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Famílias Homoafetivas: da completa anomia regrada de preconceitos aos posicionamentos positivos adotados pelos Egrégios Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça


Autoria:

Alyssom Leandro Costa


Estudante do 10º Período de Direito pela FACECA - Faculdade Cenecista de Varginha/MG. Estagiário do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais/TJMG junto à 2ª Vara Cível, Criminal e da Infância e Juventude da Comarca de Boa Esperança/MG.

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Resumo:

O presente estudo visa efetivar uma simplória, conquanto esclarecedora, análise da homoafetividade como elemento compositor do atual conceito de Família do Direito pátrio, bem como verificar os direitos assegurados à referida categoria.

Texto enviado ao JurisWay em 02/11/2012.



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O ser humano, antes de ser um ser pensante ou volitivo, é um ser amante. (Max Scheler)

 

Época triste a nossa, em que é mais difícil quebrar um preconceito do que um átomo. (Albert Einstein)

 

Afinal, se as pessoas de preferência heterossexual só podem se realizar ou ser felizes heterossexualmente, as de preferência homossexual seguem na mesma toada: só podem se realizar ou ser felizes homossexualmente. Ou “homoafetivamente”, como hoje em dia mais e mais se fala, talvez para retratar o fato de que o século XXI já se marca pela preponderância da afetividade sobre a biologicidade. (Ministro Ayres Britto)

 

 

RESUMO

 

O presente trabalho visa a realização de um estudo acerca da situação da comunidade LGBT – Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transsexuais e Transgêneros – em face do atual panorama social pátrio, bem como uma verificação da situação das leis que asseguram direitos e que versem sobre a matéria. Embasa-se a presente no método histórico-hipótético-dedutivo (por intermédio do qual é efetivada uma análise histórica, elaborando hipóteses, encontrando e discutindo os problemas advindos destas com a propositura de hipóteses previamente asseveradas). Possui, dentre outros supedâneos teóricos, os ímpares ensinamentos da desembargadora aposentada Maria Berenice Dias, a qual, com seus ensinamentos vanguardistas, desafiou (e ainda desafia) diversos operadores do direito a repensarem seus conceitos e debaterem a problemática ora em voga, salientando que os ensinamentos da aludida doutrinadora, em grande maioria dos casos, são utilizados como norte para o embasamento de trabalhos acadêmicos, trabalhos de conclusão de curso, monografias de cursos de pós-graduação, teses de mestrado e dissertações de doutorado. O final é aquele há muito previsto: o ordenamento jurídico brasileiro está absurdamente desprovido de leis que resguardem direitos ou concedam benefícios a esta parcela social (sendo que, muitas das vezes, estes projetos não se tornam leis por capricho dos legisladores), restando, assim, configurada a anomia (qual seja, a ausência de leis reguladoras de determinada matéria). Por conseguinte, para suprir tais lacunas, o Poder Judiciário precisa intervir nas problemáticas que lhe são trazidas, muitas das vezes proferindo decisões que são utilizadas e consideradas como leis pelos operadores do direito interessados pelo Direito de Família – em especial, do direito homoafetivo.

 

Palavras-chave: Famílias homoafetivas. Homossexualidade. Asseguração de direitos. Anomia.

 

ABSTRACT

 

The present work aims to conduct a study about the situation of LGBT - Lesbians, Gays, Bisexuals, Transsexuals and Transgendered people – in the face of the current social panorama of the homeland, as well as a verification of the situation of laws which guarantee rights and that cases on the subject. The base of this in history-hypothetic-deductive method (through what is in effect a historical analysis, making hypotheses, finding and discussing the issues arising out of these with the filing of cases previously mentioned). It has, among other theoretical foundation, Maria Berenice Dias’ teachings, which, with its avant-garde teaching, challenged (and challenging) several operators of right to rethink their concepts and discuss the problem now in vogue, noting that the teachings of authoress alludes, in the vast majority of cases, are used as North to the basement of academic paperscompletion of course work, monographs of postgraduate courses, master's theses and doctoral dissertations. The end is that there is much expected: the Brazilian legal system is ridiculously devoid of laws that grant benefits to protect rights or this installment social (and, often, these projects do not become laws on a whim of legislators), leaving thus configured anomie (namely, the absence of regulatory laws in a particular matter). Therefore, to remedy such deficiencies, the Judiciary needs to intervene in problems that are brought, often delivering decisions which are widely used and considered as laws by the operators concerned by the law family law – in particular, the right homoaffective.

 

Keywords: Homoaffective family. Homosexuality. Rights protection. Anomy.



1 INTRODUÇÃO

 

Século: XXI. Ano: 2012. Em pleno auge das evoluções tecnológicas, que cada vez mais colocam em xeque situações que outrora seriam consideradas como insuscetíveis de solução, finalmente coragem foi tomada para quebrar o tabu e decidir sobre uma questão que há muito assola os meios sociais e que sempre foi regida pelo silêncio.

O presente trabalho visa, de forma sucinta, conquanto esclarecedora, apresentar os principais aspectos que permeiam a sociedade e as relações homoafetivas – também denominadas pela sigla LGBT (representando lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e transgêneros), bem como apresentar as parcas medidas que foram tomadas pelos poderes compositores da República Federativa do Brasil, com o intuito de se acabar (ou pelo menos minorar) com as conseqüências oriundas da repulsa social.

O foco principal deste estudo é analisar se (in)existem direitos, no Brasil, que amparem esta classe social, bem como saber o que o Estado – em especial, o Poder Legislativo – estaria fazendo para acabar com as discriminações que este grupo sofre.

Para tanto, acredita-se que, salvo uma parca menção efetuada junto à Lei nº. 11.340/06, comumente denominada “Lei Maria da Penha”, inexistem leis que assegurem direitos aos homossexuais no Brasil, estando estes jogados à própria sorte. Ademais, acredita-se que o Poder Legislativo estaria buscando meios de não promulgar leis com teor homoafetivo, entendendo-se que tal fato se dê graças ao preconceito que já está profundamente inserto nos meios sociais, atingindo esferas onde este não merece espaço – qual seja, o Congresso Nacional.

Tal tema merece guarida não só pelos acadêmicos das ciências jurídicas (por intermédio de trabalhos de conclusão de cursos, dissertações de mestrado ou teses de doutorado, dentre outros), como também pelos mais experientes juristas e profissionais operadores do direito pelas tribunas afora, posto ser absurdamente inadmissível que a sociedade não acompanhe as evoluções que lhe rodeiam, mesmo após decorridos milhares e milhares de anos. É preciso que todos pensem não somente que aqueles que possuem atração por pessoas do mesmo sexo são seres humanos como qualquer outro, como também que a nossa Lei Maior defende os direitos de todos (vedando a prática de quaisquer espécies de discriminação), bem como o fato de que todos os cidadãos deveriam se colocar no lugar de um indivíduo homoafetivo e se perguntar: Eu gostaria de ser tratado assim, como estou tratando aquela pessoa?.

Embasa-se a presente no método histórico-hipótético-dedutivo (por intermédio do qual é efetivada uma análise histórica, elaborando hipóteses, encontrando e discutindo os problemas advindos destas).

Possui, dentre outros supedâneos teóricos, os ensinamentos de Maria Berenice Dias, a qual, com seus ensinamentos vanguardistas, desafiou (e ainda desafia) diversos operadores do direito a repensarem seus conceitos e debaterem a problemática ora em voga, salientando que os ensinamentos da aludida doutrinadora, em grande maioria dos casos, são utilizados como norte para embasar posicionamentos e, muitas das vezes, garantir direitos àqueles que, por muitas das vezes, se consideram derrotados por uma sociedade absolutamente conservadora e mesquinha.

A priori, é apresentado um panorama cronológico, por intermédio do qual se verifica a evolução da comunidade homoafetiva (bem como a maneira como a mesma era encarada em diferentes épocas da história), culminando com a evolução dada ao conceito de família graças à homofetividade.

Prosseguindo, um capítulo é destinado para a análise e evolução vernacular, que culminou com a atual e pioneira utilização do vocábulo homoafetividade e seus derivados, em detrimento dos demais outrora utilizados e não mais corretos para designar tal parcela social e tudo o que dela se origina.

Após, uma análise que, apesar de perturbadora, se faz mister: a anomia. O que vem a ser, onde surgiu e qual a sua relação com o caso em apreço.

Um ponto de intrínseca relevância para o deslinde dos presentes estudos é uma análise do contexto fático que envolve a comunidade homoafetiva sob a lupa da Constituição da República Federativa do Brasil, a qual, apesar de já ter sido promulgada há praticamente 24 anos, infelizmente é desconhecida por muitos, bem como não é devidamente aplicada e utilizada para a solução de litígios envolvendo a comunidade homoafetiva perante o meio social por muitos juristas.

Por sua vez, embasando-se nos estudos alhures, é efetivada uma análise no ordenamento jurídico infraconstitucional, visando descobrir quais os direitos que já foram assegurados à comunidade homoafetiva, bem como quais são aqueles que ainda necessitam ser alcançados, como também quais os projetos de lei (PL’s) existentes e em tramitação perante o Congresso Nacional, mas, que, por algum motivo, não se tornam leis (deixando, desta feita, uma significativa parcela social à margem da proteção do ordenamento jurídico pátrio).

Ao final, é relevante asseverar que, dada a morosidade (e, por muitas vezes, má vontade) que permeia o Poder Legislativo pátrio, não pode o Poder Judiciário se esquivar de apreciar e resolver lides sob a escusa de inexistência de supedâneo legal para embasar seus posicionamentos: assim sendo, são apresentados os frutos da função atípica do Poder Judiciário – quais sejam, julgados que, dada a sua intrínseca relevância e abrangência, bem como o seu poder de coação social, podem a eles ser atribuída uma certa força, equiparando-o à de uma lei (até que o Poder Legislativo resolva descruzar seus braços e aja em favor da sociedade).

Destaca-se que tais julgados não são leis; contudo, por resolver pendências que não possuem soluções legais, por serem de grande inovação tais decisões, e por conseguir alcançar um final a discussões infindáveis, merecem destaque ímpar, caracterizando-se por serem decisões corajosas de operadores do direito que, acima de tudo, entendem que, conforme as palavras de Cármem Lúcia, “[...] o Direito existe para a vida, não a vida para o Direito”. (BRASIL, 2011, p. 697).

 

 

2 PASSADO, PRESENTE E FUTURO: UM ESTUDO CRONOLÓGICO

 

Como toda e qualquer discussão científica sobre determinado assunto, nas ciências jurídicas faz-se mister a realização de um estudo (ainda que sucinto) sobre as raízes que deram origem aos institutos que ora se estudam. Tal relevância se faz presente, conforme os ensinamentos ora esposados em um site da rede mundial de computadores:

 

O estudo da história, sem dúvidas, possui um enorme grau de importância. Pois a história dita o que aconteceu, o que deve e não deve se repetir; além de nos mostrar de onde surgiram todos os pensamentos e tudo o que foi criado e modificado pelo homem. Logo, a absorção de conhecimentos históricos é fundamental à educação de uma pessoa.

Com os seus dizeres, a história nos dá plena consciência sociocultural. Isso ocorre devido ao oferecimento de uma linha do tempo bem formada, por onde estudamos a arrogância e a autoridade absoluta de ditadores, por exemplo. O produto deste estudo, nos dá uma capacidade de notar o que realmente acontece e comparar o tempo atual.[1]

 

No presente caso, não será diferente: para que se atinjam os objetivos precípuos deste estudo, é demasiado importante que se atente a um estudo cronológico, por intermédio do qual será constatável a evolução social e dos institutos que ora são postos em exame, bem como qual a maneira que estes são vistos perante a sociedade nos dias atuais.

 

2.1 Aspectos Históricos da Homoafetividade

 

Conforme já destacado alhures, o estudo dos aspectos históricos é relevante para que se determine o atual panorama social. E, com a homoafetividade, não é diferente.

Durante os estudos da disciplina de história nos ciclos de alfabetização, intermediários e no ensino médio, não é destacado que estas evoluções histórico-sociais sempre estiveram emparelhadas com a evolução homoafetiva. Na verdade, merece guarida os ensinamentos de Maria Berenice Dias, os quais prelecionam uma possível justificativa para este não ensinamento:

 

A homossexualidade é tão antiga quanto a heterossexualidade. É uma realidade presente em todas as partes e desde as origens da humanidade. Apesar de, na maioria das vezes, não ser admitida, nenhuma sociedade jamais ignorou sua presença. Acompanha a história humana e, se nunca foi aceita, sempre foi tolerada. Mutações dos costumes e dos códigos sociais, bem como diferenças geográficas e temporais, acabam condicionando a maneira de encarar o amor entre iguais. As diversas culturas e civilizações sempre encontraram uma forma de revelar sua existência, por meio de mitos, lendas, relatos ou encenações. As restrições que até hoje são impostas às uniões homoafetivas dizem mais com sua externalidade, ou seja, é alvo de rechaço o comportamento homossexual, sua conjugalidade, muito mais do que sua prática. (DIAS, 2009, p. 34).

 

Ora, ainda que a sociedade tenha negado (e ainda nega) a existência de alguns indivíduos que fogem à normalidade (como comumente os homossexuais são designados), pelo menos é fato que estes existam e estejam presentes nos meios sociais em que vivemos. Todavia, destaca-se que, em muitos casos, as condutas homoafetivas eram aceitas e bem vistas pelos corpos sociais daqueles tempos.

A seguir, são apresentados alguns exemplos de sociedades nas quais as relações homoafetivas ocorriam, sem que se houvessem de contestar, em muitos dos casos, sobre a pessoa de seus participantes (embora, em alguns casos, aquele que assumisse a passividade na relação não seria tão bem visto como aquele que assumisse o pólo ativo da mesma); bem como são apresentadas as evoluções que a homossexualidade/homoafetividade causaram nestas sociedades.

 

2.1.1 Homoafetividade em algumas civilizações antigas – civilização egípcia

 

Um exemplo clássico se deu há mais de dois mil anos, nas terras egípcias. A cidade de Tebas (que, por muito tempo, foi considerada como a mais próspera do Egito) possuía um exército de guerreiros, o qual protegia a cidade, seus habitantes e ideais; por sua vez, o referido Sagrado Exército de Tebas era composto de jovens soldados, os quais recebiam de seus parceiros os ensinamentos da arte e da guerra, e, ao mesmo tempo, eram amantes entre si (DIAS, 2009). Isso mesmo: considerando que hoje a relutância pelo ingresso de homossexuais nos exércitos é grande, causa espanto a assertiva de que um dos maiores e mais poderosos exércitos que surgiram no decorrer da história da humanidade era composto de soldados que mantinham, entre si, relações homossexuais.

Ora, a força do referido exército de Tebas era tamanha, e seus costumes (principalmente a mantença de relações sexuais entre seus integrantes) eram tão difundidos, que lendas foram criadas, as quais deram ainda mais força e poder aos soldados (força esta que apenas o faz perder para Felipe, Rei da Macedônia, o qual, por sua vez, era o pai de Alexandre o Grande). (DIAS, 2009). Dentre estas lendas, a de que “existe um conto sobre duas divindades que vêm para a terra e fazem sexo com dois homens”. (NOGUEIRA, [2010?], p. 8) reforçam ainda mais os relatos e aspectos de que os soldados mantinham relacionamento entre si.

 

2.1.2 Homoafetividade em algumas civilizações antigas – civilização grega

 

Noutro norte, na Grécia (berço de diversas ciências, dos jogos olímpicos e de algumas das atuais formas de governo), a prática de atos homossexuais era absolutamente liberalizada, não sendo vista com preconceitos ou recebendo olhares atravessados: pelo contrário, muito do que ocorria naquela sociedade possuía intrínseca ligação com a prática de atos homossexuais (DIAS, 2009). Na verdade, apesar de existirem a bissexualidade e a heterossexualidade, ambas estavam inseridas no meio social grego, mas, enquanto a bissexualidade era admitida, a heterossexualidade era vista de modo alternativo, visando a procriação da espécie humana (DIAS, 2009). Destaca-se, mais uma vez, que a existência e a aceitação social das relações homoafetivas no contexto social grego era evidente, conforme se afere do magistério de Maria Berenice Dias:

 

Na Grécia, o livre exercício da sexualidade fazia parte do cotidiano dos deuses, reis e heróis. O mais famoso casal masculino da mitologia grega era formado por Zeus e Ganimede. Lendas falavam do amor de Aquiles por Pátroclo e dos constantes raptos de jovens por Apolo. [...] Vista como uma necessidade natural, a homossexualidade restringia-se a ambientes cultos, como manifestação legítima da libido, verdadeiro privilégio dos bem-nascidos. Não era considerada uma degradação moral, um acidente ou um vício. Todo indivíduo poderia ser ora homossexual ora heterossexual, dois termos, por sinal, desconhecidos na língua grega. [...] (DIAS, 2009, p. 35, grifo do autor).

 

Não se pode olvidar que a prática de atos homoafetivos pelos gregos – conhecida pelo nome de pederastia[2] – restringia-se apenas àqueles ocorridos entre os homens (não sendo, portanto, bem visto se praticado entre as mulheres), tendo como finalidade precípua a transmissão de conhecimentos. (DIAS, 2009). Os preceptores[3] escolhiam os efebos[4] para transmitir-lhe conhecimentos – escolhidos os preceptados[5], estes teriam como função “servirem de ‘mulher’ a seus preceptores, com o que ficariam mais bem treinados para a guerra e mais hábeis para a política”. (DIAS, 2009, p. 36, grifo do autor).

Interessante observar, ainda, que tal aceitação social era vista em todos os ambientes gregos – desde a prática de atividades teatrais e esportivas até mesmo no campo de batalha: no teatro, as representações eram exclusivamente masculinas, de modo que, acaso houvesse algum papel feminino a ser desempenhado na apresentação, este seria representado por um homem, seja com o mesmo se travestindo de mulher, seja pela utilização de máscaras; na ocorrência dos Jogos Olímpicos, era estritamente vedada a participação de mulheres nas arenas – os homens competiam nus exibindo seu físico, sendo que aquelas não poderiam assistir às competições por não serem consideradas preparadas para apreciarem aquilo que lhes seria apresentado. (DIAS, 2009).

Já nos campos de batalha, assim com o Sagrado Exército de Tebas, o exército da cidade-estado de Esparta também era permeado de relações homoafetivas, no entanto, com foco diferente daquele mencionado alhures. No exército espartano, as práticas homoafetivas eram utilizadas visando uma maior eficiência dos guerreiros quando dos momentos no campo de batalha: tendo os guerreiros mantido relacionamentos sexuais entre si, ao entrarem no campo de batalha, os combatentes não estariam apenas lutando por amor à sua cidade-estado, mas também por amor àquele que estaria ao seu lado naquele crítico momento de guerra (DIAS, 2009).

Paulo Roberto Vecchiatti[6] (2008, p. 44, apud DIAS 2009, p. 36) destaca que “a notória eficiência do exército espartano torna, no mínimo, curioso o preconceito contemporâneo contra a presença de homossexuais nas Forças Armadas, como se não fossem capazes de exercer a função militar tão bem quanto os heterossexuais”.

