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Texto enviado ao JurisWay em 30/01/2010.
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ACIDENTE DE TRABALHO OU ACIDENTE COMUM
SOB A ÓTICA DO POEMA-MÚSICA CONSTRUÇÃO
DE CHICO BUARQUE DE HOLANDA
Heloisa Helena Quaresma
SUMÁRIO: introdução; I. O acidente de trabalho e a proteção da Lei nº 8.213/91; II. Acidente comum e a proteção previdenciária; III. Conclusão; Bibliografia.
RESUMO
O Direito Previdenciário colocou um capítulo somente para falar sobre os acidentes do trabalho. Denominado como Direito Acidentário esta matéria dispõe na Lei n° 8.213/91. Assim, este trabalho tem a intenção de analisar o poema Construção de Chico Buarque de Holanda com base no Direito Acidentário e na legislação. O poema é na verdade a letra de música que Chico Buarque fez para homenagear os trabalhadores braçais que na década de 70 construíram as grandes cidades de hoje, como São Paulo.
A letra conta a história de um operário que morreu ao cair da construção, e nesta época não tínhamos ainda uma legislação específica que desse proteção a esta classe operária.
PALAVRA-CHAVE: acidente de trabalho; lei nº 8213/91; proteção; direito previdenciário;
INTRODUÇÃO
Em 1971, Chico Buarque de Holanda escreveu o poema-música Construção, esta canção trouxe à baila a história de um operário civil que morre num acidente de trabalho, caindo da construção.
A letra de Construção mostra o inconformismo do autor no auge da Ditadura Militar, tendo como exemplo, um trabalhador que sai de casa deixando sua mulher e seus filhos, para ir à busca do sustento da família. No almoço, bebe além da conta, ocasionando um acidente de trabalho. Tudo isso acontece em uma época em que o Brasil verticalizava as suas metrópoles, os arranha-céus subiam e geravam os mártires que os construíam.
E mesmo após sua morte, não tem o descanso merecido, já que seu corpo cai no meio da avenida pública, mostrando que até depois de morto, o pobre é como um estorvo na sociedade.
O poema de Chico Buarque mostra a face triste em que a grande massa era explorada pelo sistema sócio-econômico e político e a desproteção social do cidadão trabalhador brasileiro com uma letra que chama atenção exatamente por ela cumprir o papel de narrar e denunciar, sem discursar, mas apenas relatando, o acidente de trabalho.
I. O ACIDENTE DE TRABALHO E A PROTEÇÃO DA LEI N° 8.213/91
O artigo 19 da Lei n° 8.213/91 dispõe como acidentes de trabalho o evento que acontece no exercício do trabalho prestado à empresa e que provocam lesões corporais ou perturbações funcionais que podem resultar na perda, na redução permanente ou temporária das capacidades físicas ou mentais e ou acarretar na morte do trabalhador em seu local de trabalho.
Art. 19. Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.
A lei n° 8.213/91 protege também a hora do descanso e ou intervalo do serviço. Equiparam-se ao acidente de trabalho conforme art. 21, § 1º, aqueles ligados ao trabalho que, nos períodos destinados a refeição ou descanso, ou por ocasião da satisfação de outras necessidades fisiológicas, no local do trabalho ou durante este, o empregado é considerado no exercício do trabalho.
Art. 21. Equiparam-se também ao acidente do trabalho, para efeitos desta Lei:
I - o acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única, haja contribuído diretamente para a morte do segurado, para redução ou perda da sua capacidade para o trabalho, ou produzido lesão que exija atenção médica para a sua recuperação;
Para que seja classificado como um acidente de trabalho, primeiramente devem-se distinguir os fatores que afastam o ocorrido de um acidente comum. Pois são de importância fundamental as informações neles contidas, são eles: a condição insegura; o ato inseguro; o acidente tipo; o agente da lesão e o fator pessoal inseguro.
A condição do ambiente de trabalho que oferece perigo e ou risco ao trabalhador consiste em ato inseguro praticado pelo próprio obreiro que em geral consciente do que está fazendo está contra as normas de segurança ou condições inseguras. O fato de o operário ter-se apoiado em paredes inexistentes pressupõe que o acidente de trabalho aconteceu por ato inseguro, aquele que é praticado pelo homem, em geral consciente do que está fazendo, que está contra as normas de segurança e condições inseguras, ou seja, é a condição do ambiente de trabalho que oferece perigo e ou risco ao trabalhador.
Além destas informações, ainda existem quatro características que apontam o acidente de trabalho: a nocividade; a causalidade; a incapacitação e o nexo etiológico, este último dentre os quatro elementos, é um importante pressuposto, pois é a subordinação.
O operário ao morrer deixa seus dependentes em situação de risco. Assim, a Lei n° 8.213/91 abarcou estes dependentes, dispondo em seus artigos
A pensão é devida ao conjunto de dependentes do segurado, pois te caráter intuitu familiae e deverá ser rateada entre todos da mesma classe de dependentes, devendo ser revertida em favor dos demais à parte daquele cujo direito à pensão cessar, conforme o artigo 16 c/c 77 da Lei n° 8.213/91.
Conforme a jurisprudência:
ACIDENTE DE TRABALHO. TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO - O benefício acidentário é devido a partir do momento em que o INSS toma ciência do mal incapacitante e pode se quiser conceder a indenização, administrativamente. (2° TACSP - Ap. s/ Ver. 541.895/0 - São Paulo - Rel.: Juiz Souza Moreira - J. em 10/02/99).
