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A constitucionalidade da volta dos hospitais psiquiátricos


Autoria:

Marcos Antonio Duarte Silva


Doutorando em Ciências Criminais,Mestre em Filosofia do Direito e do Estado(PUC/SP), Mestrando em Teologia, Especialista em Direito Penal e Processo Penal(Mackenzie), Especialista em Filosofia Contemporânea; Especialista em Psicanálise, formação em Psicanálise Clínica, Psicanálise Integrativa e Psicaálise Análise e Supervisão Licenciado em Filosofia, formado em Direito,Jornalista, Psicanalista Clínico,Professor de Pós Graduação.

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Resumo:

A história dos hospitais psiquiátricos no Brasil não encerrou em 2001, com o advento da lei que regulamenta a questão psiquiátrica no Brasil, impondo limites para a execução de retirar de circulação, como durante séculos ocorreu.

Texto enviado ao JurisWay em 19/04/2024.



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A constitucionalidade da volta dos hospitais psiquiátricos

 

Resumo: A história dos hospitais psiquiátricos no Brasil não encerrou em 2001, com o advento da lei que regulamenta a questão psiquiátrica no Brasil, impondo limites para a execução de retirar de circulação, como durante séculos ocorreu, uma forma de esconder o incômodo da presença destas pessoas “alienadas”, em instituições que não tinham compromisso com a agora chamada saúde mental, o que desde sempre foi tratado como “doença” mental, neste diapasão de mudanças drásticas, necessárias, se compreendeu que era importante estabelecer novos critérios e seguir na linha de alcançar um tratamento digno, para tanto estas mudanças promoveram esta nova mentalidade, ou seja, se percebeu enfim depois de séculos de internação que este procedimento não pode ser a nota tônica na questão da saúde mental, muito pelo contrário, tem que ser a última alternativa e em casos em que haja necessidade premente de tal medida, caso contrário, incorre-se no perigo da volta deste pesadelo que foi internações totalmente sem critério para aplacar uma situação de status social e não de tratamento do transtorno mental.

Palavras Chaves: Hospital. Psiquiátrico. Saúde. Mental. Internação.

 

Abstract: The history of psychiatric hospitals in Brazil did not end in 2001, with the advent of the law that regulates psychiatric issues in Brazil, imposing limits on the execution of removing from circulation, as occurred for centuries, a way of hiding the discomfort of the presence of these “alienated” people, in institutions that had no commitment to what is now called mental health, which had always been treated as a mental “illness”, in this diapason of drastic, necessary changes, it was understood that it was important to establish new criteria and follow the line of achieving dignified treatment, to this end these changes promoted this new mentality, that is, it was finally realized after centuries of hospitalization that this procedure cannot be the key note in the issue of mental health, quite the opposite, it has to be the This is the last alternative and in cases where there is a pressing need for such a measure, otherwise there is a danger of the return of this nightmare which consisted of hospitalizations completely without criteria to alleviate a situation of social status and not treatment of the mental disorder.

Keywords: Hospital. Psychiatric. Mental health. Hospitalization.

 

1.    Introdução

A Constituição Federal é chamada da Lei maior no país.

Por um motivo importante, todas as leis advém dela, sem possibilidade alguma de feri-la, ou sequer, desrespeita-la, isto para haver equilíbrio entre a chamada ordenação jurídica e manter uma certa unidade a decisão no país.

Em face deste arrazoado cumpre refletir da importância do movimento chamado movimento antimanicomial, reproduzindo a reforma psiquiátrica, Lei 10.216, de 2001.

Esta luta que levou anos até conseguir gerar esta lei, trouxe à tona questões de muita importância, como a internação compulsória e não raras as vezes, injustificadas, sem previsão de recuperação ainda que parcial.

A situação chegou num ponto tal que algumas instituições tornaram-se em quase cidades, tamanho o número de internados.

E infelizmente, também não raras as vezes as famílias daquelas pessoas que foram internadas, simplesmente, iam aos poucos deixando de terem contato até que com o passar do tempo, deixavam de ir por completo.

