrini Grinover aduz que:
A posição mais sensível às garantias da pessoa humana e, conseqüentemente, mais intransigentes com os princípios e normas constitucionais, é a que professa a transmissão da ilicitude da obtenção da prova às provas derivadas, que são, assim, igualmente banidas do processo.
Como observa Alexandre de Moraes, "a atual posição do Supremo Tribunal Federal é pela inadmissibilidade das provas ilícitas por derivação" (MORAES, 1997, p. 105). Assim, a posição majoritária de tal Tribunal compreende que a prova ilícita originária contamina as demais provas dela derivadas, em face da teoria da árvore dos frutos envenenados.
Divergindo do exposto, Fernando Capez entende que:
Não é razoável a postura inflexível de se desprezar, sempre, toda e qualquer prova ilícita. Em alguns casos, o interesse que se quer defender é muito mais relevante do que a intimidade que se deseja preservar. Assim, surgindo conflito entre princípios fundamentais da Constituição, torna-se necessária a comparação entre eles para verificar qual deva prevalecer. Dependendo da razoabilidade do caso concreto, ditada pelo senso comum, o juiz poderá admitir uma prova ilícita ou sua derivação, para evitar um mal maior, como, por exemplo, a condenação injusta ou a impunidade de perigosos marginais. Os interesses que se colocam em posição antagônica precisam ser cotejados, para escolha de qual deva ser sacrificado. Feita essa exposição do entendimento em vigor, passemos à crítica.
A questão da contaminação da prova ilícita nos parece ser muito mais complexa do que costumeiramente tem sido tratada. Iniciemos pela análise de duas premissas que nos parecem fundadas de qualquer posicionamento nessa matéria:
1ª A noção de nexo causal em matéria de contaminação probatória exige uma análise séria e desapaixonada, de modo que somente as provas absolutamente independentes podem permanecer.
2ª O juiz que teve contato com a prova ilícita está contaminado e não pode julgar.
A primeira premissa exige uma mudança radical da leitura, a partir da própria compreensão da instrumentalidade constitucional do processo penal. A noção de nexo causal deve ser ampliada quando se trata de reconhecer a contaminação. Ou seja, até que se demonstre o contrário, a prova produzida na continuação daquela ilícita deverá ser tida como contaminada, desde que mantenha um mínimo de relação de causa-efeito (obviamente, se ficar evidente a independência, não há que se anularem as demais provas). Isso significa uma inversão completa do tratamento do nexo causal em relação àquele empregado pelos tribunais, em que a prova somente é anulada por derivação se ficar inequivocamente demonstrada a contaminação, admitindo-se todo tipo de ginástica argumentativa para “salvar” a prova (contaminada).
Defendemos exatamente o oposto: salvo se ficar inequivocamente demonstrada a independência, as provas subseqüentes deverão ser anuladas por derivação.
É uma questão de respeito às regras do devido processo penal e, principalmente, dos valores em jogo. Não se pode admitir que o processo penal vire um instrumento para legitimar a prática de atos ilegais por parte dos agentes do Estado; isso é um absurdo. E, com certeza, se não toda, a imensa maioria das discussões travadas sobre a prova ilícita diz respeito a atos ilegais praticados por agentes do Estado. E, com isso, não podemos pactuar. Mas o problema vai além, até porque a primeira premissa está intimamente relacionada com a segunda: como se não bastasse à excessiva timidez (mascarada no argumento do nexo causal), a discussão em torno da contaminação desconsidera a questão nuclear do problema: a cabeça do julgador.
E, aqui, grave erro foi o veto ao § 4º do art. 157 (o juiz que conhecer do conteúdo da prova declarada inadmissível não poderá proferir a sentença ou acórdão).
A desconsideração de que se opera uma grave contaminação psicológica (consciente ou inconsciente) do julgador faz com que a discussão seja ainda mais reducionista. Esse conjunto de fatores psicológicos que afetam o ato de julgar deveria merecer atenção muito maior por parte dos juristas, especialmente dos tribunais, cuja postura até agora tem se pautado por uma visão positivista, na medida em que separa emoção e razão, o que se revela absolutamente equivocado no atual nível de evolução do processo.
Na mesma linha de redução do alcance da contaminação, são comuns os acórdãos dos tribunais brasileiros que, reconhecendo que no processo existe uma prova ilícita (ou nulidade processual), não anulam a sentença por entenderem que não ficou demonstrado que a decisão se baseou na prova ilícita. Assim, se o juiz não mencionou expressamente na fundamentação a prova, demonstrando a importância na formação de sua convicção, dificilmente a sentença será anulada.
Mais interessante ainda são as decisões que, em que pese a prova ilícita existir e ter sido utilizada na sentença para condenação do réu, argumentam: subtraindo mentalmente aquela prova (ilícita), ainda subsistem elementos para justificar a condenação. E, assim, mantêm a sentença condenatória... Avalizando as ilegalidades praticadas...