 

2.1.3. Homoafetividade em algumas civilizações antigas – civilização romana

 

Em Roma, a prática de relações homossexuais – denominada sodomia[7] - era absolutamente aceitável. Tanto o é que, em nenhum momento, a mesma era escondida ou ocorria sob o manto da clandestinidade: na verdade, a naturalidade como estas eram encaradas as equiparava às relações heterossexuais (embora mereça destaque afirmar que, ainda que tais práticas fossem devidamente aceitas somente com relação àqueles que assumissem o pólo ativo da relação – ou seja, aquele que assumisse a passividade na relação não era bem visto, haja vista que esta passividade era analogicamente considerada como impotência política, sendo que, por conseguinte, se implicava em certa debilidade de caráter). (DIAS, 2009). Maria Berenice Dias destaca sobre esta relação de atividade e passividade, asseverando que “Como quem assumia o papel passivo eram rapazes, mulheres e escravos – todos excluídos da estrutura do poder –, clara a relação entre masculinidade-poder-político e passividade-feminilidade-carência de poder”. (DIAS, 2009, p. 37).

 

2.2 Evolução Histórica da Homoafetividade e a Consequente Mudança no Conceito de Família

 

Conforme destacado alhures, nas civilizações mais antigas, as relações homoafetivas eram encaradas como um fato natural, que sempre tinha como objetivo precípuo a transmissão de conhecimentos – no caso dos egípcios e gregos –, ressalvados os casos de busca de efetividade nas forças armadas – espartanos – e de satisfação pessoal – romanos. Errôneo afirmar a inexistência de preconceito, haja vista que, no caso dos romanos, por exemplo, aquele que assumia o pólo passivo na relação homoafetiva era visto como impotente a nível político, bem como portador de caráter debilitado; contudo, é perceptível que este era em menor destaque que o perceptível no panorama social atual. (DIAS, 2009).

Entretanto, com o passar dos anos, houve a evolução da sociedade e, por conseguinte, a religião (e tudo aquilo que dela deriva) também acompanhou tal evolução, passando a intervir diretamente em todas as questões que diretamente interfiram na sociedade como um todo, marcando, portanto, as épocas em que imperava o teocentrismo. E é a partir de tal momento que as intolerâncias passam a surgir e os preconceitos se acentual de forma gritante, fazendo com que aqueles que sentissem atração por outras pessoas de sexo equânime ao seu sofressem os estigmas de tal intervenção. (DIAS, 2009).

E, da mesma forma que houve a evolução histórica que culminou com a intervenção clerical há centenas de anos atrás, esta mesma evolução, anos após esta caça às bruxas estabelecida contra os homossexuais, trouxe em seu bojo significativas mudanças no contexto fático social, o que, por conseguinte, acarretou em um afrouxamento das regras sociais (DIAS, 2009). Neste ínterim, houve uma perda significativa da influência da Igreja sobre as pessoas, fazendo com que, determinados aspectos outrora considerados como pecaminosos, já não mais sejam assim considerados; e é nesse sentido que Maria Berenice Dias preleciona:

 

Significativas mudanças sociais levaram ao surgimento de uma sociedade menos homofóbica. O declínio da influência da Igreja fez diminuir o sentimento de culpa, e o prazer sexual deixou de ser criminoso. O casamento oficializado pelo Estado dessacralizou-se e novas estruturas de convívio emergiram, deixando de ser alvo do repúdio social. Passou a haver maior valoração do afeto, e a orientação sexual passou a se caracterizar como uma opção, e não como um ilícito ou uma culpa. Mais do que uma opção, trata-se de um direito, que pode ser exercido de forma livre. (DIAS, 2009, p. 41).

 

E, a partir desta evolução, é que se caminhou, a passadas lentas, ao panorama atual pátrio: de uma sociedade unicamente machista, passou-se a considerar mais o aspecto familiar e afetivo das relações, de modo que, atualmente, não mais é aceito o ultrapassado conceito de que família visa apenas e tão somente a procriação; é construído, nos dias atuais, um novo conceito de família (o qual, por sua vez, atinge de forma intrínseca o Direito de Família), no qual é a união de dois indivíduos, independente de suas orientações sexuais, com o intuito de conviverem juntos em um local de afeto e respeito.

 

Se a realidade social impôs o enlaçamento das relações afetivas pelo Direito de Família, se a moderna doutrina e a mais vanguardista jurisprudência definem a família pela só presença de um vínculo de afeto, mister reconhecer a existência de duas espécies de relacionamento interpessoal: as relações heteroafetivas e as relações homoafetivas. Ambas se constituem por um comprometimento afetivo.

Mudaram os paradigmas da família. O casamento deixou de ser seu traço identificador, com exclusiva função procriativa. Quer o surgimento dos métodos contraceptivos, quer a evolução da engenharia genética desatrelaram os conceitos de sexo, casamento e reprodução. (DIAS, [2002?], s.p.).

 

E é fato que a evolução homoafetiva ocorrida no decorrer da história influencia de forma íntima tal conceituação.

 

Aflora como direito fundamental o direito à felicidade. Na era dos direitos humanos, não pode o Estado deixar de cumprir sua real finalidade, fazer com que a família exerça o seu papel de garantir a cada um de seus membros o direito de ser feliz. Um estado que não garanta tal promessa a todos deixa de cumprir uma obrigação ética. (DIAS, 2009, p. 42).

 

 

3 ETIMOLOGIA: A EVOLUÇÃO QUE CULMINOU NA UTILIZAÇÃO DO VERNÁCULO HOMOAFETIVO E DA SIGLA LGBT

 

Conforme destacado alhures, a luta pela evolução racional da sociedade, com o intuito de acabar com a estigmatização da comunidade homoafetiva e de tudo o que dela deriva é constante e, até o presente momento, desprovida de término. E um dos aspectos que certamente influencia de modo direto nesta luta é a evolução etimológica.

Sobre as formas de caracterizar a problemática que ora se discute, assevera Maria Berenice Dias, citando, ainda, em seu magistério, Andrew Sullivan:

 

A experiência homossexual já foi identificada como uma doença, uma perturbação, uma maldição. Até pode ser considerada digna de “cura”, retificada, abraçada, suportada, mas, como diz Andrew Sullivan, ela existe. Interpretada das formas mais diversas, muitos se lançam na aventura de tentar explicar a atração por pessoa do mesmo sexo, para justificá-la ou para encontrar formas de revertê-la. (SULLIVAN[8], 2006, p. 22 apud DIAS, 2009, p. 45, grifo do autor).

 

E, visando alcançar tal explicação, terminologias foram utilizadas, sendo as mesmas modificadas à medida que a sociedade evoluía (e, por conseguinte, tal vocábulo não mais se mostrava adequado a justificar ou explicar tal situação).

Primeiramente, se buscou um conceito embasado na orientação sexual dos indivíduos. Para tanto, Roger Raupp Rios (1998) explica que, basicamente, a orientação sexual se resumiria em uma afirmação do indivíduo quanto à sua identidade pessoal cuja atração sexual se daria por pessoa do sexo oposto, por pessoa do mesmo sexo, por pessoas de ambos os sexos ou o posicionamento de não sentir atração sexual por ninguém. Sendo assim, o vocábulo homossexualidade (e os seus respectivos derivados, quais sejam, heterossexualidade, bissexualidade e abstinência sexual, representando, pois, cada uma das situações anteriormente elencadas) surgiu dos estudos do médico húngaro Karoly Benkert, sendo que a referida terminologia passou a veicular nos meios científicos a partir do ano de 1869, sendo tal vernáculo composto pelo prefixo grego homo (que significa igual) e pelo sufixo latino sexus (que significa de sexualidade semelhante) (DIAS, 2009).

Outra expressão utilizada para designar as relações entre indivíduos de sexos equânimes é homoerotismo. A mesma foi criada em 1911 por E. Harsh-Haak, e teria um sentido mais amplo e menos discriminatório, na medida em que traria em seu bojo maior flexibilidade ao descrever a pluralidade das práticas e/ou desejos dos sujeitos. (DIAS, 2009). Por conseguinte, excluiria as referências à anormalidades, desvios ou patologias que estavam intrínsecas no antigo vernáculo utilizado: homossexualismo (homo: igual, equânime; sexus: sexualidade semelhante; ismo: alusivo a patologias, doenças). (DIAS, 2009).

Foi também utilizada a terminologia perversão, simbolizando toda e qualquer prática que destoe das habituais práticas sexuais heteroafetivas, sendo tal oriunda do vernáculo perversere, representando tudo aquilo que é oposto, que esteja às avessas, ou que tenha tomado o caminho errado (DIAS, 2009). Cumulando tal conceituação com o senso comum, é dada maior conotação discriminatória, posto que o senso comum interpreta a palavra perversão como sendo aquilo que denigra a moral comungada pela maior parcela social. Contudo, a referida terminologia é severamente criticada pelos estudiosos do Direito, em especial do Direito de Família, uma vez que não se trata de uma escolha de caminhos; mas sim de como a pessoa se sente, de como ela se realiza e de como ela encontra a sua felicidade. Tal crítica é acompanhada por Roberto B. Graña[9] (1996, apud DIAS, 2009, p. 47), o qual defende a impropriedade de utilização de tal palavra “porque tem o sentido de um anátema lançado sobre os desajustados ou detratores de certas normas ou instituições”.

Na França, surgiu um termo que, apesar de pouco conhecido em nossa pátria, por lá é muito utilizado: inversão sexual. (DIAS, 2009). Tal expressão consagraria o princípio de que todas as qualidades dos indivíduos que se interessassem por aqueles de gênero equânime ao seu permaneceriam inalteradas, sendo que apenas a conduta sexual do indivíduo é que seria alvo de mudanças (afastando-se dos padrões heterossexuais e alcançando o universo homossexual).

Não só as expressões supra destacadas são utilizadas para caracterizar as relações entre indivíduos do mesmo gênero; outras foram criadas, sempre visando uma finalidade precípua: minorar cada vez mais (ou, até mesmo, extinguir) qualquer possibilidade de discriminação de tais indivíduos perante a sociedade, bem como livrá-los de quaisquer características pejorativas ou jocosas, visando, acima de tudo, a equiparação de todos, heterossexuais e homossexuais. Exemplificando esta evolução etimológica que culminou nos dias atuais, tem-se o magistério de Sylvia Mendonça do Amaral:

 

Até 1985, a expressão homossexualismo era a utilizada pelo CID (Classificação Internacional de Doenças), uma publicação da OMS (Organização Mundial da Saúde). A OMS incluía o homossexualismo no rol de distúrbios mentais, como uma patologia. A partir de 1985 o homossexualismo foi inserido no capítulo dos sintomas decorrentes de circunstâncias psicossociais. Seria um desajustamento social decorrente da discriminação religiosa ou sexual, sendo que o sufixo ismo designa doença. Em 1995, o CID deixou de utilizar a expressão homossexualismo adotando a expressão homossexualidade, onde dade designa um modo de ser. Estabeleceu-se, assim, que homossexualidade seria a palavra mais correta e menos discriminatória a ser utilizada. Porém os juristas e estudiosos do tema sugeriram a alteração da nomenclatura para relações homoeróticas ou homoafetivas, tendo o público optado claramente por relações homoafetivas, que é a expressão que utilizo neste texto em virtude de tal preferência. (AMARAL, 2003, p. 26).

 

No entanto, o destaque maior perante a ciência jurídica pátria é destinado à doutrinadora Maria Berenice Dias (2009), a qual, após analisar o cunho discriminatório que existia em todos os vocábulos caracterizadores dos indivíduos homossexuais, bem como a insuficiência destes para a devida caracterização, desenvolveu um vocábulo que, atualmente, é muito bem visto pela comunidade jurídica, embora ainda encontre seus opositores: tal vocábulo denomina-se homoafetividade, sendo devidamente justificado pela doutrinadora alhures mencionada a criação da aludida terminologia, conforme se afere de seus ensinamentos:

 

A conotação depreciativa de todas as expressões que identificam as relações afetivas entre pessoas do mesmo sexo é que me levou, na primeira edição desta obra, no ano de 2000, a criar o neologismo homoafetividade, buscando evidenciar que as uniões de pessoas do mesmo sexo nada mais são do que vínculos de afetividade. O termo mereceu ampla aceitação, já estando inserida no vocabulário jurídico e na linguagem comum. Quem sabe mudando conceitos se eliminam preconceitos. Até porque não há dúvida de que o afeto existente na maior parte das uniões homossexuais é idêntico ao elemento psíquico e volitivo das uniões conjugais e companheirais. (DIAS, 2009, p. 48, grifo do autor).

 

Ainda que a palavra homoafetividade tenha encontrado diversos aceitadores e defensores, a mesma também encontrou seus opositores: para estes, não se justifica utilizar a expressão relações homoafetivas, uma vez que não se utiliza a expressão relações heteroafetivas, sendo, portanto, errônea tal nomenclatura. No entanto, repisa-se que ampla gama da comunidade jurídica aceita e adota a expressão homoafetividade, razão pela qual a mesma não só não poderia passar despercebida pelas linhas do presente estudo, como também se fazia mister para acompanhar o título do mesmo.

No que concerne às siglas utilizadas para descrever a comunidade homoafetiva em nossa sociedade, sem sombra de dúvidas a que se tornou mais conhecida foi a primeira criada: GLS (significando gays[10], lésbicas[11] e simpatizantes).  Surgiu em 1993, quando da realização do Festival de Cinema e Vídeo Mix Brasil. Seus produtores perceberam que os freqüentadores do evento (apesar de estarrecedora maioria ser composta de gays e lésbicas) era composta por uma parcela de indivíduos heterossexuais, os quais passaram a ser denominados pelo termo simpatizantes (em clara alusão à terminologia inglesa gay friendly – literalmente, amigável ao gay). (DIAS, 2009).

Merece ser destacado, contudo, que, apesar da palavra gay possuir tal significado na língua portuguesa, conforme abaixo se verifica, se for buscado o legítimo significado de tal palavra em sua origem anglicana, encontrar-se-ão significados absolutamente diferentes[12].

Com o passar dos tempos, mais algumas siglas agregaram à sigla principal alhures mencionada: a letra B, representando os bissexuais[13]; e a letra T, representando transexuais[14], travestis[15] e transgêneros, passando, pois, tal sigla a ser vista perante a sociedade como GLBTTT.

Contudo, apesar de estar praticamente formada a referida sigla, ainda ocorrera uma mudança de intrínseca importância: a ABGLT – Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais[16] - em assembléia realizada nos idos de 2008, entendeu pela mudança da sigla outrora mencionada para a sigla LGBTT, sendo que as letras possuiriam o mesmo significado anterior; todavia, tal mudança se deu com o intuito de se demonstrar e destacar a existência de relações homossexuais entre as mulheres (haja vista que, anteriormente, o foco principal era nas relações entre homens, sendo que a idéia das relações entre mulheres era pouco divulgada ou mencionada nas discussões que envolviam o núcleo homoafetivo). (DIAS, 2009).

Por fim, merecem destaque algumas outras expressões e siglas que, ainda que não sejam devidamente difundidas perante o meio social, necessitam ter seus ensinamentos difundidos perante a mesma:

a) HSH: tal sigla representa homens que fazem sexo com outros homens. Geralmente, a mesma é encontrada junto a formulários da área de saúde (DIAS, 2009);

b) Heteroflexível: é uma idéia deveras recente, a qual está sendo considerada, pelos estudiosos da sexualidade, como uma nova difusão da mesma. Tal terminologia caracteriza indivíduos (em especial, adolescentes e mulheres, cujos quais são de maior incidência dentro deste grupo) que, eventualmente, praticam relações sexuais e afetivas com pessoas do mesmo gênero e do gênero oposto, até que estes indivíduos descubram aquilo que lhes proporciona mais prazer e satisfação pessoal (se a prática de relações heterossexuais ou de relações homossexuais), não significando, portanto, que tal indivíduo seja homossexual ou bissexual (haja vista que, para estes últimos, a prática de relações afetivas e sexuais com indivíduos do mesmo gênero – para o primeiro grupo – ou com indivíduos de ambos os gêneros – para o último grupo – se dá em caráter habitual, e não esporádico, como ocorre para os heteroflexíveis). (DIAS, 2009);

c) Crossdresser: tal neologismo foi criado através da junção de dois vocábulos anglicanos (cross, que representa cruzar, atravessar; e dresser, que representa vestir-se, trajar-se). Portanto, tal terminologia representa aqueles que, de forma eventual, gosta ou sente prazer em utilizar indumentárias do sexo oposto. Destaca-se que a prática de tal hábito em nada influi para a análise da orientação sexual do indivíduo, haja vista que o mesmo pode ser heterossexual e sentir o desejo de, eventualmente, utilizar roupas femininas, por exemplo, sendo que as suas relações sexuais e afetivas são praticadas apenas e tão somente com mulheres. (DIAS, 2009).

Enfim, o aspecto primevo que merece guarida no presente capítulo (e que, por conseguinte, deverá se difundir por todas as páginas do presente estudo) é o de que, acima de tudo, independente da terminologia a ser utilizada, deve ser levada em consideração a orientação sexual do indivíduo, sendo certo que a terminologia, se utilizada de maneira correta, poderá influir (e muito) para obstar preconceitos, humilhações, discriminações ou caracteres jocosos para a comunidade homoafetiva. Desta feita, levando-se em consideração os aspectos discriminatórios que se busca evitar, o vocábulo e a sigla que melhor defendem os interesses da comunidade homossexual sem trazer quaisquer conotações discriminatórias são homoafetivo e LGBT, respectivamente.


 

4 ANOMIA: UMA REALIDADE PERTURBADORA

 

Ao se abordar o assunto famílias homoafetivas e tudo o que de tal se deriva, é inaceitável que se deixe de abordar sobre a anomia. Contudo, antes de adentrar em tal discussão, faz-se mister uma breve deliberação sobre o que significa tal vernáculo, bem como qual a sua origem.

 

4.1 Conceituação, Origem da Anomia e sua Consequente Relação com a Homoafetividade

 

De acordo com o dicionário Michaelis:

 

anomia
a.no.mi.a
sf (anomo+ia1) 1 Ausência de lei ou regra; anarquia. 2 Estado da sociedade no qual os padrões normativos de conduta e crença têm enfraquecido ou desaparecido. 3 Condição semelhante em um indivíduo, comumente caracterizada por desorientação pessoal, ansiedade e isolamento social. 4 Med Perda da faculdade de dar nome aos objetos ou coisas ou de reconhecer e lembrar seus nomes. (MICHAELIS, 2011, s.p., grifos do autor).[17]

 

E, conforme constante do Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa ([1986?], p. 126, grifo do autor), “anomia. [De a-3 + -nom(o)- + -ia] S.f. Ausência de leis, de normas ou de regras de organização”.

De tais conceituações ofertadas pelas obras alhures mencionadas, aquela que melhor se amolda à discussão ora em voga é a primeira ofertada pelo dicionário Michaelis, a qual comunga com a ofertada pelo Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa.