Desta feita, sem fiscalização mínima nem das famílias e nem das autoridades competentes, a piora nas condições das internações foram ficando a cada dia mais desumanas, menos dignas a ponto de se ter, numa forma chula, mais real de se referir a esta situação, um aterro sanitário, com as pinceladas mais cruéis possíveis.

Diante deste fato aterrador, após a lei supracitada, muitos hospitais foram fechados e, se desenvolveu um novo modelo para atender os pacientes com problemas psiquiátricos, e isso se tornou até em referência uma vez que atendeu bem a população de um modo geral.

Contudo, há um detalhe promiscuo nesta situação, o incomodo de ter na família alguém com este problema e que ficará visível entre todos aqueles que se convivem, e por conta disso, o modelo criado, passou a ter este calcanhar de Aquiles, pois não esconderia mais aquele “incomôdo” de todos.

Porém, na pós pandemia, sorrateiramente e de forma até discreta, vai ressurgindo aqui e ali, o que estão chamando de novo conceito de hospital psiquiátrico, o que na verdade, pode, guardadas as devidas proporções, não trazer toda a realidade à tona.

Frente a esta retomada de hospitais psiquiátricos no país se pergunta, haverá lei regulamentando estas novas internações psiquiátricas? Ou, o Brasil irá incorrer em novo erro em confiar nas Instituições de saúde? Há hoje critérios para as internações nestes hospitais ou fica a critério única e exclusivamente dos médicos?


2.    A Constituição e as Leis sobre a saúde

Nesta linha é importante checar o que a Lei maior diz sobre a questão a saúde, e especificamente, se há lei, sobre a saúde mental.

Sobre a saúde a Constituição Federal do Brasil diz;

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. (Destaques nosso)

Numa análise simples, se verifica que a saúde é direito e na confluência binária da constituição, “dever do Estado”, ou seja, é responsabilidade do Estado assegurar cuidado mínimo, seja na rede pública ou privada, através de normatização, para traçar procedimentos de situações limites como é o caso de uma internação.

Observando de soslaio tal referencial, se conclui que não se pode em nenhum setor social, se fazer da questão saúde apenas um negócio rentável e lucrativo, afinal, cuidar que se haja saúde de qualidade é do Estado.

Com absoluta certeza se sabe que nos aspectos públicos a saúde no Brasil, sempre caminhou a passos lentos, bem difíceis. Contudo, isso não isenta o sistema único de saúde (SUS), da responsabilidade de tratar com dignidade a todos que são usuários.

Para aumentar o parâmetro da discussão, se sobrepõe a Lei nº 10.216, de 6 de abril de 2001, que trata especificamente de pessoas portadoras de transtornos mentais, assim preleciona;

Art. 2º Nos atendimentos em saúde mental, de qualquer natureza, a pessoa e seus familiares ou responsáveis serão formalmente cientificados dos direitos enumerados no parágrafo único deste artigo.

Parágrafo único. São direitos da pessoa portadora de transtorno mental:

I - ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo às suas necessidades;

II - ser tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de beneficiar sua saúde, visando a alcançar sua recuperação pela inserção na família, no trabalho e na comunidade;

III - ser protegida contra qualquer forma de abuso e exploração;

IV - ter garantia de sigilo nas informações prestadas; (Destaques nosso).

Veja que a lei específica sobre doentes com transtornos mentais, há uma série de quesitos importantes a serem observados.

Se destaca como muito importante o Direito que estes pacientes possuem, coisa que no passado recente não tinham nem de longe.

Para tanto a lei codifica, “ser tratada com humanidade e respeito”, ora este ponto se torna fundamental, para o que se via nos outros atendimentos anteriores, pacientes amarrados, levando eletrochoques, ficando em uma espécie de solitária, não raras vezes apanhando, e etc.

E neste ponderamento, entra também o que estratifica a lei, “ser protegida”, este importante quinhão demonstra que não é porque a pessoa sofre de transtornos mentais, que ela perde seu direito de ser tratada dignamente ou então de forma humanizada.

Esta lei atinge a questão crucial do tratamento e estende-se também a internação, o que de fato é o imbróglio importante da questão, afinal, era nas internações que o paciente perdia, todos os seus direitos humanos, passando a ser tratado como um objeto sem vida.

