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Resumo:
Breve estudo que visa simplificar o objeto da Ciência do Direito: a decidibilidade. Como podemos chegar à uma decisão correta do ponto de vista hermenêutico?
Texto enviado ao JurisWay em 05/05/2014.
Última edição/atualização em 07/05/2014.
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Tendo-se em mente que o escopo de uma ciência qualquer é atingir a verdade através de um processo metódico, dotado de etapas descritivas de critérios basilares, com validade irrefutável e universal – uma vez que, sempre que repetida a experiência, encontramos os mesmos resultados – é normal indagar se cabe ao Direito a etiquetação de Ciência.
Devido a pluridimensionalidade do Direito, os inúmeros elementos heterogêneos dificultam uma abordagem unitária. Assim, embora o objeto da Ciência do Direito – também denominada Ciência Jurídica – seja o próprio Direito, o problema central científico é a decidibilidade, isto é, o fato da lide que será tido como verdade, e gozará assim de amparos legais. Uma vez transitado em julgado, perpetua-se como verdade irrefutável e universal, inserindo-se no ordenamento como jurisprudência, ou seja, espera-se que, consoante à unidade do ordenamento e à segurança jurídica, sempre que repetida essa experiência (litígio) o resultado que deve ser obtido é o mesmo que outrora já fora (jurisprudência). A Ciência do Direito visa, nas palavras de Maria Helena Diniz, “apresentar o direito como um todo coerente, contendo uma unidade sistemática, numa tentativa de conciliar as contradições, sem contudo eliminá-las, criando assim condições para a decisão dos conflitos com um mínimo de perturbação social”. É a denominada natureza criptonormativa do Direito.
Deste modo, compreende-se que a cerne da Ciência do Direito é a dita questão de decidibilidade. Para tanto, a argumentação tópica, que por sucessivas indagações atua como investigação jurídica, fará uso de questões dogmáticas e zetéticas. O Direito, portanto, não se limita a um estudo dogmático tecnológico (premissas voltadas à decisão e orientação de condutas), mas também utiliza-se de matérias zetéticas como fundamentadoras, seja dos dogmas ou da própria decisão em si. O Direito, assim sendo, empresta-se de conhecimentos sociológicos, antropológicos, filosóficos, econômicos etc. para contrapesar os dogmas abstratos impetrados em seu ordenamento.
A decidibilidade é ,portanto, a adequação da norma prevista à situação fática. É o instrumento de exteriorização prática do Direito. Observa Tércio Sampaio Ferraz Jr., que, nessa adequação, a Ciência do Direito se apoia em variados modelos interpretativos.
O primeiro modelo, denominado de analítico, vê essa questão da decidibilidade, como sendo uma adequação do sistema normativo de regras com uma situação fática de um ser humano dotado de necessidades. É uma possibilidade de decisão com caráter organizatório. Se apoia na unidade do sistema, tendo como objetivo máximo a justiça (ideal guia do Direito) e neutralizando assim influências políticas e econômicas nessa adequação. É um modelo preocupado, sobretudo, com a validade da norma vigente. Segundo Maria Helena Diniz, essa validade deve ser analisada sob dois aspectos: fática e ideal. Enquanto a primeira se refere à efetividade da norma, à coerção pelo Estado nas incidências comportamentais previstas, a segunda observa a situação onde está presente um conflito argumentativo (doutrinário).
Outro modelo teórico usado nessa adequação é o denominado hermenêutico. Vê na decibilidade uma problemática entorno da relevância significativa do comportamento humano. Todo agir do ser humano é dotado de significações, e cabe a Ciência do Direito, sua interpretação. Esse método torna todos os conflitos decidíveis, uma vez que minimina suas contradições ao ordenamento. É uma interpretação extensiva do texto legal, presente em lacunas jurídicas ou antinomias. Observa o valor resguardado pela norma (voluntas legis).
Por último, professor Tércio fala sobre o método empírico. Esse, vê na problemática da decidibilidade, uma possibilidade de várias condições possíveis para solucioná-la. O homem seria um ser dotado de funções, se adaptando ao ambiente, onde cabe à Ciência do Direito a investigação das normas de convivência. Visa assim o controle da decidibilidade através de sua previsão. É assim um método muito influenciado pela argumentação, onde a decisão é mero reflexo de uma ideologia que foi preponderante nas discussões. Discorre o próprio Tércio: “[...] a dogmática da decisão preocupa-se não propriamente com a verdade, mas com a verossimilhança.” Há de se falar muito em valoração do fato e poder argumentativo.
Em síntese, enquanto o método analítico é o estudo positivista formal da relação que o professor Renato Poltronieri convencionou em chamar de estudo do “fato-antecedente-ato-consequente” (se referindo a relação entre lide fática e previsão normativa), em que se pese a validade da decisão com o ordenamento, o segundo método – hermenêutico – é totalmente oposto: preconiza uma interpretação extensiva dos valores contidos no ordenamento e agasalhados pela norma, não se prendendo à validade e previsão legal, mas muito mais com o ideal de justiça, meta do Direito. Obviamente, esse método sacrifica certos pontos de segurança jurídica em prol de atingir esse ideal, sendo assim criticado pelos defensores da interpretação normativa analítica como sendo legalizador de arbitrariedade nas decisões.
O terceiro método então – o empírico – dispensa tanto a interpretação focada unicamente na previsão normativa vigente, quanto a interpretação extensiva de valores que trata o ordenamento como um todo. Foca no caso concreto, pesando argumentos específicos da lide. É um método essencialmente argumentativo onde pode prevalecer um posicionamento equivocado, e este receber o devido amparo jurídico, em detrimento do posicionamento correto, consoante ao ordenamento (seja relacionando ao sistema normativo ou princípio de justiça).
Vale ressaltar que, embora analisados de modo individual, esses três métodos expostos atuam de modo concomitante e inter-relacionado no estudo do caso fático. A decisão será mero substrato direto de qual desses métodos preponderou durante o processo científico de decidibilidade. Mas qual método preponderará na situação? Não cabe aqui uma arbitrariedade, por parte do operador de direito, na escolha, ao seu bel-prazer, de qual método utilizar-se. Quem definirá qual método se destacará em detrimento relativo dos outros métodos (não podemos falar jamais em detrimento total dos demais, uma vez que todos eles são utilizados no processo de decidibilidade) é a chamada argumentação tópica.
Em linhas gerais, é um método de discussão de problemas voltado para lacunas e antinomias; um jogo de premissas que irão solucionar as problemáticas; silogismo. Ante um problema (lide) que apresenta inúmeras premissas e, por conseguinte, plausíveis e plurais soluções, a tópica cria sistemas e agrupamentos semelhantes, a fim de reunir em cada provável solução (ponto de vista; interpretação) todos os argumentos possíveis de justificá-la, com o objetivo de torná-la a mais forte e consistente possível.
Desta forma, a tópica argumentativa é uma organização em balanças dos métodos usados para saciar a decidibilidade, onde sobre elas se colocam todos os argumentos, a fim de descobrir qual prato terá mais peso, e assim sendo, preponderará sobre os demais.
BIBLIOGRAFIA
1. DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à ciência do direito. 17ª edição. São Paulo: Saraiva, 2005.
2. POLTRONIERI, Renato. Conceitos jurídicos e teoria do ordenamento: introdução ao estudo do direito e da norma jurídica, segundo a teoria da unicidade conceitual. São Paulo: Edição do Autor, 2012.
3. FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 6ª edição. São Paulo: Atlas, 2011.