E, acerca de tal, disserta Maria Berenice Dias, citando, ainda, Luiz Edson Fachin, que, apesar de não utilizar explicitamente o termo anomia, ao mesmo se refere com categoria, conforme se afere:

 

Todas as questões referentes às uniões homoafetivas, além das dificuldades de ordem dogmática e cultural, esbarram no silêncio da Lei Maior, na falta de previsão de legislação infraconstitucional e no conservadorismo da Justiça. A omissão acaba por consagrar severa violação aos direitos humanos, pois afronta o direito à liberdade sexual, que não admite restrições de qualquer ordem. [...] Como bem alerta Luiz Edson Fachin[18], é importante o pronunciamento legislativo, uma vez que preenche o espaço da definição de valores criados pelos seres humanos, além de vincular o julgador quando do exame de casos concretos. (DIAS, 2009, p. 132, grifo nosso).

 

Ao se buscar as raízes de tal vocábulo, o estudioso das ciências jurídicas é remetido aos idos do final do século XIX e início do século XX. Àquela época, era desenvolvido pelo sociólogo francês Émile Durkheim a conceituação ora proposta com o intuito de explicar fenômenos que influenciassem os fatos sociais que ocorressem na sociedade e nas relações entre os seres; contudo, mesmo com os esforços do renomado sociólogo em apresentar uma definição precisa sobre a anomia, tal vocábulo acabou por obter três facetas distintas (BIERSTED, 1964 apud ROSA, 2001).

Robert Biersted[19] (1964 apud ROSA, 2001) destaca estes três significados como sendo: a) a anomia seria uma desorganização pessoal que resultaria em um indivíduo desorientado e descumpridor das leis existentes, ou ainda afastado da rigidez da estrutura social ou das normas constantes de seu meio;

b) a anomia se caracterizaria por ser uma determinada situação social na qual existem duas normas possíveis de utilização e que, por conseguinte, deixaria o indivíduo em dificuldade sobre como agir perante situações contraditórias; ou

c) a anomia se caracterizaria por uma situação social absolutamente desprovida de leis ou normas regentes de tal situação.

Todavia, ainda que tal verbete possua três ideologias distintas desenvolvidas em âmbito doutrinário, estas possuem um ponto em comum, sendo este a ausência, em determinado momento, de uma norma orientadora para que o cidadão saiba como agir (destacando que, apesar de em uma das conceituações existirem duas normas, estas estão em conflito, o que, por sua vez, acaba por caracterizar uma ausência de normas, na medida em que o indivíduo não sabe por qual delas deve agir).

Percebe-se que, ao ser feita a referência à anomia, a mesma aplica-se, de forma harmoniosa ao presente caso, pois, sendo esta uma ausência de normas que irão reger determinada situação, e considerando que não existe nenhum diploma legal regente da referida matéria (com exceção à parca menção inserida na “Lei Maria da Penha”), a relação entre as situações se formaliza. E no centro da guerra ora formada, estão os bacharéis e estudiosos do direito que, ante a ausência de normas, precisam de outros meios para resolver os litígios, estando estes inseridos no ordenamento jurídico constitucional e infraconstitucional (Lei nº. 5.478/68 – Código de Processo Civil; Decreto-lei nº. 4.657/42 – Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, com redação dada pela lei nº. 12.376/10; dentre outras).

Merece guarida os posicionamentos alhures mencionados, os quais comungam com o parecer da doutrinadora Maria Berenice Dias (2009), bem como reforça o conceito apresentado pelos dicionários: sendo a anomia uma situação ou fenômeno social no qual inexistem regras, leis ou normas que regerão as condutas dos indivíduos, esta se amolda facilmente à homoafetividade e tudo aquilo que dela se origina.

O que ocorre é um descompasso entre a evolução legal e a evolução social (onde se encontra inserta a homoafetividade), haja vista que, atualmente, inexistem leis que tratem especificamente sobre a matéria – e, aquelas que existem (p.ex. Lei nº. 11.340/06 – Lei “Maria da Penha”) abordam a questão de forma tão superficial que, por não solucionarem de forma efetiva todos os litígios, é como se inexistissem normas que abordem a matéria.

No caso em apreço, tratando-se da comunidade homoafetiva, o que se percebe é que o ordenamento jurídico (dada a sua morosidade) não conseguiu acompanhar efetivamente as mudanças sociais ocorridas com o decorrer dos tempos. Por conseguinte, as omissões legais decorrentes de tais fatos acabam por deturpar os princípios mais comezinhos do ser humano (conforme será estudado a posteriori); e, sobre esta afronta, disserta Maria Berenice Dias:

 

A heterossexualidade não é a única opção de vida que existe. Assim, não assegurar garantias nem outorgar direitos às uniões de pessoas com a mesma orientação sexual infringe o princípio da igualdade, escancarando postura discriminatória ao livre exercício da sexualidade. Os relacionamentos fundados na identidade de sexo do par merecem regulamentação, sem que se possa confundir questões jurídicas com questões morais ou religiosas. As uniões afetivas entre pessoas do mesmo sexo existem e continuarão a existir, independentemente do reconhecimento positivo do Estado. E, se o direito se mantém indiferente, de tal atitude emergirá indesejada situação de insegurança. Mais do que isso, a indiferença do Estado é apenas aparente e revela, na verdade, um juízo de desvalor. (DIAS, 2009, p. 132-3).

 

E o motivo que leva à aludida ausência também é abordado nos estudos desenvolvidos pela mesma doutrinadora:

 

As questões que dizem com a sexualidade sempre foram – e ainda são – cercadas de mitos e tabus. Os chamados “desvios sexuais”, tidos como afronta à moral e aos bons costumes, permanecem alvo da mais profunda rejeição. Ainda que a sociedade não aceite as uniões homoafetivas sem conflitos e persistam objeções morais, admoestações religiosas e posturas discriminatórias, fechar os olhos não faz desaparecer a realidade. Esse conservadorismo preconceituoso acaba por inibir o legislador, que se nega a aprovar leis sobre temas que fogem dos padrões sexuais dominantes, o que fomenta a discriminação e dá ensejo a enormes injustiças. (DIAS, 2009, p. 146-7, grifos do autor).

 

Neste ínterim, muitos questionam: existe solução para esta ausência de normas? A resposta é simples: existe.

 

4.2 Como Solucionar a Ausência de Normas?

 

Pelo fato da sociedade evoluir com mais rapidez que o ordenamento jurídico, é comum que ocorram situações nas quais conflitos surgirão, e que não haverão leis ou normas jurídicas que os solucionarão. E a referida discrepância evolucional entre sociedade, direito e o Poder Judiciário é criticada por Maria Berenice Dias, conforme se afere:

 

Ainda que a função do Legislativo seja fazer leis que atendam às necessidades de todos os segmentos sociais, fica excluído da juridicidade tudo o que pode gerar algum índice de rejeição. Quando surge alguma proposta de regulamentar algo que foge aos padrões convencionais, tidos como aceitáveis pela maioria, o legislador prefere omitir-se. Tem medo de desagradar seu eleitorado, pôr em risco sua reeleição. É bem mais confortável não votar, abandonar o Plenário e não se posicionar.

Porém, a omissão decorrente do mero receio de assumir uma posição, acaba adquirindo conotação punitiva. O silêncio do legislador passa a ser chamado pelo juiz de silêncio eloqüente, como se a ausência de lei tivesse algum significado. O medo é confundido com intenção deliberada de negar direitos. (DIAS, [2010?], s.p.)[20]

 

Contudo, não será por isso que tais lides envolvendo os indivíduos homossexuais permanecerão sem solução.

O principal a se resolver seria a propositura de leis que regulamentassem a matéria, bem como a aprovação dos tantos projetos de lei que se encontram em tramitação perante o Congresso Nacional; entretanto, por medo da reação social e por medo de não se reelegerem, a maioria dos congressistas optam por não defender os interesses da comunidade LGBT; para tanto, Maria Berenice Dias disserta a respeito:

 

A omissão covarde do legislador infraconstitucional em assegurar direito aos homossexuais e reconhecer seus relacionamentos, ao invés de sinalizar neutralidade, encobre grande preconceito. O receio de ser rotulado de homossexual, o medo de desagradar seu eleitorado e comprometer sua reeleição inibe a aprovação de qualquer norma que assegure direitos à parcela minoritária da população que é alvo da discriminação. (DIAS, 2009, p. 75).

 

Nesta seara, ao ocorrer uma situação na qual inexistem leis para reger a matéria (repisa-se, por total omissão dos membros do Congresso Nacional), existem três possibilidades de ação, sendo que, dentre estas, apenas uma é adotada pelo ordenamento jurídico pátrio, a saber:

a) Sistema non liquet: neste, ao ocorrer uma situação de anomia, o magistrado que recebeu a lide para análise opta por não julgar, aduzindo, para tanto, exatamente a ausência de respaldo legal. Contudo, tal sistema é deveras criticado, sob o argumento de que a jurisdição não terá os seus fins precípuos devidamente atendidos (sendo estes a efetivação da justiça e da pacificação social, bem como proceder à resolução das lides que, eventualmente, surgirem)[21];

b) Sistema suspensivo: ao constatar a anomia, o magistrado procede à imediata suspensão do feito, alegando a inexistência de normas regulamentadoras da matéria; após a aludida suspensão, o poder legislativo é informado acerca de tal fato, para que possa tomar as devidas providências, culminando, assim, com a propositura de uma lei regulamentadora da matéria e o retorno da tramitação do feito. Tal sistemática é severamente criticada por ofender diretamente ao princípio da separação dos poderes, também denominada de teoria da tripartição dos poderes, teoria dos freios e contrapesos ou teoria do check and ballance, haja vista que, sendo os poderes independentes e harmônicos entre si (art. 2º, CRFB/88), o Poder Judiciário interferir na esfera de atuação do Poder Legislativo, ordenando que o mesmo proceda à propositura de uma lei é uma afronta direta a tal princípio[22];

c) Sistema integrativo: constatada a anomia, não poderá o magistrado se escusar em resolver a lide alegando a lacuna da lei, de modo que, assim ocorrendo, deverá o magistrado utilizar, para a resolução da lide, a analogia, os costumes e os princípios gerais de Direito. Esta é a sistemática utilizada pelo ordenamento jurídico pátrio, conforme preceituado pela Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, em seu art. 4º[23]. [24].

Assim sendo, repisa-se que o magistrado está impedido de suscitar a tese de que não julgará determinada demanda por não existir uma lei que estude com afinco e defenda os interesses da comunidade homoafetiva. Deverá o mesmo, de alguma forma, aplicar analogicamente algum dispositivo de lei (sendo o mais utilizado a Lei nº. 11.340/06 – Lei “Maria da Penha” que prevê expressamente a aplicação da aludida Lex independente da orientação sexual dos indivíduos); verificar sobre os costumeiros julgados sobre o assunto (destacando as jurisprudências que estão aderindo à corrente de que a comunidade homoafetiva merece ser tratada com dignidade e respeito, sendo-lhe conferida os mesmos direitos que à comunidade heteroafetiva); e aplicar os mais basilares e comezinhos princípios gerais de direito, garantindo, pois, a efetiva prestação jurisdicional.

Finalizando, os ensinamentos de Maria Berenice Dias mais uma vez ofertam críticas à anomia ora estudada, desta vez ao Código Civil promulgado em 2002. Contudo, os legisladores não atenderam aos apelos feitos pela doutrinadora, conforme se afere:

 

As legislações do mundo inteiro vêm regulamentando a união de pessoas do mesmo sexo. A própria jurisprudência brasileira já reconhece sua existência, ora a identificando como sociedade de fato, ora como união estável.

Assim, é de todo descabido haver o Código Civil silenciado sobre os vínculos que não se definem pela diferença do sexo do par. Mesmo para quem vê óbice constitucional para reconhecer tais uniões como entidade familiar, é imperioso emprestar-lhes juridicidade. Como há mais de cinco anos tramita na Câmara Federal projeto de lei que busca inserir no âmbito jurídico a chamada “parceria civil registrada”, não se justifica sua exclusão do estatuto codificado recém-aprovado.

Que ao menos durante o período da vacatio legis se busque corrigir essa omissão nitidamente preconceituosa. Somente assim se estará dando eficácia à garantia constitucional de igualdade, pressuposto da liberdade individual e base do estado democrático de direito. (DIAS, [2002?], s.p.).

 

Enfim, a conclusão a que se chega é a de que é proposta a criação de diversas leis (conforme se verificará a posteriori) com o cunho de abarcar os direitos da comunidade LGBT; contudo, a covardia que impera em nosso Congresso Nacional, cumulada com a mesquinharia de nossos congressistas (pelas mais diversas formas existentes) serve como barricada, impedindo a concessão de direitos àqueles que necessitam.

Enquanto isso, a presente situação se mantém, tendo, em uma das faces da moeda, legisladores e membros da ciência jurídica de classe conservadora; na outra face, legisladores e membros da ciência jurídica de classe vanguardista; e, no centro das discussões destes indivíduos, a possibilidade (ou não) de concessão de direitos aos homossexuais.

 

 

5 CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL: DOS DIREITOS E GARANTIAS CONSTITUCIONAIS ASSEGURADOS À COMUNIDADE HOMOAFETIVA

 

É absolutamente impossível realizar qualquer discussão que envolva diretamente as pessoas sem analisar a problemática que estiver em questão sob o prisma constitucional.

Inicialmente, faz-se mister observar que, quando da elaboração da Constituição da República Federativa do Brasil, em 05 de Outubro de 1988, esta passou a ser considerada como a Constituição Cidadã, devido às diversas garantias que surgiram com o seu advento, após os aterrorizantes vinte e um anos de governo ditatorial.

Diversas garantias passaram a ser asseguradas com o advento da nova Carta Magna, constituindo um rol taxativo de garantias absolutamente invioláveis. Para tanto, Alexandre de Moraes explica, em seu magistério, a quem se destinam tais garantias:

 

O art. 5º da Constituição Federal afirma que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Observe-se, porém, que a expressão residentes no Brasil deve ser interpretada no sentido de que a Carta Federal só pode assegurar a validade e gozo dos direitos fundamentais dentro do território brasileiro, não excluindo, pois, o estrangeiro em trânsito pelo território nacional, que possui igualmente acesso às ações, como o mandado de segurança e demais remédios constitucionais. Igualmente, as pessoas jurídicas são beneficiárias dos direitos e garantias individuais, pois reconhece-se às associações o direito à existência, o que de nada adiantaria se fosse possível excluí-las de todos os seus demais direitos. Dessa forma, os direitos enunciados e garantidos pela constituição são de brasileiros, pessoas físicas e jurídicas.

Assim, o regime jurídico das liberdades públicas protege tanto as pessoas naturais, brasileiros ou estrangeiros no território nacional, como as pessoas jurídicas, pois têm direito à existência, à segurança, à propriedade, à proteção tributária e aos remédios constitucionais. (MORAES, 2006, p. 29).

 

No entanto, ainda que o doutrinador mencione que os direitos ora em comento se destinem tanto às pessoas físicas (sejam brasileiros ou estrangeiros em passagem pelo território nacional) quanto às pessoas jurídicas, são aquelas que merecem destaque no presente estudo, haja vista que a comunidade homoafetiva se situa como exemplificação de pessoa física.

Pois bem. É de se observar que o ordenamento jurídico pátrio encontra-se desprovido de normas que abracem a causa homoafetiva – seja por ser um assunto de discussão deveras complexa, seja por se tratar de discussões cujas quais muitos ainda definhem ao expor suas opiniões. Para tanto, deve o jurista – em especial, o magistrado – ficar atento aos aspectos fáticos em consonância ao teor jurídico-constitucional da norma pátria, haja vista que diversos princípios constitucionais amparam (seja de forma direta ou indireta) os direitos dos homossexuais.

Contudo, antes de adentrar aos princípios constitucionais que projetam os anseios de proteção da comunidade LGBT, merece destaque o posicionamento apresentado por Maria Berenice Dias (2009) sobre a denominação de Estado Democrático de Direito dada à nossa República, em consonância com a anomia ora existente, e em especial no que concerne à não proteção dos homossexuais pela norma jurídica brasileira:

 

A união afetiva de pessoas do mesmo sexo é realidade que ainda não mereceu a atenção do legislador pátrio. A omissão é injustificável e afronta escancaradamente um punhado de princípios constitucionais. Um Estado que se intitula Democrático de Direito não pode desrespeitar seus princípios fundamentais, devendo assegurar a realização das garantias, direitos e liberdades que consagra, sob pena de comprometer sua própria soberania. (DIAS, 2009, p. 95).

 

5.1 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

 

Merece destaque este princípio, bem como merece ser mencionado a priori, uma vez que não se trata de uma simples garantia fundamental dos cidadãos, mas sim como um dos pilares de sustentação do Estado Democrático de Direito, conforme preceituação do art. 1º, III, da Carta Magna.

Contudo, antes de se atingir o ápice da discussão do presente princípio, os ensinamentos de Alexandre de Moraes, conceituando o mesmo, se fazem necessários:

 

a dignidade da pessoa humana: concede unidade aos direitos e garantias fundamentais, sendo inerente às personalidades humanas. Esse fundamento afasta a idéia de predomínio das concepções transpessoalistas de Estado e Nação, em detrimento da liberdade individual. A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos; [...]. (MORAES, 2006, p. 16, grifo do autor).

 

Ingo Wolfgang Sarlet[25] (2001, p. 60 apud DIAS, 2009, p. 102), em sentido equânime ao ora esposado, define a dignidade da pessoa humana como sendo “a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade [...]”.

Leo Van Holthe, por sua vez, leciona acerca da importância do aludido princípio:

 

Dos princípios fundamentais do Estado brasileiro contidos no art. 1º da Carta Magna, destaca-se o princípio da dignidade da pessoa humana como valor jurídico de maior hierarquia axiológica do nosso ordenamento constitucional (ao lado, apenas, do direito à vida).

Com efeito, a doutrina pátria considera o referido princípio como valor supremo do Estado Democrático de Direito, além de ser fator de legitimação do exercício do poder estatal, exigindo que a atuação dos poderes públicos e de toda a sociedade tenha como finalidade precípua respeitar e promover a dignidade da pessoa humana. (HOLTHE, 2009, p. 81).

 

Entretanto, ainda que a teoria muito se dignifique de todas as conceituações ora apresentadas, a prática ocorre de forma oposta: na verdade, o que se vê é uma absurda e inconcebível afronta a este comezinho fundamento do Estado Democrático de Direito, na medida em que, não protegendo da maneira devida uma parcela social – qual seja, a comunidade homoafetiva – é colocado em xeque a própria soberania estatal, haja vista que se protege alguns, deixando outros à mercê da própria sorte. Assim sendo, caracteriza-se um verdadeiro jogral de tapa aqui e descobre ali.