Ainda, nesta esteira da lei citada, continua sua precípua exposição de direitos;

V - ter direito à presença médica, em qualquer tempo, para esclarecer a necessidade ou não de sua hospitalização involuntária;

VI - ter livre acesso aos meios de comunicação disponíveis;

VII - receber o maior número de informações a respeito de sua doença e de seu tratamento;

VIII - ser tratada em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos possíveis;

IX - ser tratada, preferencialmente, em serviços comunitários de saúde mental.

Na base desta lei, percebe-se algo importantíssimo, que a internação involuntária deve ser o último recurso e, quando necessária haver esclarecimento detalhado do porquê deste procedimento, como preceitua “em qualquer tempo, para esclarecer a necessidade ou não de sua hospitalização involuntária”, percebe-se que a referência é o tratamento, não a internação.

Assim sendo, só se pode internar quando realmente se fizer absolutamente necessário, caso contrário, deve-se preferir, o que a própria lei diz, “ser tratada, preferencialmente, em serviços comunitários de saúde mental”.

Esta informação é sumamente importante, uma vez ser ela a medida do tratamento, ou seja, uma vez tentado tratar de forma ambulatorial, ou no chamado Hospital Dia, e não conseguindo o sucesso necessário, partir para outra medida extrema, o da internação.

Então se alude deste importante ponto, que a internação não pode ser a primeira medida, que se deve observar o histórico médico, a necessária tentativa de tratamento terapêutico, de forma externa, sem a inclusão de internaçãoser tratada em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos possíveis”.

Aqui percebe-se a demonstração da lei em evitar a internação como primeiro recurso, pois, se há a mínima possibilidade de um tratamento sem que haja internação, muito que melhor, agora só depois de tentar, e não houver melhora, aí com a devida explicação médica, se pode observar a internação.

Isto porque neste passado não tanto remoto, a internação era a primeira alternativa oferecida, sem ao menos tentar qualquer tratamento externo. O porquê disso, se devia aos valores ofertados pelo estado a cada paciente internado, o que rendia a muitos hospitais, um excelente motivo para internação sem critério.

Na tentativa de se evitar este holocausto psiquiátrico, se norteou esta lei que acima de qualquer coisa protege a pessoa com transtornos mentais, do próprio sistema de internação.


3.    A volta de hospitais psiquiátricos

A pandemia trouxe de forma equitativa um número elevado de problemas na saúde mental da população. O formato assumido pelas autoridades de encarceramento domiciliar, de forma muitas vezes abusivas e muitas outras sem equilíbrio, quase que ao bel prazer, se demonstrou ser muito inquisitório.

Não é uma crítica gratuita, ou por postura ideológica, de forma alguma, mas devido a questão do formato, sem critério mínimo, sem embasamento de especialista em saúde mental, para tentar, minimamente trabalhar a questão sem prejuízo das faculdades mentais como acabou por acontecer.

Após a pandemia a população se viu correndo buscar socorro, ou mesmo se entupindo de ansiolíticos, antidepressivos, em doses alarmantes, e sem nenhum critério de passar por consultas, ouvindo possíveis outras medidas.

Por sua vez, os consultórios de psiquiatras e psicólogos nunca estiveram tão lotados e as consultas de forma despudorada tão caras, como após o decreto de fim do estado de pandemia, não de fim ao COVID19.

Com um movimento iniciado em 2018 alguns organismos corporativos observou o número crescentes de pacientes com transtornos psiquiátricos agudos, alguns até em alerta a convivência social, e como bons observadores, perceberam aí uma oportunidade ululante.

Representantes de organizações que defendem o fim de manicômios criticaram nesta quarta-feira (30) os dispositivos da Política Nacional de Saúde Mental que preveem a criação de mais leitos psiquiátricos em hospitais. O assunto foi debatido pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, que também ouviu usuários do sistema de saúde mental. A procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, afirmou que a internação como única forma de tratamento é uma afronta aos direitos individuais e à convenção internacional que trata da defesa dos direitos das pessoas com deficiências físicas e mentais, assinada pelo Brasil. (https://www.camara.leg.br/noticias/539370-debatedores-criticam-previsao-de-mais-leitos-psiquiatricos-em-hospitais/)

Fonte: Agência Câmara de Notícias

Como se pode perceber, lentamente, mais de forma vigorosa os hospitais de internação psiquiátricas começam a ressurgir na pauta do legislativo, e isto, sem dúvida alguma, não é de somenos importância, afinal, se torna possível perceber qual é o fundamento por trás de tudo isso.

