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ATUAÇÃO DO CONSELHO TUTELAR NO ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES


Autoria:

Jessica Martins De Souza Santos


SOU CHEFE DE GABINETE NA PREFEITURA MUNICIPAL DE ADUSTINA, ASSISTENTE JURÍDICA TAMBÉM, CURSO DIREITO NA UNIVERSIDADE AGES EM PARIPIRANGA-BAHIA, COM PREVISÃO DE TÉRMINO EM DEZEMBRO DE 2017.

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Texto enviado ao JurisWay em 25/04/2017.

Última edição/atualização em 21/08/2017.



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ATUAÇÃO DO CONSELHO TUTELAR NO ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES

 

Jéssica Martins de Souza Santos

 

RESUMO:

O presente artigo vem discorrer de forma prática, a atuação da assistência social nos crimes de violência sexual contra crianças e adolescentes, ou seja, os vulneráveis. Vem ainda apresentar as ações sociais com relação a esse contexto.  A criança ou o adolescente vitimizado também tem direito à convivência familiar, devendo o quanto possível permanecer na companhia de seus irmãos e do pai, mãe ou responsável que não tenha sido o(a) causador(a) do abuso praticado, de preferência em sua própria residência. Assim, antes de se pensar em abrigar a criança ou adolescente vitimizado, afastando-a do restante de sua família e de seu meio de vida, deve-se preferencialmente buscar o afastamento do agressor da moradia comum, através da propositura de medida judicial específica, pelo Ministério Público ou qualquer outro legitimado, sem embargo, obviamente, das providências necessárias no sentido da apuração de sua responsabilidade penal pelo ocorrido, assim como da eventual propositura de ação de suspensão ou destituição do poder familiar, destituição de tutela ou guarda, na forma prevista no art. 129, incisos VIII, IX e X, do ECA. 

Palavras-chave: violência sexual; vulneráveis; assistência social.

ABSTRACT:

This article comes to discourse in a practical way, the performance of social assistance in crimes of sexual violence against children and adolescents, that is, vulnerable. It has yet to present the social actions with respect to this context. The child or teenager victimized also has the right to family life and should as far as possible remain in the company of his brothers and father, mother or guardian who has not been (a) cause (a) practiced abuse, preferably in their own residence. So before you think of sheltering the child or victimized teenager, away from the rest of his family and their livelihood, should preferably seek the removal of the aggressor from the common housing, through the filing of specific legal measure, by prosecutors or any other legitimate, nevertheless, of course, the necessary steps towards the investigation of criminal responsibility for what happened, as well as the possible suspension of action of filing or dismissal of family power, guardianship of dismissal or guard, as provided for in art. 129, items VIII, IX and X, the ECA.

 

1.      INTORDUÇÃO

A Constituição Federal reserva alguns dispositivos ao tratamento da criança e adolescente, dentre os quais se destacam os arts. 227 a 229. O art. 227 traz alguns direitos constitucionais, dos quais se destacam: a idade mínima para admissão ao trabalho (16 anos, sendo 14 anos como aprendiz), a previsão de direitos previdenciários e trabalhistas ao adolescente trabalhador, pleno e formal conhecimento do ato infracional que lhe é imputado, brevidade e excepcionalidade da privação da liberdade, e a igualdade dos filhos em direitos e qualificações.

O art. 228 da CF/88 determina que “são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial”. Embora o assunto seja polêmico, prevalece na doutrina que tal dispositivo prevê um direito fundamental para os menores de 18 anos e, portanto, seria uma cláusula pétrea.

O menor de 18 anos não pratica crime, nem contravenção penal. Pratica ato infracional. O momento para aferição da inimputabilidade é o da conduta. Assim, se um adolescente de 17 anos atira em alguém que, hospitalizado, morre um ano depois, não praticou crime, mas ato infracional. Segundo o STF e STJ, o ato infracional também pode prescrever, com o decurso do tempo. Aliás, é o que diz a Súmula 338 do STJ: “A prescrição penal é aplicável nas medidas socioeducativas”.

Também já decidiu o STF que o ato infracional também pode ser aplicado o princípio da insignificância (ou bagatela), mas se o adolescente tem maus antecedentes poderá ser processado, aplicando-se lhe-medida socioeducativa.

O art. 229 da Constituição Federal prevê que “os pais têm dever de assistir, criar e educar os filhos menores e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”.

