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Resumo:
"A lógica jurídica é o conjunto de técnicas de raciocínio que permitem ao julgador conciliar, em cada caso, o respeito ao direito e a aceitabilidade da solução encontrada.
Texto enviado ao JurisWay em 27/08/2024.
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“A lógica jurídica é o conjunto de técnicas de raciocínio que permitem ao julgador conciliar, em cada caso, o respeito ao direito e a aceitabilidade da solução encontrada. As fontes do direito, tais como postas em cada sistema jurídico, são o ponto de partida do raciocínio do jurista, que tem como objetivo a adaptação dos textos jurídicos às necessidades e às aspirações de uma sociedade viva, em constante mutação. (In: C. Perelman. "Ontologie juridique et sources du droit" em Archives de philosophie du droit, t. 27, Sirey, 1982, p. 31 (Em Ethique et Droit, cit., pp. 523/535) (N. T.).
Eis que a questão é examinar a função do valor justiça na interpretação jurídica. Os critérios para identificação do justo e injusto constitui tema central da atividade da interpretação jurídica e a transforma em tarefa árdua do que a mera identificação do sentido do texto normativo por meio das regras de uso linguísticas.
Há um sério desafio para haver determinação unívoca do sentido da norma jurídica e a interpretação jurídica em face da interpretação do discurso ordinário.
Como tarefa dogmática[1], a interpretação jurídica oferece um grande espectro de possibilidades. Pois o direito é fenômeno complexo, dentro da decisão dos conflitos de interesses. Ressalte-se que o jurista não interpreta do mesmo modo em que faz o ser humano, ordinariamente, quando procura entender a mensagem numa simples conversa.
Ferraz Junior e Maranhão, in litteris, aduzem que: "Nesse caso, o que se busca é entender o que foi comunicado, captando o sentido a partir de um esquema de compreensão próprio de quem ouve, a fim de orientar suas reações e subsequentes ações. Já o jurista pressupõe que, no discurso normativo, são fornecidas razões para agir de um certo modo e não de outro. Essas razões, portanto, se destinam a uma tomada de posição diante de diferentes possibilidades de ação nem sempre congruentes, ao contrário, em conflito. Pressupõem, assim, que o ser humano age significativamente, isto é, atribui significação à sua ação. Como essa significação conhece variações subjetivas, em termos do que se entende como justo, ou injusto, a possibilidade de conflitos reflexos, isto é, conflito sobre o conflito, pode levar a uma escalada de impasses e intransigência".
A submissão dos conflitos as regras que sobre este atuam objetivamente, a norma legal e seus correlatos, o acordo institucional mediante as regras contratuais, a decisão judicial é uma espécie de exigência da convivência que levou, no passado, à formulação do conhecido aforismo ubi jus ibi societas, ubi societas, ibi jus[2].
A interpretação jurídica pressupõe, tradicionalmente, essas regras e admite até, na sua ausência, o encontro delas mediante procedimentos próprios. Por meio desta, o quadro conflitual ganha contornos e limites, dentro dos quais uma decisão se torna possível.
Conclui-se que a interpretação jurídica cria, dessa forma, condições para tornar decidível o conflito significativo, ao trabalhá-lo como relação entre regras e situações potencialmente conflitivas.
É preciso distinguir a atividade argumentativa de advogados, diante de juízes, quando buscam uma decisão favorável ao seu cliente, da tarefa posta ao jurista, quando busca uma significação que possa ser válida para todos os envolvidos no processo comunicativo normativo. É o que se chama de interpretação doutrinária.
É nesse contexto que se procura identificar o papel organizador do valor justiça num conjunto normativo a ser interpretado juridicamente. A distinção entre as duas atividades é importante, pois não será objeto de nossa investigação uma lógica da argumentação jurídica no sentido de Toulmin (The uses of argument. Cambridge: Cambridge University Press, 1958) que buscou superar limitações da lógica formal ao interpretar a lógica não como estrutura, mas como procedimento regrado de oposição de argumentos e contra-argumentos.
Há um esforço de formalização do raciocínio desenvolvido no processo de oposição de argumentos na linha do modelo de Toulmin, que resultou nas chamadas lógicas de argumentação derrotável. (Vide PRAKKEN, H.; VREESWIJK, G. Logics for Defeasible Argumentation. In: GABBAY, D.; GUENTHNER, F. (Eds.). Handbook of Philosophical Logic. 2ª. ed. Dordrecht: Kluwer, 2002. v. 4. p. 218-319). Se a lógica de argumentação jurídica é uma lógica própria, distinta da argumentação ordinária, também é uma questão que não vamos explorar
Enfim, trata-se de captar a mensagem normativa, dentro da comunicação, como um dever-ser vinculante para o agir humano. Na identificação ou reconstrução dessa diretiva, desse dever, há sempre a potencialidade de erupção da questão sobre a legitimidade desse sentido (da comunicação e, portanto, da própria relação de autoridade), como justo, o que leva à questão: o que é justo?
