Entrou em vigor no dia 10 de agosto de 2009, data de sua publicação, a Lei nº. 12.015, de 07 de agosto de 2009, que alterou o Título VI da Parte Especial do Código Penal (Decreto-lei nº. 2.848, de 07 de dezembro de 1940) e o artigo 1º da Lei dos Crimes Hediondos (Lei nº. 8.072, de 25 de julho de 1990), além de ter revogado a Lei nº. 2.252, de 1º de julho de 1954, que tratava da corrupção de menores.
A mudança começa com a denominação do Título VI da Parte Especial do Código Penal. A expressão crimes contra os costumes, criticada pela doutrina, foi substituída pela expressão crimes contra a dignidade sexual, seguramente mais adequada, pois indica real bem jurídico protegido.
O Capítulo I manteve a nomenclatura crimes contra a liberdade sexual, mas seu conteúdo foi bastante alterado, a começar pela junção dos tipos penais estupro e atentado violento ao pudor, previstos, antes, nos artigos 213 e 214, respectivamente.
O tipo objetivo de estupro era “constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça”, enquanto o de atentado violento ao pudor era “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal”. A pena, para os dois crimes, era de reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.
O novo tipo penal, previsto no artigo 213, ao qual foi atribuído o nome estupro, incrimina a ação de “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”. A pena foi mantida no mesmo patamar – reclusão de 6 (seis) a 10 (dez) anos.
Uma primeira indagação: se o agente praticar a conjunção carnal e outro ato libidinoso, em ações sucessivas, haverá crime único ou estarão configurados dois delitos? Em outras palavras: o tipo é misto alternativo ou cumulativo? Fica, por enquanto, apenas a indagação.
O novo crime de estupro admite três formas qualificadas, relacionadas ao resultado (não querido) da conduta ou à qualidade da vítima. Assim, se da conduta resulta lesão corporal grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos, a pena será de reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos (§ 1º). E se da conduta resulta morte, a pena será de reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos (§ 2º).
Os crimes contra a liberdade sexual praticados mediante fraude também foram reunidos num único artigo. A posse sexual mediante fraude, punida com reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, era prevista no artigo 215, com a seguinte redação: “ter conjunção carnal com mulher, mediante fraude”. Se o crime era praticado contra mulher virgem, menor de 18 (dezoito) anos e maior de 14 (catorze) anos, a reclusão ia de 2 (dois) a 6 (seis) anos.
O atentado ao pudor mediante fraude, punida com reclusão, de 1 (um) a 2 (dois) anos, era prevista no artigo 216, nos seguintes termos: “induzir alguém, mediante fraude, a praticar ou submeter-se à prática de ato libidinoso diverso da conjunção carnal”. E havia também a forma qualificada, punida com reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, se a vítima era menor de 18 (dezoito) anos e maior de 14 (catorze) anos.
O novo crime, previsto no artigo 215, com o nomen iuris violação sexual mediante fraude, incrimina a ação de “ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima”. A pena, de reclusão, foi fixada entre 2 (dois) e 6 (seis) anos. Essa pena é cumulada com multa, se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica (parágrafo único).
No crime de assédio sexual, previsto no artigo 216-A, foi acrescentado o § 2º, prevendo o aumento da pena, em até 1/3 (um terço), se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos. Para lembrar, a ação proibida, nesse crime, consiste em “constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função”.
O capítulo II, que antes tratava da sedução, abolida pela Lei nº. 11.106/05, e da corrupção de menores, recebeu a denominação dos crimes sexuais contra vulnerável, abrangendo quatro figuras delitivas: o estupro de vulnerável, a corrupção de menores, a satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente e o favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração de vulnerável.
O estupro de vulnerável, previsto no artigo 217-A, incrimina as seguintes ações: (a) ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos, prevista no caput; e (b) ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência, prevista no § 1º. Essas ações são punidas com reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos. Como se vê, o estupro de vulnerável é o que antes o Código Penal tratava como violência presumida (artigo 224).