Nesta linha surge algo interessante, como válvula propulsora a iminente necessidade de internação dos dependentes químicos para promoção de novos hospitais psiquiátricos;

A cidade de Atibaia (SP) recebeu até esta quinta-feira (09.06) o 31º Congresso Anual da Federação das Santas Casas e Hospitais Beneficentes do Estado de São Paulo (Fehosp). Na última segunda (6.06), o Ministério da Cidadania foi representado pelo secretário nacional de Cuidados e Prevenção às Drogas, Quirino Cordeiro, no debate sobre o papel dos hospitais psiquiátricos nas novas políticas nacionais de saúde mental e drogas. "A nova Política Nacional sobre Drogas, instituída em 2019, incluiu os hospitais psiquiátricos como parte da rede assistencial a pessoas com dependência química", lembra o secretário, que também apresentou as iniciativas do Ministério da Cidadania para o fortalecimento do segmento dos hospitais psiquiátricos filantrópicos, além das Emendas Parlamentares aportadas. Os hospitais psiquiátricos também estão sendo credenciados pelo Governo Federal como Centros de Referência em Dependência Química (Ceredeq). (https://www.gov.br/mds/pt-br/noticias-e-conteudos/desenvolvimento-social/noticias-desenvolvimento-social/evento-discute-o-papel-dos-hospitais-psiquiatricos-nas-novas-politicas-nacionais-de-saude-mental-e-drogas)

A proposta se não fosse tão dispare poderia ao menos ser considerada alvissareira, contudo, não se pode de forma alguma não enxergar a frente desta proposta, afinal, começa-se com dependentes químicos e, depois se chega ao grande público que se entendem ser os que sofrem de algum transtorno psiquiátrico.

Na continuação desta ideia, surge outras não tão bem vindas, e que trazem em seu bojo, a verdadeira realidade de alguns preciosistas.

E há a defesa desenfreada para denominar o tratamento psiquiátrico em forma de internação a melhor opção, em vários casos.

A primeira conduta para realização do tratamento em um hospital psiquiátrico é garantir a segurança do paciente e das pessoas ao seu redor. Isso pode incluir a remoção de objetos que possam ser usados para causar dano, a contenção física em casos extremos de agitação ou violência, e a solicitação de ajuda médica e/ou policial.  Após garantir a segurança, a próxima conduta é realizar a estabilização do paciente.  Para isso, é importante identificar o sintoma-alvo para que este possa ser abordado e controlado. Dependendo da situação, isso pode incluir intervenções medicamentosas. https://sanarmed.com/tratamento-em-um-hospital-psiquiatrico-como-funciona-processos-e-mudancas-recentes-sanarflix/

A pergunta que não se quer calar é será que foram dados todos os passos antes de optar pela internação? Porque este foi e será sempre o problema envolvendo a questão internação psiquiátricas, nem todos que são internados, precisariam deste procedimento, uma vez que a chamada intervenção medicamentosa, pode e muito contribuir para tratamento na forma de externato e não internado.

Conforme consta na publicação, com este título de “ampliação na oferta de leitos psiquiátricos, com a aprovação de nova política governamental”, que altera o valor de R$49,00 para R$80,00, nas diárias hospitalares, para este fim psiquiátrico, sem dúvida alguma, o incentivo deve ser considerado, caso contrário, qual o motivo de se aumentar tanto este valor, em mais de 60% a mais.

Longe da leviandade, se faz mister perceber que há todo um problema envolvendo alguns setores da sociedade, seja a família, a comunidade em si, e até os micropoderes que se sentem perturbados com pessoas que trazem embaraço a todos. Isso dito, como forma de pensamentos de alguns.

Então, como no passado enxergam a solução como retirando o chamado problema de circulação, envolto em uma internação, para lá de útil.

Por outro lado, aqueles que se dizem cuidar da saúde, vê nesta empreitada um ótimo investimento, afinal, as internações quase não são breves e em alguns casos passa muito de ano, ou anos.