Deve ser observado que, se considerar que a dignidade da pessoa humana seria algo inerente ao ser humano, de modo que tal aspecto o garante ser respeitado perante o Estado e perante a sociedade em geral, inexiste possibilidade de se admitir o não merecimento de guarida dos direitos da comunidade LGBT, posto que tal se caracteriza em afronta real ao princípio basilar do Estado Democrático de Direito – e, por conseguinte, se torna imprópria a consagração de nosso Estado-Nação em um Estado Democrático de Direito, por não cumprir com seus objetivos precípuos (DIAS, 2009). Por conseguinte, o mesmo posicionamento é defendido categoricamente por Maria Berenice Dias, citando, ainda, Rios e Miranda, conforme se afere:

 

Qualquer discriminação baseada na orientação sexual configura claro desrespeito à dignidade humana, o que infringe o princípio maior da Constituição Federal. Infundados preconceitos não podem legitimar restrições a direitos, o que acaba por referendar estigmas sociais e fortalecer sentimentos de rejeição, além de ser fonte de sofrimentos a quem não teve a liberdade de escolher nem mesmo o destino de sua vida. É o que sustenta Roger Raupp Rios[26]: Ventilar-se a possibilidade de desrespeito ou prejuízo a um ser humano, em função da orientação sexual, significa dispensar tratamento indigno a um ser humano. Não se pode, simplesmente, ignorar a condição pessoal do indivíduo (na qual, sem sombra de dúvida, inclui-se a orientação sexual), como se tal aspecto não tivesse relação com a dignidade humana. E como pondera Jorge Miranda[27], enquanto houver uma pessoa que não veja reconhecida a sua dignidade, ninguém pode considerar-se satisfeito com a dignidade adquirida. (DIAS, 2009, p. 104).

 

Maria Berenice Dias ainda ensina:

 

Ninguém pode ser discriminado em razão de sua identidade sexual, que se insere entre os direitos humanos fundamentais. Todos os indivíduos, independente de sua orientação sexual, fazem jus à proteção jurídica do estado. A própria Constituição Federal consagra como princípios maiores a igualdade, a liberdade e o respeito à dignidade humana.

Não se pode olvidar que todos os que estão inseridos no contexto social têm direito à felicidade. (DIAS, [2.011?], s.p.).

 

5.2 Direito e Princípio da Liberdade

 

Ainda sem adentrar especificamente no campo dos direitos e garantias fundamentais inerentes aos cidadãos, junto ao caput do art. 5º da Carta Magna encontra-se inserto o direito e, por conseguinte, o princípio da liberdade (o qual, por sua vez, é esmiuçado no decorrer dos incisos constantes do referido dispositivo constitucional).

Tal princípio encontra-se inserto no caput do referido artigo, vez que o legislador constituinte desejou que tal direito de suma importância para o cidadão irradiasse perante os demais direitos que por lá se encontram.

Conforme esmiuçado, esta liberdade, segundo Alexandre de Moraes (2006) assegura aos cidadãos a possibilidade de exercer suas escolhas de forma livre – qual seja, de praticar ações e omissões da maneira que melhor entenderem, bem como de implantar óbice ao Estado no que concerne à limitação desta liberdade (destaca-se, contudo, que estas ações e omissões ora mencionadas deverão passar pelo crivo dos demais dispositivos de lei, de modo que, acaso alguma dessas ações/omissões ofenda algum destes dispositivos, a sanção destinada à prática deste ato ilegal será iminente – ex.: prática de crime. Pelo simples fato do agente possuir esta liberdade, não significa que ele poderá ceifar a vida de outro indivíduo. Acaso assim o faça, lei ordinária – Código Penal – regulará a matéria, impondo uma sanção pela prática de tal ato).

Entretanto, ainda que existam limitações no que concerne à prática destas ações ou omissões, não se pode olvidar que tais sanções não devem ser aplicadas às escolhas de orientação sexual. Ora, a escolha de modo de ser do indivíduo não pode ser considerada como afronta à norma jurídica e, por conseguinte, passível de sanção – se a pessoa se sente bem estando tendo como companheiro uma pessoa do sexo oposto ou uma pessoa de sexo equânime, o que importa é que tal ato não gera quaisquer prejuízos à coletividade, e, acima de tudo, estarão os cidadãos se sentindo bem, sem infringirem o ordenamento jurídico.

Conclui-se, portanto, que o cidadão é livre para escolher a forma de vida que mais lhe proporcione prazer e felicidade, sem macular a lei. E, desta forma, preleciona Maria Berenice Dias em seu magistério:

 

Todos dispõem da liberdade de escolha, desimportando o sexo da pessoa eleita, se igual ou diferente do seu. Se um indivíduo nada sofre ao se vincular a uma pessoa do sexo oposto, mas é alvo do repúdio social por dirigir seu desejo a alguém do mesmo sexo, está sendo discriminado em função de sua orientação sexual. A proibição dos casamentos interraciais, por exemplo, que vigorou em muitos países, é um belo exemplo de afronta ao princípio da liberdade. Ou seja, os negros não eram proibidos de se casar. Só não podiam casar com alguém de cor distinta. A mesma lógica se aplica aos homossexuais. Podem casar, desde que não seja com pessoa do mesmo sexo. Deste modo, como não desejam contrair matrimônio com uma pessoa do sexo distinto, não lhes é assegurado o direito de constituir família. (DIAS, 2009, p. 105-6).

 

Dentro deste princípio, merece guarida destacar a liberdade quanto à orientação sexual, a qual é derivada da liberdade alhures mencionada. Considerando que a liberdade é inerente ao ser humano e, por conseguinte, a liberdade sexual (derivada da liberdade lato sensu) assim também o é, destratar alguém por sua orientação sexual configura afronta a tal princípio. Por sua vez, a discriminação de alguém por sua orientação sexual macula, em demasia, o princípio da dignidade da pessoa humana – relacionado diretamente com este e com o princípio da igualdade. Sobre o direito à liberdade sexual, Maria Berenice Dias ensina:

 

A sexualidade integra a própria condição humana. É um direito humano fundamental que acompanha o ser humano desde o seu nascimento, pois decorre de sua própria natureza. Como direito do indivíduo, é um direito natural, inalienável e imprescritível. Ninguém pode realizar-se como ser humano, se não tiver assegurado o respeito ao exercício da sexualidade, conceito que compreende a liberdade sexual, albergando a liberdade da livre orientação sexual. O direito de tratamento igualitário independente da tendência sexual. A sexualidade é um elemento integrante da própria natureza humana e abrange a dignidade humana. Todo ser humano tem o direito de exigir respeito ao livre exercício da sexualidade Sem liberdade sexual o indivíduo não se realiza, tal como ocorre quando lhe falta qualquer outra das chamadas liberdades ou direitos fundamentais. (DIAS, 2007, s.p.).

 

A conclusão a que se chega, portanto, é a de que o referido princípio deve receber guarida, haja vista que, infelizmente, o que hoje se vê é a completa vedação da liberdade de escolha da comunidade homoafetiva em virtude de sua orientação sexual. Por conseguinte, mais um dispositivo constitucional é posto em xeque no caso em apreço.

 

5.3 Princípio da Igualdade

 

O presente princípio é verificado pela leitura do disposto no art. 5º, I, da CRFB/88 e, talvez, é um dos dispositivos mais desrespeitados quando se trata dos direitos assegurados à comunidade LGBT. Segundo Alexandre de Moraes,

 

A Constituição Federal de 1988 adotou o princípio da igualdade de direitos, prevendo a igualdade de aptidão, uma igualdade de possibilidades virtuais, ou seja, todos os cidadãos têm o direito de tratamento idêntico pela lei, em consonância com os critérios albergados pelo ordenamento jurídico. Dessa forma, o que se veda são as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, pois, o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência tradicional do próprio conceito de Justiça, pois o que realmente protege são certas finalidades, somente se tendo por lesado o princípio constitucional quando o elemento discriminador não se encontra a serviço de uma finalidade acolhida pelo direito, [...].

A igualdade se configura como uma eficácia transcendente, de modo que toda situação de desigualdade persistente à entrada em vigor da norma constitucional deve ser considerada não recepcionada, se não demonstrar compatibilidade com os valores que a Constituição, como norma suprema, proclama. (MORAES, 2006, p. 31-2, grifo do autor).

 

Pedro Lenza, em seu magistério, leciona:

 

O art. 5.º, caput, consagra serem todos iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza.

Deve-se, contudo, buscar não somente essa aparente igualdade formal (consagrada no liberalismo clássico), mas, principalmente, a igualdade material, uma vez que a lei deverá tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades.

Isso porque, no Estado Social ativo, efetivador dos direitos humanos, imagina-se uma igualdade mai real perante os bens da vida, diversa daquela apenas formalizada perante a lei.

Essa busca por uma igualdade substancial, muitas vezes idealista, reconheça-se, eterniza-se na sempre lembrada, com emoção, Oração aos Moços, de Rui Barbosa, inspirado na liça secular de Aristóteles, devendo-se tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida de suas desigualdades. (LENZA, 2010, p. 751, grifo do autor)

 

Desta feita, considerando a igualdade adotada pelo legislador constituinte quando da elaboração da Carta Magna, comungando com os pareceres doutrinários dominantes, surgem alguns questionamentos: existe alguma justificativa para que os homossexuais sejam tratados de maneira desigual com relação aos heterossexuais? Esta desigualdade poderia se enquadrar naquela constante do conceito de Justiça, segundo o qual trata-se os iguais de forma igual; e trata-se os desiguais de forma desigual, na medida de sua desigualdade?

É cediço que não. E existe justificativa para a resposta negativa destas duas perguntas é simples: a Constituição da República Federativa do Brasil, enquanto norma suprema em vigor no ordenamento jurídico pátrio e enquanto considerada como a Constituição Cidadã, não pode considerar uma determinada parcela social como desigual, impedindo-lhe de gozar dos mais comezinhos direitos concedidos à parcela maior dos cidadãos. Ademais, destaca-se, conforme mencionado anteriormente junto às deliberações acerca do princípio da liberdade, que, se não for respeitada a vontade daquele que deseja se relacionar com uma pessoa de sexo equânime ao seu, por conseguinte estará se configurando uma desigualdade deste para com aquele que se relaciona com pessoas de sexo oposto ao seu, na medida em que ao heterossexual é livre a manifestação de seus sentimentos, enquanto que ao homossexual será destinado tratamento diverso.

É interessante, ainda, destacar que, essa igualdade dos cidadãos resta ainda mais deturpada (para não dizer plenamente extinguida) quando se efetua a análise do disposto no art. 226, §3º, do codex ora em comento, sendo que, segundo tal dispositivo, “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar a sua conversão em casamento” (BRASIL, 1988, s.p.): a igualdade dos cidadãos homossexuais com relação aos heterossexuais é maculada quando da utilização da expressão entre o homem e a mulher, visto que, se realizada uma interpretação literal do dispositivo, chega-se à conclusão de que a união estável somente poderá se caracterizar nas relações heterossexuais – porém, para os estudiosos do Direito mais liberais e vanguardistas, a referida interpretação literal deve ser abolida, e substituída por uma interpretação mais abrangente (e, por conseguinte, respeitadora do princípio da igualdade), a qual entende que, ao utilizar a expressão entre o homem e a mulher, sua verdadeira intenção é a de caracterizar a relação entre os seres, sem determinar uma relação heterossexual ou homossexual.

Ademais, tal desigualdade não pode ser considerada como elementar do conceito de justiça, visto que não existem quaisquer proveitos oriundos de tal desigualdade a serem aproveitados pelos homossexuais.

Maria Berenice Dias adota parecer equânime, ao afirmar que:

 

Falar em cidadania, hoje, pressupõe não apenas o reconhecimento da igualdade, mas, fundamentalmente, da diferença, já que vivemos em um mundo plural, onde a diversidade se torna cada vez maior. Afinal, igualdade nada mais é do que o direito de ser diferente, sem sofrer discriminação por isso. (DIAS, 2009, p. 109)

 

Adilson José Moreira, a seu turno, leciona sobre tal princípio, afirmando que as divergências se iniciam com base no estudo do princípio ora em comento:

 

Toda a controvérsia sobre o reconhecimento das uniões entre pessoas do mesmo sexo gira em torno da interpretação do princípio da igualdade e das normas jurídicas que regulam a união estável e os direitos dela decorrentes. Nossos tribunais procuram verificar se casais homossexuais e heterossexuais estão similarmente situados, ponto de partida para a análise da legitimidade das normas que tratam casais homossexuais de forma diferenciada. (MOREIRA, 2012, p. 27).

 

Desta feita, entende-se que, para um Estado Democrático de Direito que tem como um de seus pilares de sustentação “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (BRASIL, 1988, s.p.), a mantença da situação da forma que se encontra é o mesmo que desconsiderar, mais uma vez, que estamos em um Estado Democrático de Direito.

 


6 DOS DEMAIS DIREITOS DA COMUNIDADE LGBT

 

A pessoa homossexual merece ter seus direitos resguardados como qualquer outra pessoa, sejam estes garantidos a nível constitucional, sejam estes garantidos por intermédio de todo e qualquer tipo de meio legal garantidor, sob pena de ofensa aos mais comezinhos direitos daquele. No entanto, ainda que inexistam leis que rejam a matéria homoafetividade, os magistrados não podem se escusar de resolver as lides que forem apresentadas ao Estado-Juiz, por força normativa.

Desta feita, inovações muitas estão surgindo por intermédio de julgados, portarias e resoluções de nível administrativo, as quais visam amortizar a anomia existente, enquanto os membros do Poder Legislativo não se encorajam a enfrentar o preconceito social que impera em nosso Estado Democrático de Direito (tendo tal denominação sua nobreza apenas nas linhas do texto constitucional, visto que, conforme outrora mencionado, falar em Estado Democrático de Direito sem se respeitar o princípio da dignidade da pessoa humana – baluarte primevo daquele – é o mesmo que negar que vivemos em um Estado Democrático de Direito).

No entanto, antes de adentrar na seara dos direitos, se faz necessária algumas menções acerca das funções do Poder do Estado, posto que, somente com base nesta análise, é que se verificará como a atipicidade dos poderes faz a absoluta diferença no momento da asseguração dos direitos da comunidade homoafetiva.

 

6.1 Um Sucinto Estudo Acerca da Separação dos Poderes e Suas Respectivas Funções Típicas e Atípicas

 

A primeira idéia que se teve sobre a separação dos poderes surgiu de um esboço realizado por Aristóteles, em sua obra denominada Política, sendo discutida com um pouco mais de afinco por John Locke, na obra Segundo Tratado do Governo Civil. Em ambas – seja na primeira, com conteúdo mais generalizado; ou na segunda, de conteúdo mais aprimorado – os pensadores vislumbravam a existência de três funções distintas no Estado, destacando-se a função executiva (que consistia em aplicação da força pública sobre o particular, assegurando, desta feita, a ordem) e a federativa (que consistia na mantença de relacionamentos entre o Estado e os demais Estados, consubstanciando-se na formação de alianças com os mais diversos interesses).[28]

Entretanto, somente com o advento de Montesquieu e sua festejada obra intitulada O Espírito das Leis é que a repartição clássica dos poderes estatais passou a ser amplamente difundida. Segundo tais estudos, o poder estatal seria composto por três poderes específicas, as quais seriam harmônicas e independentes entre si: o poder legislativo, o poder executivo e o poder judiciário (não sendo deliberado sobre suas funções neste momento, por serem estas esmiuçadas a posteriori). Tal divisão foi elaborada com o intuito de se obstar a prática de autoritarismos por parte do Estado para com os cidadãos.[29]

Atualmente, a tese proposta por Montesquieu já não é adotada em sua totalidade, aplicando-se apenas as linhas gerais inerentes a tal tese. Os estudiosos das Ciências Políticas e da Teoria Geral do Estado já concluíram que não se tratam de poderes estatais, haja vista que o poder estatal é uno e indivisível; no entanto, o mesmo seria composto por três funções, as quais, por sua vez, seriam harmônicas e independentes entre si, sendo tais funções a executiva, a legislativa e a judiciária. (MORAES, 2006). Nossa Constituição Federal consagrou a aplicação da presente teoria da tripartição das funções estatais por intermédio do disposto no art. 2º, o qual dispõe que “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário” (BRASIL, 1988, s.p.); tal teoria assegurada no âmago constitucional também é denominada a nível doutrinário como Teoria dos Freios e Contrapesos ou Teoria do Check and Ballance.

Vale, ainda, destacar que esta independência seria no sentido de que, nas questões que são de sua competência, tal função teria plena liberdade para agir, não dependendo das demais para resolver questões que sejam de sua competência típica; a harmonia, noutro norte, seria uma espécie de limitador das funções, na medida em que uma função não pode agir com independência plena, mas sim independência limitada à outra função. (MORAES, 2006). Este limite se consubstancia em cooperação entre os poderes, o que remonta, novamente, à idéia de que o Poder Estatal é uno, justificando, pois, a não adoção plena das idéias esboçadas por Montesquieu.

Por sua vez, cada uma destas funções estatais seriam compostas por duas espécies de funções: as funções típicas e as funções atípicas, sobre as quais passa-se a deliberar de forma sucinta, conquanto esclarecedora. Contudo, antes de se proceder a tal discussão, sobre tal assertiva, assim discorre Alexandre de Moraes em seus ensinamentos:

 

A Constituição Federal consagrou em seu art. 2º a tradicional tripartição dos Poderes, ao afirmar que são Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. Com base nessa proclamação solene, o próprio legislador constituinte atribuiu diversas funções a todos os Poderes, sem, contudo caracterizá-la com a exclusividade absoluta. Assim, cada um dos Poderes possui uma função predominante, que o caracteriza como detentor de parcela da soberania estatal, além de outras funções previstas no texto constitucional. São as chamadas funções típicas e atípicas. (MORAES, 2006, p. 379).

 

Antes de se discorrer sobre as funções estatais, merece destaque uma justificativa sobre a adoção da terminologia poder, visto que alhures fora afirmado que seria errôneo utilizar tal vernáculo por ser o Poder Estatal uno e indivisível, sendo o mesmo divisível, por sua vez, em funções. A utilização de tal vernáculo se justifica pela costumeira adoção por parte da doutrina; contudo, ainda que se utilize a palavra poder, deve se recordar que o Poder Estatal é uno e indissolúvel, devendo tal vocábulo ser interpretado no sentido de função estatal.

 

6.1.1 Poder legislativo

 

A função típica do poder legislativo, como seu próprio nome já sugere, e segundo o magistério de Alexandre de Moraes (2006) é a de legislar (ou seja, por intermédio das ritualísticas previstas pela Constituição Federal, proceder à criação das leis que regularão situações e direitos em nosso país) e de fiscalizar o poder executivo quanto às questões contábeis, financeiras, orçamentárias, operacionais e patrimoniais.

Lado outro, possui o poder legislativo as funções atípicas de administrar e julgar. Esta administração (oriunda do poder executivo) ocorre quanto a própria organização interna – sistemas de operacionalização, promoções de servidores, dentre outras; o ato de julgar (derivado do poder judiciário) por sua vez, surge nos casos em que a Carta Magna determina que caberá a tal poder a função de julgador de determinada situação (ex: deverá o Presidente da República ser julgado pelo Senado Federal quando da prática de crimes de responsabilidade – art. 86, caput, CRFB/88). (BRASIL, 1988, s.p.).

