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Resumo:
A Obra "Um discurso sobre as ciências" além de apresentar uma crítica profunda à epistemologia positivista, às ciências físico-naturais, assim como nas ciências sociais
Texto enviado ao JurisWay em 12/01/2011.
Última edição/atualização em 13/01/2011.
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A Obra “Um discurso sobre as ciências” além de apresentar uma crítica profunda à epistemologia positivista, às ciências físico-naturais, assim como nas ciências sociais, fundamenta à luz dos debates na física e na matemática, apresenta uma visão epistemologica como um sinal da crise final do paradigma científico dominante e identifica os traços principais de um paradigma emergente que confere às ciências sociais uma nova centralidade na busca de um novo senso comum. Apresentando em suas primeiras páginas a crise de identidade das ciências no tempo em que vivemos, cujo assunto será desdobrado ao longo da obra, sendo analisados aspectos históricos das ciências naturais e sociais, bem como o atual contexto cientifico em que nos encontramos e as perspectivas para o futuro. Para uma melhor compreensão, o autor estrutura a sua obra da seguinte maneira: 1º) caracteriza a ordem científica hegemônica; 2º) analisa, sob condições teóricas e sociológicas, a crise dessa hegemonia; 3º) propõe um perfil de uma ordem científica emergente, novamente sob condições teóricas e sociológicas.
PALAVRAS CHAVE: Educação; Ciências; Discurso.
Introdução
O livro Um Discurso sobre as Ciências, do professor universitário de Coimbra, e influente sociólogo, Boaventura de Sousa Santos (BSS), disserta sobre as ciências. A parte excelente deste livro reside principalmente na linguagem que não é um obstáculo intransponível para acompanhar o autor, como tantas vezes acontece com confrades seus, pós-modernos, ainda que, muitas vezes seja difícil compreendê-lo. Mas, quando o compreendemos, não estamos de acordo com ele.
Logo no início escreve: Desde o século XVI, onde todos nós, cientistas modernos, nascemos, e cita, depois, os grandes cientistas que estabeleceram e mapearam o campo teórico: Adam Smith, Ricardo, Lavoisier, Darwin, Marx, Durkheim, Max Weber, Pareto, Humboldt, Planck e Poincaré. Tentarei mostrar mais adiante por que, entre os citados, Max Weber, Ricardo Pareto, Marx Durkheim, não devem ser colocados entre os cientistas, sem que isso diminua a sua estatura e influência intelectuais, é claro. Isso será mais evidente quando lembrarmos de que se ocupa a ciência.
BSS refere-se, a Rousseau de quem me dizem que alguns pós-modernos se consideram filhos, filhos de Rousseau intelectuais, é claro, pois que Rousseau engeitou os filhos naturais derramando muitas lágrimas, ao que ele mesmo conta.
Esta obra é uma versão ampliada da oração de Sapiência que proferi na abertura solene das aulas da Universidade de Coimbra no ano letivo de 1985/1986, defendendo uma posição epistemologica antipositivista.
Quando analisarmos a situação presente das ciencias no seu conjunto, olhamos para o passado, a primeira imagem é talvez a de que os progressos científicos dos ultimos trinta anos são dramáticos que os séculos que nos precederam desde o século XVI, onde todos nós, cientistas modernos, nascemos até ao próprio século XIX – não são mais que uma pré-história longinqua.
Contribuirá a Ciencia para diminuir o fosso crescente na nossa sociedade entre o que se é e o que se aparenta ser, o saber dizer e o saber fazer.
II. Um Discurso sobre as Ciências
Jean Jacques Rousseau, em 1749, a caminho de Vincennes onde ia visitar o seu amigo Diderot, então na prisão por ter violado as regras da censura, leu no Mercure de France o anúncio dum prêmio da Academia de Dijon a ser concedido a um ensaio sobre o tema: Tem o progresso das artes e das ciências contribuído para a purificação ou para a corrupção da moralidade?. Teve então a sua epifânia, uma iluminação, como revela numa carta a Males herbes, uma revelação perturbadora com palpitações, lágrimas e tudo, lágrimas mobilizadas facilmente por esse amador de confissões.
E num vibrante ensaio culpou as artes e ciências por corromperem a moralidade e tudo na vida. Como se sabe, ganhou o prêmio com um ensaio intitulado Discurso sobre as Ciências e as Artes onde mostrava que todos os males do homem eram produzidos por uma sociedade baseada nas artes e na ciência.