 

2.      CONCEITUANDO VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA VULNERÁVEL

 

Estupro de vulnerável (Art. 217-A)

Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 anos: Pena reclusão, de oito a quinze anos.

§ 1º Incorre nas mesmas penas quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou doença mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.

Objetividade jurídica

A dignidade sexual das pessoas vulneráveis — menores de 14 anos, doentes mentais ou pessoas impossibilitadas de oferecer resistência.

Cuida-se de crime hediondo, tanto em sua forma simples como nas qualificadas, nos termos do art. 1º, VI, da Lei n. 8.072/90 (com a redação da Lei n. 12.015/2009).

A Lei n. 12.015/2009 abandonou o sistema de presunções de violência, que tantas controvérsias geravam, e estabeleceu objetivamente como crime o ato de manter relacionamento sexual com uma das pessoas vulneráveis elencadas no tipo penal. Assim, pouco importa que uma moça de 12 anos seja prostituta e já tenha se relacionado com outros homens. Aquele que for flagrado com ela mantendo relação sexual, ciente de sua idade, responderá pelo crime. Não há que falar em presunção relativa, capaz de afastar o enquadramento, pois a própria Exposição de Motivos do Projeto de Lei do Senado n. 253/1994, advinda da CPMI sobre a violência sexual e as redes de exploração sexual de crianças e adolescentes, assim esclarece: “Esse artigo, que tipifica o estupro de vulnerável, substitui o atual sistema de presunção de violência contra criança ou adolescente menor de 14 anos, previsto no art. 224 do Código Penal. Apesar de poder a CPMI advogar que é absoluta a presunção legal de que trata o art. 224, não é esse o entendimento em muitos julgados. O projeto de reforma do Código Penal, então, destaca a vulnerabilidade de certas pessoas, não somente crianças e adolescentes com idade até 14 anos, mas também a pessoa que,

 

Dos Crimes Contra a Dignidade Sexual

Por enfermidade ou deficiência mental, não possuir discernimento para a prática do ato sexual, e aquele que não pode, por qualquer motivo, oferecer resistência; e com essas pessoas considera como crime ter conjunção carnal ou praticar qualquer outro ato libidinoso; sem entrar no mérito da violência ou sua presunção. Trata-se de objetividade fática.

Para Costa:

Hoje, temos consciência de que a saúde é um objeto complexo, resultante de um conjunto amplo de determinantes e que não deve ser analisada a partir de uma visão fragmentada e redutora. A saúde pública é, simultaneamente, campo de saber científico e de serviços, mas é em suas práticas que se constituem os contornos e limites do conhecimento. O sistema de saúde tampouco é fechado, articula-se dialeticamente com práticas políticas, sociais e econômicas. (p.105-106)

 

Esclareça-se que, em se tratando de crianças e adolescentes na faixa etária referida, sujeitos de proteção especial prevista na Constituição Federal e na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, ratificada pelo Brasil, não há situação admitida de compatibilidade entre o desenvolvimento sexual e o início da prática sexual. Afastar ou minimizar tal situação seria exacerbar a vulnerabilidade, numa negativa de seus direitos fundamentais.

Assim Leal discorre:

A Declaração Universal estabelece uma mediação do discurso liberal da cidadania com discurso social, alinhado tanto direitos civis e políticos como direitos sociais, econômicos e culturais, assim como também demarca a noção contemporânea dos direitos fundamentais, que remete à unidade conceitual destes direitos, deduzindo ser o valor da liberdade conjugado ao valor da igualdade, consoante faz parecer a Resolução nº 32/130, da Assembleia Geral das Nações Unidas, quando afirma que todos os direitos, qualquer que seja o tipo a que pertencem, se inter-relacionam necessariamente entre si, e são indivisíveis e interdependentes.(p.61-62)

O texto acima e a nova redação do dispositivo não deixam qualquer margem de dúvida no sentido de que se quis afastar o entendimento jurisprudencial que vinha prevalecendo de que a presunção de violência era relativa, e considerar, objetivamente, como crime de estupro de vulnerável a conjunção carnal ou a prática de qualquer outro ato libidinoso com pessoa menor de 14 anos, doente mental ou que não possa oferecer resistência. Apenas o erro de tipo (que não se confunde com presunção relativa) é que pode afastar o delito, quando o agente provar que, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, pensava que a moça, que concordou em ter com ele relação sexual, já tinha 14 anos ou mais, por ter ela, por exemplo, mentido a idade e ter desenvolvimento corporal precoce. O tipo de alteração proposto pelo legislador provavelmente não será aceito por parte da doutrina como ocorre sempre que uma nova lei é aprovada. Certamente se­rão buscados argumentos para se alegar inconstitucionalidades ou a relatividade do tipo penal, que, entretanto, não conseguimos vislumbrar.