A fundamentação nada mais é do que exercício retórico. E, mais, recordemos que em processo penal forma é garantia e que essa conquista democrática não pode ser afastada sob pena de grave retrocesso. O mais importante é o decidir, que brota de um complexo conjunto de fatores psicológicos. Assim, a pergunta a ser feita é:
Quem nos garante que o juiz não está decidindo a partir da prova ilícita, ainda que inconscientemente (até porque a emoção é mais intensa) e, na fundamentação, apenas cria uma blindagem argumentativa de que a decisão foi tomada com base na prova lícita?
A partir de uma reflexão sobre o alcance dessa pergunta, parece-nos que a questão (inclusive do nexo causal) deve, ao menos, ser tratada com muito mais cautela e compreensão de sua complexidade.
Em muitos casos, a sentença deve ser anulada, ainda que sequer mencione a prova ilícita, pois não há nenhuma garantia de que a convicção foi formada (exclusivamente) a partir do material probatório válido. A garantia da jurisdição vai muito além da mera presença de um juiz (natural imparcial etc.): ela está relacionada com a qualidade da jurisdição. A garantia de que alguém será julgado somente a partir da prova judicializada (nada de condenações com base nos atos de investigação do inquérito policial) e com plena observância de todas as regras do devido processo penal.
Sublinhamos o “somente”, porque esse advérbio constitui – na feliz definição de CORDERO – um exorcismo verbal contra as espirais ad infinitum, congênitas a fome desaforada da inquisição.
Daí por que não basta anular o processo e desentranhar a prova ilícita: deve-se substituir o juiz do processo, na medida em que sua permanência representa um imenso prejuízo, que decorre dos “pré-juízos” (sequer é prejulgamento, mas julgamento completo!) que ele fez.
CONCLUSÃO
Diante de tudo quanto foi exposto no presente trabalho, nota-se que o principal objetivo dos envolvidos, Estado e réu, no processo penal, é convencer o julgador a respeito das suas alegações, concretizando, assim, os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa.
No Brasil, não há qualquer disposição legal acerca da prova ilícita por derivação, sendo que a solução dos casos é buscada na doutrina e na jurisprudência que, em regra, tendem a repelir tais provas.
Assim, a ampla liberdade probatória outorgada às partes, buscando-se a reconstrução do fato histórico da forma mais próxima possível ao que realmente ocorreu, juntamente com a liberdade facultada ao julgador para que aprecie, de acordo com o seu livre convencimento, as provas apresentadas, desde que fundamente os motivos da sua decisão, configuram-se nos pilares de um processo alinhado com a proteção dos direitos fundamentais do homem.
Por outro lado, a liberdade probatória, a busca da verdade material e o livre convencimento motivado do julgador sofrem um balizamento a partir do princípio da vedação das provas obtidas por meios ilícitos, inserido no art. 5º, LVI, da Constituição Federal, bem como no artigo 157 do Código de Processo Penal (com a nova lei). Diante de tal assertiva, as partes não podem, em regra, fazer prova de suas alegações por meio de provas ilícitas, e também o juiz fica impossibilitado para, ainda que esteja plenamente convencido em relação a determinado fato, fundamentar sua decisão a partir delas. São inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos - CF, art. 5º, inc. LVI. Nesse dispositivo constitucional reside o princípio da inadmissibilidade das provas ilícitas que, finalmente, foram devidamente disciplinadas pela legislação ordinária (por força da Lei 11.690/2008).
Surge, a partir de então, a indagação sobre o caráter desta vedação, se seria absoluto ou caberia, em hipóteses excepcionais, sua relativização, desde que o bem jurídico a ser protegido fosse de grande relevância no caso concreto.
O ponto crucial encontra-se na aplicação da teoria da proporcionalidade para fundamentar a admissão de uma prova ilícita em favor da sociedade e, automaticamente, em desfavor do réu.
A doutrina é vacilante nesse sentido, já que há autores que se colocam em oposição à utilização da prova ilícita pro societate, enquanto outros poucos doutrinadores defendem a flexibilização da vedação constitucional, mesmo quando contrária ao acusado, a partir de fundamentos jurídicos e fáticos bastante coerentes, que merecem uma maior atenção por parte daqueles que se colocam radicalmente contrários à mitigação da proibição constitucional à utilização das provas obtidas por meios ilícitos, face à aplicação do princípio da proporcionalidade, quando em favor da sociedade. . Embora analisada sob sua literalidade, a Constituição de 1988, em seu artigo 5º, LVI, foi muito rígida no tocante à inadmissibilidade das provas ilícitas. A doutrina brasileira e a jurisprudência, em sua maioria, pugnam pela necessidade de se levar em conta os bens conflitantes e que o caso concreto seja sempre solucionado à luz do princípio da proporcionalidade, também visto anteriormente.