4.    Foucault e a história da loucura

Este não é um problema atual, ao contrário, vem de muitos e muitos séculos, a indolência no tratamento humanizado dos transtornos mentais.

Para tanto o filósofo Foucault em seu livro, História da Loucura, propõe como esta situação passa e muito o satisfatório,

É sabido que o século XVII criou vastas casas de internamento; não é muito sabido que mais de um habitante em cada cem da cidade de Paris viu-se fechado numa delas, por alguns meses. É bem sabido que o poder absoluto fez uso das cartas régias e de medidas de prisão arbitrárias; é menos sabido qual a consciência jurídica que poderia animar essas práticas. A partir de Pinel, Tuke, Wagnitz, sabe-se que os loucos, durante um século e meio, foram postos sob o regime desse internamento, e que um dia serão descobertos nas salas do Hospital Geral, nas celas das "casas de força"; percebe-se também que estavam misturados com a população das Workhouses ou Zuchthdusern. Mas nunca aconteceu de seu estatuto nelas ser claramente determinado, nem qual sentido tinha essa vizinhança que parecia atribuir uma mesma pátria aos pobres, aos desempregados, aos correcionários e aos insanos. (FOUCAULT, 1978, p.55). (Destaques nosso)

Foucault não poupa palavras em sua descrição, a começar pelo “século XVII”, não vem dos dias atuais, e vai além, “casas de internamento”, a ideia era afastar do convívio, e ainda, “mais de um habitante e cada cem da cidade de Paris”, o número é assustador, pois Paris não era superpopulosa como hoje, então se percebe que a questão era ruidosa.

Ainda nesta linha, “medidas de prisão arbitrárias”, sim não era voluntária, era forçada a prisão, o que transtorna mais e, “nas celas das ‘casas de força’”, era de forma forçada, e para indicar como era indiscriminada, “estavam misturados a população”, imagina que espécie de tratamento se podia conseguir, todos “pobres, desempregados, aos correcionários”, os critérios era tirar de circulação os incômodos.

Veja que nos tempos relatados por Foucault foi uma ordem legislativa em “Uma data pode servir de referência: 1656, decreto da fundação, em Paris, do Hospital Geral”. (FOUCAULT, p.56), nesta ocasião se estabelece os critérios que serão ou não seguidos pelo diretor, desta Instituição de saúde.

Trata-se de recolher, alojar, alimentar aqueles que se apresentam de espontânea vontade, ou aqueles que para lá são encaminhados pela autoridade real ou judiciária. E preciso também zelar pela subsistência, pela boa conduta e pela ordem geral daqueles que não puderam encontrar seu lugar ali, mas que poderiam ou mereciam ali estar. Essa tarefa é confiada a diretores nomeados por toda a vida, e que exercem seus poderes não apenas nos prédios do Hospital como também em toda a cidade de Paris sobre todos aqueles que dependem de sua jurisdição [...] (FOUCAULT, 1978, p.56). (Destaques nosso)

As palavras usadas pelo filósofo demonstra e muito qual era consideração, ou mensuração utilizada para se usar para aqueles que ali pudessem se encontrar. “Recolher”, como algo que está jogado, ou abandonado, “encaminhados pela autoridade real ou judiciária”, veja, não era a família, e “tarefa confiada a diretores nomeados por toda a vida”, e não fiscalizados é importante afirmar, o que leva a uma lista sem fim de possibilidades cruéis.

Não sem tempo surge este excelente conselho;

Nunca tratem urna doença sem se assegurar da espécie, dizia Gilibert. ' Da Noologia de Sauvages (1761) a NOSOgraphie de Pinel (1798), a regra classificatória domina a teoria médica e mesmo sua pratica; aparece como a lógica imanente das formas mórbidas, o princípio de sua decifração e a regra semântica de sua definição: “Não escutem, portanto, os invejosos que quiseram lançar a sombra do desprezo sobre os escritos do celebre Sauvages.  ... Lembrem-se que ele e, de todos os médicos que viveram, talvez que submeteu todos os dogmas as regras infalíveis da boa lógica. Observem com que atenção definiu as palavras, com que escrúpulo circunscreveu as definições de cada doença”. (FOUCAULT, 1977, p.3)

O tratamento da doença, deve ser seguido por se “assegurar da espécie”, ou seja, “a regra classificatória” esta é a base de todos os tratamentos, mas principalmente, dos transtornos mentais, pois é muito sério uma internação, como há vários casos de pacientes que de fato, não foram melhor diagnosticado e se apressou-se em internar.