Este é o mesmo Rousseau que na sua «pregação da ignorância, se comparava a Sócrates — esperando certamente merecer o mesmo destino — que, aliás, não creio que louvasse a ignorância antes dizendo que não a podíamos corrigir muito, o que é coisa diferente.
Segundo o relato de BSS (1996, p. 7):
Rousseau fez as seguintes perguntas... há alguma relação entre a ciência e a virtude? Há alguma razão de peso para substituirmos o conhecimento vulgar que temos da natureza e da vida, e que partilhamos com os homens e mulheres da nossa sociedade, pelo conhecimento científico produzido por poucos e inacessível à maioria? Contribuirá a ciência para diminuir o fosso recente na nossa sociedade entre o que se é e o que se aparenta ser, o saber dizer e o saber fazer, entre a teoria e prática? Perguntas simples a que Rousseau responde, de modo igualmente simples, com um redondo não [...]
Uma pergunta elementar é uma pergunta que atinge o magma mais profundo da nossa perplexidade intelectual e coletiva com a transparência técnica de uma fisga. Foram assim as perguntas de Rousseau; terão de ser ainda as nossas. Mais do que isso, duzentos e tal anos depois, as nossas perguntas continuam a ser as mesmas.
Estamos de novo regressados à necessidade de perguntar pelas relações entre a ciência e a virtude, pelo valor do conhecimento dito ordinário ou vulgar que nós, sujeitos individuais ou coletivos, criamos e usamos para dar sentido às nossas práticas e que a ciência teima em considerar irrelevante, ilusório e falso, etc.
Há aqui confusões que nos parecem excessivas. Claro que algumas perguntas se poderão fazer sempre, e não são fáceis de responder, sobre as relações da ciência com a virtude, da ciência com a felicidade, da ciência com tudo o que acontece; da ciência com tudo o que existe, da ciência com Deus, etc. Mas tudo quanto se disser, diz-se a partir do conhecimento, simples também, de que a ciência não se ocupa, isto é, não estuda, não trata, não experimenta, não observa, não teoriza, não faz conjecturas nem refutações sobre a virtude, a felicidade, o que é e o que aparenta ser, etc. Pode a ciência ter alguma influência sobre tudo isso que não lhe pertence, obviamente?
Aqui podem estar problemas para psicólogos (alguns), sociólogos (todos), antropólogos (alguns), que se possam interessar por eles mas que não são cientistas, como esperamos mostrar. Rousseau, no entanto, tinha já respostas: definitivamente a ciência corrompe a moralidade e tudo na vida. Rousseau teria que prová-lo o que não fez. Os seus «filhos» receberam essa herança e devem fazê-lo. Aguardamos.
Assim, BSS tem já uma resposta: a ciência considera irrelevante, ilusório e falso o conhecimento dito ordinário ou vulgar. Ora, que se saiba, os cientistas em geral não pensam tal coisa. Pode-se chegar cientificamente a conclusões ou interpretações diferentes das alcançadas por esse conhecimento vulgar ou ordinário e, em muitas situações, poder-se-á dizer que esse conhecimento vulgar de matéria que pertence à ciência é errado.
Assim se vai corrigindo o chamado sentido comum que está na origem do conhecimento vulgar, que tem as mesmas nascentes, firmada na curiosidade, da ciência. Isto acontece com quaisquer saberes que se relacionem com a matéria da ciência, sem exceção, sejam eles da teologia, filosofia, sociologia, etc.
As coisas de cujo conhecimento se ocupa a ciência (e há muitas coisas a dizer sobre estas coisas, como se verá...) só poderão participar noutros saberes sem esquecer o conhecimento científico que delas se tiver, e nunca contrariando-o. Por exemplo, poderei dizer que acho belo ou aborrecido o azul do céu num quadro, mas não posso negar que essa percepção do azul resulta de certos comprimentos de onda ou freqüências da luz que, desse pintado céu, chega aos olhos.
Espero que não me falem, agora, de ilusões, de defeitos fisiológicos, etc. Sabemos todos, com a nossa sabedoria vulgar ou ordinária, educada, do que estamos a falar... Também podemos dizer, ao contrário de BSS, que os cientistas não têm quaisquer dúvidas na distinção entre teoria e prática. Por exemplo, podem distinguir entre a atividade teórica e prática de Galileu, de Newton, de Faraday, de Maxwell, de Tompson, de Fermi, para só citar meia dúzia de exemplos. Sabem, por exemplo, que Dirac, Schrodinger, Pauli só tiveram atividades teóricas. Não há problema nenhum. Sabendo o que um cientista faz, sempre pode dizer-se se trata de prática ou de teoria. E explicar isto é ofender o leitor.