O crime em questão admite duas formas qualificadas: se da conduta resulta lesão corporal grave, a pena é de 10 (dez) a 20 (vinte) anos de reclusão (§ 3º); se resulta morte, a pena é de 12 (doze) a 30 (trinta) anos de reclusão (§ 4º).
O tipo legal da corrupção de menores, de que cuida o artigo 218, foi substancialmente alterado. Antes, “corromper ou facilitar a corrupção de pessoa maior de 14 (catorze) e menor de 18 (dezoito) anos, com ela praticando ato de libidinagem, ou induzindo a praticá-lo ou presenciá-lo”, punido com reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos. Agora: “induzir alguém menor de 14 (catorze) anos a satisfazer a lascívia de outrem”,com pena de 2 (dois) a 5 (cinco) anos. Trata-se de uma mudança significativa, pois antes não bastava o induzimento, mas a corrupção ou pelo menos sua facilitação para a configuração do infração penal.
O delito de satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente, previsto no artigo 218-A, proíbe a ação de “praticar, na presença de alguém menor de 14 (catorze) anos, ou induzi-lo a presenciar, conjunção carnal ou outro ato libidinoso, a fim de satisfazer lascívia própria ou de outrem”, sob pena de reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos.
O artigo 218-B cuida do crime de favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável, assim caracterizado: “submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra forma de exploração sexual alguém menor de 18 (dezoito) anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, facilitá-la, impedir ou dificultar que a abandone”. A pena cominada é reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos, aplicando-se também multa, se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica (§ 1º).
Por força do § 2º, incorre nas mesmas penas quem pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos na situação descrita no caput do artigo (inciso I), bem como o proprietário, o gerente ou o responsável pelo local em que se verifiquem as práticas referidas no caput do artigo (inciso II). Neste caso, constitui efeito obrigatório da condenação a cassação da licença de localização e de funcionamento do estabelecimento
O Capítulo IV, com o título Disposições Gerais, abrange as disposições sobre a ação penal, aplicáveis agora aos crimes contra a liberdade sexual e aos crimes sexuais contra vulneráveis, bem como sobre causas de aumento de pena, aplicáveis aos mesmos crimes.
Antes da Lei nº. 12.015/09, a regra era a ação penal privada, exercida mediante queixa, salvo duas exceções, uma de ação pública condicionada à representação (“se a vítima ou seus pais não podem prover às despesas do processo, sem privar-se de recursos indispensáveis à manutenção própria ou da família”), outra de ação pública incondicionada (“se o crime é cometido com abuso do pátrio poder, ou da qualidade de padrasto, tutor ou curador”). Hoje, a regra é a ação penal pública condicionada à representação (art. 225, caput), salvo uma exceção, pois a ação é pública incondicionada se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa vulnerável (art. 225, parágrafo único).
Não houve mudança quanto às causas de aumento de pena, mantidas que foram as estabelecidas pela Lei nº. 11.106/05. Assim, a pena é aumentada de quarta parte, se o crime é cometido com o concurso de 2 (duas) ou mais pessoas, e de metade, se o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tem autoridade sobre ela (art. 226).
O Capítulo V recebeu a denominação Do Lenocínio e do tráfico de pessoa para fim de prostituição ou outra forma de exploração sexual. Apenas o artigo 227, que tipifica o crime de mediação para servir à lascívia de outrem, não foi alterado. Os demais sofreram mudança, em menor ou maior grau.
Assim, o favorecimento da prostituição, previsto no artigo 228, recebeu o nomen iuris favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual. A forma simples do delito, punida com reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos e multa, passou a incriminar a ação de “induzir ou atrair alguém à prostituição ou outra forma de exploração sexual, facilitá-la, impedir ou dificultar que alguém a abandone”.
O § 1º qualifica o crime praticado por ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou por pessoa que assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância, cominando pena de reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos.
Foi mantida a forma qualificada pelo emprego de violência, grave ameaça ou fraude, punida com reclusão, de quatro a dez anos, além da pena correspondente à violência (§ 2º). Também foi mantida a previsão da aplicação cumulativa da pena de multa, se o crime é cometido com o fim de lucro (§ 3º).
