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Resumo:
Estudo sobre a tópica.
Texto enviado ao JurisWay em 03/07/2013.
Última edição/atualização em 27/03/2017.
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ESTUDO SOBRE A TÓPICA
Por Camila Paese Fedrigo
Acadêmica de Direito da Universidade de Caxias do Sul (UCS). Pesquisadora dos grupos “JURISDIÇÃO E TEORIA DA DECISÃO: a necessidade de superação da estandardização e suas implicações no Direito Ambiental”, “ALFABETIZAÇÃO ECOLÓGICA, CULTURA E JURISDIÇÃO: UMA INCURSÃO PELAS TEORIAS DA DECISÃO”, coordenados pelo Prof. Dr. Jeferson Dytz Marin e “Jurisdiçao, Ambiente e Direitos Fundamentais.” coordenado pelo Prof. Dr. Carlos Alberto Lunelli. Pesquisadora autônoma. Estagiária da Procuradoria-Seccional da Fazenda Nacional em Bento Gonçalves e aprovada para estágio no Ministério Público do RS. Lattes: http://lattes.cnpq.br/0536577742508465 Contato: camilapfedrigo@yahoo.com.br
Na filosofia, costuma-se distinguir entre o contexto da descoberta e o contexto da justificação. A atividade da descoberta consiste em descobrir uma teoria, trata-se de mostrar como se gera e se desenvolve o conhecimento científico. A descoberta do enunciado diz respeito ao processo psicológico por meio do qual o enunciado é elaborado, mantido e aceito, a atividade psicológica desenvolvida na formulação de uma inferência constitui um processo de descoberta, a descoberta diz respeito ao modo pelo qual foi construído o enunciado; no contexto da descoberta não é possível uma análise de tipo lógico.
No entanto, a atividade de justificação diz respeito a justificar ou validar uma teoria, confrontando-a com fatos a fim de mostrar a sua validade; essa tarefa exige uma análise do tipo lógico, que se rege pelas regras do modo cientifico. A justificação diz respeito às razões justificadoras para que o enunciado seja aceito como verdadeiro, o problema da justificação somente pode ser resolvido mediante observações, experiências e argumentos – depende das provas capazes de corroborar o afirmado, portanto, trata-se de uma questão de aceitabilidade dos enunciados.
Assim, deve-se distinguir entre o procedimento mediante o qual se estabelece uma premissa ou uma conclusão e o procedimento por meio do qual se justifica essa premissa e essa conclusão. No campo do Direito, um desses modelos é o da informação integrada. Segundo Martins Kaplan1, o processo de tomada de decisão de um juiz ou de um jurado é resultado da combinação de valores da informação com os valores da impressão inicial; o processo começa com a acumulação das unidades de provas ou de informação, depois, segue com a avaliação dessas unidades de provas ou de informação, a cada prova ou item informativo se atribui um peso numa escala específica, depois, finalmente, entra a impressão inicial - preconceitos do juiz ou do jurídico.
No âmbito atual das discussões da metodologia contemporânea jurídica, ninguém mais afirma seriamente que a aplicação das normas jurídicas é uma subsunção lógica das premissas maiores abstratamente previstas, eis que em muitos casos, a decisão jurídica não segue logicamente das formulações das lógicas jurídicas.