A especulação filosófica ganha importância com o pensar zetético[3] e dogmático. As questões zetéticas têm uma função especulativa explícita e são infinitas (uma questão sempre abre espaço para uma outra questão sobre a própria questão e, assim por diante).
Nesses termos, a adequação de uma pena à conduta é uma questão dogmática. Obviamente, na interpretação dogmática do razoavelmente adequado, está implicada, de forma mais ou menos explícita, a questão do justo, momento em que Zetética e dogmática confluem.
Para a Castanheira Neves para quem "justa" deve ser toda a "normativo-constitutiva realização do direito. E se a interpretação jurídica concorre para essa realização, então quer isto dizer que também não é cognitiva ou teoreticamente, mas antes normativa e praticamente que essa interpretação se deve intencionalmente compreender e metodicamente definir, de modo que a boa ou válida interpretação não será aquela que numa intenção da verdade (de cognitiva objectividade) se proponha a exegética explicitação ou a compreensiva determinação da significação dos textos-normas como objecto, mas aquela que numa intenção de justiça (de prática justeza normativa) vise a obter do direito positivo ou da global normatividade jurídica as soluções judicativo-decisórias que melhor realizam o sentido axiológico fundamentante que deve ser assumido pelo próprio direito, em todos os seus níveis e em todos os seus momentos."
No plano da interpretação dogmática, a discussão referente à consequência jurídica do dano patrimonial. No dano patrimonial, indeniza-se o patrimônio que foi injustamente lesado (justiça comutativa).
Um dano ao patrimônio é, pois, suscetível de avaliação em dinheiro, sendo mais fortemente sujeito à restituição pelo equivalente e plenamente sujeito à avaliação pecuniária.
A interpretação, nesse caso, pede razoabilidade, que tem a ver com uma comutatividade quantitativa (princípio da reparação integral). Aí o justo depende de essa comutatividade estar ou não demonstrada (justo como mensuração proporcional)”.
Já a interpretação que conduz à eventual possibilidade de extrapolação da indenização para tomá-la como uma pena que se relaciona com danos extrapatrimoniais, que tornam indenizáveis prejuízos que violam a esfera existencial da pessoa humana ou a honra objetiva das pessoas jurídicas. É nesse terreno que a questão do valor excessivo da indenização pode admitir a sua transformação em pena.
O justo, portanto, nesse caso tem a ver com o senso de razoabilidade do juiz (justo como senso comum). Por isso, além dos parâmetros oferecidos pelo Código Civil em certos casos, faz sentido, então, o surgimento de exigência da modicidade da indenização, deixando-se ao arbítrio do juiz, a avaliação do dano.
Aliás, a jurisprudência (vide STJ, RE n. 216.904-DF)[4] cogita, nesses casos, de dano moral e de arbitramento da indenização, sendo nesse contexto que aparece a exigência de moderação (razoabilidade como comutatividade qualitativa).
Ou como na dicção de Judith Martins Costa: “A rigor, não é possível falar em ‘indenização’ do dano não-patrimonial. Nestes casos, a entrega de uma soma em dinheiro tem uma função ao mesmo tempo satisfativa à vítima e punitiva do autor do dano”, donde “a denominação do Direito anglo-saxão, ‘punitive dammages’[5], que vem sendo aceita pela jurisprudência brasileira” (In: MARTINS-COSTA, Judith; TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (Coord.). Comentário ao novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2003, v. 5, t. II, p. 350).
A conexão entre justiça e retribuição deita fundas raízes na cultura ocidental, revelando até traços mitológicos nos seus modelos éticos.
Ora, como as discussões filosóficas sobre a noção de justiça estão implicadas, de algum modo, na questão da retribuição, como é o caso do problema referente ao caráter justo ou injusto de uma indenização que tenha ou não caráter de pena, o que pressupõe alguma noção (zetética) implícita ou explicita de justiça, o estudo dos modelos retributivos elaborados pela hermenêutica dogmática, a contar da famosa regra de Talião, está na base da discussão da própria justiça das retribuições.
A concepção aristotélica da justiça como virtude de distribuição e comutação com base na igualdade proporcional tem a ver, sem dúvida, com a questão da retribuição.
Afinal, a proporcionalidade do valer um pelo outro, é neste sentido, um fator essencial nas discussões sobre a justiça. O termo deixa um estreito campo de uma ética da virtude[6] e passa, a uma ética de valores[7] ou ainda, quando é tratado em âmbito estrutural ou funcional, seja a justiça como instituição, realização social da sociedade justa, o papel da proporcionalidade nas equiparações e diferenciações não deixa de ser importante. Em prol dessa proporcionalidade entra em cena a discussão o termo “razão”.
Razão ou reason, raison, Vernunft, ratio, logos é um substantivo cuja origem está no verbo reri, que em seu sentido primitivo significava "tomar algo por algo", portanto ligar "coisas" entre si, donde estabelecer relações e, daí, calcular, pensar.