No crime de casa de prostituição, de que cuida o artigo 229, a expressão “casa de prostituição ou lugar destinado a encontros para fim libidinoso” foi substituída pela expressão “estabelecimento em que ocorra exploração sexual”. Mudou-se o enfoque, como se vê, porque o tipo não se refere mais a prostituição ou encontros libidinosos, mas a exploração sexual. O preceito secundário não foi alterado, de modo que a pena foi mantida em reclusão, de dois a cinco anos, e multa.
A forma simples de rufianismo não foi modificada. A ação incriminada ainda é “tirar proveito da prostituição alheia, participando diretamente de seus lucros ou fazendo-se sustentar, no todo ou em parte, por quem a exerça”, punida com reclusão, de um a quatro anos, e multa (art. 230). As formas qualificadas, previstas nos §§ 1º e 2º, receberam nova redação. Se a vítima é menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos ou se o crime é cometido por ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou por quem assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância, a pena é de reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa (§ 1º). E se o crime é cometido mediante violência, grave ameaça, fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação da vontade da vítima, a pena é de reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, sem prejuízo da pena correspondente à violência (§ 2º).
O artigo 231 foi integralmente alterado, a começar pelo nomen iuris, de tráfico internacional de pessoas para tráfico internacional de pessoas para fim de exploração sexual. O tipo incrimina as ações de “promover ou facilitar a entrada, no território nacional, de alguém que nele venha a exercer a prostituição ou outra forma de exploração sexual, ou a saída de alguém que vá exercê-la no estrangeiro”, punidas com reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos. Incorre na mesma pena aquele que agenciar, aliciar ou comprar a pessoa traficada, assim como, tendo conhecimento dessa condição, transportá-la, transferi-la ou alojá-la (§ 1º). O § 2º prevê que a pena é aumentada da metade se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos; se a vítima, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato; se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; ou se há emprego de violência, grave ameaça ou fraude. Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa (§ 3º).
A mesma reformulação ocorreu com o crime de tráfico interno de pessoa, agora tráfico interno de pessoa para fim de exploração sexual, previsto no artigo 231-A. A forma simples considera crime as ações de “promover ou facilitar o deslocamento de alguém dentro do território nacional para o exercício da prostituição ou outra forma de exploração sexual”, punidas com reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos. Incorre na mesma pena aquele que agenciar, aliciar, vender ou comprar a pessoa traficada, assim como, tendo conhecimento dessa condição, transportá-la, transferi-la ou alojá-la (§ 1º). O § 2º prevê que a pena é aumentada da metade se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos; se a vítima, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato; se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; ou se há emprego de violência, grave ameaça ou fraude. Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa (§ 3º). Como se percebe, o tráfico internacional de pessoa para fim de exploração sexual recebeu a mesma disciplina que o tráfico interno de pessoa para fim de exploração sexual.
Nenhuma alteração no Capítulo VI, que cuida do ultraje público ao pudor (arts. 233 e 234).
Por fim, a Lei nº. 12.015/09 introduziu o Capítulo VII (Disposições Gerais), que prevê causas de aumento de pena aplicáveis a todos os crimes contra a dignidade sexual. A pena é aumentada de metade, se do crime resultar gravidez (art. 234-A, inc. III), e de um sexto até metade, se o agente transmite à vítima doença sexualmente transmissível de que sabe ou deveria saber ser portador (art. 234-A, inc. IV). E o art. 234-B determina que os processos relativos a crimes contra a dignidade sexual correrão em segredo de justiça.
Apresentada a nova disciplina dos crimes contra a dignidade sexual, pretendemos, em futuros artigos, analisar com profundidade pontos específicos da reforma.
Observo, para finalizar, tendo em vista informação equivocada contida em reportagem da revista VEJA, que a reforma enfocada neste espaço não complicou o médico Roger Abdelmassih, pois “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu” (art. 5º, inc. XL, CF).