O método tópico-retórico, que é o que analisaremos neste texto, se vincula ao expressivo movimento de base jusnaturalista surgido na Alemanha a década de 50. O fundamento desta escola encontra-se no trabalho de Theodoro Viehweg, cujos estudos procuraram encontrar a especial modalidade técnica que poderia caracterizar o pensamento opinável ou problemático. Este recorre a uma técnica de pensamentos por problemas nascidos no campo da retórica.2
A imprevisibilidade da conduta humana é causa da problemática jurídica, e é através da tópica que se desenvolve uma teoria sobre a problemática jurídica e a atividade judicial. A tópica é a metodologia preparada para resolver problemas, situações duvidosas e incertas, questões opináveis, não inteiramente certas, prováveis ou possíveis.3
A tópica nada mais é do que a retórica moderna, levada ao campo jurídico, seguindo o caminho já traçado por Cicero, quem vinculou com a oratória. Por isso, os tópicos aos quais se recorre são diretrizes retóricas e não princípios lógicos, lugares comuns revelados pela experiência, aptos para resolver problemas conjunturais. Segundo Viehweg a interpretação do direito positivo somente é possível recorrendo a métodos que flexibilizam as normas que integram o ordenamento jurídico. Nesta perspectiva, as operações tópicas permitiriam uma aproximação prudente dos fatos ao direito e do direito aos fatos.4
A tópica não é demonstrativa, mas persuasiva: não resolve os problemas, porém fornece os recursos e argumentos para sua elucidação e solução. Admite a alterabilidade significativa da lei, que origina sua problemática interpretativa e decisória. Opõe-se à axiomática e a dogmática, que não admitem os problemas jurídicos, atendendo-se à univocidade das palavras da lei.5
Os métodos de interpretação podem ser considerados o álibi teórico para a emergência das crenças que orientam a aplicação do direito. Sob a aparência de uma reflexão científica criam-se fórmulas interpretativa que permitem i) veicular uma representaçnao imaginária sobre o papel do direito na sociedade; ii) ocultar a relação entre as decisões jurisprudenciais e a problemática dominante; iii) apresentar como verdades derivadas dos fatos, ou das normas, as diretrizes éticas que condicionam o pensamento jurídico e iv) legitimar a neutralidade dos juristas e conferir-lhes um estatuto de cientistas. Ademais, os métodos podem ser analisados retoricamente como lugares ideologicos. O efeito de recohecimento ideológico que a fórmula desencadeia permite, por sua vez, a atualização deas como um código gerador de mensagens. O ponto crítico desse processo significativo está dado pelo fato de que o sentido produzido supera o marco legitimado pela competência linguistica dos textos legais.6
As ideias de Viehweg guardam aproximada semelhança com as defendidas por Edward H. Levi, em obra “An introduction to legal reasoning”, publicada em 1951, que teve grande influência no âmbito da common law. Segundo Levi, o processo de raciocínio jurídico obedece a um esquema básico que é o raciocínio por exemplos, trata-se de um raciocínio caso-a-caso, do particular para o particular, caracterizada pela doutrina do precedente, no curso do qual uma proposição descritiva do primeiro caso é convertida numa regra de Direito e, depois, aplicada a outro caso semelhante, depois, devem ser investigadas as semelhanças entre os casos, retira-se a regra jurídica implicita no primeiro caso e, por último, tal regra jurídica é aplicada ao segundo caso.7
Para o método tópico o ponto de partida é o senso comum ou sensus communis, sentido comum, que manipula com o verossímil, estabelecendo pontos de vistas de acordo com os cânones da tópica retórica, trabalhando com um tecido de silogismos.
Os topois (tópicos ou loci) são os pontos de vista aceitaveis universalmente, que se empregam em favor ou contra do opinável e que parecem conduzir a verdade. A formação do juízo, portanto, consistiria na passagem das premissas para a conclusão.
Para a tópica, todo problema objetivo e concreto provoca um jogo de suscitações, que se denomina arte da invenção, a arte de ter presente em cada situação vital razões que recomentam ou desaconselham um determinado passo: razão a favor e razão contra. Pensar topicamente é manter princípio, conceitos, postulados, com caráter problemático no sentido de que eles não percam sua qualidade de tentativa, como o caso de um dicionário que pela diversidade de acepções de um verbete exigem abordagens partindo do ponto de vista, eis que bastante distintas e incongruentes entre si, se analisadas conjuntamente.
Em se tratando do ponto de vista do tipo de atividade, a tópica é uma busca e exame de premissas, e o que a caracteriza é um modo de pensar no qual a ênfase recai nas premissas e não na conclusão. Seria, então, um método que não termina nunca, o repertório de premissas então será sempre provisório, elástico e aberto, e os topoi devem ser entendidos de modo funcional, como possibilidades de orientação, como fios condutores do pensamento que somente possibilitam o alcance de conclusões curtas. Estes devem ser compreendidos como premissas compartilhadas que detêm a presunção de plausibilidade, ou seja, aquele que pretende questionar um topoi deve suportar a carga de argumentação. Ademais, os topoi apenas adquirem sentido a partir do problema.
O método tópico parece um pouco com a dialética, eis que seu esquema é a fixação de um problema, enunciando os pontos contra e a favor buscando uma solução. A tópica não é a solução (como seria a síntese na dialética), mas sim a tese e a antítese, ou seja, o meio.