Não é calculável o prejuízo mental, psicológico que tal caso pode acarretar, alguns, mormente sem retorno à condição de melhora. E mesmo que seja o caso de transtorno mental, há de se ter um tratamento com começo, meio e fim, caso contrário, incorre-se no erro absoluto do passado.

A prática do internamento no começo do século XIX, coincidiu com o momento em que a loucura é percebida menos com relação ao erro do que com relação à conduta regular e normal. Momento em que aparece não mais como julgamento perturbado mas como desordem na maneira de agir, de querer, de sentir paixões, de tomar decisões e de ser livre. Enfim, em vez de se inscrever no eixo verdade−erro−consciência, se inscreve no eixo paixão−vontade−liberdade. E o momento de Hoffbauer e Esquirol. "Existem alienados cujo delírio é quase imperceptível; não existe um no qual as paixões, as afeições morais, não sejam desordenadas, pervertidas ou anuladas... A diminuição do delírio só é um sinal efetivo de cura quando os alienados retornam às suas primeiras afeições". (Esquirol) Qual é então o processo da cura? O movimento pelo qual o erro se dissipa e a verdade novamente se faz ver? Absolutamente, mas sim "a volta às afeições morais dentro de seus justos limites, o desejo de rever seus amigos, seus filhos, as lágrimas da sensibilidade, a necessidade de abrir seu coração, de estar com sua família, de retomar seus hábitos" (FOUCAULT,2003, p.69).

No fundo a verdade não única, porém necessária de se repensar neste quesito é qual o tratamento que uma pessoa que está com transtornos mentais precisa? Nota-se que quase de forma poética o texto foucaultiano enleva a uma possibilidade maior a de devolver a pessoa que passa por este transtorno ao seio de sua família, afinal, a internação isola, depreende, e aliena.

Não há como fazer bem a mente de uma pessoa que precisa conviver na sociedade estar isolada, desprendida do aspecto social.

As coisas foram inteiramente diferentes. Pinel, Tuke, seus contemporâneos e sucessores não romperam com as antigas praticas do internamento: pelo contrário, eles as estreitaram em torno do louco. O asilo ideal que Tuke montou perto de York é considerado como a reconstituição em torno do alienado de a uma quase-família onde ele deverá sentir-se em uma casa; de fato, ele é submetido, por isso mesmo a um controle social e moral ininterrupto; a cura significará reinculcar-lhe os sentimentos de dependência, humildade, culpa, reconhecimento que são a armadura moral da vida familiar. Utilizar-se-ão para consegui-lo meios tais como as ameaças, castigos, privações alimentares, humilhações, em resumo, tudo o que poderá ao mesmo tempo infantilizar e culpabilizar o louco. (FOUCAULT, 1975, p.57)

Um panorama desta situação de internação encontra-se em dois momentos e países distintos, como se demonstra no texto, a começar na Inglaterra, chamado de asilo, havia a pretensão “uma quase-família onde ele deverá sentir-se em uma casa” e para alcançar a cura “reinculcar-lhe os sentimentos de dependência, humildade, culpa”. Evidentemente este processo se demonstrou muito lento e não raras as vezes, imperceptível.

No outro polo se encontra, com poucos aspecto de diferença o tratamento na França;

Pinel, em Bicetre, utiliza técnicas semelhantes, depois de ter "libertado os acorrentados" que aí se encontravam ainda em 1793. Certamente, ele fez ruir as ligações materiais (não todas entretanto), que reprimiam fisicamente os doentes. Mas reconstituiu em torno deles todo um encadeamento moral, que transformava o asilo numa espécie de instância perpétua de julgamento: o louco tinha que ser vigiado nos seus gestos, rebaixado nas suas pretensões, contradito no seu delírio, ridicularizado nos seus erros: a sanção tinha que seguir imediatamente qualquer desvio em relação a uma conduta normal. E isto sob a direção do médico que está encarregado mais de um controle ético. (FOUCAULT, 1975, p.57).