 

6.1.2. Poder executivo

 

O poder executivo tem como função primeva a prática de “atos de chefia de estado, de governo e de administração”. (MORAES, 2006, p. 430). Tal função fora delegada ao Presidente da República, o qual fora consagrado pelas figuras do presidencialismo (por intermédio da qual os atos de chefia do Estado são atribuídos a uma única pessoa, e não a uma coletividade, como ocorre no parlamentarismo) e da República (sendo tal palavra oriunda da expressão latina res publica, que, em sua literalidade, significa coisa do povo – ou seja, o Presidente da República e a figura escolhida pelo povo para cuidar da coisa do povo, a qual, por sua vez, seria o Estado). (MORAES, 2006).

Noutro norte, o poder executivo possui como funções atípicas a legislação (nos casos em que, inexistindo norma sobre determinada matéria, e percebendo o Chefe de Governo a referida lacuna, o mesmo edita as chamadas medidas provisórias – art. 62 a 69, CF – que possuem força de lei até que o poder legislativo sobre elas legisle) e a atividade jurisdicional (em situações de contenciosos administrativos).

 

6.1.3 Poder Judiciário

 

Em linhas gerais, “[...] a função típica do Poder Judiciário é a jurisdicional, ou seja, julgar, aplicando a lei a um caso concreto, que lhe é posto, resultante de um conflito de interesses”. (MORAES, 2006, p. 462). Ou seja, deve o poder judiciário promover a atividade jurisdicional, a qual consiste no julgamento das lides que lhe são impostas.

Sob outro prisma, também possui o poder judiciário funções atípicas, consistindo estas nas atividades de administrar (devendo esta se destinar às suas questões internas – concessão de férias a seus serventuários, por exemplo) e de legislar (sendo que esta se refere à edição dos regimentos internos dos Tribunais de Justiça – seja de instância superior, seja de primeira instância). (MORAES, 2006).

No entanto, um aspecto merece guarida: é certo que a função de legislar concedida ao poder judiciário se refere às edições dos regimentos internos; no entanto, muitas das vezes, inexistem leis a regulamentar determinadas matérias que são levadas à apreciação do poder judiciário (por exemplo, a própria discussão sobre os direitos da classe homoafetiva). Desta feita, considerando que o magistrado não pode se escusar de prestar a atividade jurisdicional[30], muitas vezes o magistrado se embasa em casos semelhantes e que foram julgados por outros magistrados – ou seja, por intermédio de analogia. Desta feita, a menção de julgados sobre o tema em apreço faz-se mister, demonstrando, pois, que o poder judiciário pátrio não se mostra conivente com o descaso perpetrado pelo poder legislativo ante a não edição de leis sobre a problemática homoafetiva.

 

6.2 Dos Direitos

 

Fez-se necessária a disposição alhures realizada a cerca da teoria tripartida das funções estatais, haja vista que esta influencia, de moda direta, na concessão dos direitos que ora se discute.

E tal influência, repisa-se, é oriunda da anomia – a qual, a seu turno, é intimamente ligada ao descaso proveniente do Poder Legislativo, o qual deveria exercer a sua função típica de legislar e editar leis regentes das situações que necessitarem de amparo legal.

Estes direitos, por sua vez, podem ser divididos em duas categorias, a saber: aqueles provenientes de decisões de cunho administrativo (ou seja, sem a intervenção do Poder Judiciário para decidir a lide) e aqueles provenientes de decisões judiciais (ressaltando a impossibilidade do magistrado se escusar em solucionar a lide alegando lacunas ou inexistências de lei[31].

Outro aspecto que merece guarida é a exposição de alguns – dentre os muitos – Projetos de Lei (ou simplesmente PL’s) existentes em tramitação no Congresso Nacional, mas que, por motivos já expostos outrora, não conseguem se transformar em lei.

Entretanto, antes de se apresentar uma exposição dos direitos assegurados aos homossexuais no Brasil, é importante uma análise no ordenamento jurídico alienígena, e o que o mesmo garante a tal parcela social.

 

6.2.1 Dos direitos assegurados em outros países

 

Outros países estão mais evoluídos que o Brasil quando o assunto é a temática homoafetiva (tais como os Estados Unidos da América, México, países do continente europeu, dentre outros), em especial no que concerne à concessão de direitos a esta classe. (DIAS, 2009). De forma sucinta, a seguir destaca-se alguns tipos de direitos, bem como os países que concedem tais direitos. Por fim, antes de detalhar o assunto, urge ressaltar que a maioria dos países que concedem tais direitos encontram-se no continente europeu – comprovando, pois, o desenvolvimento jurídico de tais países, deixando de lado preconceitos e preocupando-se com o bem-estar e a dignidade das pessoas:

 

6.2.1.1 União civil

 

O primeiro país a reconhecer tal direito foi a Dinamarca, quando, em 1989, reconheceu a existência da homossexualidade e concedeu a seus membros o registro da união civil. Por conseguinte, foram-lhes concedidos direitos equânimes àqueles concedidos aos heterossexuais, inclusive, a permuta de nome por parte dos componentes da aludida união. (DIAS, 2009).

De forma equânime, e em 1993, a Noruega passou a permitir o registro das uniões civis pelos homossexuais, e, graças a tal ato, concedeu-se aos homossexuais quase todos os direitos que são concedidos a casais heterossexuais. (DIAS, 2009).

Na Finlândia, a união civil homossexual foi garantida assegurada aos homossexuais a partir de 2001: com base no ordenamento jurídico proposto, aos indivíduos maiores de 18 anos passou a ser assegurado o registro de tais uniões, as quais seriam comparadas às cerimônias matrimoniais. (DIAS, 2009). Ademais, em caso de divórcio entre os pactuantes, os mesmos direitos garantidos aos heterossexuais no que concerne às questões patrimoniais serão assegurados aos homossexuais. (DIAS, 2009).

A Inglaterra, também em 2001, assegurou a união civil entre indivíduos do mesmo sexo; contudo, não assegurou a estes os mesmos direitos concedidos no casamento. (DIAS, 2009).

Em Portugal, foi aprovado o decreto 56/VIII, em 2001, o qual traz medidas de proteção às uniões de fato, sendo que tal decreto regula as relações jurídicas entre indivíduos que durem mais de dois anos, independente do sexo destes. Dentre outros, direitos previdenciários, sucessórios, direito real de habitação ao companheiro supérstite pelo prazo de cinco anos são os destaques previstos em tal. (DIAS, 2009).

Conforme se pode perceber, a nível europeu os países aceitam pacificamente e em âmbito nacional a concessão de direitos aos homossexuais, realidade esta diferente nas Américas. Nos Estados Unidos, por exemplo, dos cinquenta Estados norte-americanos, apenas dez concedem direitos expressos aos homossexuais (Massachusetts e Connecticut admitem o casamento entre homossexuais; Nova Jersey e New Hampshire garantem a união civil entre indivíduos do mesmo sexo; no Havaí, existe a figura dos beneficiários recíprocos; e as parcerias domésticas entre homossexuais são asseguradas em Califórnia, Maine, Columbia, Washington e Oregon), enquanto os demais permaneceram silentes. (DIAS, 2009).

No México, inexistem leis ou proteções de âmbito nacional; contudo, a capital Cidade do México e o Estado de Coahuila instituíram leis de cunho assecuratório aos direitos dos homossexuais (sendo que estas lei – a estadual, inclusive, sendo conhecida como Lei de Pactos de Solidariedade Civil – asseguram direitos patrimoniais, pensão, herança e direitos familiares, sem, entretanto, permitirem o casamento e a adoção). (DIAS, 2009).

Na Argentina, assim como no México, duas cidades passaram a garantir, nos idos de 2002, direitos a duas pessoas independente de seus sexos ou orientações sexuais, sendo estas a capital, Buenos Aires, e Rio Negro. (DIAS, 2009). Nestas, aqueles que possuírem relação estável e afetiva por lapso mínimo de dois anos, podem registrar estas nos serviços de Registro Público, com o conseqüente reconhecimento social. (DIAS, 2009). Por conseguinte, passa-se a reconhecer a condição de beneficiário em planos de saúde e pensão em casos de óbito; todavia, assim como no México, este registro não concede aos homossexuais o direito ao casamento e à adoção. (DIAS, 2009).

Por fim, o Uruguai, em 2008, foi o primeiro país da América Latina a assegurar, em sede de legislação federal, a união entre casais homossexuais, após a ratificação, por parte do à época presidente uruguaio, da denominada lei da união concubinária. (DIAS, 2009).

 

6.2.1.2 Casamento

 

Mais uma vez merece destaque a sociedade européia, a qual, com seu vanguardismo e evolução ideológica, busca assegurar o melhor aos seus cidadãos; por conseguinte, assegura direitos – onde, por ora, se destaca o casamento – aos indivíduos homossexuais, assim como tal direito se mostra presente aos heterossexuais.

O primeiro país a adotar este posicionamento de vanguarda, visando remover este estigma social que persegue a comunidade homoafetiva foi a Holanda, sendo que, em 1º de Abril de 2001, entrou em vigor legislação específica autorizando o casamento entre homossexuais – sendo que tal legislação passou a ser comumente denominada como sendo a legislação do same-sex marriage. (DIAS, 2009). Por conseguinte, os direitos, deveres e conseqüências jurídicas advindas do casamento entre heterossexuais seriam atribuídos às relações homoafetivas. (DIAS, 2009). Em caso de filiação, inexistiria a presunção de paternidade – ou presunção pater est – haja vista que haveria a intervenção de outrem, que estaria diretamente envolvido em tal, cujos direitos devem ser resguardados e considerados. Ademais, existe a possibilidade de adoção de filhos. (DIAS, 2009).

Seguindo o exemplo vanguardista holandês, a Bélgica autorizou o casamento homoafetivo no início de 2005, mas, diferentemente do exemplo holandês, os homossexuais belgas que estivessem casados somente passaram a poder adotar a partir do final do mesmo ano. (DIAS, 2009).

Já em solo africano, em 2005, o Tribunal Constitucional da África do Sul concedeu o prazo de um ano para que o parlamento do aludido país reconhecesse, legalmente, o casamento entre pessoas do mesmo sexo. (DIAS, 2009).

A Espanha, por intermédio de alteração em seu Código Civil, aprovou e concedeu o direito de casamento aos homossexuais, sendo que tal alteração legal também abarcou a adoção pelos casais homossexuais. (DIAS, 2009).

O Canadá, por sua vez, por intermédio da Lei C-38, também de 2005, deferiu aos homossexuais o direito de casamento, concedendo-lhes os mesmos direitos que são concedidos às relações heterossexuais nesta matéria. (DIAS, 2009). Maria Berenice Dias, em sua obra, traz estatísticas acerca do casamento homoafetivo em tal país:

 

O resultado de um censo revelou que o número de uniões entre pessoas do mesmo sexo teve crescimento percentual cinco vezes maior que o casamento hétero. Cerca de 45.300 casais, legalmente casados ou não, se definiram como do mesmo sexo em 2006. Esse número representa 33% a mais do que em 2001. O número de casais heterossexuais cresceu apenas 6% no mesmo período. Desde que as uniões homoafetivas se tornaram legais, em 2005, houve 7.465 casamentos (DIAS, 2009, p. 68).

 

Ainda que reflitam uma realidade antiga, a importância da menção destes não é menor; ao contrário, demonstra que a comunidade homossexual anseia por ver os seus direitos mais comezinhos e íntimos serem atendidos, com o intuito de que, assim sendo, estes poderão ter uma vida mais digna.

 

6.1.2.3 Adoção

 

Mais uma vez, as inovações legislativas de cunho homoafetivo surgiram no solo do antigo mundo. A Dinamarca, ainda em 1999, foi o primeiro país do mundo a entender pela possibilidade de homossexuais poderem adotar crianças; inclusive, no caso dinamarquês, é permitida a ocorrência de um dos homossexuais adotar o filho do próprio companheiro, ressalvados casos em que a criança seja estrangeira. (DIAS, 2009).

Em seguida ao modelo dinamarquês, África do Sul, Espanha, Canadá, Bélgica e Holanda também aderiram a este posicionamento, concedendo o direito a homossexuais adotarem. (DIAS, 2009).

Já nas Américas, a situação muda um pouco. Enquanto nos países mencionados alhures a legislação é de âmbito nacional, nos Estados Unidos a legislação concedente de direitos de adoção a homossexuais é abrangente apenas a nível estadual: pouco menos da metade dos Estados americanos já entenderam por conceder o direito de adoção a homossexuais, sendo esta apenas individual, sendo que as adoções bilaterais possuem maior raridade. (DIAS, 2009).

Na Islândia, os parceiros registrados, em razão de uma emenda à lei que disciplina tal matéria, conquistaram o direito, no ano 2000, de adotar a prole um do outro. (DIAS, 2009).

Por fim, encerrando as disposições acerca dos direitos concedidos aos conviventes de uma relação homoafetiva, faz-se mister considerar que, em âmbito mundial, os países com maior desenvolvimento estão seguindo as evoluções que lhe são impstas pelo meio social e, por conseguinte, estão atendendo aos anseios de todos os grupos sociais – onde por ora, se destaca a comunidade homoafetiva; entretanto, em nosso país, conforme já destacado, graças ao preconceito e egoísmo desenfreado dos parlamentares pátrios, “é constrangedor o silêncio”. (DIAS, 2009, p. 65).

 

6.2.2 Dos direitos assegurados no Brasil em sede administrativa

 

Conforme mencionado alhures, alguns direitos já foram assegurados aos membros da comunidade LGBT, embora estes não sejam provenientes de leis. Contudo, ainda que sejam oriundos de seara administrativa, ainda se mostrou necessária, em alguns casos, a intervenção judicial para a asseguração destes direitos, dadas as recusas insistentes dos órgãos em disciplinar questões sobre a matéria.

Abaixo, segue uma exposição dos direitos concedidos na seara administrativa aos homossexuais, destacando que estes são apenas alguns direitos, sendo que existem outros que também já foram assegurados:

a) Seguro de danos pessoais causados por veículos automotores terrestres – DPVAT: em São Paulo, foi necessária a intervenção estatal, mediante o ajuizamento de uma ação civil pública, para que a Superintendência de Seguros Privados – SUSEP – fosse impelida a tomar medidas cabíveis com o intuito de se regularizar a situação de concessão do Seguro de danos pessoais causados por veículos automotores terrestres – DPVAT – ao companheiro homossexual da vítima em casos de falecimento desta. Para tanto, vide trecho da sentença do processo nº. 2003.61.00.026530-7, que tramitou perante a Justiça Federal do Estado de São Paulo, sob o comando da Juíza Federal Diana Brunstein:

 

Através da presente ação civil pública pretende o Ministério Público Federal provimento que determine à Ré – Superintendência de Seguros Privados (SUSEP) – a adotar medidas necessárias para que a companheira ou companheiro homossexual sejam considerados dependentes preferenciais da mesma classe dos companheiros (artigo 4º, §1º da Lei 6.194/74) para fins de pagamento da indenização no caso de morte do outro(a) companheiro(a), desde que cumpridos os mesmos requisitos exigidos dos companheiros heterossexuais. Também requer que se imponha às seguradoras subordinadas à fiscalização da ré a adequação a essas exigências, publicando-se ato administrativo reproduzindo os termos da decisão judicial nesse sentido. [...]

O DPVAT foi instituído em 1974, através da Lei 6.194/74 e refere-se ao seguro de danos pessoais causados por veículos automotores de via terrestre, ou por sua carga, as pessoas transportadas ou não. Tal seguro compreende indenizações por morte, invalidez permanente e despesas de assistência médica e suplementares.

O artigo 4º da Lei 8.841/92, alterando dispositivos da Lei 6.194/74, regulou o pagamento de indenização no caso de morte na constância do casamento ao cônjuge sobrevivente ou ao companheiro, nos mesmos moldes admitidos pela lei previdenciária. O dispositivo não trata dos casos de união de pessoas de mesmo sexo, razão pela qual a ré recusa-se a regulamentar a questão. O artigo 5º da Constituição vigente assegura que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Essa é a diretriz que deve se lastrear o intérprete da lei, dada a hierarquia do dispositivo invocado. Se todos são iguais perante a lei, nenhuma sorte de discriminação pode ser tolerada pelo ordenamento jurídico. Considerado o direito, sob a ótica instrumental, como arsenal de normas para permitir a convivência social, tem este por função regulamentar as situações fáticas existentes e não o contrário. O direito se adequa ao meio social e a ele serve e não o inverso.

Verificada e admitida socialmente a existência de uniões entre indivíduos do mesmo sexo, marcadas pela estabilidade, afetividade e outras características presentes em uniões heterossexuais, não há justificativa para afastá-las do reconhecimento jurídico com todas as implicações que disso decorre, pois tal postura seria, de certo, discriminatória.O preconceito com relação à orientação sexual do indivíduo não tem amparo na ordem legal e atenta contra o primado da igualdade e da dignidade das uniões homoafetivas. Assim, a omissão legal em tratar explicitamente certa situação não vale, por si só, como justificativa para o seu não reconhecimento e atribuição de efeitos jurídicos. No julgamento do AG 59429 (DJU 26/07/2000, pg. 679, o TRF da 4ª Região) entendeu que a aplicação da lei pode ser ampliada por integração. A atribuição de conseqüências jurídicas às uniões homossexuais nada mais é do que implementar o princípio de igualdade e vedação da discriminação.A matéria não é nova em nosso ordenamento e tem sido reconhecida pela jurisprudência; [...]

Isto posto, acolho em parte o requerido pelo Ministério Público Federal e antecipo os efeitos da tutela jurisdicional para determinar que a Ré adote as providências necessárias para que no prazo de 30 dias, a contar da intimação da decisão judicial, regulamente o direito do companheiro ou companheira homossexual à percepção de indenização em caso de morte do outro, na condição de dependente preferencial da mesma classe dos companheiros heterossexuais (artigo 4º, §1º da Lei 6.194/74 com redação dada pela Lei 8.841/92). Indefiro o requerido no item “c” da petição inicial por entender que a determinação de publicação de ato administrativo no Diário Oficial constitui excessiva ingerência na esfera interna da Ré.

Cite-se e Int.

São Paulo, 16 de março de 2004

DIANA BRUNSTEIN - JUÍZA FEDERAL (SÃO PAULO, 2004, s.p.);

b) Visto temporário ou permanente, ou permanência definitiva a homossexual estrangeiro: em 2008, o Conselho Nacional de Imigração editou a Resolução Normativa nº. 77. Por intermédio desta, é concedido o visto temporário ou permanente, ou até mesmo a permanência definitiva, ao companheiro homossexual estrangeiro que tenha como parceiro um brasileiro. Contudo, para que tal resolução seja aplicada, é necessária a constatação da dependência econômica e da vinculação afetiva entre os companheiros;

c) Percebimento de pensão por morte e auxílio reclusão: a Instrução Normativa nº. 25/2000 foi criada após decisão na Justiça Federal, determinando que o companheiro homossexual teria direitos como dependente de classe I (ou seja, no mesmo patamar que cônjuge, filho não emancipado menor de 21 anos e dependente inválido) em situações que ensejassem o surgimento dos benefícios previdenciários de pensão por morte e auxílio reclusão. (DIAS, 2009). E a decisão monocrática foi confirmada em segunda instância, conforme se afere:

 

CABIMENTO. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE. ABRANGÊNCIA NACIONAL DA DECISÃO. HOMOSSEXUAIS. INSCRIÇÃO DE COMPANHEIROS COMO DEPENDENTES NO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL.

