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Texto enviado ao JurisWay em 25/12/2009.
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Mar Adentro
Alejandro Amenábar
A história retrata a vida de Ramón Sampedro (Javier Bardem), marinheiro galego, mecânico de barcos que aos 20 anos já dava volta ao mundo e aos 26 anos, num mergulho em águas rasas, instalou-se para sempre em uma cama, entre as quatro paredes torturantes de seu quarto de onde olha o mar, o mesmo mar que tanto viajou lhe roubou a vida e a juventude.
Ex-marinheiro era um homem totalmente saudável, inteligente e viril, que fica tetraplégico ao sofrer um acidente e ser obrigado a viver, contra sua vontade, paralisado em uma cama, dependendo da ajuda de seus familiares para todas as suas necessidades básicas. Vinte e seis anos depois, ele consegue uma advogada disposta a ajudá-lo na luta em legalizar a eutanásia e finalmente morrer com dignidade. Confrontando questões morais, religiosas e sociais, Ramón tenta legalizar uma petição que lhe dê autorização para cometer eutanásia, sem que nenhumas das pessoas que o ajudaram sejam prejudicadas por suas ações.
Desde então a vida para ele é uma "humilhante escravidão" e sua única fuga são os sonhos e a vidraça que separa o seu mundo do alheio. Esse é um drama em que morte e vida digladiam-se o tempo todo e, para nós, que queremos tanto viver, o espírito suicida de Ramón parece incompreensível; até percebermos que a liberdade era o sentido de sua vida e, perdendo-a, o que lhe resta não é mais vida, mas sua migalha. O passado livre e vívido vem e vai, invadindo sua memória e depois ficando para trás, em preto e branco nas fotografias.
Nessas quase três décadas de clausura, houve tempo suficiente para pensar em tudo e decidir-se pela morte, e o filme nos torna partidários dessa idéia, quase cúmplices do personagem. Porém, a grande contradição é que nosso suicida seja um homem tão vital, tão lúcido, tão inteligente e sedutor, que recorre sempre ao humor (negro, geralmente) e faz o mundo ao redor girar e a vida de todos fazer sentido. Além de também ser dono do sorriso mais doce da Espanha.
E é esse sorriso a primeira coisa que encanta Julia (Belén Rueda), uma advogada que, por causa de sua doença degenerativa, se solidariza com a causa de Ramón. Ela pergunta: "Por que você sorri tanto?". A resposta é desconcertante: "Aprendi a chorar com sorrisos". Logo também chega Rosa (Lola Dueñas), uma operária solitária que o procurou para demovê-lo da idéia, depois de tê-lo visto na TV.
A história é real, com algumas pinceladas de ficção. Mais uma vez a morte é trazida como tema, porém, dessa vez ela vem mais ambiciosa.
Dono da vida, o ser humano deve ser também, dentro de determinadas circunstâncias e segundo certos limites, o dono da sua própria morte. Não há nenhuma censura (reprovação) ética ou jurídica na chamada "morte digna", que é a morte desejada por quem já não tem mais possibilidade de vida e que, em estado terminal, está sofrendo muito. A morte nessas circunstâncias, rodeada de vários cuidados (para que não haja abuso nunca), não se apresenta como uma morte arbitrária, ou seja, não gera um resultado jurídico desvalioso, ao contrário, é uma morte "digna", constitucionalmente incensurável.
Nas palavras de Luiz Flávio Gomes: "A velha e provecta opinião no sentido de que a eutanásia, a morte assistida seria considerada homicídio ou auxílio ao suicídio é exageradamente formalista. Existem alguns julgados de Tribunais estaduais no sentido de que o homicídio piedoso ou por compaixão (eutanásia) configuraria um homicídio privilegiado, isto é, homicídio com pena diminuída".