Veja neste asilo, não havia as chamadas correntes, contudo, havia uma espécie de “encadeamento moral” proporcionando ao internado “uma espécie de instância perpétua de julgamento”, o chamado “louco”, tinha que ser vigiado e até “ridicularizado nos seus erros”, é de pasmar tal tratamento, sem consideração mínima a dignidade humana e qualquer relação de humanidade em relação de quem ali estava internado.


5.    A internação e a Lei

Será que houve alguma mudança daqueles tempos para os dias atuais? Qual paradigma foi quebrado para se crer que é possível tratar de forma humanizada os que forem internados hoje?

Numa busca se encontra em um destes hospitais que se propõe a internação quais causas podem levar efetivamente a esta decisão.

São eles: Pânico, Psicose, Depressão maior, Crise de ansiedade extrema, Transtornos alimentares, Suicídio, além de dependência química (uso contínuo de entorpecentes), dependência alcoólica. Destes sem dúvidas, vários podem ser tratados por exemplo no modelo de Hospital Dia.

Isso porque, não impede o convívio. Evidentemente, que transtornos alimentares, dependência química e alcoólica, tem o fator de descontrole muitas vezes completo o que dificulta um tratamento como no Hospital Dia, contudo, é sumamente importante ter na internação o último caminho.

Como já disposto aqui é fato que se torna para alguns, não todos a internação, uma vez que ela tira aquele embaraço social, esconde a pessoa e se retira o ônus dos entes familiares, o que para estes alguns é uma boa coisa.

Porém, a lei que trata do assunto preceitua de outra forma. Veja a sequência sobre internação;

Art. 4o A internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os recursos extra hospitalares se mostrarem insuficientes.

§ 1o O tratamento visará, como finalidade permanente, a reinserção social do paciente em seu meio. (Lei nº 10.216)

 Na expressa composição da Lei a internação só se pode ser indicada quando todos os meios estiverem sido esgotados e não se mostrarem suficientes.

Além disso, quando se internar, a previsão legal é que a “finalidade permanente, a reinserção social do paciente em seu meio”, assim a internação não pode ser um fim em si mesma, deve ser apenas um meio de reinserção social.

E com certeza na auspiciosa nova modalidade de internação, se precisará verificar a longo tempo, se esta constância será levada a efeito.

Infelizmente a história passada bem como a mais recente não traz nenhuma certeza quanto a isso, muito pelo contrário, a demonstração ao visitar o passado distante como o recente é de total desamparo.

Se não há fiscalização através de uma agência governamental, responsável pela saúde física e mental, conforme Constituição Federal Brasileira, então há de se buscar um organismo popular para tal verificação e não se voltar a ser construído o depósito humano que já existiu no Brasil.

A história alerta quanto a este fato mais do que vivenciado, e ato contínuo, deve ser buscar alternativas quanto à questão de transtornos mentais.

Na norma criada ainda reitera algo ainda mais preocupante;

Art. 5º O paciente há longo tempo hospitalizado ou para o qual se caracterize situação de grave dependência institucional, decorrente de seu quadro clínico ou de ausência de suporte social, será objeto de política específica de alta planejada e reabilitação psicossocial assistida, sob responsabilidade da autoridade sanitária competente e supervisão de instância a ser definida pelo Poder Executivo, assegurada a continuidade do tratamento, quando necessário. (Lei nº 10.216).

Há previsão ainda que sugestiva, de paciente que possa ficar “longo tempo hospitalizado” e evidentemente, pode se criar “situação de grave dependência institucional”, o que transcorre ser gravíssimo uma vez que a pessoa passa a sofrer a institucionalização, e se torna dependente do sistema hospitalar.

Este fator é desiquilibra as relações necessárias suficientes para que o paciente, passe a viver numa condição minimamente social, sem que haja as condições necessárias para seu retorno à sociedade convivente.

