JurisWay - Sistema Educacional Online
 
 
Cursos
Certificados
Concursos
OAB
ENEM
Vídeos
Modelos
Perguntas
Notícias
Fale Conosco
 
Email
Senha
powered by
Google  
 
 Sala dos Doutrinadores - Artigos Jurídicos
Autoria:

Carlos Eduardo Rios Do Amaral
MEMBRO DA DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO

envie um e-mail para este autor
Monografias Direito Constitucional

REsp 1.977.124: Juizados de Violência Doméstica têm competência absoluta para casos de vítimas mulheres transexuais

REsp 1.977.124: Juizados de Violência Doméstica têm competência absoluta para casos de vítimas mulheres transexuais

Texto enviado ao JurisWay em 06/04/2022.

indique está página a um amigo Indique aos amigos

 

Como amplamente veiculado nos meios de comunicação o Superior Tribunal de Justiça (STJ), quando julgamento do Recurso Especial (REsp) nº 1.977.124, decidiu que a Lei Maria da Penha deve ser aplicada para o caso de mulher transexual vítima de violência doméstica e familiar.

 

Logo de início, em seu judicioso e humano voto, o Ministro-Relator Rogerio Schietti Cruz expurga de nosso ordenamento jurídico pátrio a idéia de que a Lei Maria da Penha teria sido editada tendo em mente razões de ordem eminentemente biológica, a supostamente assegurar sua aplicação exclusivamente às mulheres portadoras dos cromossomos XX em sua constituição genética.

 

Com inegável maestria, pontifica o Ministro-Relator, a respeito da necessidade de proteção jurídica à complexidade de relações e interações humanas:

 

“Este julgamento versa sobre a vulnerabilidade de uma categoria de seres humanos, que não pode ser resumida à objetividade de uma ciência exata. As existências e as relações humanas são complexas e o Direito não se deve alicerçar em discursos rasos, simplistas e reducionistas, especialmente nestes tempos de naturalização de falas de ódio contra minorias”.

 

Em trechos de seu voto, o Ministro-Relator bem fundamenta a necessidade de aplicação da Lei Maria da Penha entre os conceitos de gênero, como, p. ex., transexuais, transgêneros, cisgêneros, travestis e pessoas não binárias, “tendo em vista a relação dessas minorias com a lógica da violência doméstica contra a mulher”.

 

O veredicto final do REsp 1.977.124 vai ao encontro da Recomendação nº 128, de 15 de Fevereiro de 2022, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a qual delibera sobre a adoção do "Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero" no âmbito de todos os órgãos do Poder Judiciário brasileiro.

 

O ponto nodal do julgamento do REsp 1.977.124, a qual debruçou-se o STJ, foi sobre a definição do gênero feminino, para efeito de aplicação ou não da Lei Maria da Penha. “Mulher trans mulher é”, para efeito do Art. 5º desse Diploma salvífico, foi a conclusão do STJ. O Ministro-Relator foi categórico: “Lei Maria da Penha deve proteger mulheres, crianças, jovens, adultas ou idosas e, no caso, também as trans”.

 

Para o leitor apressado, o REsp 1.977.124 teria tão-somente assegurado a aplicação das medidas protetivas de urgência à vítima mulher transexual, previstas nos Arts. 22 e 23 da Lei Maria da Penha.

 

Não! Não foi somente isso que disse o REsp 1.977.124. Disse muito mais! E disse o mais importante: as portas dos Juizados de Violência Doméstica do País devem, também (!), estar abertas à mulher transexual.

 

Como não poderia deixar de ser, o STJ não fracionou ou mutilou a aplicação da Lei Maria da Penha. A conclusão do REsp 1.977.124 é a de que a integralidade da Lei Maria da Penha deve tutelar a vítima mulher transexual, inclusive e notadamente seu Art. 14.

 

Quando se fala de competência protagonista dos Juizados de Violência Doméstica deve se ter em mente sua articulação direta e indissociável com todos os demais órgãos sentinela de enfrentamento a essa violência de gênero, como Delegacias de Polícia, Núcleos da Defensoria Pública e do Ministério Público, Casas-Abrigo, Equipes Multidisciplinares etc, todos especializados, próprios desse juízo. Agora, todos também servientes à proteção integral da vítima mulher transexual, por força do REsp 1.977.124.

 

E, aqui, nem se alegue derrogação do Art. 5º da Lei Maria da Penha e do que restou sedimentado no REsp 1.977.124 pelo STJ em razão de disposição de código de organização judiciária local em sentido diverso ou lapso orçamentário. O calouro sabe bem da hierarquia das normas num sistema federativo e do raquitismo da teoria da reserva do possível em tema de dignidade da pessoa humana, é intuitivo. Desnecessária qualquer consideração: “lex superior derogat legi inferior”.