O autor ao longo deste livro usa de um método a que se manterá fiel. Não argumenta, não apresenta exemplos, não seleciona casos que fundamentem as suas afirmações, e ajudem os que têm só conhecimentos ordinários ou vulgares. Afirma e conclui. Por exemplo (1996, p. 9): Primeiro, começa a deixar de fazer sentido a distinção entre ciências sociais e naturais; segundo, a síntese que há que operar entre elas tem como pólo catalizador as ciências sociais; terceiro, para isso,as ciências sociais terão de recusar todas as formas de positivismo lógico ou empírico ou de mecanicismo materialista ou idealista com a conseqüente revalorização do que se convencionou chamar humanidades [...] à medida que se der esta síntese, a distinção entre conhecimento científico e conhecimento vulgar tenderá a desaparecer e a prática será o fazer e o dizer da filosofia da prática.
Este final sobre o fazer e o dizer da filosofia da prática apesar de ser bem soante, francamente, deixou-me bastante confusa mas, o problema deve ser meu. E, em catadupa, surgem as questões: por quê ? Como se fará a tal síntese com a qual deixará de fazer sentido a distinção entre ciências sociais e naturais? Como se conseguirá a revalorização das humanidades e o que isto significa? Como é que os conhecimentos científico e o vulgar se confundirão na perspectiva do autor? Será que os problemas (para não os multiplicar só vou falar da física) da cosmologia, da relatividade quântica, da teoria de tudo (se houver), da supercondutibilidade, da mecânica quântica, etc., vão ser atacados com êxito a partir da síntese entre as ciências naturais e as chamadas ciências sociais, efetuada tendo como pólo canalizador (sic) das ciências sociais? Não teria sido possível ao autor dar um exemplo (bastava um) de qualquer avanço científico de interesse nas que chama ciências naturais em que se comece a notar a influência da síntese prometida com o pólo canalizador (sic) das ciências sociais?
Creio que, nesta altura, o meu persistente leitor (se existir) já compreende melhor por que gastei algum tempo com os pronunciamentos de alguns eminentes pós-modernos. É que assim vamos, se não compreendendo (seria demasiado), pelo menos acompanhando o pensamento de BSS. Este caminho é tão ínvio que a cada passo gostaria de parar para refletir, mas isto tornaria o comentário mais longo do que o Discurso.
Mas não cedo à tentação de completar o autor quando fala (p. 10) de duas formas de conhecimento não científico (e, portanto, irracional) potencialmente perturbadoras e intrusas: o senso comum e as chamadas humanidades ou estudos humanísticos (em que se incluíram, entre outros, os estudos históricos, filológicos, jurídicos, literários, filosóficos e teológicos).
Este, portanto, irracional, é revelador. É que se pode ser racional, lógico, sem ser científico. Estou-me a lembrar de um ensaio de G. K. Chesterton onde ele diz que a Idade Média rebentava de lógica: se um homem lutava com duas hidras de sete cabeças cada uma, lutava contra catorze cabeças.
Serve isto de exemplo de um pensamento lógico, racional que não é, certamente, científico... Além disso, não se compreende por que serão irracionais o senso comum, as humanidades ou estudos humanísticos e todos os estudos referidos (BSS não sente a necessidade de explicá-lo). E os estudos sociológicos?
Seguidamente, fala do Novo Organum (p. 13) de Bacon e, com muitos outros, dá uma visão que considero muito simplista do pensamento científico de Bacon, pois este esteve sempre preocupado, como ele mesmo diz na obra citada por BSS, com as «verdadeiras direções relativas à interpretação da natureza. E o mesmo BSS, apoiando-se em A. oyré (p. 13), diz que Bacon opõe a incerteza da razão entregue a si mesma à certeza da experiência ordenada .
Estamos evidentemente de acordo mas pode-se perguntar: então, como se ordena a experiência? Não será pela razão? Não por um esquema teórico que nem sempre, é certo, terá a dignidade de teoria? BBS diz ainda que «ao contrário do que pensa Bacon, a experiência não dispensa a teoria prévia». Aqui merecíamos uma citação pois não conheço nenhum trecho onde Bacon diga que a experiência dispensa a teoria. Aliás, logo a referência a Koyré aponta para o contrário, quando fala em experiência ordenada¹.