 

• Condutas típicas

Consiste em ter conjunção carnal ou praticar qualquer outro ato libidinoso. A conjunção carnal é a penetração do pênis na vagina. Outros atos libidinosos são todos aqueles que têm conotação sexual, como o sexo anal, oral, introduzir o dedo ou um objeto na vagina ou no ânus da vítima, passar as mãos nos seios ou nádegas etc. Para a configuração do crime, não se exige o emprego de violência física ou grave ameaça. Ainda que a vítima diga que consentiu no ato, estará configurada a infração, pois tal consentimento não é válido conforme se explicou no tópico anterior.

Caso haja emprego de violência física ou grave ameaça contra uma criança de 10 anos de idade para forçá-la ao ato sexual, haverá também crime de estupro de vulnerável e não a figura simples de estupro do art. 213, já que não faria sentido aplicar a pena mais grave do art. 217-A apenas para os casos em que não houvesse emprego de violência ou grave ameaça. Em suma, com ou sem o emprego de violência ou grave ameaça, o crime será sempre o de estupro de vulnerável se a vítima se enquadrar em qualquer das hipóteses do art. 217-A e seu § 1º.

 

• Pessoas vulneráveis

São considerados vulneráveis:

a) Os menores de 14 anos.

Ao contrário do regime antigo, se o ato for realizado no dia do 14º aniversário, a vítima não é mais considerada vulnerável. Se ela tiver consentido com o ato em tal data, o fato é atípico porque o crime de corrupção sexual de menores (antigo art. 218) foi revogado. Se o ato tiver sido acompanhado de violência ou grave ameaça na data do 14º aniversário, o agente responderá por estupro qualificado (art. 213, § 1º). Em suma, considera se vulnerável a pessoa que ainda não completou 14 anos.

b) As pessoas portadoras de enfermidade ou doença mental, que não tenham o necessário discernimento para a prática do ato. É necessária a realização de perícia médica para a constatação de que o problema mental retirava por completo da vítima o discernimento para o ato sexual. A propósito: “... não basta que a vítima seja alienada ou débil mental. Necessário é que a doença mental seja de natureza tal a ponto de abolir inteiramente a sua capacidade de consentimento ou de entendimento do ato sexual a que se diz submetida, o que deve ser comprovado por perícia médica. Se esta inexiste, absolve-se o acusado” (TJMS — Rel. Nildo de Carvalho — RT620/342); “Tratando-se de patentear circunstância elementar do delito, como a debilidade mental da vítima de estupro, a prova só pode decorrer de laudo pericial incontestável em seus fundamentos e em suas conclusões” (TJMG — Rel. Freitas Teixeira — RT598/398).

Pela redação do dispositivo, dada pela Lei n. 12.015/2009, admite-se que o agente tenha agido com dolo eventual quanto ao estado mental da vítima, já que foi retirada a exigência do efetivo conhecimento a respeito dessa circunstância que expressamente constava do antigo art. 224, b, do Código Penal.

c) Pessoa que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência. É indiferente que o fator impossibilitante da defesa da vítima seja prévio (doença, paralisia, idade avançada, estado de coma, desmaio), provocado pelo agente (ministração de sonífero ou droga na bebida da vítima, uso de anestésico etc.) ou causado por ela própria (embriaguez completa em uma festa). É necessário que o agente se aproveite do estado de incapacidade de defesa e que se demonstre que este fator impossibilitava por completo a capacidade de a vítima se opor ao ato sexual.

 

3.      O CONSELHO TUTELAR E O SISTEMA DE GARANTIAS DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

 

O Conselho Tutelar é definido pelo art.131, da Lei n° 8.069/90 como “órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, definidos nesta Lei”.

Trata-se de uma instituição essencial ao “Sistema de Garantias dos Direitos da Criança e do Adolescente”, instituído pela Lei n° 8.069/90 com o objetivo de proporcionar, de maneira efetiva, a “proteção integral” prometida à criança e ao adolescente já pelo art.1°, do citado Diploma Legal.

