A
INDÚSTRIA
DAS LIMINARES
Jorge Candido S. C. Viana
Muito se tem comentado, acerca do que se optou denominar de “Indústria das Liminares”, assunto alimentado por estarrecedoras revelações, que nos chegam ao conhecimento todos os dias.
O que mais se ouve, nos bastidores, mas parece que ninguém tem coragem de denunciar são as decisões interlocutórias, que são emanadas dos cartórios, sem que o juízo, na maioria das vezes, não chegam nem a tomar conhecimento, apenas depositam confiança (por vezes excessiva), em seus chefes de cartório, que adiantam os despachos para que o magistrado dê cunho oficial, assinando-os, ao final do expediente.
É de todos, conhecido, que a grande maioria dos despachos interlocutórios, e em alguns casos sentenças definitivas, são produzidos pelos cartorários, cabendo ao juiz titular da vara, no final do dia, passar pelo cartório para “assinar o expediente”, ou seja, dar cunho oficial, e porque não dizer, assumir a responsabilidade, por algo que não é de sua lavra e, diga-se, que muitas vezes nem toma conhecimento do que está assinando, ante a quantidade exacerbada dos processos que lhe são distribuídos.
É sabido também, que a Justiça é morosa, e nem todos tem o tempo que a justiça leva para se pronunciar. A sociedade quer que seus interesses tenham uma solução rápida e justa.
Nessas decisões, se incluem as liminares. Há efetivamente, liminares e liminares, umas necessárias para aplacar a sede de justiça de um povo massacrado pelos poderosos. Outras, num claro desrespeito às cláusulas pétreas da Constituição Federal, principalmente naquela que fala que “todos são iguais perante a lei”. Pelo que se observa diariamente nos foros, não é demonstrado, neste sentido, qualquer interesse em resolver as verdadeiras razões que dão causa a prolação de toneladas de medidas liminares, em que os maiores interessados são os bancos e instituições financeiras, e sempre, invariavelmente em detrimento do consumidor, a parte mais fraca na relação negocial.
No ano de 2002, o então ministro da Justiça, Paulo de Tarso Ribeiro, apresentou ao então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) ministro Marco Aurélio de Mello, a minuta do projeto de lei que restringia a concessão de tutelas antecipadas.
Pretendia o ministro com a medida, alterar o Código de Processo Civil para acabar com a chamada “indústria das liminares”. Entendendo, e com muita razão que: “Muitas vezes o que se tem visto é que são concedidas tutelas antecipadas, transferindo o patrimônio sem sequer ouvir aquele que está tendo seus bens transferidos. Isso pode levar a um abuso do exercício da atividade jurisdicional”.
Pelo projeto do Ministério, os juízes teriam que ouvir o réu antes de conceder esse tipo de tutela, que permite a transferência de dinheiro e bens móveis, em caráter liminar, tal como a busca e apreensão, sem que o consumidor tenha a oportunidade de se manifestar a respeito, ou seja, os “despachos” que são produzidos e não são publicados, cerceando a defesa da parte prejudicada e obstando-a de recorrer de tal decisão interlocutória, a nós nos parece que de graça não é... apenas parece, ante a volúpia com que se agarram á busca do bem.
Efetivamente é dever do consumidor, para sua própria sobrevivência, buscar seus direitos junto ao Poder Judiciário, mas como fazê-lo, se a grande maioria dos cartórios despacham sem que, via de regra, o réu tome conhecimento do que foi despachado, para eventualmente produzir sua defesa. E neste casos as partes interessadas são sempre os bancos e as instituições financeiras.
Um Juiz pelo qual tenho enorme apreço e admiração, a uma pergunta que lhe fiz, respondeu-me que tinha vergonha de que o grande público lesse suas sentenças, pois entendia que forças obscuras nos Tribunais maiores estavam decidindo contra o que lhe parecia ser o correto e mais justo, disse-me ele: “vinha eu decidindo pela aplicabilidade imediata da limitação dos juros, decisão essa que foi ‘surrada’ pelos Tribunais, notadamente pelo STJ, cujas motivações são impublicáveis. Isso depois de 15 anos de labuta para construir um posicionamento doutrinário e jurisprudencial que protegesse o consumidor dos verdadeiros achaques que sofre sempre que necessita lançar mão de mútuo junto às instituições financeiras. Diversas pessoas já disseram em sala de audiência que preferem muito mais tomar empréstimos de agiotas do que de bancos, pois ‘são mais honestos’ (segundo eles)”. (Grifamos).
É evidente que as liminares são instrumentos que devem ser colocados à disposição das partes processuais que necessitam de um provimento jurisdicional de urgência, mas que também podem ser utilizadas para a solução política de interesses conflitantes.
Em que pese a gravidade da afirmação acima, a realidade, infelizmente, tem sido esta, os manipuladores do direito e a população em si, assistem atônitos à distribuição de liminares, tão somente, para encampar interesses escusos.
Também não deixa de ser verdade que a liminar consiste na obtenção prévia e antecipada daquilo que só se obteria ao final, quando da prolação da sentença, fundada em requisitos, como o fumus boni juris e o periculum in mora, ou seja, o magistrado - é o que se deduz -, antevendo a existência destes no caso concreto, antecipa os efeitos da sentença.
Tal instrumento tem uma importância fundamental dentro de nosso sistema processual, que, monstruoso e anacrônico, agoniza em seu leito hospitalar, tanto é assim que o próprio presidente do STJ, ministro Paulo Costa Leite, vê a necessidade urgente de uma reforma judiciária.
Não se pretende aqui, repetimos, atacar o Judiciário como instituição, mas a realidade é preocupante. Afaste-se a má-fé dos julgadores, mas a indústria das liminares está acontecendo todos os dias em nosso país e o que é pior sempre em desfavor da parte mais fraca...
Há que se repensar no sistema processual civil. Há que se realizar uma reforma judiciária – dotando a Justiça de maior estrutura para a solução mais rápida de conflitos de interesses. Há que se ter maior cuidado na concessão de uma tutela de urgência, da mesma forma que deve haver o cuidado para valorá-la em instância superior.
Nós defendemos um Judiciário forte, estruturado, que resolva conflitos de forma célere e profunda, mas que tenha o discernimento de olhar para ambos os lados, sem que nenhum deles tenha sua defesa cerceada.