Poderíamos aqui recordar Charles Darwin (para não chegar até Popper) quando escreveu: Quão estranho é que qualquer pessoa não possa ver que todas as observações devem ser a favor ou contra qualquer ponto de vista, se é que podem ser de algum auxílio.
Realmente importante, no entanto, no pensamento científico de Bacon é que a última instância de confirmação última (é) a confirmação dos fatos. Falta apenas dizer o que são esses fatos sobre cuja existência Bacon não tinha dúvidas. Por isso, tanto quanto me é dado entender, muitos interessados na filosofia da ciência têm considerado o pensamento de Francis Bacon como moderno, em acordo, por exemplo, com as idéias de Einstein sobre o problema do conhecimento científico, sua aquisição e comprovação.
Mas avancemos no texto de BSS (p. 15). A divisão primordial é a que distingue entre condições iniciais e leis da natureza [...] Esta distinção entre condições iniciais e leis da natureza nada tem de natural. Como bem observa Eugene Wigner é mesmo completamente arbitrária. No entanto é nela que assenta toda a ciência moderna.
Confesso que não entendo o que diz (do que BSS não tem a culpa, talvez). A ciência moderna assentar na distinção (sic) entre condições iniciais e leis da natureza? Mas quem é que alguma vez não distinguiu condições iniciais de leis da natureza? As leis da natureza são relações, em física, expressas geralmente em linguagem matemática, que são satisfeitas quando substituímos os números, que são medidas de quantidades de grandezas físicas, nas equações (uma forma de efetuar a correspondência entre os fatos da natureza e o pensamento).
As condições iniciais, pensava eu, são isso mesmo, valores iniciais usados para prever o desenvolvimento, geralmente com o tempo, de outras quantidades de grandezas ou a variação do valor de uma quantidade de uma grandeza com uma variação do valor de outra, figurando ambas simbolicamente na expressão da chamada lei da natureza. Claro que existem problemas, levantados na física moderna, no estabelecimento das condições iniciais mas que nada têm a ver com essa distinção na qual, segundo BSS, assenta toda a ciência moderna!
E, mais adiante, continua (p. 18): O prestígio de Newton e das leis simples a que reduzia toda a complexidade da ordem cósmica tinham convertido a ciência moderna no modelo de racionalidade hegemónica que pouco a pouco transbordou do estudo da natureza para o estudo da sociedade.
Assim aconteceu, mas considerou-se que esse modelo poderia produzir resultados igualmente robustos no estudo da natureza e no estudo da sociedade, o que evidentemente não aconteceu, como reconhece BBS. Mas a insistência na adoção do modelo não partiu de cientistas... E BSS acrescenta (p. 19)
Por maior que sejam as diferenças entre os fenómenos naturais e os fenómenos sociais é sempre possível estudar os últimos como se fossem os primeiros (p. 19).
Esta é a falácia em que habitam muitas pessoas além de BSS, pois o que se deveria dizer é que se criou a ilusão de que era possível estudar os fenômenos sociais como se fossem naturais e chegar a conclusões com a mesma consistência, coerência e fidedignidade. Esses fenômenos sociais são, quanto muito, mais difíceis de estudar, por mais complexos. Estamos no cerne do problema, o da independência, ou não, do que é elaborado no pensamento e no exterior dele. Estamos com o problema central da objetividade.
Dizer, como diz BSS, que não há diferenças qualitativas entre o processo científico neste domínio (social) e o que preside ao estudo dos fenômenos naturais é aceitar, como defende Collins, que um conselho matrimonial que facilite a união dum casal tem a mesma dignidade científica do que, por exemplo, o conselho de não elevar a temperatura da água (à pressão atmosférica) acima de 100 graus Celsius, se se quiser manter a união das moléculas da água no estado líquido.
Não há negociações possíveis neste último caso. BSS acompanha, depois, Ernest Nagel que, em The Structure of Science 25, escreve:
"As ciências sociais não dispõem de teorias explicativas que lhes permitam abstrair do real para depois buscar nele, de modo metodologicamente controlado, a prova adequada; as ciências sociais não podem estabelecer leis universais porque os fenômenos sociais são historicamente condicionados e culturalmente determinados; as ciências sociais não podem produzir previsões porque os seres humanos modificam o seu comportamento em função do conhecimento que sobre ele adquirem; os fenómenos sociais são de natureza subjectiva e, como tal, não se deixam captar pela objectividade do comportamento; as ciências sociais não são objectivas porque o cientista social não pode libertar-se, no acto da observação, dos valores que informam a sua prática em geral, e portanto, também a sua prática de cientista."