Por fim, o que se pode acertadamente afirmar é que, embora o principal papel da vedação constitucional às provas ilícitas seja a proteção de direitos fundamentais do cidadão contra arbítrios do Estado, haverá situações em que tal proibição, adotada de forma absoluta, ensejará hipóteses conflitantes, protegendo-se um direito fundamental de alguém que ameaça solapar os fundamentos basilares da sociedade constituída.
No Brasil, a questão já suscitava polêmicas antes mesmo da positivação do instituto. Atualmente, apesar de se encontrar consagrada no art. 5º, LVI, da Constituição Federal, a inadmissibilidade das provas ilícitas ainda enseja inúmeras discussões doutrinárias e jurisprudenciais.
Conforme lecionam Grinover, Scarance Fernandes e Gomes Filho, o referido dispositivo constitucional equipara as provas ilícitas em sentido estrito (materialmente ilícitas) às ilegítimas (processualmente ilícitas), atribuindo àquelas, além da sanção material, a sanção processual de inadmissibilidade. Assim, por se concretizar numa limitação do direito à prova e, consequentemente, uma renúncia à busca pela verdade real, não se pode negar, do ponto de vista prático, que a aplicação do preceito em alguns momentos pode ocasionar conseqüências bastante danosas para a sociedade, na medida em que, ainda que acidentalmente, pode acabar gerando obstáculos à concretização da justiça buscada pela lei penal.
Ademais, na medida em que se contrapõe ao sistema do livre convencimento do juiz, o instituto pode ocasionar preocupantes contradições, isso porque, caso as provas que formaram o convencimento do magistrado tenham sido obtidas ilegalmente, ainda que ele esteja materialmente convencido da culpa do réu, estará obrigado a julgar cinicamente no sentido contrário.
E os problemas se agravam quando se quer aplicar a teoria norte-americana dos frutos da árvore venenosa, pela qual seriam inadmissíveis não apenas as provas obtidas ilicitamente, mas também aquelas que, apesar de lícito o método de sua obtenção, foram alcançadas graças a uma informação acessada por meio de prova ilícita.
Conforme se verificou no presente trabalho, a aplicação da teoria citada pode acabar servindo como salvaguarda para a prática de delitos, especialmente em favor das organizações criminosas mais poderosas, que em geral se utilizam de ardilosos artifícios para dificultar as investigações das autoridades públicas.
O que se pretendeu neste trabalho não foi propor a ignorância completa ao princípio da vedação às provas ilícitas, mas sim observar que é prudente relativizar a sua aplicação, tendo em vista os diversos valores que estarão em jogo em cada caso.
Por essa razão, ganha relevo a teoria alemã da proporcionalidade, cuja presença no direito brasileiro, apesar de levantar discussões, é inerente à sua própria estrutura de Estado Democrático de Direito, onde nenhuma norma ou princípio pode ser aplicado irrestritamente. Aos poucos, observa-se que a jurisprudência brasileira, naturalmente mais garantista no início da vigência da Carta de 1988, quando ainda era agudo o trauma gerado pelo regime autoritário vivenciado anteriormente, passa agora a relativizar o princípio da vedação das provas ilícitas, antes tido quase como sagrado.
No que tange à discussão em torno da contaminação das provas derivadas daquelas consideradas ilícitas, o entendimento atual do STF é no sentido de que as provas ilícitas contaminam as que são exclusivamente delas decorrentes, acolhendo a aplicação da doutrina do fruto da árvore envenenada. O objetivo da Suprema Corte é vedar que se possa, por via indireta, transpor o mandamento constitucional que veda o uso das provas ilícitas no processo penal.
REFERENCIAS:
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LIMA FILHO, Francisco das Chagas. Provas Ilícitas - Repertório IOB de Jurisprudência: Civil, Processual, Penal e Comercial. São Paulo, nº 14/98, p. 288/296, 2ª quinzena de julho de 1998.
PELLEGRINI, Ada Grinover. CARLOS, Antônio de Araújo Cintra. RANGEL, Cândido Dinamarco. Teoria geral do processo. 25.ed. São Paulo . Saraiva, 2009.
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 19. ed. Atlas. São Paulo. 2006.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da república federativa do Brasil. 17. ed. São Paulo, Saraiva, 2014.
BRASIL. Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941.Código de processo penal.17. ed. São Paulo, Saraiva, 2014.
AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo penal esquematizado. 3. ed. Método. São Paulo. 2011.
FERNANDES, Antônio Scarance. Justiça Penal, Críticas e Sugestões. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988, p. 12.
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo Penal. 18 ed. São Paulo: Atlas, 2008.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 5 ed. São Paulo: Atlas, 1999.
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal, 8.ed. São Paulo: Saraiva, 2000.
PELLEGRINI, Ada Grinover. CARLOS, Antônio de Araújo Cintra. RANGEL, Cândido Dinamarco. Teoria geral do processo. 25. ed. São Paulo . Saraiva, 2009.
VADEMECUM 1ª EDIÇÃO ANO 2014.
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