[...]

5. O princípio da dignidade humana veicula parâmetros essenciais que devem ser necessariamente observados por todos os órgãos estatais em suas respectivas esferas de atuação, atuando como elemento estrutural dos próprios direitos fundamentais assegurados na Constituição.

6. A exclusão dos benefícios previdenciários, em razão da orientação sexual, além de discriminatória, retira da proteção estatal pessoas que, por imperativo constitucional, deveriam encontrar-se por ela abrangidas.

7. Ventilar-se a possibilidade de desrespeito ou prejuízo a alguém, em função de sua orientação sexual, seria dispensar tratamento indigno ao ser humano. Não se pode, simplesmente, ignorar a condição pessoal do indivíduo, legitimamente constitutiva de sua identidade pessoal (na qual, sem sombra de dúvida, se inclui a orientação sexual), como se tal aspecto não tivesse relação com a dignidade humana.

8. As noções de casamento e amor vêm mudando ao longo da história ocidental, assumindo contornos e formas de manifestação e institucionalização plurívocos e multifacetados, que num movimento de transformação permanente colocam homens e mulheres em face de distintas possibilidades de materialização das trocas afetivas e sexuais.

9. A aceitação das uniões homossexuais é um fenômeno mundial - em alguns países de forma mais implícita - com o alargamento da compreensão do conceito de família dentro das regras já existentes; em outros de maneira explícita, com a modificação do ordenamento jurídico feita de modo a abarcar legalmente a união afetiva entre pessoas do mesmo sexo.

10. O Poder Judiciário não pode se fechar às transformações sociais, que, pela sua própria dinâmica, muitas vezes se antecipam às modificações legislativas.

11. Uma vez reconhecida, numa interpretação dos princípios norteadores da constituição pátria, a união entre homossexuais como possível de ser abarcada dentro do conceito de entidade familiar e afastados quaisquer impedimentos de natureza atuarial, deve a relação da Previdência para com os casais de mesmo sexo dar-se nos mesmos moldes das uniões estáveis entre heterossexuais, devendo ser exigido dos primeiros o mesmo que se exige dos segundos para fins de comprovação do vínculo afetivo e dependência econômica presumida entre os casais (art. 16, I, da Lei n.º 8.213/91), quando do processamento dos pedidos de pensão por morte e auxílio reclusão. (PORTO ALEGRE, 2005, s.p.);

 

d) Concessão de benefícios no âmbito do CNJ: por intermédio da Resolução nº. 39/2007, editada pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ, passou a se considerar o companheiro homoafetivo como dependente com o intuito de se conceder diversas espécies de benefícios, conforme se afere do teor da aludida resolução:

 

Resolução nº 39/2007 do Conselho Nacional de Justiça, de 14 de agosto de 2007

Dispõe sobre o instituto da dependência econômica no âmbito do Conselho Nacional de Justiça.

A PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, no uso de suas atribuições legais, e considerando o disposto no artigo 185, TI, da Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990, R E S O L V E:

Art. 1º - O reconhecimento de dependente econômico de servido, para fins de concessão de benefícios no âmbito do Conselho Nacional de Justiça, obedece ao disposto nesta Resolução.

Art. 2º - Podem ser reconhecidos como dependentes econômicos de servidor:

I - cônjuge ou companheiro(a);

II - filhos, enteados e menores tutelados ou sob guarda judicial;

III - pai e mãe, genitores ou adotantes, bem como padrasto e madrasta, comprovadamente não dependentes entre si;

IV - portadores de necessidades especiais;

V - companheiro de união homoafetiva.

[...]

Art. 9º - Os casos omissos serão resolvidos pelo Secretário-Geral do Conselho.

Art. 10 - Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.

Publicada no DOU n° 27, de 17 de agosto de 2007.

Min. Ellen Gracie, Presidente (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2007, s.p., grifo nosso);

 

e) Imposto de renda: na data de 02 de agosto de 2010, foi divulgado, junto ao site da Receita Federal, por sua assessoria de comunicação, notícia informando que, após análise do caso em apreço, entendeu-se por deferir a possibilidade de incluir o companheiro homossexual como dependente para cálculo de imposto de renda, conforme se afere de notícia extraída do próprio site referido:

 

Relação de dependência para fins do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física – União homoafetiva.

1. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) analisou situação apresentada pelo Departamento de Normas e Procedimentos Judiciais do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), relativa a requerimento administrativo objetivando a inclusão cadastral de companheira homoafetiva como dependente, para fins do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física. Da análise, por intermédio do Parecer PGFN/CAT/Nº 1503/2010, de 19 de julho de 2010, a PGFN opinou pela juridicidade da inclusão de companheira homoafetiva como dependente para efeito de dedução do Imposto sobre a Renda, desde que preenchidos os demais requisitos exigíveis à comprovação da união estável disciplinada pela legislação. 

2. Diante do contido no referido Parecer PGFN/CAT/Nº 1503/2010, de 2010, a Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB), informa o seguinte:

2.1. Conforme previsto na legislação do imposto, no que se refere à retificação da Declaração de Ajuste Anual (DAA), o contribuinte pode retificar as declarações entregues dos últimos cinco exercícios, caso deseje incluir como dependente o companheiro ou companheira de união homoafetiva, aplicando-se, no que couber, os requisitos legais aplicáveis aos heterossexuais com união estável.

2.2. Ao optar pela declaração retificadora, deve observar que será necessário, em relação ao dependente, oferecer à tributação os rendimentos, bens e direitos.

2.3. A retificação não poderá ser efetivada caso o dependente já tiver apresentado declaração ou já for dependente de outro contribuinte.

Assessoria de Comunicação Social - Ascom/RFB (MINISTÉRIO DA FAZENDA, 2010, s.p., grifos do autor);

 

f) Salário-maternidade a nível administrativo: recentemente, a Primeira Câmara de Julgamentos do Conselho de Recursos da Previdência Social – CRPS – concedeu, a nível administrativo (independendo, pois, de ingresso judicial para tanto), o benefício previdenciário de salário-maternidade a um casal de homossexuais do sexo masculino no Rio Grande do Sul, conforme matéria veiculada em site da rede mundial de computadores, a saber:

 

INSS: Homem de união gay terá direito a salário-maternidade

O benefício será concedido a um rapaz do Rio Grande do Sul.

29-08-2012 16:58

Um homem que tem uma união homoafetiva e adotou uma criança terá direito ao salário-maternidade. A decisão da 1ª Câmara de Julgamentos do Conselho de Recursos da Previdência Social (CRPS) é inédita. O benefício será concedido a um rapaz do Rio Grande do Sul. No ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a união estável para casais do mesmo sexo.

Segundo o professor de Direito Previdenciário, Marcelo Rodrigues, a decisão do STF abriu o caminho para outras causas.

— É uma tendência. O conselho já reconheceu um exemplo semelhante de alguém diferente de uma mãe que consegue o benefício — lembra.

O caso a que Rodrigues se refere ocorreu em 2008, quando o INSS concedeu o salário-maternidade a um pai solteiro.

Direito de igualdade

O rapaz, que tem uma relação homoafetiva, recorreu ao direito de igualdade garantido pela Constituição e argumentou que uma decisão desfavorável seria um caso de discriminação. Ele ressaltou que os cuidados e atenção seriam um direito da criança.

No entanto, o próprio INSS reconhece que para que outros obtenham o benefício, é necessário entrar com recurso, já que esses casos fogem à regra.

O professor Marcelo Rodrigues defende uma mudança na legislação.

— Enquanto isso não acontece, só com recurso no Conselho — orienta. [32]

 

Enfim, é de se observar que, dentre tantos outros, a evolução social obrigou o surgimento de direitos à comunidade homoafetiva, sendo que estes direitos, atualmente, estão sendo devidamente concedidos; contudo, ainda que alguns destes direitos tenham necessitado de intervenção judicial para que produzissem os devidos efeitos na seara administrativa, outros necessitaram de uma mais acurada intervenção e análise por parte do Poder Judiciário, o que ora se apresenta.

 

6.2.3 Dos direitos assegurados no Brasil em sede legislativa

 

Uma das maiores discussões que surge ao se abordar os direitos da comunidade homoafetiva é a concessão de direitos equânimes àqueles que são concedidos pelo ordenamento jurídico pátrio às uniões heteroafetivas. (DIAS, 2009).

Para alguns, a justificativa em não se conceder tais direitos – casamento, união estável, adoção etc. – é o fato de que estes seriam direitos que estariam íntima e necessariamente ligados à dualidade sexual dos indivíduos, principalmente ressaltando que tais institutos teriam se desenvolvido no decorrer da história social e, durante esta evolução, esta dualidade era vista em sua unanimidade quando da menção de tais institutos. Por conseguinte, inexistindo a dualidade de sexos, inexistiria, por conseguinte, a possibilidade de concessão de tais direitos. Para tanto, e apesar de se referir de forma direta aos institutos do casamento e união estável, leciona Adilson José Moreira em seu magistério, servindo, de forma intrínseca, aos demais institutos que ora se disserta:

 

Caracterizar a dualidade de sexos como um elemento lógico da definição do casamento significa afirmar que as culturas humanas apenas sancionaram as uniões heterossexuais como única forma legítima de relacionamento conjugal até o presente momento. Essa afirmação levanta algumas questões epistemológicas de grande importância para os estudiosos do direito. A primeira delas diz respeito à utilização da história no processo de argumentação jurídica. Alguns tribunais brasileiros utilizam uma narrativa histórica de caráter funcionalista, perspectiva que pressupõe um desenvolvimento racional e uniforme dos institutos jurídicos na direção que eles assumem contemporaneamente. Essas cortes trabalham com uma noção de família classificada como uma categoria social que se manteve inalterada ao longo dos tempos. A narrativa histórica presente nessas decisões serve apenas para justificar teses jurídicas que desconsideram as transformações e a pluralidade de sentidos dessas instituições e conceitos jurídicos ao longo da história da civilização. Ao recorrer ao direito natural como pressuposto ontológico para justificar a exclusão dos casais homossexuais da instituição da união estável, esses tribunais concorrem para a eliminação da diversidade da experiência humana dentro do desenvolvimento histórico. Tal perspectiva contribui para o esquecimento da vivência daqueles grupos sociais que não correspondem à idéia que esses institutos jurídicos possuem no mundo de hoje. Isso permite que os operadores do direito desconsiderem as várias evidências da existência de experiências sociais contrárias à idéia de que institutos jurídicos permanecem inalterados ao longo da história. (MOREIRA, 2012, p. 284).

 

Entretanto, conforme mencionado por Adilson José Moreira (2012), os juristas que prolatam julgados que se opõem à concessão de direitos à comunidade LGBT possuem, no âmago de seu entendimento, uma conceituação acerca de família que está intimamente ligada às idéias de disparidade de sexos entre os componentes principais e de necessidade de procriação entre estes. Se esquecem que, dada a elevada e ímpar evolução que assolou nossa sociedade, o conceito de família se desligou das ideias de dualidade sexual e necessidade de procriação, culminando, conforme entendimento doutrinário, em um núcleo onde se vise o alcance do carinho, amor, respeito e afeto entre os seus componentes (DIAS, 2009) – tanto o é que, dentre os diversos conceitos que surgiram no ordenamento jurídico sobre família e derivados de tal evolução social, existe a família anaparental, que é aquela desprovida de genitores em seu núcleo (sendo, um dos exemplos mais clássicos, a família na qual inexiste a figura dos pais, e devidamente formada apenas entre os irmãos).

Porém, vale destacar que as inovações sociais estão conseguindo penetrar no seio do Congresso Nacional, de modo que as leis começam a ser adaptadas no momento de seu fazimento, com o intuito de abranger, da melhor forma, todos os grupos sociais – destacando-se, mais uma vez, nas linhas do presente estudo, a comunidade homossexual.

 

6.2.3.1 Projetos de Lei – PL’s

 

Alguns parlamentares, quando de seus mandatos como parlamentares no Congresso Nacional (dentre outros, destaca-se a atual Senadora Marta Suplicy), tiveram coragem de enfrentar os preconceitos, apresentando projetos de lei – PL’s – que teriam cunho homoafetivo, seja visando conceder direitos, seja coibindo quaisquer espécies de violência ou de discriminação para com os homossexuais. Apesar de serem muitos, apenas alguns serão apresentados a título exemplificativo, com o propósito de se demonstrar que os esforços existem por parte de uma minoria, sendo que a maioria, por suas razões egoístas, impede o prosseguimento ou aprovação de tais.

Dentre os projetos de lei apresentados, o de maior repercussão social, assim como é o mais antigo, sem sombra de dúvidas, é o PL 1.151/1995, de autoria da ex-deputada federal e atual senadora Marta Suplicy, o qual tinha como intuito precípuo a regulamentação da união civil entre pessoas do mesmo sexo (PROJETO DE LEI, 1995a); contudo, seu substitutivo, embora tenha recebido alteração em sua nomenclatura, passando a ser considerado como parceria civil registrada, não alterou o âmago da questão, sendo este ainda um concessor de direito aos homossexuais, de modo que a união entre estes fosse devidamente regulamentada. (PROJETO DE LEI, 1995b).

Alguns anos mais tarde, foi apresentado o PL 3.099/2000, visando a criação, nos currículos das escolas públicas e particulares, da disciplina Orientação Sexual, as quais seriam ministradas nas 5ª e 6ª séries do ensino fundamental. (PROJETO DE LEI, 2000).

Já o PL 5.003/2001 traz em seu bojo a disposição de sanções às pessoas físicas e jurídicas que procederem à prática de crime de discriminação contra homossexuais e transgêneros. (PROJETO DE LEI, 2001). O mesmo encontra-se em apenso ao PL 122/2006, o qual tem o propósito de tipificar o crime de homofobia. (PROJETO DE LEI, 2006).

O PL 2.383/2003 pretende acabar com a discussão no âmbito dos planos de saúde e seguros privados, com o intuito de se considerar discriminatória a prática de não incluir como beneficiário ou dependente econômico o companheiro homossexual. (PROJETO DE LEI, 2003).

Já no âmbito previdenciário, foi criado o PL 6.297/2005, o qual tem como objetivo primevo proceder a uma alteração junto à Lei dos Benefícios da Previdência Social, visando a inclusão, na situação jurídica de dependente, do companheiro homossexual do segurado do INSS e do servidor público da União. (PROJETO DE LEI, 2005).

Embora o ordenamento jurídico penal geral não criminalize a prática da homossexualidade, o ordenamento jurídico penal militar possui a figura típica do homossexualismo, sendo esta denominada como pederastia, e tendo como pena a detenção de seis meses a um ano. Visando coibir tal aberração considerada como crime, foi criado o PL 2.773/2000, afastando do texto legal a expressão “homossexual ou não”, e, por conseguinte, descriminalizando tal conduta. (PROJETO DE LEI, 2000).

Por fim, dois PL’s visam alterações significativas no ordenamento jurídico atual. O PL 580/2007 tem o intuito de criar a figura do contrato civil de união homoafetiva. (PROJETO DE LEI, 2007). Já o PL 674/2007, do mesmo ano, visa suprimir do texto constitucional a expressão entre um homem e uma mulher, constante do art. 226, §3º, da CF/88, sendo que tal dispositivo constitucional regulamenta o instituto da União Estável. (DIAS, 2009).

Apesar de existirem outros, abordando outras temáticas acerca do tema (algumas a favor, outras contra a concessão de direitos aos homossexuais), o que se observa é que alguns parlamentares estão conscientes da evolução que perpassa em nossa sociedade nos últimos tempos, e visam a propositura de leis que abracem a causa dos mais abastados socialmente – onde se destacam os homossexuais. E, ainda que existam estes projetos de lei, os quais, muitas das vezes, acabam ficando barrados no Congresso Nacional, alguns passos já foram dados com a finalidade de acabar com a vergonhosa ausência de direitos que impera em nosso ordenamento jurídico quando se trata da comunidade homoafetiva. E o primeiro destes passos concretos ocorreu nos idos de 2006.

 

6.2.3.2 Lei nº. 11.340/06 – Lei “Maria da Penha”

 

Alguns congressistas de ilibado saber jurídico e atentos às evoluções sociais, resolveram inovar, propondo leis que possuem, seja extrínseca ou intrinsecamente, seja expressa ou tacitamente, conteúdo abordando as relações homoafetivas e a conseqüente concessão de direitos aos componentes de tais relações.

 A primeira menção legal oficial, depois de anos de extremada omissão legislativa, foi verificada quando da Lei nº. 11.340/06, comumente denominada por “Lei Maria da Penha”. Apesar de ser uma norma cujo objetivo precípuo seja coibir a ocorrência de violências de quaisquer espécies no âmbito familiar – em especial, quando estas tenham como alvo mulheres –, um dos artigos da aludida lei possui inovação de caráter incomparável, se fazendo necessária a transcrição do menciona do artigo, para uma melhor análise do conteúdo ora estudado:

 

Art. 5º. Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

Parágrafo único. As relações enumeradas neste artigo independem de orientação sexual. (BRASIL, 2006, s.p., grifo nosso).

 

Com a análise do dispositivo alhures mencionado, a uma conclusão se chega: dadas as evoluções sociais que a cada dia ocorrem, comungando com a evolução do conceito de família, asseverar no texto de lei que “As relações [familiares] enumeradas neste artigo independem de orientação sexual” (BRASIL, 2006, s.p.) é o mesmo que dizer que as relações homoafetivas são e devem ser consideradas como relações familiares. E Maria Berenice Dias em seus ensinamentos, semeia a mesma ideia:

 

A partir da nova definição de entidade familiar, trazida pela Lei Maria da Penha, não mais cabe questionar a natureza dos vínculos formados por pessoas do mesmo sexo. É família. Ninguém pode continuar sustentando que, em face da omissão legislativa, não é possível enfrentar-lhes efeitos jurídicos. (DIAS, 2009, p. 141-2).

 

Verifica-se, após praticamente dezesseis anos de promulgação daquela intitulada como a Constituição Cidadã e que traz em seu bojo como o pilar de sustentação do Estado Democrático de Direito a dignidade da pessoa humana, que a primeira menção expressa sobre a dignidade da pessoa humana dos homossexuais tenha ocorrido de forma tão tímida. No entanto, entre uma tímida menção e o silêncio da omissão legislativa, a primeira opção se faz muito bem-vinda.

Enfim, apesar de parca, a menção efetuada na Lei “Maria da Penha” acaba por quebrar o primeiro de muitos tabus que o caso em apreço carrega consigo, já que, de acordo com a própria lei após uma análise acurada de seu conteúdo, é considerada como família a união entre indivíduos do mesmo sexo; e, considerando que a antiga ideia de procriação não mais pode ser atribuída ao conceito de família, passa a se considerar esta como um local onde se impera, acima de tudo, o afeto e o respeito entre os seus integrantes.