Não se poderia dizer melhor. Quem não concordará com isto? Mas, logo depois, Nagel conclui, não sabemos por quê, que a oposição entre as ciências sociais e as ciências naturais não é tão linear quanto se julga e que, na medida em que há diferenças, elas são superáveis ou negligenciáveis. Claro que não indica, o que é pena, como superar essas diferenças e, assim, apenas poderemos discordar veementemente dizendo que elas não são mesmo nada negligenciáveis. Nisto parece estar de acordo BSS que considera os obstáculos... intransponíveis (pp. 21-22).
Para alguns, é a própria idéia da ciência da sociedade que está em causa, para outros, trata-se tão só de empreender uma ciência diferente (sic):
"[...] A ciência social será sempre uma ciência subjectiva e não objectiva como as ciências naturais; tem de compreender os fenómenos sociais a partir das atitudes mentais, e do sentido em que os agentes conferem às suas acções, para o que é necessário utilizar métodos de investigação e mesmo critérios epistemológicos diferentes dos correntes nas ciências naturais, métodos qualitativos em vez de métodos quantitativos, com vista à obtenção de um conhecimento intersubjectivo, descritivo e compreensivo, em vez de um conhecimento objectivo e nomotécnico."
Bem dito. Esta é uma das partes excelentes do ovo do pároco... Mas dela concluiria, no entanto, que, afinal, partindo das premissas expressas, não podem existir ciências sociais, a menos que se queira ajustar convenientemente, e oportunisticamente, o significado do termo ciência. Parece que aqui, pelo menos, BSS parece não tentar, como outros colegas seus, contestar a radical objetividade do que chama ciências naturais. No entanto, antes (p. 9), tinha escrito, como citamos atrás, que não tinha sentido a distinção entre ciências naturais e ciências sociais e que há que efetuar a síntese das ciências naturais e das sociais, etc., como o leitor recordará.
CONCLUSÃO
Este é, genuinamente, o resultado de um esforço coletivo. Antes de tudo, o esforço dos autores dos capítulos que generosamente aceitaram partilhar com BSS as preocupações que estiveram na origem do projeto.
O teor da crítica a Um Discurso sobre as Ciências e da que, se segue tornou claro que o alvo não poderia ser somente o pequeno livro publicado quinze anos antes. A crítica visa uma certa forma de conceber e praticar a ciência, uma ciência socialmente empenhada na afirmação dos valores da democracia, da cidadania, da igualdade e do reconhecimento da diferença, uma ciência que se pretende objetiva e independente, mas não neutra e socialmente opaca ou irresponsável.
Esta é a concepção de ciência que, em geral, tem presidido à investigação acerca do livro. Daí que a crítica a Um Discurso sobre as Ciências tenha sido entendida como visando atingir muito para além do autor do livro.
Todo o conhecimento científico visa constituir-se em senso comum
Por fim o autor nos dá a sua opinião de qual a utilidade da ciência (pós-moderna). O conhecimento científico apenas assume o seu real valor quando capaz de produzir conhecimento e tecnologia que sejam aplicáveis e aplicadas pelas sociedades.
Às três perguntas colocadas por Rousseau (ROUSSEAU, Jean-Jacques, Discours sur les Sciences et les Arts, in Oeuvres Complétes, vol. II, Paris, Seuil, 1971, pp. 52 e ss.), deveremos continuar a responder não ou devemos conduzir o pensamento científico de forma a que este se torne útil a milhões e a milhões melhore a sua qualidade de vida.
Talvez as perguntas agora sejam outras: há alguma ligação entre a ciência a moral? Há alguma razão de peso para não completarmos o conhecimento vulgar que temos da natureza e da vida e que partilhamos com os homens e mulheres da nossa sociedade com o conhecimento científico? Como pode a ciência diminuir o fosso crescente na nossa sociedade entre o que se é e o que se aparenta ser, o saber dizer e o saber fazer, entre a teoria e a prática? Por certo, estas perguntas merecem mais do que um 'sim' ou um 'não'. A resposta a estas questões poderá subscrever o reencontro da ciência com o senso comum, e aqui se concretiza o retorno.
REFERÊNCIAS
ROUSSEAU, Jean-Jacques, Discours sur les Sciences et les Arts, in Oeuvres Complétes, vol. II, Paris, Seuil, 1971.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Um discurso sobre as Ciências. Lisboa. Afrontamento, 1993.
SANTOS, Boaventura Sousa. Um Discurso sobre as Ciências. Porto, Edições Afrontamento,1996, 8ª edição.
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