É fundamental, no entanto, que o Conselho Tutelar tenha a consciência de que, agindo de forma isolada, por mais que se esforce não terá condições de suprir o papel reservado aos demais integrantes do aludido “Sistema de Garantias”, não podendo assim prescindir da atuação destes.

Um dos desafios a serem enfrentados pelo Conselho Tutelar, portanto, é fazer com que os diversos órgãos, autoridades e entidades que integram o referido “Sistema de Garantias” aprendam a trabalhar em “rede”, dialogando e compartilhando ideias e experiências entre si, buscando, juntos, o melhor caminho a trilhar, tendo a consciência de que a efetiva e integral solução dos problemas que afligem a população infanto-juvenil local é de responsabilidade de todos.

Tal entendimento também é válido para o atendimento e busca de uma efetiva solução para os casos de violência sexual contra crianças e adolescentes, que demandará uma ação articulada entre o Conselho Tutelar, o Ministério Público, as Polícias Civil e Militar, a Justiça da Infância e Juventude, e os órgãos públicos responsáveis pela execução de políticas nas áreas da saúde, educação, assistência social (apenas para citar alguns), entidades de atendimento e profissionais de diversas áreas do conhecimento, cada qual cumprindo seu papel e zelando para que os demais também o façam.

E a definição do papel de cada um, bem como a união de todos, para que este objetivo primordial seja alcançado, deve ser promovida pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, ao qual também incumbe, com o apoio do Conselho Tutelar, como melhor veremos adiante, a elaboração de uma política pública específica, destinada ao atendimento de demandas desta natureza.

A relação entre o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente e o Conselho Tutelar, a propósito, deve ser de proximidade e parceria, pois um depende do outro para cumprir a contento seus deveres institucionais, na medida em que cabe a este fornecer àquele as informações relativas às maiores demandas e deficiências estruturais existentes no município, que servirão de base à definição das ações intersetoriais  a serem desenvolvidas no sentido da efetiva solução dos problemas daí decorrentes, tanto no plano individual quanto coletivo (inclusive com uma preocupação preventiva).

Reputa-se salutar, portanto, que o Conselho Tutelar seja o principal “incentivador” da atuação político-institucional do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, tendo assento permanente, com direito a “voz”, nas reuniões do órgão , de modo a obter uma rápida resposta dos representantes das políticas públicas setoriais que o integram, seja no que diz respeito a determinado caso em particular, que não esteja sendo possível solucionar, com as intervenções até então realizadas, seja no sentido da elaboração de uma política pública específica, destinada a atender demandas similares que venham a surgir no futuro.

E uma vez detectada a inércia ou omissão do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, cabe ao Conselho Tutelar comunicar o fato ao Ministério Público, que poderá tomar medidas administrativas e mesmo judiciais no sentido de compelir o órgão a cumprir sua missão constitucional básica, que é a deliberar políticas públicas para área da infância e da juventude e fiscalizar sua efetiva implementação pelo Poder Executivo (cf. art.227, §7º c/c art.204, inciso II, da Constituição Federal e art.88, inciso II, da Lei nº 8.069/90), podendo responsabilizar administrativa, civil e criminalmente os integrantes do órgão que contribuírem para tanto (cf. arts.5º, 201, incisos VI, VII e VIII, 208 e seguintes e 216, todos da Lei nº 8.069/90) .

3.1 Do atendimento de crianças e adolescentes vítimas de violência sexual propriamente dito:

 

Uma vez criadas as condições para o adequado atendimento dos casos de suspeita ou confirmação de violência sexual de crianças e adolescentes (o que como visto se dará através da elaboração e implementação de uma política pública específica, e todos os seus desdobramentos acima referidos), é necessário definir claramente o papel a ser desempenhado pelo Conselho Tutelar e pelos demais órgãos e autoridades com atuação direta ou indireta tanto na investigação da ocorrência propriamente dita quanto na aplicação de medidas de proteção à vítima e, eventualmente, à sua família.

É importante ter em mente que cada órgão ou autoridade detém uma atribuição/competência específica a ser desempenhada, não sendo admissível quer a pura e simples omissão, quer a invasão na esfera de atuação dos demais, sem prejuízo, é claro, da possibilidade (diria mesmo, necessidade), de que todos trabalhem de forma articulada e integrada, em regime de colaboração, na busca da melhor solução para o caso.