Quando os romanos traduziram por ratio a relação matemática, pensaram em logos, na cultura grega, como uma palavra que originariamente significara juntar, unir, pôr em conjunto, de onde surgiu a ideia de logos como palavra, isto é, como signo que sintetiza um som (fonema) vários significados.
A ideia de razão como relacionar presidiu, no desenvolvimento do pensamento ocidental, o estabelecimento de diversos princípios, como os do pensamento correto (lógica), da pesquisa correta (metodologia), da correta justificação de juízos valorativos (retórica), do correto comportamento em face das diversas situações vitais (prudência).
Neste sentido, a razão, tomada como núcleo essencial da natureza humana (o ser humano como ser racional), acaba por tornar-se para o homem uma espécie de valor em si, um valor que incorpora a própria dignidade humana, não constituindo um meio para obtenção de outros valores, mas o valor que dá sentido aos demais.
Na interpretação jurídica, a racionalidade na identificação do justo, chama a atenção para o tema lógica jurídica. O tema da lógica jurídica é associado entre os operadores do direito e cânones interpretativos capazes de revelar a intenção do legislador ou esquemas retóricos de interpretação como os argumentos a simili, a contrario a maiore ad minus etc.
Essa visão guarda raízes numa concepção tradicional que vê a lógica jurídica como “interpretação lógica”, ao lado da interpretação sistemática, teleológica, histórica etc. dentro do “método” interpretativo cunhado pelo pensamento dogmático alemão do século XIX, a partir da obra de Savigny e a escola histórica do direito.
A escola histórica[8], na esteira de Savigny, nasceu como uma tentativa de identificação e sistematização de normas, uma construção de um método capaz de identificar e organizar um ordenamento.
O método de Savigny de identificação dessas regras a partir de “nexos histórico-orgânicos” capazes de se aproximar e revelar “o espírito do povo” (Volksgeist) foi gradualmente cedendo espaço à ordenação e sistematização de regras pela ciência jurídica, e já com Puchta, tais normas começaram a adquirir um status independente de suas raízes históricas e sociais, cuja autoridade extraía-se da própria racionalização conferida pela dogmática.
Então, esse passo significou um rompimento na escola histórica, que evoluiu para a chamada “jurisprudência dos conceitos”[9] (Begriffsjurisprudenz) de Gerber, Laband e do primeiro Jhering.
Circunscrevia-se o direito a uma discussão sobre conceitos e institutos jurídicos fundamentais construídos (ou criados) pela ciência, a partir do material jurídico disponível, dos quais seria possível extrair de forma unívoca, pela “sistematização” e “dedução lógica”, as normas gerais a serem utilizadas para, por subsunção, solucionar casos práticos.
O significado da lógica e da dedução dentro do raciocínio jurídico nessa tradição não poderá ser identificado com a clássica lógica dedutiva (aristotélica) disponível à época, ligando-se mais as intuições sobre sistematização, tal como a classificação das normas apontando o genus proximum, e a differentia specifica, a preservação de unidade ou consistência.
Lembremos que Savigny já enfatizava que a interpretação dogmática não poderia ser reduzida aos nexos meramente lógicos e mesmo Jhering em sua primeira fase, foi um entusiasta de uma Logik des Rechts, ressaltava o caráter criativo desta “lógica”, que não se reduzia à pura lógica formal e a relações de consequência.
Uma oposição entre uma lógica jurídica e a lógica formal foi tratada, na década de 1950 do século XX, em termos da chamada lógica del razonable, que ganhou espaço entre os juristas, mediante a obra de Recaséns Siches.
Não adentremos na discussão nos termos de Siches. Seguindo Engisch, podemos chamar essa lógica jurídica tradicional de “lógica material”, entendida como um conjunto de cânones interpretativos e princípios de argumentação para que se obtenham pautas de comportamento a partir de textos ou comunicações normativas.
A essa opõe-se a “lógica formal”, que pode ser entendida, de forma simplificada, como o estudo da forma dos argumentos dedutivos válidos.
O estudo da lógica formal aplicada ao direito chamou a atenção dos juristas somente mais tarde, com a tentativa dos positivistas de fornecer uma fundamentação epistemológica de um conhecimento descritivo das normas válidas de qualquer sistema normativo, o que veio ao encontro do ressurgimento da lógica deôntica, pelas mãos de von Wright na década de 1950, por meio de uma analogia com a lógica modal alética.
A questão já não era identificar qual o conteúdo correto ou mais justo dos textos normativos, mas sim se as consequências normativas de uma norma com conteúdo já fixo poderiam ser consideradas normas válidas, ou ainda se normas inconsistentes poderiam ser descritas como normas válidas pertencentes ao mesmo ordenamento jurídico.
Esses mesmos positivistas, em particular, Kelsen e Alf Ross, viam a interpretação como uma atividade desprovida de valor científico e sem fundamento epistemológico.