O direito, como bem se sabe, não deve ser compreendido como um sistema fechado, mas o raciocínio jurídico não deve ser meramente dedutivo, eis que a lógica jurídica é uma lógica peculiar, enraizada no próprio processo de desenvolvimento do direito. O raciocínio jurídico tem uma lógica própria, sua estrutura se ajusta para das sentido à ambiguidades e para constantemente verificar se a sociedade observou novas diferenças ou semelhantes. J.J. Canotilho poro exemplo, defende o método tópico de interpretação constitucional por duas razões: i) o caráter prático da interpretação constitucional, pois toda a interpretação está dirigida a resolver problemas e casos concretos e ii) pelo caráter aberto, fragmentário ou indeterminado da lei constitucional.
Os problemas do pensamento tópico são muitos, v.g a ausência de hierarquia – o fato de os topoi não estarem hierarquizados entre si, de tal sorte que para a solucão de uma mesma questão, pode ser necessária a utilização de topoi diferentes, conduzindo a soluções diferentes; e a imprecisão – que segundo Larenz8, quando Viehweg qualifica como tópicos jurídicos os conceitos de declaração de vontade, parte essencial, princípios jurídicos materiais, tutela da boa-fé e as causas de imputação de danos, não deixa clareza quando ao que se deve entender por tópico, pois são coisas muito diferentes. O conceito de topoi é equivoco, podendo ser empregado em vários sentidos: equivalente a argumento, como ponto de referência para a obtenção de argumentos, como enunciados de conteúdo e como formas argumentativas.
A tópica limita-se a fornecer um catálogo de tópicos ou de premissas que podem sde empregadas na argumentação, mas não fornece critérios para uma hierarquia entre eles, definitivamente não proporciona uma questão à resposta central da metodologia jurídica. Aliás, a fraqueza principal das teorias do discurso (que já debatemos) consiste nisso, que seu sistema de regras não oferece um procedimento que permite, em um número finito de operações, sempre chegar, rigorosamente a um resultado, mas algo apenas aproximativamente cumprível.9
Nos parece que a relação da tópica acerca da justiça é ingênua, eis que encontra fundamentação na indagação sobre o ordenamento justo e no argumento de que os conceitos técnicos somente adquirem algum sentido a partir da questão de justiça, os princípios gerais do direito somente produzem resultados aceitaveis quando ligados à ideia de justiça.
Segundo Canaris, a tópica tem mais a oferecer ao legislador do que ao juiz, eis que nos casos dito normais, os pontos de vista constituem máximas de grande valor na sua orientaçnao, nos casos excepcionais é que deve ter o legislador a coragem para decidir contra a opinião de todos ou da maioria.10
Assim temos como possibilidades remanescentes da tópica: i) como meio de auxiliar perante a falta de valores legais bastantes, em especial no caso de lacunas; ii) a tópica como processo adequado perante remissões legislativas para o senso comum e perante decisões de equidade (arbitragem) e iii) interpretação e a múltipla complementação dos pensamentos sistemáticos e tópico.
De qualquer modo, a relevância da tópica está em destacar que mesmo nas hipóteses em que não são possíveis decisões concludentes, não se devem aceitar decisões irracionais. Diz-se que a tópica é o ponto de partida da argumentação jurídica.
1 ATIENZA, Manuel. As razões do direito: teorias da argumentação jurídica. 3.ed. São Paulo: Landy, 2003. p. 23
2 WARAT, Luis Alberto. Introdução geral ao direito. Porto Alegre: S. A. Fabris, [1994-1997] v. 1 p. 86-87
3 WARAT, Luis Alberto. Introdução geral ao direito. Porto Alegre: S. A. Fabris, [1994-1997]. v. 1 p. 87
4 WARAT, Luis Alberto. Introdução geral ao direito. Porto Alegre: S. A. Fabris, [1994-1997]. v. 1 p. 87
5 WARAT, Luis Alberto. Introdução geral ao direito. Porto Alegre: S. A. Fabris, [1994-1997].v. 1 p. 87
6 WARAT, Luis Alberto. Introdução geral ao direito. Porto Alegre: S. A. Fabris, [1994-1997] v. 1 p.89
7 ATIENZA, Manuel. As razões do direito: teorias da argumentação jurídica. 3.ed. São Paulo: Landy, 2003. p. 61-62
8 Larenz, Karl. Metodologia da ciência do direito. 3 ed. Trad José Lamego. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, p. 202
9 ALEXY, Robert; HECK, Luís Afonso. Constitucionalismo discursivo. 3.ed. rev. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 28
10 CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito. 3.ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002, p. 262-263
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