Respostas Pesquisadas sobre Direito do Trabalho

Como foi o TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO NO BRASIL?

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Denner Santana

O trecho abaixo, indicado como resposta, faz parte do seguinte conteúdo:

UMA ANÁLISE DO TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO EM ÂMBITO NACIONAL
Autor: Letícia Bittencourt e Abreu Azevedo
Área: Direito do Trabalho
Última alteração: 29/12/2016
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Conforme visto anteriormente, a Lei Áurea, de 1988, extinguiu formalmente a escravidão no Brasil. Contudo, a prática do trabalho escravo nos grandes centros urbanos e rurais ainda é uma triste realidade que assola o nosso país. De acordo com o livro digital "Escravo, nem pensar! - Uma abordagem contemporânea sobre trabalho escravo na sala de aula e na comunidade" (REPÓRTER BRASIL, 2014), 47 mil trabalhadores foram resgatados, de 1995 a 2014, desse tipo de situação.


4.1 Considerações Iniciais



Sabe-se que o trabalho escravo é uma temática aplicada no âmbito do Direito do Trabalho com reflexos do Direito Constitucional e dos Direitos Humanos. Por isso, a própria CR/88 elevou a dignidade da pessoa humana através do trabalho digno como seu pilar constitucional e como direito fundamental. A partir de então, o ordenamento jurídico pátrio passou a vedar qualquer forma de trabalho escravo ou análogo a este, buscando criar e solidificar os institutos das leis, tratados, doutrinas e jurisprudências.

Uma vez que a atuação do Estado não é suficiente para coibir tal prática, particulares e organizações não governamentais (ONGs) se uniram para instruir e educar a sociedade civil quanto a esta questão, buscando proteger a dignidade da pessoa humana e o trabalho digno.


4.2 Conceituação



A conceituação do que é trabalho escravo é complexa, razão pela qual procurar-se-á fazer uma abordagem simples e clara.



Por esse pão pra comer, por esse chão pra dormir

A certidão pra nascer e a concessão pra sorrir

Por me deixar respirar, por me deixar existir

Deus lhe pague

Pela cachaça de graça que a gente tem que engolir

Pela fumaça, desgraça, que a gente tem que tossir

Pelos andaimes, pingentes, que a gente tem que cair

Deus lhe pague



Por mais um dia, agonia, pra suportar e assistir

Pelo rangido dos dentes, pela cidade a zunir

E pelo grito demente que nos ajuda a fugir

Deus lhe pague (BUARQUE, 1971).



Pelas estrofes da música "Deus lhe pague", de Chico Buarque, é possível extrair que os elementos caracterizadores do trabalho escravo contemporâneo atingem a dignidade e a liberdade do indivíduo, de forma com que seus direitos humanos serão violados quando este tiver a dignidade ferida e/ou liberdade restringida.

O artigo 149 do Código Penal Brasileiro foi alterado pela Lei 10.803/03 para indicar as hipóteses em que se configura a condição análoga à de escravo, pois a expressão "reduzir alguém à condição análoga à de escravo" era tão vaga que permitia ao intérprete aplicar sua própria valoração pessoal, de forma que não era possível alcançar uma segurança jurídica no âmbito desta temática.

Assim, atualmente preceitua o art. 149 do CP de 1940 que:



Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto:

Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência.

§ 1o Nas mesmas penas incorre quem:

I - cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho;

II - mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.

§ 2o A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:

I - contra criança ou adolescente;

II - por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem. (BRASIL, 2015).



Percebe-se que a escravidão contemporânea não é caracterizada por meras infrações de cunho trabalhista, mas é, na verdade, um crime contra os direitos humanos e fundamentais que norteiam o Estado Democrático de Direito.

Na concepção de Débora Lopes Rosa (2013), "tem-se por trabalho escravo contemporâneo, o ato de aliciar pessoas à prestação de serviços de forma degradante, com jornadas exaustivas e salários ínfimos. O trabalho escravo em comento envolve cerceamento da liberdade pela dívida, distância, ameaças físicas e morais".

Para o programa Escravo, nem pensar!, coordenado pela ONG Repórter Brasil, a constatação de um dos quatros elementos abaixo é suficiente para a configuração do trabalho escravo contemporâneo:



- TRABALHO FORÇADO: o indivíduo é obrigado a se submeter a condições de trabalho em que é explorado, sem possibilidade de deixar o local seja por causa de dívidas, seja por ameaça e violências física ou psicológica;

- JORNADA EXAUSTIVA: expediente desgastante que vai além de horas extras e coloca em risco a integridade física do trabalhador, já que o intervalo entre as jornadas é insuficiente para a reposição de energia. Há casos em que o descanso semanal não é respeitado. Assim, o trabalhador também fica impedido de manter vida social e familiar;

- SERVIDÃO POR DÍVIDA: fabricação de dívidas ilegais referentes a gastos com transporte, alimentação, aluguel e ferramentas de trabalho. Esses itens são cobrados de forma abusiva e descontados do salário do trabalhador, que permanece cerceado por uma dívida fraudulenta;

- CONDIÇÕES DEGRADANTES: um conjunto de elementos irregulares que caracterizam a precariedade do trabalho e das condições de vida sob a qual o trabalhador é submetido, atentando contra a sua dignidade; (REPÓRTER BRASIL, 2016).



Já na concepção de Lívia Mendes Moreira Miraglia:



Nessa esteira, pode-se inferir que o trabalho escravo contemporâneo é aquele que se realiza mediante a redução do trabalhador a simples objeto de lucro do empregador. O obreiro é subjugado, humilhado e submetido a condições degradantes de trabalho e, em regra, embora não seja elemento essencial do tipo, sem o direito de rescindir o contrato ou de deixar o local de labor a qualquer tempo. (MIRAGLIA, 2015, p. 132 e 133).



Nos ensinamentos do professor Sento-Sé, a definição de trabalho escravo seria:



[...] aquele em que o empregador sujeita o empregado a condições de trabalho degradantes, inclusive quanto ao meio ambiente em que irá realizar sua atividade laboral, submetendo-o, em geral, a constrangimento físico e moral que vai desde a deformação do seu consentimento ao celebrar o vínculo empregatício, passando pela proibição imposta ao obreiro de resilir o vínculo quando bem entender, tudo motivado pelo interesse mesquinho de ampliar os lucros às custas da exploração do trabalhador. (SANTO-SÉ, 2001, p. 27).



Por fim, de acordo com a Convenção n. 29 da OIT (1946), "a expressão 'trabalho forçado ou obrigatório' designará todo trabalho ou serviço exigido de um indivíduo sob ameaça de qualquer penalidade e para o qual ele não se ofereceu de espontânea vontade".

Por todo o exposto, alguns dos elementos que caracterizam a escravidão contemporânea são as dívidas ilegais, o isolamento geográfico, os alojamentos precários, a falta de saneamento básico e higiene, as jornadas exaustivas, os maus tratos e ameaças, a retenção de direitos e, por fim, a inexistência - ou existência ínfima - de salário. Contudo, há elementos que, isoladamente, não configuram, por si só, a situação de trabalho escravo, como, por exemplo, a falta de assinatura da CTPS, a baixa remuneração, doenças ocupacionais e assédio moral.

Portanto, cada caso é único e merece ser analisado em sua individualidade a fim de evitar generalizações equivocadas.




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