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Resumo:
COMPETÊNCIA CÍVEL DOS JUIZADOS DA LEI MARIA DA PENHA NÃO VIOLA O PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL
Texto enviado ao JurisWay em 31/05/2011.
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COMPETÊNCIA CÍVEL DOS JUIZADOS DA LEI MARIA DA PENHA NÃO VIOLA O PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL
Por Carlos Eduardo Rios do Amaral
Decididamente a Lei n. 11.340, de 07 de Agosto de 2006, mais conhecida como Lei Maria da Penha, não é diploma frívolo ou infecundo. Felizmente, carrega consigo a aspiração universal de criar amplos mecanismos para pôr fim à violência doméstica e familiar no seu âmago, em seus pontos mais sensíveis.
Certamente, no dia-a-dia dos feitos relacionados aos Juizados de Violência Familiar o Direito Penal, muitas vezes, traduz-se num intruso, ou instrumento tímido e desengonçado de pacificação social. É como tirar um cisco do olho com uma marreta ou revolver aquele gracejo do sofá que todo mundo já conhece. Claro, faço a ressalva para aqueles companheiros agressores que só o encarceramento ou muita prece divina pode ajudar. Bom, a atuação das Equipes Multidisciplinares, composta por devotados assistentes sociais e psicólogos, vem mitigando o auxílio a estes dois últimos recursos excepcionais.
Quero dizer que os Arts. 14 e 33 da Lei Maria da Penha, em última análise, dizem ao seu intérprete que todas as aflições e pesares da mulher vítima de violência familiar devem ser solucionados por um único Julgador, em uma única fortaleza jurisdicional, com competência absoluta.
Transcrevo os Artigos citados, in litteris:
“Art. 14. Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, órgãos da Justiça Ordinária com competência cível e criminal, poderão ser criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para o processo, o julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher”.
“Art. 33. Enquanto não estruturados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, as varas criminais acumularão as competências cível e criminal para conhecer e julgar as causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, observadas as previsões do Título IV desta Lei, subsidiada pela legislação processual pertinente”.
Desta vez me recuso a tecer maiores comentários sobre o óbvio e ululante. Apenas registro que a deficiência do aparato judiciário ou ausência de estrutura funcional estatal não podem, em hipótese alguma, se convolar em critério de hermenêutica ou derrogação de lei vigente.
Fixada a premissa maior, passo adiante, podemos dizer que o Princípio do Juiz Natural estabelece que devem haver regras objetivas de competência jurisdicional, garantindo a independência e a imparcialidade do órgão julgador.
Competência, independência e imparcialidade do Magistrado, nada mais. O Juiz de Direito dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher detém, sim, esses três elementos da definição do princípio
Em poesia dedicada ao Ano Internacional da Mulher, em 1975, em seu pranto, sentenciava Cora Coralina, in verbis:
“Mulher da Vida, minha Irmã
De todos os tempos.
De todos os povos.
De todas as latitudes.
Ela vem do fundo imemorial das idades e
carrega a carga pesada dos mais
torpes sinônimos,
apelidos e apodos:
Mulher da zona,
Mulher da rua,
Mulher perdida,
Mulher à-toa.
Mulher da Vida, minha irmã.
Pisadas, espezinhadas, ameaçadas.
Desprotegidas e exploradas.
Ignoradas da Lei, da Justiça e do Direito.
Necessárias fisiologicamente.
Indestrutíveis.
Sobreviventes.
Possuídas e infamadas sempre por
aqueles que um dia as lançaram na vida.
Marcadas. Contaminadas,
Escorchadas. Discriminadas.
Nenhum direito lhes assiste.
Nenhum estatuto ou norma as protege.
Sobrevivem como erva cativa dos caminhos,
pisadas, maltratadas e renascidas.
Flor sombria, sementeira espinhal
gerada nos viveiros da miséria, da
pobreza e do abandono,
enraizada em todos os quadrantes da Terra.
Um dia, numa cidade longínqua, essa
mulher corria perseguida pelos homens que
a tinham maculado. Aflita, ouvindo o
tropel dos perseguidores e o sibilo das pedras,
ela encontrou-se com a Justiça.
A Justiça estendeu sua destra poderosa e
lançou o repto milenar:
‘Aquele que estiver sem pecado
atire a primeira pedra’.
As pedras caíram
e os cobradores deram as costas.
O Justo falou então a palavra de eqüidade:
‘Ninguém te condenou, mulher...
nem eu te condeno’.
A Justiça pesou a falta pelo peso
do sacrifício e este excedeu àquela.
Vilipendiada, esmagada.
Possuída e enxovalhada,
ela é a muralha que há milênios detém
as urgências brutais do homem para que
na sociedade possam coexistir a inocência,
a castidade e a virtude.
Na fragilidade de sua carne maculada
esbarra a exigência impiedosa do macho.
Sem cobertura de leis
e sem proteção legal,
ela atravessa a vida ultrajada
e imprescindível, pisoteada, explorada,
nem a sociedade a dispensa
nem lhe reconhece direitos
nem lhe dá proteção.
E quem já alcançou o ideal dessa mulher,
que um homem a tome pela mão,
a levante, e diga: minha companheira.
Mulher da Vida, minha irmã.
No fim dos tempos.
No dia da Grande Justiça
do Grande Juiz.
Serás remida e lavada
de toda condenação.
E o juiz da Grande Justiça
a vestirá de branco em
novo batismo de purificação.
Limpará as máculas de sua vida
humilhada e sacrificada
para que a Família Humana
possa subsistir sempre,
estrutura sólida e indestrurível
da sociedade,
de todos os povos,
de todos os tempos.
Mulher da Vida, minha irmã”.
Ouçamos Cora. A mulher também não deseja ajuntar pedras, não quer a espada.
A mulher quer paz.
A mulher quer o direito de buscar e obter a felicidade. Ao lado do mesmo ou de um novo amor. Ou mesmo terminar seus últimos dias ao lado de seus amados filhos e netos, até o último suspiro.
Este é o anseio da Lei Maria da Penha.
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Carlos Eduardo Rios do Amaral é Defensor Público do Estado do Espírito Santo
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