A propósito, em que pese o disposto nos arts.13 e 56, inciso I, da Lei n° 8.069/90, acima referidos (que determinam a obrigatoriedade de comunicação dos casos de “suspeita ou confirmação de maus-tratos” ao Conselho Tutelar), não se pode olvidar que o Conselho Tutelar não é um órgão policial e/ou de segurança pública , não lhe incumbindo, portanto, a “investigação criminal” acerca da efetiva ocorrência da infração penal respectiva e, muito menos, a decisão acerca da necessidade ou não, de propositura de medidas judiciais de qualquer natureza, seja no sentido da responsabilização penal do agente, seja para eventual suspensão ou destituição do poder familiar, tutela ou guarda de pais ou responsáveis que figurem como vitimizadores.

Em todos os casos, uma vez acionado nas hipóteses acima referidas, ou em qualquer situação em que há suspeita da prática de infração penal contra criança ou adolescente, o Conselho Tutelar, por força do disposto no art.136, inciso IV, da Lei n° 8.069/90, tem o dever de encaminhar a notícia do fato ao Ministério Público em caráter de urgência, e o Ministério Público, por sua vez, deverá acionar a polícia judiciária para que proceda a competente investigação policial que venha a apurar a efetiva ocorrência do fato, inclusive através da já mencionada intervenção de profissionais de outras áreas, para oitiva da criança ou adolescente vítima, nos moldes do acima referido.

Isto não significa, como já mencionado, que o Conselho Tutelar não possa intervir no caso, de modo a aplicar à criança/adolescente e à sua família, desde logo, as medidas de proteção que se fizerem necessárias, porém deverá agir em parceria com os órgãos de investigação policial e com a equipe técnica interprofissional que, obrigatoriamente, serão também acionados, devendo com eles articular ações e debater a melhor forma de agir.

“(...) As relações de parentesco, para a maioria da população, permanecem importantes, especialmente no interior da família nuclear, mas já não são os veículos de laços sociais intensamente organizados através do tempo-espaço. (...)” (Giddens, p.97)

Uma atuação precipitada e/ou isolada do Conselho Tutelar pode inviabilizar a futura coleta de provas quanto à infração penal de que a criança ou adolescente foi vítima, contribuindo desta forma para impunidade do agente, assim como a pura e simples intervenção policial, máxime se efetuada sem as cautelas e sem a assistência de uma equipe técnica interprofissional (e mesmo do Conselho Tutelar), como alhures mencionado, pode trazer prejuízos ainda mais graves àqueles que se pretende proteger.

O êxito do atendimento a ser prestado à criança ou adolescente vítima, portanto, depende de uma ação coordenada por parte de todos os órgãos e autoridades acima citadas, assim como de outros integrantes do aludido “Sistema de Garantias”, como é o caso da autoridade judiciária, à qual serão requeridas (em regra, pelo Ministério Público), as medidas judiciais que se fizerem necessárias, tanto no sentido da responsabilização penal do agente, quanto para fins de eventual afastamento do agressor da moradia comum (cf. art.130, da Lei n° 8.069/90) e/ou, a depender do caso, para suspensão ou destituição do poder familiar, tutela ou guarda (cf. art.129, incisos VIII, IX e X c/c arts.155 a 163 e 164, todos da Lei n° 8.069/90).

Desnecessário mencionar que as ações acima referidas devem ser desencadeadas com o máximo de celeridade possível, por força do princípio da prioridade absoluta à criança e ao adolescente (que compreende a “precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública” - cf. art.4°, par. único, alínea “b”, da Lei n° 8.069/90) , e no mais absoluto sigilo, de modo a preservar a imagem da criança ou adolescente vítima, colocando-a a salvo de qualquer situação vexatória ou constrangedora que poderia resultar da divulgação do fato (cf. arts.5°, 17 e 18, da Lei n° 8.069/90).

Evidente, no entanto, que o atendimento a ser prestado à criança ou adolescente vítima e à sua família não se restringe à apuração da efetiva ocorrência da violência sexual, sendo esta apenas uma das etapas a serem vencidas na busca da efetiva solução do problema respectivo.

Para tanto, é fundamental que sejam também apuradas, mais uma vez de preferência com o auxílio de uma equipe interprofissional habilitada, as causas determinantes da ocorrência, suas consequências para a criança ou adolescente (em especial sob o ponto de vista emocional), e as “estratégias” mais adequadas para evitar sua repetição e para neutralizar/minorar os potenciais traumas dela resultantes.

