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Resumo:
Toda mulher tem direito a uma vida livre de violência, tanto no âmbito público como no privado.
Texto enviado ao JurisWay em 09/03/2011.
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DISPOSIÇÕES (NEM TÃO!) FINAIS DA LEI MARIA DA PENHA
Por Carlos Eduardo Rios do Amaral
O Título VII da Lei Ordinária Federal n. 11.340, de
Entretanto, o Art. 35 da Lei Maria da Penha, sediado nas “Disposições Finais” desse Diploma, é dispositivo estrangeiro neste Título derradeiro. Não criando instrumentos acessórios para a efetivação de comandos substantivos da Lei Maria da Penha, mas, sim e em verdade, criando e estabelecendo regras pontuais próprias de conteúdo eminentemente material, autênticos comandos substantivos dirigidos ao Poder Público em todas as suas esferas federativas.
Confira-se, in litteris:
“Art.
I - centros de atendimento integral e multidisciplinar para mulheres e respectivos dependentes em situação de violência doméstica e familiar;
II - casas-abrigos para mulheres e respectivos dependentes menores em situação de violência doméstica e familiar;
III - delegacias, núcleos de defensoria pública, serviços de saúde e centros de perícia médico-legal especializados no atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar;
IV - programas e campanhas de enfrentamento da violência doméstica e familiar; e,
V - centros de educação e de reabilitação para os agressores”.
Talvez, para camuflar a manha do legislador ou diluir o enérgico rol de obrigações do administrador público, tenha sido empregada a expressão “poderão” no caput do Art. 35, para incutir no intérprete um tom lânguido da disposição legal, sem maiores comprometimentos para o seu destinatário (o agente público), com ares de despedidas, próprio das “Disposições Finais” das leis.
Mas o Parágrafo 8º, do Art. 226, da Constituição Federal de 1988, aplaca essa distração do legislador: “O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”.
Não existe uma faculdade ou discricionariedade do Poder Público para criar mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher no texto constitucional. A prevenção, a punição e a erradicação da violência contra a mulher, posta como uma das formas de violação dos direitos humanos, é poder-dever da República Federativa do Brasil em todas as dimensões e graus, decorrente mesmo do princípio-fundamento da dignidade da pessoa humana e de nosso compromisso assumido na ordem internacional de promover o exercício dos direitos fundamentais às mulheres.
A omissão ou desídia do agente público em fazer cumprir as disposições cogentes do Art. 35 da Lei Maria da Penha deve ser tachada de conduta ímproba, verdadeiro ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública, notadamente o da legalidade, o da moralidade e o da eficiência. Detonando a iniciativa e legitimidade da Defensoria Pública e do Ministério Público para o ajuizamento das Ações Civis Públicas pertinentes para o cumprimento desse preceito de sublime envergadura e devoção aos direitos humanos da mulher vítima da violência doméstica cotidiana.
À guisa de exemplo, seria imaginável que a instituição de Casa-Abrigo para mulheres e respectivos dependentes menores em iminente situação de violência doméstica e familiar – para que não morram cruel e covardemente assassinados pelo companheiro agressor – , prevista no Art. 35, Inciso II, da Lei Maria da Penha, seria uma faculdade ou deleite da Administração Pública?
Certamente que não. Inexiste discricionariedade na política pública que visa a coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. E o Art. 35 não enumera frívolas garantias ou propõe jocosamente a criação de desimportantes órgãos públicos. Não. De nenhuma forma se propõe a Lei Maria da Penha a transformar seu Art. 35 em mera peça normativa ornamental, para distrair a doutrina de vanguarda ou impressionar o interessado acadêmico. O Art. 35, em última análise, consagra o direito à vida numa necessária perspectiva de gênero. Afinal, neste País ainda tão desigual, talvez sejam as mulheres, depois da comunidade afro-brasileira, o grupo social vulnerável mais sujeito a infortúnios e pesares sociais ocasionados pela falta de uma política pública ao longo de várias décadas.
Tirando-se outro exemplo. Se a União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios não criarem centros de educação e de reabilitação para os agressores, como preconiza o Art. 35, Inciso V, como os Juízes de Direito das Varas de Execuções Penais poderão, nos casos de violência doméstica contra a mulher, determinar o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação (Parágrafo Único, do Art. 152, da Lei de Execução Penal)?
Pelo que deve o exegeta, e principalmente o Poder Público, pelos seus agentes públicos - e sob pena de responsabilidade administrativa - , rebocar intelectualmente o mencionado Art. 35 para junto do Art. 8º do mesmo Diploma da Mulher, precisamente para o “TÍTULO III - DA ASSISTÊNCIA À MULHER
O Art. 40 desse moderno Diploma legal chancela expressamente toda essa singular interpretação a ser envidada pelo Poder Público: “As obrigações previstas nesta Lei não excluem outras decorrentes dos princípios por ela adotados”. E não poderia ser diferente, já que o combate e a erradicação das causas da violência doméstica e familiar contra a mulher constituem-se em objetivo do Brasil e de toda a comunidade internacional.
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Carlos Eduardo Rios do Amaral é Defensor Público no Estado do Espírito Santo
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