Apesar da importância da dedução e de outros processos formais de inferência para o estudo do direito, vamos nos ater neste artigo ao exame daquela “lógica material” que o senso comum jurídico costuma identificar com a verdadeira lógica jurídica ou a “lógica” própria dos juristas.
Será que essa “lógica material” que guia e permite ao jurista a sacar conclusões sobre o conteúdo dos textos normativos é própria do direito, ou também está presente no discurso ordinário, nas nossas conversas do dia a dia nas quais procuramos encontrar o sentido do que os outros nos dizem?
Em síntese, essa lógica material seria uma lógica do ou no direito?
A pergunta ganha relevo quando observamos a evolução da teoria geral da interpretação da filosofia analítica à filosofia da linguagem ordinária e à pragmática da comunicação.
Em particular, com Grice, foi desafiada a concepção fregeliana de uma linguagem precisa, baseada em uma estrutura formal (cálculo de predicados clássicos) representativa ou reveladora da estrutura necessária do discurso (descritivo) que refletiria a estrutura mais geral da realidade.
Observa-se a evolução da teoria geral da interpretação da filosofia analítica à filosofia da linguagem ordinária e à pragmática da comunicação.
Grice procurou identificar uma lógica própria da conversação, que não se limita à dedução formal, mas na qual certas inferências são justificadas a partir de certas máximas de interpretação que instituem o compartilhamento de certos padrões de racionalidade entre os comunicantes.
Tais máximas aproximam-se bastante dos postulados de competência que guiam a construção interpretativa da conhecida figura do legislador racional.
Assim, tendo em vista que as normas jurídicas são formuladas por meio da linguagem natural, a ideia de que a lógica que guia a interpretação jurídica não passa de uma lógica conversacional usual é uma hipótese bastante plausível.
Aliás, há quem defenda justamente essa tese, dando o passo seguinte, ao sustentar que o fato de haver objetividade e possibilidade de entendimento nas conversações ordinárias implicaria que também a interpretação jurídica seria objetiva.
Para uma defesa da importância da dedução no raciocínio jurídico, (vide PRAKKEN, Henry. Logical Tools for Modelling Legal Argument: a study of defeasible reasoning in law. Dordrecht: Kluwer, 1997; MARANHÃO, Juliano Souza de Albuquerque. Padrões de racionalidade na sistematização de normas. Tese de Doutorado. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2004, Cap. I).
Também não vamos discutir se a lógica jurídica formal seria uma lógica com postulados próprios ou, ainda, se a lógica deôntica (voltada para o discurso moral) deveria ter novos postulados quando aplicada ao discurso jurídico.
A respeito desse tema (Vide COSTA, Newton da; MARANHÃO, Juliano Souza de Albuquerque. Lógica deôntica jurídica. In: ZILLES, Urbano (Coord.). Miguel Reale – Estudos em homenagem aos seus 90 anos. Porto Alegre: Edipucrs, 2000).
Caso exista uma lógica jurídica própria, ou se a lógica jurídica é uma decorrência de padrões de inferência presentes na conversação ordinária, é uma questão que será aqui investigada nos marcos do que chamamos, seguindo Engisch, de “lógica material”.
É justamente essa “lógica” que os juristas apontam como o traço distintivo da interpretação ou do raciocínio jurídico.
A tese a ser defendida é que tal “lógica de interpretação jurídica” não se limita à lógica interpretativa da conversação ordinária, na medida em que é organizada em torno do valor justiça, ou seja, tem o compromisso de expressar uma escolha capaz de separar “o certo do errado”, o justo do injusto, mediando a relação entre agentes comunicantes numa situação de conflito.
A inserção do tema da justiça na interpretação jurídica problematiza o sentido das normas legais, mostrando que o antigo problema da indeterminação normativa não pode ser facilmente superado com referência à possibilidade de entendimento na comunicação ordinária.
Não há um conceito uníssono de hermenêutica jurídica. Alguns doutrinadores a consideram como sinônimo de interpretação das leis, enquanto outros, as distinguem.
Carlos Maximiliano afirmou in litteris: “A hermenêutica jurídica tem por objeto o estudo e a sistematização dos processos aplicáveis do direito, para determinar o sentido e o alcance das expressões de direito”.
Todavia, ao cuidar da noção de interpretação, afirma, categórico: “Inter-pretar é determinar o sentido e o alcance das expressões de direito”, valendo-se, portanto, das mesmas palavras com as quais definiu hermenêutica.
Antes de Carlos Maximiliano, o Barão de Ramalho e Paula Baptista já haviam utilizado o vocábulo “hermenêutica” para títulos de suas obras “Cinco Lições de Hermenêutica Jurídica” e “Compêndio de Hermenêutica Jurídica”, respectivamente.