Embora, como anteriormente mencionado, seja de importância capital a existência de estruturas e programas de atendimento que indiquem, de antemão, quais as alternativas disponíveis, é preciso não perder de vista que cada caso tem suas particularidades, e que cada criança, adolescente e/ou família atendida, tem necessidades específicas a serem supridas, que devem ser consideradas juntamente com o contexto social e cultural onde vive, sem qualquer preconceito ou “padronização” preestabelecida.

Em outras palavras, as estruturas e programas de atendimento devem ser flexíveis, de modo a permitir uma resposta capaz de fazer frente à diversidade das situações concretas que irão surgir, e o Conselho Tutelar deve estar atento tanto no sentido de aplicar a(s) medida(s) de proteção mais adequada(s) ao caso em particular, individualmente considerado, quanto para se certificar que as providências tomadas e os encaminhamentos efetuados estão surtindo os efeitos positivos desejados, pois afinal, como acima já mencionado, o compromisso do Conselho Tutelar não é com a pura e simples aplicação de medidas, mas sim com a efetiva solução do problema e com a proteção integral da criança ou adolescente atendida.

De acordo com a pesquisa realizada pelo 6º período do curso de direito da Faculdade Ages, nos municípios entrevistados, o Conselho Tutelar encaminha as crianças e adolescentes vítima de abuso primeiramente ao atendimento médico e durante o acompanhamento médico já é feita a investigação policial, haja vista que no momento em que o conselheiros são chamados, imediatamente os mesmos acionam a polícia do município e seguidamente encaminham a denúncia ao órgão competente, Ministério Público e CREAS.

  

4.      CONSIDERAÇÕES FINAIS

A busca de soluções efetivas e definitivas para os casos de violência sexual contra crianças e adolescentes não é uma tarefa fácil, e esta é a razão pela qual o Conselho Tutelar, longe de agir de forma isolada e improvisada, numa postura submissa e conformista, face a realidade de descaso e omissão para com a área da infância e da juventude encontrada em boa parte dos municípios brasileiros, deve assumir uma posição de vanguarda da luta pela transformação dessa mesma realidade, atuando em conjunto com outros órgãos, autoridades e profissionais que integram o “Sistema de Garantias dos Direitos da Criança e do Adolescente”, no sentido da articulação de uma verdadeira “rede de proteção” dos direitos da criança e do adolescente, que não pode prescindir da elaboração e implementação de uma política pública específica, destinada ao atendimento de tão grave e complexa demanda.

Seu principal foco de atuação, como visto acima, deve ser junto ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, que precisa ser chamado a intervir , quer no sentido da articulação da referida “rede de proteção”, quer na definição das referidas “estratégias” de atuação intersetorial e interdisciplinar, bem como das ações, serviços e programas de atendimento que devem ser implementados e/ou adequados, com vista à prevenção e ao atendimento eficiente e resolutivo dos problemas detectados, tanto no plano individual quanto coletivo.

Paralelamente, precisa participar do processo de conscientização e mobilização da sociedade em torno da matéria, zelando para que os profissionais que atuam nas escolas e nos órgãos de atenção à saúde estejam atentos aos sinais de vitimização que a criança ou adolescente apresenta e, diante da mera suspeita de sua ocorrência, efetuem as comunicações a que estão obrigados por força do disposto nos citados arts.13 e 56, inciso I c/c art.245, da Lei nº 8.069/90, que deverão ser repassadas de imediato ao Ministério Público (cf. art.136, inciso IV, da Lei nº 8.069/90) e à polícia judiciária para que sejam devidamente apurados, de preferência, como visto acima, com o auxílio de uma equipe interprofissional habilitada.


 

REFERÊNCIAS

 

GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade; tradução de Raul Fiker- São Paulo: Editora UNESP, 1991.

COSTA, Alexandre Bernardino ... [et al.] (organizadores) O Direito achado na rua: Introdução crítica ao direito à saúde. / – Brasília: CEAD/UnB, 2009.

LEAL, Rogério Gesta, Condições e Possibilidades Eficáciais dos Direitos Fundamentais Sociais: os desafios do poder judiciário no Brasil – Porto Alegre: livraria do advogado editora, 2009.

Lei nº 8.069/1990, de 13 de julho de 1990 (ECA)

Lei nº 12.594/2012, de 18 de janeiro de 2012 (SINASE)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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