 

6.2.4 Dos direitos assegurados no Brasil em sede judicial

 

Ainda que tenha sido inserido no âmago da Lei “Maria da Penha” dispositivo expresso coibindo a discriminação e asseguração de direitos aos homossexuais, não se pode olvidar que aqueles mais comezinhos direitos assegurados no âmbito constitucional e que outrora foram mencionados não podem deixar de ser assegurados, sob pena de se colocar em xeque todo o fundamento da Lei Maior – em especial, o princípio da dignidade da pessoa humana, pilar precípuo do Estado Democrático de Direito.

Contudo, sendo o guardião das normas constitucionais, os estivadores do direito componentes da instância máxima da função judiciária pátria – o Supremo Tribunal Federal – estão altamente atentos a tudo o que atinge ou macula, de forma direta, os mais íntimos direitos inerentes à pessoa humana; e, dentre estas pessoas humanas, plausivelmente se incluem os indivíduos homossexuais.

Tal menção se faz mister para que seja destacado o resultado de uma batalha há tantos anos intentada. Na data de 05 de Maio de 2011, foi julgada, em plenário, a Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI – de nº. 4.277/DF, e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF – de nº. 132, que possuíam, no âmago de suas análises, dentre outras, a possibilidade de concessão do instituto da união estável a homossexuais; bem como expressar a alteração no conceito de família, visando assegurar a esta classe social o seu enquadramento dentro da conceituação ora em debate. (BRASÍLIA, 2011).

Os Ministros da Egrégia Instância Máxima do Poder Judiciário pátrio não julgaram tal questão com parcimônia; ao contrário, se empenharam em analisar, com afinco e acuidade, o problema que lhes fora trazido, sendo que, na data alhures referida, emitiram parecer unânime sobre o assunto, tendo, tal decisão obtido repercussão nacional.

 

Supremo reconhece união homoafetiva

Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgarem a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132, reconheceram a união estável para casais do mesmo sexo. As ações foram ajuizadas na Corte, respectivamente, pela Procuradoria-Geral da República e pelo governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral.

O julgamento começou na tarde de ontem (4), quando o relator das ações, ministro Ayres Britto, votou no sentido de dar interpretação conforme a Constituição Federal para excluir qualquer significado do artigo 1.723 do Código Civil que impeça o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar.

O ministro Ayres Britto argumentou que o artigo 3º, inciso IV, da CF veda qualquer discriminação em virtude de sexo, raça, cor e que, nesse sentido, ninguém pode ser diminuído ou discriminado em função de sua preferência sexual. “O sexo das pessoas, salvo disposição contrária, não se presta para desigualação jurídica”, observou o ministro, para concluir que qualquer depreciação da união estável homoafetiva colide, portanto, com o inciso IV do artigo 3º da CF. 

Os ministros Luiz Fux, Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Cezar Peluso, bem como as ministras Cármen Lúcia Antunes Rocha e Ellen Gracie, acompanharam o entendimento do ministro Ayres Britto, pela procedência das ações e com efeito vinculante, no sentido de dar interpretação conforme a Constituição Federal para excluir qualquer significado do artigo 1.723 do Código Civil que impeça o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar.

Na sessão de quarta-feira, antes do relator, falaram os autores das duas ações – o procurador-geral da República e o governador do Estado do Rio de Janeiro, por meio de seu representante –, o advogado-geral da União e advogados de diversas entidades, admitidas como amici curiae (amigos da Corte).

Ações

A ADI 4277 foi protocolada na Corte inicialmente como ADPF 178. A ação buscou a declaração de reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar. Pediu, também, que os mesmos direitos e deveres dos companheiros nas uniões estáveis fossem estendidos aos companheiros nas uniões entre pessoas do mesmo sexo.

Já na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132, o governo do Estado do Rio de Janeiro (RJ) alegou que o não reconhecimento da união homoafetiva contraria preceitos fundamentais como igualdade, liberdade (da qual decorre a autonomia da vontade) e o princípio da dignidade da pessoa humana, todos da Constituição Federal. Com esse argumento, pediu que o STF aplicasse o regime jurídico das uniões estáveis, previsto no artigo 1.723 do Código Civil, às uniões homoafetivas de funcionários públicos civis do Rio de Janeiro. (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2012, s.p.)

 

Com base em tal notícia, cumulada com a ementa de tal julgado, conclui-se que, na maioria dos casos, é preciso que os poderes tenham que ir de encontro à teoria dos freios e contrapesos, utilizando de suas funções atípicas para assegurar direitos às classes menos abastadas socialmente. Ora, inexistem leis que rejam ou regulem situações que são de conhecimento popular as suas ocorrências – como é o caso das uniões homoafetivas – e, mais uma vez, é de se destacar que aqueles que são eleitos pelo povo para assegurar os direitos sociais, são justamente aqueles que se escusam em cumprir com sua função político-social de propor e promover leis que assegurem aos direitos sociais pelos motivos mais absurdos.

Vale ainda observar que não só o Supremo Tribunal Federal está tendo de intervir para assegurar direitos aos homossexuais. Em decisão prolatada no ano de 2011, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, no REsp 1.183.378/RS/2010 entendeu por conferir a duas mulheres que mantinham relacionamento homoafetivo o direito de se habilitarem para se casarem no âmbito civil, conforme se afere de notícia extraída do site do STJ:

 

25/10/2011 - 19h34

DECISÃO

Quarta Turma admite casamento entre pessoas do mesmo sexo

Em decisão inédita, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por maioria, proveu recurso de duas mulheres que pediam para ser habilitadas ao casamento civil. Seguindo o voto do relator, ministro Luis Felipe Salomão, a Turma concluiu que a dignidade da pessoa humana, consagrada pela Constituição, não é aumentada nem diminuída em razão do uso da sexualidade, e que a orientação sexual não pode servir de pretexto para excluir famílias da proteção jurídica representada pelo casamento.

O julgamento estava interrompido devido ao pedido de vista do ministro Marco Buzzi. Na sessão desta terça-feira (25), o ministro acompanhou o voto do relator, que reconheceu a possibilidade de habilitação de pessoas do mesmo sexo para o casamento civil. Para o relator, o legislador poderia, se quisesse, ter utilizado expressão restritiva, de modo que o casamento entre pessoas do mesmo sexo ficasse definitivamente excluído da abrangência legal, o que não ocorreu.

“Por consequência, o mesmo raciocínio utilizado, tanto pelo STJ quanto pelo Supremo Tribunal Federal (STF), para conceder aos pares homoafetivos os direitos decorrentes da união estável, deve ser utilizado para lhes franquear a via do casamento civil, mesmo porque é a própria Constituição Federal que determina a facilitação da conversão da união estável em casamento”, concluiu Salomão.

Em seu voto-vista, o ministro Marco Buzzi destacou que a união homoafetiva é reconhecida como família. Se o fundamento de existência das normas de família consiste precisamente em gerar proteção jurídica ao núcleo familiar, e se o casamento é o principal instrumento para essa opção, seria despropositado concluir que esse elemento não pode alcançar os casais homoafetivos. Segundo ele, tolerância e preconceito não se mostram admissíveis no atual estágio do desenvolvimento humano.

Divergência
Os ministros Antonio Carlos Ferreira e Isabel Gallotti já haviam votado com o relator na sessão do dia 20, quando o julgamento começou. O ministro Raul Araújo, que também acompanhou o relator na sessão da semana passada, retificou seu voto. Segundo ele, o caso envolve interpretação da Constituição Federal e, portanto, seria de competência do STF. Para o ministro, o reconhecimento à união homoafetiva dos mesmos efeitos jurídicos da união estável entre homem e mulher, da forma como já decidido pelo STF, não alcança o instituto do casamento. Por isso, ele não conheceu do recurso e ficou vencido.

Raul Araújo defendeu – em apoio à proposta de Marco Buzzi – que o julgamento do recurso fosse transferido para a Segunda Seção do STJ, que reúne as duas Turmas responsáveis pelas matérias de direito privado, como forma de evitar a possibilidade de futuras decisões divergentes sobre o tema no Tribunal. Segundo o ministro, a questão tem forte impacto na vida íntima de grande número de pessoas e a preocupação com a “segurança jurídica” justificaria a cautela de afetar o caso para a Segunda Seção. A proposta, porém, foi rejeitada por três a dois.

O recurso foi interposto por duas cidadãs residentes no Rio Grande do Sul, que já vivem em união estável e tiveram o pedido de habilitação para o casamento negado em primeira e segunda instância. A decisão do tribunal gaúcho afirmou não haver possibilidade jurídica para o pedido, pois só o Poder Legislativo teria competência para insituir o casamento homoafetivo. No recurso especial dirigido ao STJ, elas sustentaram não existir impedimento no ordenamento jurídico para o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Afirmaram, também, que deveria ser aplicada ao caso a regra de direito privado segundo a qual é permitido o que não é expressamente proibido. (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 2011, s.p.).

 

Contudo, antes mesmo de tais Egrégios tribunais se manifestarem acerca das problemáticas que lhe foram impostas em decorrência da evolução social, outros Juízes e Tribunais de instâncias inferiores também já se manifestavam acerca de tal caso. O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, em análise à Apelação Cível por Reexame Necessário, nos idos de 2010, assim se manifestou:

 

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL -MILITAR -PENSÃO POR MORTE. COMPANHEIRO - UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA - INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 226, CF; ART. 1723, CC/02 -PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, DA LIBERDADE, DA IGUALDADE, DA NÃO DISCRIMINAÇÃO - INSTRUÇÃO NORMATIVA 25/00/INSS -APLICAÇÃO -ISONOMIA - COMPROVAÇÃO -PASEP -LEVANTAMENTO DE VALORES -IMPOSSIBILIDADE -INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DO JUÍZO - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - ART. 20, § 4º, CPC - APRECIAÇÃO EQÜITATIVA DO JUIZ - PRECEDENTES.

[...]

-"Há que se aplicar o direito à luz de diversos preceitos constitucionais e não apenas atendo-se à interpretação literal do art. 226, § 3º da Constituição Federal, que não diz respeito ao âmbito previdenciário, inserindo-se no capítulo 'Da Família', sendo certo que não houve de parte do constituinte, exclusão dos relacionamentos homoafetivos, com vista à produção de efeitos no campo do direito previdenciário, configurando-se mera lacuna, que deverá ser preenchida a partir de outras fontes do direito" (STJ, RESP 395904, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, DJ de 06/02/2006).

-Conforme registrado pelo STF no julgamento da ADI 3300 MC/DF, o magistério da doutrina, apoiando-se em valiosa hermenêutica construtiva, utilizando-se da analogia e invocando princípios fundamentais (como os da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da autodeterminação, da igualdade, do pluralismo, da intimidade, da não-discriminação e da busca da felicidade), tem revelado admirável percepção do alto significado de que se revestem tanto o reconhecimento do direito personalíssimo à orientação sexual, de um lado, quanto a proclamação da legitimidade ético-jurídica da união homoafetiva como entidade familiar, de outro, em ordem a permitir que se extraiam, em favor de parceiros homossexuais, relevantes conseqüências no plano do Direito e na esfera das relações sociais.

-"Uma vez reconhecida, numa interpretação dos princípios norteadores da constituição pátria, a união entre homossexuais como possível de ser abarcada dentro do conceito de entidade familiar e afastados quaisquer impedimentos de natureza atuarial, deve a relação da Previdência para com os casais de mesmo sexo dar-se nos mesmos moldes das uniões estáveis entre heterossexuais, devendo ser exigido dos primeiros o mesmo que se exige dos segundos para fins de comprovação do vínculo afetivo e dependência econômica presumida entre os casais (...), quando do processamento dos pedidos de pensão por morte e auxílio-reclusão." (Revista do TRF/4ª Região, vol. 57/309-348, 310, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira - grifei) in STF, ADI 3300 MC/DF. -"(...) O reconhecimento do direito à pensão previdenciária para companheiro (a) de homossexual, no RGPS, consubstanciado na Instrução Normativa nº 25, de 7 de junho de 2000, editada pelo INSS, pode ser utilizada, por analogia, para a concessão de tal benefício aos servidores públicos federais, em homenagem ao princípio da isonomia (...)"(TRF 5ª R. - AC 238.842 - RN - 1ª T.

- Relª Desª Fed. Margarida Cantarelli - DJU 13.03.2002).    

-Inexistindo situação destoante, in casu, do apreciado, em epígrafe por este Colegiado, o inconformismo não tem como prosperar.

-Destarte, comungo do mesmo sentir da decisão de piso, na medida em que, a meu juízo, o acervo probatório, conforme ali declinado, cuja fundamentação, ora se incorpora, bem delineou a sociedade de fato constituída, em especial o seguro de vida instituído pelo de cujus em favor do companheiro, ora apelado, o que conduz à manutenção do decisum, sob esta vertente.

-Quanto ao termo inicial para o pagamento da pensão em comento, não há que se falar em habilitação tardia, face ao que se extrai dos documentos acostados aos autos (fls.59; 72), e como bem explicitado na sentença objurgada, no sentido de que, "O direito do autor retroage à data do óbito, pois requereu administrativamente a pensão apenas doze dias após (fl.59), e muito antes do deferimento da pensão em favor do segundo Réu, em 02.05.2001 (fl.72). (...).", pelo que, de rigor a sua manutenção, também sob este flanco. [...]

-Recurso desprovido, remessa necessária, parcialmente provida. (RIO DE JANEIRO, 2010, s.p.)

 

Outro exemplo que merece a devida abordagem, comprovando que a inexistência de leis não são óbices ao deferimento de direitos a indivíduos com relações homoafetivas surgiu em Pernambuco, onde dois homossexuais, após a realização de uma fertilização in vitro (cuja doadora do óvulo não fora revelada), não só conseguiram gerar uma filha, como também conseguiram, por intermédio de decisão judicial vanguardista e ímpar, registrar a criança, conforme se afere de notícia veiculada na rede mundial de computadores:

 

Dois homens registram filha fertilizada in vitro em PE

Por Angela Lacerda | Agência Estado – sex, 2 de mar de 2012

Maria Tereza Alves Albuquerque, de um mês de vida, foi registrada na última terça-feira (28) no Recife, como filha dos empresários Mailton Alves Albuquerque, 35 anos, e Wilson Alves Albuquerque, 40 anos. Maria Tereza foi gerada por meio de fertilização in vitro - Mailton é o pai biológico e o óvulo foi de uma doadora anônima - e gestada no útero de uma prima dele que assinou uma escritura pública abdicando de qualquer direito sobre a criança.

O juiz da Primeira Vara de Família do Recife, Clicério Bezerra e Silva, autorizou o registro da criança com base nos princípios da Constituição Federal: igualdade, dignidade da pessoa humana, não discriminação por raça, sexo ou cor, e livre planejamento familiar. Clicério foi o mesmo juiz que em agosto do ano passado transformou a união estável entre os dois em casamento civil.

Juntos há 15 anos, Maílton e Wilson estão realizados e empolgados com a concretização do sonho de ter uma família. Os pré-embriões fecundados por Wilson - os dois cederam espermatozoides para serem fecundados - foram congelados e deverão ser gerados no próximo ano. "Queremos dar um irmão para Maria Tereza", afirmou Maílton.

O casal decidiu divulgar a notícia, segundo ele, não por sensacionalismo, ou como uma bandeira gay. "Queremos que o nosso caso seja um marco, queremos que o Brasil saiba que há uma nova família em formação no País", observou Maílton, que esteve no Canadá em 2010 e conheceu um casal de homens com três filhos. Todos por fertilização in vitro. Impressionado, ele perguntou se as crianças não enfrentavam discriminação na escola, ao que lhe foi dito que no Canadá a família pode ter pai e mãe, pai e pai e mãe e mãe.

Com a resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM), de seis de janeiro do ano passado, que permite a reprodução assistida no País "por todas as pessoas capazes", Maílton e Wilson decidiram seguir o exemplo dos amigos canadenses. "Maria Tereza vai enfrentar uma situação diferente, o Brasil não é o Canadá, mas é um grande avanço e o que importa é que ela vai crescer cheia de amor", destacou o pai. "Ela vai abrir caminhos e queremos que nossa filha seja respeitada e respeite as diferenças". Eles contam com o apoio das famílias e se preparam agora para batizar Maria Tereza na Igreja Episcopal, que frequentam (grifos do autor).[33]

 

E os avanços não cessam: os estados de Minas Gerais e São Paulo já procederam à realização de casamentos civis envolvendo homossexuais, conforme se afere das respectivas notícias:

 

Juiz libera casamento entre dois homens em Manhuaçu

Justiça derrubou veto do Ministério Público, que negou direito ao casal

Publicado no Jornal OTEMPO em 22/03/2012

JOELMIR TAVARES

Manhuaçu, na Zona da Mata, será a primeira cidade de Minas a assistir a um casamento entre dois homens. Marcada para as 10h de hoje, no cartório de registro civil, a cerimônia é o assunto mais falado entre os moradores. A autorização foi dada anteontem pelo juiz da comarca de Manhuaçu, Walteir José da Silva, e os namorados - identificados apenas como Wanderson e Rodrigo - trataram de agendar logo a oficialização.

O caso é inédito porque o mais comum é o casal simplesmente registrar a união homoafetiva estável, reconhecida pela Justiça desde maio do ano passado, ou entrar com uma ação para converter a união em casamento. Wanderson e Rodrigo terão direito a se casar sem precisar oficializar antes a união estável.

Grupos de defesa dos homossexuais e o Sindicato dos Oficiais do Registro Civil das Pessoas Naturais de Minas Gerais (Recivil-MG) confirmaram que o casamento em Manhuaçu é o primeiro de que têm notícia no Estado. Como o sistema do Tribunal de Justiça de Minas não faz diferença entre as uniões civis homo ou heterossexuais, é impossível determinar se a situação é inédita.

Há informações de que, no mês passado, seria oficializado o casamento entre duas lésbicas em Passos, no Sul de Minas. A reportagem não conseguiu fazer contato ontem com o cartório local para certificar se a união entre as mulheres foi concretizada.

Em Manhuaçu, a autorização da Justiça para que dois homens se casem divide opiniões e causa polêmica. Segundo moradores, o assunto domina as conversas. Uma vendedora de 33 anos, que pediu para não ser identificada, disse ser contra a ideia. "Se Deus não aprova, por que eu tenho que aprovar?", questionou.

O juiz Walteir da Silva, que não conhece o casal, afirmou ter liberado a união de acordo com sua consciência e com base na lei. "Tomei minha decisão livre de qualquer pressão religiosa ou preconceito. Simplesmente apliquei o Código Civil". Outros juízes, porém, entendem a lei de forma diferente e acabam negando as solicitações, obrigando casais gays a recorrerem a instâncias judiciais superiores.

Trâmites. O pedido de casamento feito no cartório por Wanderson e Rodrigo foi encaminhado para autorização do Ministério Público Estadual (MPE) no município. O procedimento é o mesmo feito para uniões entre homem e mulher.