Em época mais recente, defenderam as ideias de Carlos Maximiliano, entre outros, R. Limongi França, ao declarar: “A interpretação, portanto, consiste em aplicar as regras, que a hermenêutica perquire e ordena para o bom entendimento dos textos legais”, e Maria da Conceição Ferreira de Magalhães, ao dizer: “Hermenêutica jurídica é a disciplina científica da arte ou técnica de interpretar o direito. Interpretar, por sua vez, significa explicar, explanar, aclarar o sentido ou representar, reproduzir, exprimir o pensamento”.
A maioria, entretanto, não faz distinção entre interpretação e hermenêutica; muitos, aliás, não empregam a palavra hermenêutica nem nos títulos de seus livros, estudos e artigos, nem durante a exposição do tema, por preferirem o termo interpretação, como se vê em Miguel Reale, Eduardo Espínola, W. Barros Monteiro,
Alípio Silveira, Francesco Ferrara e Manoel A. Domingues de Andrade, havendo, outrossim, quem à sua obra denomine “Hermenêutica” sem, contudo, no texto, empregar, uma vez sequer, essa expressão, como ocorreu com Alípio Silveira.
Para Michel Miaille, a Universidade não tem ministrado, a contento, a disciplina “Introdução à Ciência do Direito”, pois ela não cria nem provoca, no estudante, a vontade de exercer juízos críticos, de “fazer aparecer o invisível”, o que só se consegue se, além de se valer do pensamento abstrato, o estudioso lançar mão do pensamento dialético.
O pensamento dialético parte da induvidosa constatação de que o mundo é complexo e está em permanente luta e transformação, “quer ela seja consciente ou inconsciente”.
Comparando o pensamento dialético com o pensamento positivista, Michel Miaille destaca que o pensamento dialético se baseia na existência, assaz contraditória e em contínua mudança, do homem em sociedade, encarando o fenômeno não apenas no momento atual, mas como foi, é e provavelmente será no futuro, daí por que ressalta: “a realidade é coisa diversa e muito mais do que está codificado”, não se podendo reduzir o real a apenas uma de suas faces, enquanto o pensamento positivista limita-se a descrever o que é visível, como as cousas se apresentam em determinado momento histórico[10].
Ensina, outrossim, Michel Miaille que o pensamento crítico, por abarcar o passado, o presente e o futuro, por conseguinte a totalidade dos fatos, tem uma profunda ligação com a realidade prática, com a sociedade, com o homem “animal social”, pois o mundo jurídico não pode ser verdadeiramente conhecido e compreendido senão em relação a tudo o que permitiu a sua existência e o seu futuro possível.
O estudo do direito, se realizado dentro desse padrão, tira-o do isolamento a que vem, com insistência por mestres de todos os tempos, sendo confinado, projetando-o no mundo concreto, no mundo real, onde ele, finalmente, encontra o seu lugar e a sua razão de ser, passando, então, a ficar ligado a todos os demais fenômenos sociais e a fazer parte da mesma história.
O pensamento de Miguel Reale
A propósito das escolas hermenêuticas, Miguel Reale elucida que, no plano histórico, três movimentos conduziram às atuais concepções trivalentes ou tridimensionais do direito: (a) o normativismo jurídico: o direito é um sistema de comandos ou de regras; (b) o eticismo jurídico: o direito é um sistema de valores morais; e (c) o empirismo jurídico: o direito não é apenas norma, mas, por igual, o fato, que o direito visa a disciplinar.
O pensamento de Carlos Maximiliano
Carlos Maximiliano, a sua vez, prega que são dois os sistemas de hermenêutica e aplicação do direito: o escolástico ou dogmático e o histórico-evolutivo ou, apenas, evolutivo.
O pensamento de Caio Mário da Silva Pereira
Caio Mário da Silva Pereira escreve que há uma “hermenêutica tradicional” e uma “interpretação científica”, recordando que, no Direito Romano primitivo, o intérprete se limitava aos elementos literais do texto, reflexo da concepção formalista da época, somente vindo a empenhar-se numa interpretação lógica em fase adiantada da civilização romana, quando o homem passou a expressar-se através de conceitos abstratos e gerais, asseverando, calcado em Ihering, “que a interpretação é algo mais do que o conhecimento literal da linguagem da lei, para envolver também a perquirição da sua força e da sua vontade”.
Para Caio Mário, na Idade Média houve um retrocesso, volvendo-se à interpretação meramente literal, em virtude da perfeição técnica do Direito Romano recepcionado, quando surgiu a glosa, “espécie de comentário marginal ou interlinear sob a vinculação dominadora da expressão linguística”.
O direito moderno, lembra Caio Mário, conheceu um movimento semelhante com a Escola da Exegese de Toullier, Duvergier, Duranton, Troplong, Demolombe, Malleville, Demante, Colmet de Santerre, Laurent, Huc, entre outros, a qual, dominada pela excelência do Código de Napoleão, pregava que a hermenêutica deve consistir na explicação da lei escrita, subordinando toda a técnica interpretativa à regra de que não pode haver direito fora da lei. Interpretar é indagar a vontade do legislador[11].
