Em julgamento infeliz, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou ser crime pagar por sexo com menores de idade que se prostituem.
O ministro Arnaldo Esteves Lima, relator do caso, e os demais ministros integrantes da Quinta Turma do STJ [Napoleão Maia Filho (presidente); Felix Fischer; Laurita Vaz; Arnaldo Esteves Lima; e Jorge Mussi] decidiram, na semana passada, pela manutenção da decisão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul que havia rejeitado a acusação contra dois réus de exploração sexual de menores, pois entenderam que o cliente ou usuário de serviço oferecido por prostituta não se enquadra no crime previsto no artigo 244-A do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
As adolescentes tinham 12 e 13 anos na época, tendo o Tribunal de Mato Grosso do Sul absolvido os dois, argumentando que as adolescentes já eram prostitutas reconhecidas, entretanto, seriam eles responsabilizados se tivessem introduzido as menores no mundo da prostituição.
Repudia-se aqui tal decisão desumana, contrária ao Estado Democrático de Direito, no que tange ao desrespeito ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, previsto no artigo 1º da Carta Magna, base de todo o ordenamento jurídico nacional.
O artigo 227 da Lei Maior ainda prevê que: "É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão." E seu parágrafo 4º dispõe que: "A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente."
O Estatuto da Criança e do Adolescente, que regulamentou o dispositivo acima trouxe no artigo 244-A a seguinte previsão: "Submeter criança ou adolescente, como tais definidos no caput do art. 2º desta Lei, à prostituição ou à exploração sexual, com pena de reclusão de quatro a dez anos, e multa". E em seu parágrafo 1º estabeleceu que: "Incorrem nas mesmas penas o proprietário, o gerente ou o responsável pelo local em que se verifique a submissão de criança ou adolescente às práticas referidas no caput deste artigo".
Logo, como pode-se perceber, a interpretação do Superior Tribunal é teratológica, pois atenta contra expressa previsão legal. O legislador não isentou o "cliente" do cometimento do delito, sendo este o principal agente delituoso, tanto é assim que o parágrafo 1º afirma que "incorrem nas mesmas penas" e traz as figuras do proprietário, gerente ou responsável pelo local onde ocorre a exploração. Se assim não fosse, por que o legislador teria criado o citado parágrafo?
E quem seria o agente do caput do artigo, senão o maior de idade que de alguma maneira submete a criança ou adolescente à prática sexual?
Não obstante toda a instrumentalidade da legislação pátria, o Brasil é signatário de diversos tratados, convenções e pactos que, dentre outras coisas, buscam assegurar direitos fundamentais, sobretudo a proteção da criança e do adolescente.
Insta salientar que no Supremo Tribunal Federal, acerca da gradação dos tratados internacionais que versem sobre a proteção de direitos humanos, possui divergência entre seus membros, entendendo os ministros Celso de Mello, Cezar Peluso, Eros Grau e Ellen Gracie que esses tratados possuem status constitucional, contudo a maioria, composta pelos ministros
Gilmar Mendes (presidente), Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Menezes Direito defentem a tese de que as referidas normas possuem status supralegal, necessitando, para serem equiparados ao texto constitucional, serem submetidos ao mesmo processo para aprovação de uma emenda à Constituição.
Por todo o exposto, não há como negar que as decisões, tanto do TJ-MS quanto do STJ, são inconstitucionais, ilegais, imorais e extremamente atentatórias contra a infância e a juventude do Brasil.