Todos esses temas requerem maior atenção do legislador e do público
No caso da eutanásia, a morte só pode ser considerada não abusiva quando cercada de várias cautelas: que o paciente esteja padecendo "um sofrimento irremediável e insuportável"; que o paciente seja informado do seu estado terminal, leia-se: não há solução médica razoável para o caso e das perspectivas (praticamente nulas) do tratamento; deve haver pedido por escrito, voluntário e lúcido do paciente; o médico deve ouvir a opinião de outro médico (ou dois), antes de cumprir o pedido. Também é muito importante a posição da família, sobretudo quando o paciente já perdeu a consciência. De qualquer modo, só se pode falar em eutanásia, nesse caso, se o paciente, previamente, manifestou sua vontade com liberdade. A família só tem o poder de ratificar pedido anterior (Mutatis mutandis).
Não há dúvida que o art. 5º da CF assegura a inviolabilidade da vida, mas não existe direito absoluto. Feliz, portanto, a redação do art. 4º da Convenção Americana de Direitos Humanos, que diz: ninguém pode ser privado da vida "arbitrariamente". O que se deve conter é o arbítrio, o abuso, o ato irrazoável. Quando há interesse relevante em jogo, que torna razoável a lesão ao bem jurídico vida, não há que se falar em resultado jurídico desvalioso (ou intolerável). Ao contrário, trata-se de resultado juridicamente tolerável, na medida em que temos, de um lado, uma vida inviável, de outro, um conteúdo nada desprezível de sofrimento (do paciente terminal, da família etc.).
Gênero: Drama
Duração: 125 min.
Ano de Lançamento (Espanha): 2004
Distribuição: 20th Century Fox
Direção: Alejandro Amenábar.
Comentários e Opiniões
1) Nicanor (07/01/2010 às 10:02:24) ![]() Muito boa lembrança Heloisa Helena. Sou terapeuta e convivo com muitas "misérias" espirituais humanas e procuro sempre traçar paralelos com esses seres condenados à "prisão perpétua" dentro do seu próprio corpo. Sinceramente não sei o que pensar; decidir num caso como esse. Achei interessante a afirmação: "Aprendi a chorar sorrindo" Parabéns pelo texto. Abraço fraternal | |
2) Tereza Vieira (08/01/2010 às 10:38:11) ![]() O texto por você redigido traça um panorama interessante e leva à reflexão, nao só jurídica, mas bioética. Parabéns ! Espero que continue se interessando, pesquisando e escrevendo sobre temas polêmicos da bioética em que a dignidade da pessoa humana é questionada. Vida longa e saudável para você. Muito cordialmente, Profa. Dra.Tereza Rodrigues Vieira (PhD em Direito pela Université de Montreal, Canadá) | |
3) Nataliane. (10/01/2010 às 15:19:02) ![]() Parabéns, pelo texto estava precisando de um filme nesse sentido,sou acadêmica de Direito 8º período, e meu tema de monografia segue um linha de controvésias. falarei sobre a juricidade da eutanásia, e aborto de feto anacefálo. Reflito muito sobre o sentimento familiar, dentri do meu achismo, penso que ninguém pode ser condenado a uma vida vegetativa, somente para satisfazer um amor familiar. Resumido-se Deus é o pai de tudo, e não permite que seu filho sofre. Abraços minha querida.... | |
4) Célia Sifronio (11/01/2010 às 22:15:53) ![]() "Aprendi a chorar sorrindo":é uma pungente afirmação. Mas, será que nós todos não vivemos também chorando e sorrindo?Acontecem tantas tragédias nas famílias, no mundo..E a questão religiosa, como se deverá pensar?O que será que nos comprometemos com Deus antes de vir para este planeta Terra, de provas e expiações. Será que temos liberdade de decidirmos a morrer antes do programado pela Divindade? | |
5) Julio (19/01/2010 às 21:35:43) ![]() o que aconteceria se um surrado brasileiro, afastado dos mais essenciais equipamentos sociais recebe "um dia de princesa" e depois volta para sua vida normal, vegetativa. ode recorrer a tal instituto. Sei que fujo do assunto proposto, mas resolvi escrever. obrigadoPode requerer | |
6) Nene (07/02/2010 às 15:35:18) ![]() joão cabral de melo neto , num poema, defende quem se decide pelo ponto final,como alternativa a viver em ponto de interrogação ou de exclamação. fim da angústia.?... | |
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