A lei é fonte exclusiva do direito e na sua palavra está expressa a soberania legislativa. O juiz não aplica o direito, aplica a lei e, como esta é concretizada na forma escrita, seu entendimento mora na sua expressão vocabular
Como pontificou Miguel Reale, “no período anterior à Revolução Francesa, o Direito era dividido ou fragmentado em sistemas particulares”, quer do ponto de vista de classes (clero, nobreza, povo), quer do ponto de vista territorial (um para cada região, estado), o que obrigava o intérprete a recorrer a normas do direito natural, do Direito Romano, do Direito Canônico e à opinião comum dos doutores.
Promulgado, em 1804, o Código Civil francês, a “tarefa fundamental passou a ser interpretar seus textos de maneira autêntica, em confrontá-los entre si, tirando destes os resultados fundamentais graças a um fino labor de sistematização”, pois não se admitia que o Direito positivo tivesse lacunas, sendo todos os problemas jurídicos resolvidos pela interpretação extensiva dos textos, graças à analogia e aos princípios gerais do direito, consoante sustentou a Escola da Exegese.
Devido à excelência do Código Napoleônico, a Escola da Exegese conquistou a Alemanha (jurisprudência dos conceitos) e a Inglaterra (jurisprudência analítica) na esteira do postulado liberal individualista de não se deixar margem ao arbítrio do juiz, pois a lei era dogma jurídico, e o método interpretativo por isso mesmo se denominou dogmático, já que o direito era uma criação da razão humana, que, ao legislador, apenas incumbia revelar, devendo o intérprete limitar-se, valendo-se da lógica matemática, ao uso do processo lógico-dedutivo[12].
Escola de jurisprudência analítica
Na Inglaterra, surgiu movimento semelhante, denominado escola de jurisprudência analítica, procurando compreender o direito segundo esquemas lógico-formais, como sistemas de vínculos normativos decorrentes de precedentes jurisprudenciais.
Escola de jurisprudência conceitual
Na Alemanha, os pandectistas, que desenvolveram o movimento chamado jurisprudência conceitual, orientavam-se como franceses e ingleses, porquanto, para eles, o direito também era um corpo de regras uniformes e a lei, a fonte verdadeira e autêntica do direito.
Escola italiana
Partindo das ideias da escola da exegese e dos pandectistas, formou-se, na Itália, uma plêiade de grandes jurisconsultos com o propósito de “compor em unidade harmônica o abstrato e o concreto, o valor certo e estrutural das normas de Direito com o seu conteúdo histórico-social.”
Para a escola italiana, era necessário unir, ou pelo menos relacionar, o teórico com o prático, as especulações com suas aplicações concretas, como anotou Scialoja:
“O teórico não pode conseguir clareza em nossas matérias se não e enquanto se proponha a tese da aplicação prática. Diga ele a si mesmo: Tudo o que estou em vias de formular, que consequências produzirá no campo das relações jurídicas? Produzirá alguma? E se produzir, quais serão essas consequências?”
E, outrossim, Cesare Vivante: “É uma deslealdade científica, é um defeito de probidade falar de um instituto para fixar-lhe a disciplina jurídica, sem o conhecer a fundo na sua realidade”.
Escola hermenêutica sociológica
A insuficiência dos postulados da escola dogmática impôs se buscasse a ratio legis, para, numa sociedade em transformação, atender aos anseios sociais, evitando, dessarte, uma ruptura entre a lei e o fato, vindo Ihering a sustentar que “o fim é o criador de todo o direito”, devendo o intérprete identificar o fim, o escopo, a razão, a finalidade da lei, até mesmo lhe sendo lícito atualizá-la, pois o texto evolui e o que se deve buscar é o que pretende a lei e não o que pretendeu o legislador, prevalecendo o caráter valorativo, ético e político-social da interpretação.
Devido a essa nova concepção, que teve como precursores a escola histórica de Savigny, quanto a “uma visão mais concreta e social do Direito”, e Ihering, Heck e Geny, quanto à ideia de finalidade, passou-se, então, a admitir que se deveria buscar a intenção presumida do legislador, “abandonando-se assim a colocação puramente lógico-analítica do processo, para recorrer a um elemento empírico, metanormativo ou metalegal, mas não buscar a intenção que o legislador teria quando elaborou a lei, mas sim a que ele teria se estivesse vivendo no tempo da aplicação da lei, acomodando a lei ao fato, através de um enriquecimento do seu conteúdo”.
Jurisprudência dos interesses
A jurisprudência dos interesses, de Heck, Soll e Rümeline, “preocupa-se sobretudo com o processo decisório e procura descrever o que realmente acontece quando o juiz decide”. “O juiz deve submeter-se à lei, e não aos seus ideais de justiça, mas, diante de um fato concreto que a lei regula mal, a sua função é construtiva, isto é, a de construir regras, se estas não existem”.