Passando a ser devida com o óbito, devendo ser requerida até 30 dias depois da morte acidentária. Se requerida após estes 30 dias ou a partir da decisão judicial, no caso de ter ocorrido morte presumida, deverá ser produzida prova hábil e o benefício será concedido em caráter provisório.
II. ACIDENTE COMUM E A PROTEÇÃO PREVIDENCIÁRIA
Construção de Chico Buarque de Holanda nos faz também enxergar que o operário pode não ter sofrido um acidente de trabalho, e sim um acidente comum, encoberto pelo vício de beber, suicidou-se. Doença esta adquirida em função das longas jornadas de trabalho braçal e escalas ininterruptas de trabalho.
O Brasil é considerado o oitavo país em que o uso de álcool provoca doenças no trabalho. Os profissionais mais suscetíveis à dependência alcoólica são os trabalhadores que atuam em fundições, cozinheiros, profissionais do ramo de bares e restaurantes e trabalhadores da construção civil. Verificou-se que em relação à gravidade dos acidentes o alcoolismo, por reduzir os reflexos, a atenção e alterações psicomotoras, é um dos principais agravantes destes acidentes.
Diante desta situação, quando o segurado sofre um acidente sem qualquer ligação com a atividade laborativa, por força do risco genérico buscam-se as disposições de proteção puramente previdenciárias. Quando essa mesma moléstia ou acidente encontra liame com a atividade laboral executada, procura-se a regra do risco específico cuja amplitude é maior, porquanto se exige contingente mais amplo de prova.
A doença profissional para ser amparada pelo seguro acidentário deve ser assim entendida como a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social; e a doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, como dispõe o art. 20, I e II da Lei n° 8.213/91.
Na doença profissional os elementos caracterizadores do acidente de trabalho como a causalidade, nocividade, incapacitação e o nexo etiológico não estão todos elencados, faltando um destes elementos para ser ressarcido pelo seguro acidentário.
Neste sentido cito o seguinte precedente jurisprudencial:
ESTABILIDADE ACIDENTÁRIA – AUSÊNCIA DE CAUSALIDADE ENTRE A INCAPACIDADE LABORATIVA E O ALEGADO ACIDENTE DE TRABALHO – PEDIDO IMPROCEDENTE – Improcede o pedido de estabilidade acidentária, quando restar provada a ausência de causalidade entre a incapacidade laborativa e o alegado acidente de trabalho. (TRT 14ª R. – RO 0253/2001 – (0217/02) – Rel. Juiz Pedro Pereira de Oliveira – DJRO 04.04.2002).
Na falta destes, o trabalhador que sofra de doença profissional e morre ao prestar serviço à dada empresa poderá ser ressarcido no âmbito civil, já que a ele não alcança o seguro acidentário.
“INDENIZAÇÃO – Responsabilidade civil – Acidente do trabalho – Morte de operário em construção – Inexistência de qualquer treinamento ministrado aos empregados – Criação de “CIPA” pelo empregador depois do acidente – Pedido procedente – Recurso parcialmente provido. Em matéria aquiliana a culpa levíssima já bastava para caracterizar responsabilidade por danos, principalmente depois do assegurado no art. 7º, XXVIII da Constituição da República”. (Relator: Jorge Tannus – Apelação Cível n. 203.625 – São Caetano do Sul – 11.11.93)
Por fim, cabe destacar que, além da indenização devida ao empregado acidentado, a empresa ficará responsável pelo ressarcimento à Previdência Social pelos gastos que esta despendeu com o acidente, nos casos de negligência quanto às normas de segurança do trabalho, conforme prevê o art. 120 da Lei nº 8.213/9l.
III. CONCLUSÃO
Particularmente, vejo o a morte do protagonista da canção como um acidente e não creio que estivesse bêbado ou momentaneamente lunático como alguns acreditam sugerir a letra da canção. O fato é que o sujeito acidentou-se mortalmente no trabalho e isso não tinha a menor importância para aqueles que passavam pelo local, mais preocupados com o trânsito, o sábado e consigo mesmos.
A obra de Chico Buarque explora fatos corriqueiros da vida cotidiana de um operário e através de sua crítica, desperta a atenção sobre os valores da sociedade brasileira à época.
No poema-música Construção, Chico Buarque internalizou uma ironia cruel, pois, a construção de um edifício implica o aniquilamento daquele homem que o constrói.
Nesta época a construção civil nas cidades empregava principalmente a mão-de-obra nordestina intensificando, assim, as ondas migratórias, que passaram a idealizar a região Sudeste a possibilidade de ascensão social explicitando a face de um Brasil que era o recordista mundial de acidentes de trabalho, sendo a sua grande maioria ocorrida na construção civil.
Bibliografia:
GONÇALVES, Odonel Urbano. Manual de Direito Previdenciário. Acidentes do Trabalho. Editora: Atlas, 2005. São Paulo.
OLIVEIRA, José de. Acidentes do Trabalho – Teoria, Prática e Jurisprudência. Editora Saraiva. 3ª Edição. São Paulo: 2007
Entrevista de Chico Buarque concedida a Folha de São Paulo em 26/12/2004
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