Num caso julgado pelo STJ, percebe-se que, mesmo contra a decisão médica, se pode ferir os fundamentos constitucionais e internar pessoa que não necessita de internação, veja;

Segundo a relatora, depois da concessão da liminar, as últimas informações trazidas aos autos dão conta de que o paciente se encontra em tratamento médico e está sob acompanhamento de seu psiquiatra – não havendo notícias, até o momento, de qualquer intercorrência que exija a sua internação. Confirmando a liminar deferida, Nancy Andrighi concedeu o habeas corpus para manter o paciente em liberdade, sob acompanhamento e tratamento domiciliar, observadas as medidas alternativas indicadas pelos próprios impetrantes. (https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/13122021-Terceira-Turma-libera-paciente-internado-compulsoriamente-sem-a-concordancia-do-psiquiatra.aspx)

Neste caso em espécie, o paciente foi internado, contra sua decisão e mais, contra a vontade de sua genitora, que buscou restar Habeas Corpus para liberação imediata de sua internação, uma vez não ser necessária conforme se confirmou após junta médica assim verificar.

E quantos casos destes ainda estão sem a intervenção jurídica adequada? Quantas pessoas estão internadas por motivos outros do que um transtorno mental?

Evoca-se mais uma vez o perigo da não fiscalização, de não se reportar para algum tipo de agência reguladora, os porquês que se leva a internação de tal pessoa, e ter no mínimo alguma forma de critério para se avaliar se necessária ou não.

Uma boa sugestão é ter uma junta médica de avaliação de no mínimo três (3) médicos que atestem a necessidade de internação e se for compulsória, ter no mínimo cinco (5) médicos para validar tal procedimento, não que seja este um lenitivo, mais seria uma luz no fim do túnel, para não ter validado todo e qualquer procedimento de internação.


Considerações Finais

Este não é um assunto fácil de se considerar, por se tratar de algo sensível as famílias envolvidas, trazendo à tona a vulnerabilidade pessoal o que por si só é melindroso.

Contudo, o procedimento de internação não pode voltar a ser pelo ganho de ter a cada leito um repasse do governo e isto virar receita de vários hospitais.

Trata-se da vida humana, que numa medida radical pode ser mudada para sempre, por ter nesta internação o uso de medicamentos muito fortes e que além de tudo, grande parte deles causam dependência química.

É evidente que ninguém deseja que um ente querido passe por esta situação no mínimo inamistosa.

Porém, se faz necessário as autoridades responsáveis pela saúde cuidar para que esta medida seja a última depois de outras tentativas que não resultem em resultado necessário.

Também é importante não haver a busca por receitas desenfreadas quando o critério de internação se concentre apenas nesta ótica sem normatização.

Para tentar evitar tal procedimento é sumamente importante se ressaltar a normatização legal que falta na Lei nº 10.216, a expressamente dito que precisará de política específica para mudar o procedimento de internação prolongada que gere uma dependência hospitalar.

Os legisladores tem que ser sensíveis a este problema, uma vez que aumentou no pós pandemia, há quem diga que é uma nova pandemia mundial devido o número crescente de pacientes com transtornos mentais, o Brasil está em terceiro no ranking, um índice assustador.

Com isso o número de pessoas que em decorrência destes transtornos tem se machucado fisicamente e até consumado estas machucaduras sendo levadas ao suicídio aumentou drasticamente.

Frente a este problema não se pode ficar inerte, contudo deve haver uma mobilização para enfrentamento desta questão.

E a internação não é o caminho para listar como saída ou até mesmo solução.

 

Referências Bibliográficas

FOUCAULT, Michel. A história da loucura. Perspectiva: São Paulo, 1978.

FOUCAULT, Michel. Doença mental e psicologia. Tempo brasileiro: Rio de Janeiro, 1975.

FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Tradução de Roberto Machado. Rio de Janeiro: 18ª Edição Graal, 2003. 

FOUCAULT, Michel. O Nascimento da clínica. Forense Universitária: Rio de Janeiro, 1977.

https://www.camara.leg.br/noticias/539370-debatedores-criticam-previsao-de-mais-leitos-psiquiatricos-em-hospitais/

https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/13122021-Terceira-Turma-libera-paciente-internado-compulsoriamente-sem-a-concordancia-do-psiquiatra.aspx

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