 

A esse respeito, consignou o Ministro-Relator Rogerio Schietti:

 

“Diante de tudo o que foi considerado, o que importa, para fins de resolução desta demanda, é constatar que, no caso que se está a analisar, não apenas a agressão se deu em ambiente doméstico, mas também familiar e afetivo, entre pai e filha, eliminando qualquer dúvida quanto à incidência do subsistema da Lei Maria da Penha, inclusive no que diz respeito ao órgão jurisdicional competente – especializado – para processar e julgar a ação penal.

Logo, reputo descabida a preponderância de um fator meramente biológico sobre o que realmente importa para a incidência da Lei Maria da Penha, com todo o seu arcabouço protetivo, inclusive a competência jurisdicional para julgar ações penais decorrentes de crimes perpetrados em situação de violência doméstica, familiar ou afetiva contra mulheres”.

 

Frise-se: “Inclusive no que diz respeito ao órgão jurisdicional competente”. Para mim, este o ponto de maior destaque e vital importância do REsp 1.977.124. A vítima mulher transexual não está mais só. A par da competência absoluta do Juizado de Violência Doméstica, todos os demais órgãos e entidades do Art. 8º da Lei Maria da Penha, sem nenhuma exceção, são agora convocados para defesa e proteção da vítima mulher transexual. E, bom lembrar: “mediante atendimento específico e humanizado” (Arts. 8º e 28 da Lei Maria da Penha).

 

Em conclusão, os Juizados de Violência Doméstica têm competência absoluta para processar e julgar casos de vítimas mulheres transexuais – aí incluindo-se transgêneros, cisgêneros, travestis e pessoas não binárias, conforme o REsp 1.977.124  – , suas ações penais e medidas protetivas de urgência deflagradas, com a participação ativa e imprescindível de todos os demais atores do sistema de enfrentamento à violência de gênero, mediante atendimento específico e humanizado. 

 

__________________ 

Carlos Eduardo Rios do Amaral é Defensor Público do Estado do Espírito Santo

    

 

 

 

 

 

 

Importante:
1 - Todos os artigos podem ser citados na íntegra ou parcialmente, desde que seja citada a fonte, no caso o site www.jurisway.org.br, e a autoria (Carlos Eduardo Rios Do Amaral).
2 - O JurisWay não interfere nas obras disponibilizadas pelos doutrinadores, razão pela qual refletem exclusivamente as opiniões, idéias e conceitos de seus autores.

indique está página a um amigo Indique aos amigos

Nenhum comentário cadastrado.



Somente usuários cadastrados podem avaliar o conteúdo do JurisWay.

Para comentar este artigo, entre com seu e-mail e senha abaixo ou faço o cadastro no site.

Já sou cadastrado no JurisWay





Esqueceu login/senha?
Lembrete por e-mail

Não sou cadastrado no JurisWay




 

Institucional

O que é JurisWay
Por que JurisWay?
Nossos Colaboradores
Profissionais Classificados
Responsabilidade Social no Brasil



Publicidade

Anuncie Conosco



Entre em Contato

Dúvidas, Críticas e Sugestões



Seções

Cursos Online Gratuitos
Vídeos Selecionados
Provas da OAB
Provas de Concursos
Provas do ENEM
Dicas para Provas e Concursos
Modelos de Documentos
Modelos Comentados
Perguntas e Respostas
Sala dos Doutrinadores
Artigos de Motivação
Notícias dos Tribunais
Notícias de Concursos
JurisClipping
Eu Legislador
Eu Juiz
É Bom Saber
Vocabulário Jurídico
Sala de Imprensa
Defesa do Consumidor
Reflexos Jurídicos
Tribunais
Legislação
Jurisprudência
Sentenças
Súmulas
Direito em Quadrinhos
Indicação de Filmes
Curiosidades da Internet
Documentos Históricos
Fórum
English JurisWay



Áreas Jurídicas

Introdução ao Estudo do Direito
Direito Civil
Direito Penal
Direito Empresarial
Direito de Família
Direito Individual do Trabalho
Direito Coletivo do Trabalho
Direito Processual Civil
Direito Processual do Trabalho
Condomínio
Direito Administrativo
Direito Ambiental
Direito do Consumidor
Direito Imobiliário
Direito Previdenciário
Direito Tributário
Locação
Propriedade Intelectual
Responsabilidade Civil
Direito de Trânsito
Direito das Sucessões
Direito Eleitoral
Licitações e Contratos Administrativos
Direito Constitucional
Direito Contratual
Direito Internacional Público
Teoria Econômica do Litígio
Outros



Áreas de Apoio

Desenvolvimento Pessoal
Desenvolvimento Profissional
Língua Portuguesa
Inglês Básico
Inglês Instrumental
Filosofia
Relações com a Imprensa
Técnicas de Estudo


Copyright (c) 2006-2024. JurisWay - Todos os direitos reservados