O MPE foi contrário à homologação, argumentando que a legislação só permite a união estável entre pessoas do mesmo sexo, e não o casamento. O caso seguiu para a análise do juiz Walteir da Silva, que atendeu ao pedido. O casal não foi localizado ontem para comentar a vitória judicial. (grifos do autor) [34]

 

 

Brasil

18/08/2012 - 16:02

Sociedade

São Paulo realiza primeiro casamento gay da cidade

Professor Mário Grego, de 46 anos, e o técnico em enfermagem, Gledson Perrone, de 32 anos, estão juntos desde 2002

O primeiro casamento civil gay da cidade de São Paulo aconteceu, às 11h45 deste sábado, no Cartório de Itaquera, na zona leste da capital. Os noivos, o professor Mário Grego, de 46 anos, e o técnico em enfermagem, Gledson Perrone, de 32 anos, estão juntos desde 2002 e viviam em união estável. Agora, com base em um acórdão que autoriza o casamento civil de pessoas do mesmo sexo na cidade, conseguiram oficializar a união, em frente a um cartório. O acórdão foi publicado no dia 6 de julho de 2012 no Diário da Justiça.

O casal, que vestia uma camiseta ilustrada por uma foto de ambos, mudou de nome e um vai adotar o sobrenome do outro. Os noivos se emocionaram bastante durante o casamento. "É muito lindo você lutar e conseguir", afirmou o agora chamado Mário Perrone Grego, que chorou muito. "Foi uma emoção só, foi a conquista de um direito que estávamos lutando há anos", completou.

Gledson afirmou que a união o fazia se sentir "mais igual aos outros cidadãos". Cerca de 25 pessoas, entre familiares Mário e amigos do casal, acompanharam a cerimônia em Itaquera. A família de Gledson não compareceu, porque ainda não apoia a união. O casamento foi realizado pela juíza Janete Berto Pereira, que, empolgada, afirmou que em 25 anos de profissão, nunca havia casado pessoas de mesmo sexo.

Anteriormente chamados Mário Domingos Grego e Gledson Perrone Cordeiro, os noivos fizeram questão de casar no bairro onde moram para incentivar o casamento de outros casais homossexuais, provando que os direitos também são válidos na periferia. Além de casados, eles já possuem uma casa em Itaquera.

Para Gledson, o casamento civil é mais legítimo que a união estável, pois a Justiça passa a considerá-los um casal, com todos os direitos trabalhistas e previdenciários, e também fica pressuposto o laço de afeto que existe entre os dois. Mário enumerou alguns dos direitos conquistados pelo casal: "Temos direito a herança de bens, união na declaração de imposto de renda e também a questões relacionadas à previdência ficam mais fáceis", conta. No caso de Gledson e Mário o casamento foi feito por comunhão parcial de bens.[35]

 

Em síntese, o que se percebe é que existem estudiosos do Direito empenhados em uma mudança no panorama atual; entretanto, graças preconceito vigente em nossa sociedade, estas medidas chegam a nosso Congresso Nacional e por lá ficam paralisadas, aguardando que os parlamentares mais conservadores que se dizem defensores dos direitos e representantes da população ampliem os horizontes de seus conceitos, para que uma nova era continue – iniciado após a parca (porém mais que significativa) previsão legal da Lei “Maria da Penha”.


 

7 CONCLUSÃO

 

Com o término do presente trabalho, acabou por se confirmar o que a muito já se suspeitava: infelizmente, nosso país está em demasiado atraso com relação a outros países do mundo.

É de se verificar que, enquanto outros países encaram a situação com seriedade e normalidade, sem medo de conceder direitos a todos os núcleos de sua sociedade, no Brasil, a realidade é outra: salvo raras exceções, o que se vê é um completo descaso de nossos legisladores para com o caso em apreço.

É inadmissível que este panorama vergonhoso continue a vigorar. Como se pode falar em Estado Democrático de Direitos, ou de aplicação do princípio da igualdade insculpidos nas linhas constitucionais, se a dignidade da pessoa humana não se encontra devidamente assegurada? É justo que alguém, pelo simples fato de destoar da regra social, sofra repressões, discriminações, humilhações e seja alvo de piadas infames e chacotas? Isso significa dizer que amar é proibido, desde que este amor tenha origens heterossexuais?

É cediço que não.

Desta feita, um dos problemas e a hipótese que lhe fora proposta se mostrou devidamente solucionado e confirmado: o  que ocorre no Brasil é que, dado o conservadorismo social, os parlamentares acabam se amedrontando por apoiar questões que abordem a temática da homoafetividade – seja por temerem represálias daqueles que os escolheram como representantes na política (sendo que tal represália seria não mais serem escolhidos para assumir as cadeiras de nosso Congresso), seja por medo de serem taxados como homossexuais.

No entanto, repisa-se, este panorama não mais pode se fazer presente. Entendo que a sociedade deve se despregar de seus conceitos mesquinhos, ultrapassados e preconceituosos e encarar a realidade: as uniões homoafetivas estão presentes, e tratá-las com preconceito não vai ajudar, em absolutamente nada, na sua extinção.

E mais: o apoio doutrinário-jurisprudencial possui absoluta e ímpar importância na construção da mudança. Afinal de contas, infelizmente, entendo que o brasileiro, como um todo, possui uma tendência extremamente negativa de somente aceitar as mudanças quando as mesmas acabam se mostrando aceitas pelas vias judiciais. Mais uma vez, o questionamento: isso significa que somente podemos aceitar as uniões homoafetivas pelo fato de que juízes, desembargadores, ministros e doutrinadores estão aceitando-as? Certamente não.

Lado outro, pode se constatar, com o advento do presente estudo, que, apesar de existirem direitos assegurados a nível legal (insertos no âmago constitucional e da Lei “Maria da Penha”), existem sim outros direitos que, ainda que não sejam de nível legal, são oriundos da sede administrativa (como direitos previdenciários, percebimento de seguro oriundo de acidentes automobilísticos, inclusão como dependente no imposto de renda, dentre tantos outros) ou derivados de decisões judiciais (como o casamento civil, o reconhecimento da união estável, a adoção, etc.). Desta feita, o outro problema levantado foi solucionado, sendo que a respectiva hipótese proposta não se confirmou, haja vista que acreditava-se que os únicos direitos existentes seriam provenientes da lei promulgada nos idos de 2006, e que protege as mulheres de violência doméstica.

O que é perceptível é que, embora se mostre como uma discussão deveras antiga, as repercussões sócio-doutrinário-jurídicas acerca da homoafetividade são extremamente recentes. E devem ser muito bem recepcionadas. Não se pode olvidar que, considerando a evolução que nossa sociedade sofreu com o passar dos tempos; e considerando que o panorama homoafetivo era ou aceito ou tolerado nas mais tradicionais sociedades antigas, se mostra como intolerante, inconcebível e inaceitável a esdrúxula humilhação e o infundado preconceito que hoje recai sobre esta categoria social.

Espera-se que o presente estudo sirva como influência para que os parlamentares esqueçam todos e quaisquer preconceitos que se façam presentes e, por conseguinte, se encorajem para exercerem suas funções parlamentares com competência, atendendo, assim, todos os anseios sociais que se encontrarem desamparados – ora, os anseios da comunidade homoafetiva. Também se espera que este estudo estimule outros componentes das ciências jurídicas a se enveredarem nesta discussão; embora se mostre como um caminho tortuoso, todos os demais direitos que hoje vigoram em nossa sociedade também foram conseguidos mediante batalhas travadas; e, somente com a participação de todos, é que a presente temática poderá ser construída com justiça.

Em meu entendimento, persistirá o preconceito enquanto a sociedade não deixar de analisar todas as questões que se encontram ao seu redor com as lupas da ignorância e passar a analisá-las com as lupas da justiça, da seriedade, da igualdade. Somente assim, como pondera Maria Berenice Dias em seus ensinamentos, um dia poderemos ter orgulho de dizer que fazemos parte de um Estado Democrático de Direito.

Enquanto este for o panorama fático de nossa sociedade, tenha certeza de que batalhas e mais batalhas continuarão sendo travadas: de um lado, com membros conservadores que insistem em não aceitar as mudanças sociais e a realidade na qual vivemos; e, do outro, aqueles que possuem a evolução para conseguir vislumbrar que a homoafetividade é um fato, e que a mesma não pode ser rechaçada, mas, sim, aceita e regulada. Afinal de contas, “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza [...]”, conforme encontra-se estampado nas linhas constitucionais.

E, com tal dispositivo constitucional, por que ainda existe o preconceito? Esta é uma pergunta que, pelo menos até o presente momento, ainda continua sem resposta.



REFERÊNCIAS

 

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PROJETO DE LEI 2.383, de 2003 (Deputada Maninha). Altera a Lei 9.656, de 03.06.1998, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde, na forma que especifica e dá outras providências. In: DIAS, Maria Berenice. União homoafetiva: o preconceito & a justiça. 4. ed. rev. atual. e amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 292.

 

PROJETO DE LEI 2.773, de 2000 (Deputado Alceste Almeida). Altera a redação do art. 235, do Código Penal Militar, excluindo do texto o crime de pederastia. In: DIAS, Maria Berenice. União homoafetiva: o preconceito & a justiça. 4. ed. rev. atual. e amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 284.

 

PROJETO DE LEI 3.099, de 2000 (Deputado Pompeo de Mattos) Dispõe sobre a obrigatoriedade da disciplina “Orientação Sexual”, nos currículos de 5.ª e 6.ª séries do ensino fundamental das escolas públicas e privadas. In: DIAS, Maria Berenice. União homoafetiva: o preconceito & a justiça. 4. ed. rev. atual. e amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 284.

 

PROJETO DE LEI 5.003, de 2001 (Deputada Iara Bernardi). Determina sanções às práticas discriminatórias em razão da orientação sexual das pessoas. In: DIAS, Maria Berenice. União homoafetiva: o preconceito & a justiça. 4. ed. rev. atual. e amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 285-6.

 

PROJETO DE LEI 6,297, de 2005 (Deputado Maurício Rands). Acresce um parágrafo ao art. 16 da Lei 8.213, de 24.07.1991, e acresce uma alínea ao inciso I do art. 217 da Lei 8.112, de 11.11.1990, para incluir na situação jurídica de dependente, para fins previdenciários, o companheiro homossexual do segurado e a companheira homossexual da segurada do INSS e o companheiro homossexual do servidor e a companheira homossexual da servidora pública civil da União. In: DIAS, Maria Berenice. União homoafetiva: o preconceito & a justiça. 4. ed. rev. atual. e amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 295-6.

 

RIO DE JANEIRO. Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Ementa: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL - MILITAR - PENSÃO POR MORTE. COMPANHEIRO -  UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA - INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 226, CF; ART. 1723, CC/02 -PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, DA LIBERDADE, DA IGUALDADE, DA NÃO DISCRIMINAÇÃO - INSTRUÇÃO NORMATIVA 25/00/INSS [...]. Rel. Poul Erik Dyrlund. Rio de Janeiro, RJ, 27 abr. 2010. E-DJF2R 05/05/2010 p. 187-8. Disponível em: < http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/9222778/apelacao-reexame-necessario-apelreex-200451020042581-rj-20045102004258-1-trf2>. Acesso em: 19 set. 2012.

 

RIO GRANDE DO SUL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Ementa: CABIMENTO. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE. ABRANGÊNCIA NACIONAL DA DECISÃO. HOMOSSEXUAIS. INSCRIÇÃO DE COMPANHEIROS COMO DEPENDENTES NO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. Rel. João Batista Pinto Silveira. Porto Alegre, RS, 27 jul. 2005. DJ 10 Ago. 2005, p. 809. Disponível em: . Acesso em: 12 fev. 2012.

 

SÃO PAULO. Justiça Federal do Estado de São Paulo. Ementa: Ação Civil Pública, Pagamento de Seguro DPVAT a Parceiro Homossexual. Rel. Juíza Diana Brunstein. São Paulo: 16 mar. 2004. Disponível em: . Acesso em: 12 fev. 2012.

 

SÃO PAULO realiza primeiro casamento gay da cidade. Veja. [S.l.] Abril, 2012. Disponível em: < http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/sao-paulo-realiza-primeiro-casamento-gay-da-cidade>. Acesso em: 19 ago. 2012.

 

SODOMIA. In: DICIONÁRIO Online Michaelis UOL, [S.l.;s.n.], 2011. Disponível em: Acesso em: 03 dez 2011.

 

SUBSTITUTIVO AO PROJETO DE LEI 1.151, de 1995 (Deputado Roberto Jefferson). Disciplina a parceria civil entre pessoas do mesmo sexo e dá outras providências. In: DIAS, Maria Berenice. União homoafetiva: o preconceito & a justiça. 4. ed. rev. atual. e amp. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 279-83.

 

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Quarta Turma admite casamento entre pessoas do mesmo sexo – Superior Tribunal de Justiça – O Tribunal da Cidadania. Brasília: Superior Tribunal de Justiça, 2011. Disponível em: tmp.area=398&tmp.texto=103687>. Acesso em: 09 mar. 2012.

 

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Supremo reconhece união homoafetiva – Notícias STF. Brasília: Supremo Tribunal Federal, 2012. Disponível em: . Acesso em: 09 mar. 2012.

 

TAVARES, Joelmir. Juiz libera casamento entre dois homens em Manhuaçu. OTempo Online. [S.l.] O Tempo, 2012. Disponível em: < http://www.otempo.com.br/noticias/ultimas/?IdNoticia=198930,OTE>. Acesso em: 23 mar. 2012.

 

TRANSEXUAL. In: DICIONÁRIO Online Michaelis UOL, [S.l.;s.n.], 2011. Disponível em: Acesso em: 19 dez 2011.

 

TRAVESTI. In: DICIONÁRIO Online Michaelis UOL, [S.l.;s.n.], 2011. Disponível em: Acesso em: 19 dez 2011.



[1] Disponível em: Acesso em: 01 dez. 2011.

[2]Pederastia: sodomia entre homens; homossexualismo masculino. Disponível em: 

o/portugues/índex.php?lingua=portugues-portugues&palavra=pederastia>. Acesso em 03 dez 2011.

[3] Preceptores: denominação dada, no contexto grego, aos homens mais velhos, geralmente guerreiros e sábios, que escolhiam os jovens gregos para transmitir-lhes conhecimento (DIAS, 2009).

[4] Efebos: denominação dada, no contexto grego, aos jovens gregos do sexo masculino, que poderiam ser escolhidos pelos preceptores para receberem, destes, conhecimento (DIAS, 2009).

[5] Preceptados: denominação dada aos efebos após serem escolhidos pelos preceptores (DIAS, 2009).

[6] VECCHIATTI, Paulo Roberto. Manual da homoafetividade – da possibilidade jurídica do casamento civil, da união estável e da adoção por casais homoafetivos. São Paulo: Método, 2.008, p. 44.

[7]Sodomia: concúbito de homem com homem ou de mulher com mulher. Disponível em:

moderno/portugues/índex.php?lingua=portugues-portugues&palavra=sodomia> Acesso em: 03 dez 2011.

[8]SULLIVAN, Andrew. Praticamente normal. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 22

[9]GRAÑA, Roberto B. Além do desvio sexual. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.

[10]Gay: s.m. (ingl.) V guei. Pop. 1. Homossexual masculino. 2. Ch Veado, bicha. Disponível em:

com.br/moderno/portugues/índex.php?lingua=portugues-portugues&palavra=gay> Acesso em: 19 dez 2011.

[11]Lésbica: s.f. (top Lésbos+ico2, no fem) Mulher homossexual. Sin: lésbica, lesbiana, mulher-macho, sapatão. Disponível em:

l%E9sbica> Acesso em: 19 dez 2011.

[12]Gay: n gay, homossexual. • adj 1 alegre, divertido, jovial. 2 vistoso, brilhante, vivo. 3 prazenteiro, festeiro. 4 lascivo, dissoluto. 5 gay, homossexual, relativo a homossexual. the table was gay with flowers a mesa estava enfeitada com flores. Disponível em: Acesso em: 19 dez 2011. (grifos do autor).

[13]Bissexual: (cs) adj m+f (bi+sexo+al3) 1 Que reúne os dois sexos: Escola bissexual. [...] 3 Referente ao comportamento sexual dirigido aos dois sexos. Disponível em:

x.php?lingua=portugues-portugues&palavra=bissexual> Acesso em: 19 dez 2011.

[14]Transexual: (cs) adj m+f (trans+sexo+al3) Diz-se da pessoa que sofre de transexualismo. [...] (representa a pessoa que passou pelo processo de transexualismo, ou seja, nasceu com determinado gênero, mas, por circunstâncias alheias cumuladas com a vontade do próprio indivíduo, este, por intermédio de procedimento cirúrgico, altera seu gênero – de masculino para feminino e vice-versa). Disponível em: Acesso em: 19 dez 2011.

[15]Travesti: sm (fr travesti) 1 Disfarce sob o traje de outro sexo. 2 por ext Disfarce (representa o indivíduo que sente prazer em se vestir como o gênero oposto ao seu). Disponível em: Acesso

em: 19 dez 2011.

[16]A ABGLT “foi criada em 31.01.1995, com 31 grupos fundadores. Hoje é a maior rede GLBT na América Latina, composta por 203 organizações, sendo 141 grupos de gays, lésbicas travestis e transexuais, e mais 62 organizações colaboradoras voltadas aos direitos humanos e AIDS”. (DIAS, 2009, p. 49).

[17]Disponível em:

anomia> Acesso em: 23 jan 2012.

[18]FACHIN, Luiz Edson. Elementos críticos do direito de família. Rio de Janeiro: Renovar, 1999 p. 93.

[19]ANOMY. In: BIERSTEDT, Robert. A dictionary of the social sciences. Londres: Tavistock Publications: 1964.

[20]Disponível em:

EITOS>. Acesso em: 13 jun 2010.

[21]Disponível em: . Acesso em: 13 jun 2012.

[22]Ibidem.

[23]Ibidem.

[24]Art. 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.

[25]SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.

[26]RIOS, Roger Raupp. Direitos fundamentais e orientação sexual: o direito brasileiro e a homossexualidade. Revista CEJ do Centro de Estudos Jurídicos do Conselho de Justiça Federal. Brasília, n. 6, p. 27-56, dez. 1998.

[27] MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Coimbra: Coimbra Editora, 2000.

[28]Disponível em: . Acesso em: 14 jun. 2012.

[29]Ibidem.

[30]Para tanto, vide arts. 4º do Dec.-lei nº. 4.657/42, com redação dada pela lei nº. 12.376/10 – Lei de introdução às normas do direito brasileiro; e 126, do Dec.-lei nº. 5.869/73 – Código de Processo Civil.

[31]Ibidem.

[32] Disponível em:

o-maternidade-179419.html> . Acesso em: 19 set. 2012

[33]Disponível em: . Acesso em: 23 mar. 2012.

[34]Disponível em: . Acesso em: 23 mar. 2012.

[35]Disponível em: . Acesso em: 19 ago. 2012.

 

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