Escola de livre pesquisa científica
A Escola de livre pesquisa científica, de Geny, difunde a ideia de que, na solução dos problemas, o trabalho científico do intérprete consiste em extrair dos dados, “da realidade social, o direito, sempre levando em conta o interesse dos particulares” com o fim de descobrir o “direito no mundo dos fatos”.
Escola de direito livre
A escola de direito livre, de Ehrlich e Zitelmann, “opõe o direito vivo às proposições abstratas da lei”, pois o “direito estatal está sempre em atraso em relação às exigências da vida e do direito dinâmico e concreto que se estabelece dentro das associações”, devendo o juiz afastar-se da norma se ela não conduzir à verdadeira justiça.
Escola hermenêutica realista
Para os adeptos da escola hermenêutica realista, o direito é aquele que se apresenta no universo fenomênico, que decorre da vida do homem no mundo real, e não dos princípios, da legislação, das noções metafísicas de fins e valores, devendo-se sempre subordinar tais princípios à realidade fática, pois o direito é fruto natural dos fatos sociais e históricos.
A doutrina costuma dividir o movimento realista em três escolas: a do realismo psicológico, a do realismo linguístico e a do realismo culturalista.
Doutrina o insigne Carlos Maximiliano que “interpretar é explicar, esclarecer, dar o significado do vocábulo, mostrar o sentido verdadeiro de uma expressão”, daí por que incumbe, ao intérprete, “examinar o texto em si, o seu sentido, o significado de cada vocábulo[13].
Faz depois obra de conjunto; compara-o com outros dispositivos da mesma lei, e com os de leis diversas, do país ou de fora. Inquire qual o fim da inclusão da regra no texto e examina este tendo em vista o objetivo da lei toda e do Direito em geral. Determina por esse processo o alcance da norma jurídica e, assim, realiza, de modo completo, a obra moderna do hermeneuta.
Referências
FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio; MARANHÃO, Juliano Souza de Albuquerque. Função Pragmática da Justiça na Hermenêutica Jurídica: Lógica DO ou NO Direito. Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica, 2007.
FULLER, L., The Morality of Law. New Haven: Yale University Press, 1964.
GATTAZ, Luciana de Godoy Penteado. Punitive damages no direito brasileiro. Revista dos Tribunais. 2016. Vol. 964 (fevereiro de 2016).
PERELMAN, Chaim. Considerações sobre uma lógica jurídica. Palestra publicada em 1954 na Revue internationale de philosophie, vols. 27/28. Tradução do original em francês por Cassio Scarpinella Bueno. A publicação do texto traduzido estava previsto para o vol. 3 da Revista de Pós-Graduandos da PUC/SP, que, infelizmente, nunca chegou a sair. Ficam registrados os agradecimentos sinceros à Professora Heloísa Brito de Albuquerque Costa, que reviu a primeira versão do trabalho, e ao Professor Fabio Ulhoa Coelho. O texto original foi extraído de Ethique et Droit, Editions de l’Universite de Bruxelles, 1990, pp. 636/648, coletânea de estudos de Perelman organizada por Alain Lempereur. A publicação, à época, foi autorizada pela Livraria Martins Fontes Editora Ltda., titular dos direitos de versão para o português daquela obra.
[1] Por dogmática jurídica entende-se o método (atividade ou resultado) proposto (ou descrito) por quem considera que os estudiosos do Direito não se limitam, ou não deveriam limitar- se, a meramente descrever o conteúdo do Direito, mas sim propor soluções aos juízes para resolver os casos difíceis. A Dogmática jurídica consiste na descrição das regras jurídicas em vigor. Seu objeto é a regra positiva considerada como um dado real. Veiculada pelo ensino jurídico, a dogmática dificulta assim, a apreensão da dimensão histórico-crítica, afastando as demais dimensões do direito.
[2] Onde há sociedade, há direito, destacando a ideia de que o direito é inerente às relações humanas e necessário para a convivência em sociedade. Expressão usada para indicar que onde houver uma sociedade, há também o Direito, referindo-se às leis, normas e preceitos, inerentes à construção de qualquer sociedade.
[3] Com efeito, a reflexão zetética traz consigo forte carga de ceticismo ao pensar jusfilosófico. Sua base está no estabelecimento da dúvida como resultado da cognição. O cético duvida de toda verdade preestabelecida e escava cada vez mais fundo na inquirição de um acontecimento que está sob seu estudo. Nada deve ser avaliado antes de passar por minuciosa análise que pode chegar, inclusive, a desfechos inconclusivos. O resultado desse processo pode ser a obliteração da ação numa paralisia inócua que em nada contribui para a evolução da sociedade, seja no campo do direito, seja em outro campo, como o da ciência, por exemplo. Em contraposição, a visão dogmática aproxima-se da filosofia escolástica dominante na Idade Média, posto que trabalha melhor com a noção diretiva do dogma, palavra que também provém do grego dokein e se refere à crença, opinião. Um dogma não está, sob os olhos desse propósito jusfilosófico, para especular ou refletir, pelo contrário, sua atitude se sustenta na resposta em detrimento da pergunta. Logo, a teoria dogmática do direito limita-se a verdades preestabelecidas que não comportam questionamentos e reflexões que possam, porventura, balançar os alicerces resolutos da crença.
[4] Critérios Objetivos, a saber: Reincidência da Conduta Geradora do Dano; Capacidade Econômica do Agente Lesante; Capacidade Econômica ou Condição Financeira da Vítima; Impossibilidade de enriquecimento sem causa/ ilícito indevido.
[5] Ainda que não muito farta a doutrina pátria no particular, têm-se designado as “punitive dammages” como a “teoria do valor do desestímulo” posto que, repita-se, com outras palavras, a informar a indenização, está a intenção punitiva ao causador do dano e de modo que ninguém queira se expor a receber idêntica sanção. Atualmente, no Brasil, uma parte minoritária da jurisprudência e da doutrina tem defendido a aplicação da indenização punitiva aos casos em que há dano moral, na medida em que a verba indenizatória, para essa espécie de dano, não estaria limitada à extensão do prejuízo patrimonial, por se tratar de direito constitucionalmente defendido sem qualquer limitação, especialmente pelo princípio da dignidade da pessoa humana previsto no art. 1.º, III, da CF/1988. No entanto, é possível encontrar diversos estudos demonstrando fundamentadas objeções a essa corrente. A vedação do enriquecimento sem causa da vítima, objeto deste estudo, está inserida no rol de críticas levantas pelos doutrinadores e magistrados que defendem a inaplicabilidade dos punitive damages. Trata-se de crítica que merece destaque, poisa jurisprudência parece usar a vedação de enriquecimento sem causa da vítima como principal fundamento para negar a aplicação ou aplicar de forma mais branda os punitive damages, último caso este que poderia até descaracterizar o instituto.
[6] Ética da virtude refere-se a uma coleção de filosofias éticas normativas que enfatizam mais o ser do que o fazer. Outra maneira de dizer isso é que, na ética da virtude, a moralidade decorre da identidade ou caráter do indivíduo, em vez de ser um reflexo das ações (ou consequências delas) do indivíduo.
[7] Alguns exemplos incluem, honestidade, respeito, responsabilidade, tolerância e humildade. Ter esses e outros valores como referência em nosso dia a dia é essencial para que possamos conviver de maneira pacífica e positiva. Os valores éticos representam os princípios gerais que devem orientar as pessoas em seu convívio social. A ética nasce da compreensão de que se as ações de um indivíduo afetam diretamente a outro, essas ações podem afetar para o bem ou para o mal.
[8] A Escola Histórica teve origem no pensamento de Gustav Hugo (1769-1884), mas obteve seu auge com as manifestações de Friedrich Carl von Savigny (1779-1891) na disputa doutrinal sobre a necessidade da criação de um Código Civil alemão que fosse geral e unitário. A Escola Histórica do Direito foi uma escola de pensamento jurídico - precursora do positivismo normativista que apareceria com a Jurisprudência dos conceitos - que surgiu nos territórios alemães no início do século XIX e exerceu forte influência em todos os países de tradição romano-germânica. A Escola Histórica do Direito, fortemente influenciada pelo romantismo, partia do pressuposto de que as normas jurídicas seriam o resultado de uma evolução histórica e que a essência delas seria encontrada nos costumes e nas crenças dos grupos sociais. Empregando a terminologia usada por essa escola jurídico-filosófica, o Direito, como um produto histórico e uma manifestação cultural, nasceria do "espírito do povo" (em alemão: Volksgeist). Nas palavras de Friedrich Carl von Savigny o Direito teria suas origens "nas forças silenciosas e não no arbítrio do legislador". A Escola histórica do Direito surgiu como oposição ao jusnaturalismo iluminista, que considerava o Direito como um fenômeno independente do tempo e do espaço e cujas bases seriam encontradas na razão e na natureza das coisas.
[9] Na jurisprudência dos conceitos, Puchta busca formar um sistema interpretativo que se apresentasse como objetivamente válido, ou seja, independente de subjetivismos. A ideia de Puchta era a construção de uma pirâmide conceitual, que tivesse as seguintes características: Não normativa; composta por essências; Fatos valorados; Conteúdos. A pirâmide poderia ter apenas conceitos ligados entre si por meio de silogismos (deduções), que eram compostos por premissas maiores, premissas menores e conclusões. Buscava-se, portanto, uma valorização do elemento lógico acima da realidade social. A escola da jurisprudência dos conceitos defende a existência de um raciocínio lógico-dedutivo entre os conceitos. Por meio deste raciocínio, aqueles conceitos considerados “superiores” permitiriam, considerando a sua generalidade e abstração, determinadas afirmações sobre os conceitos “inferiores”, que são mais específicos e concretos. O conceito supremo é aquele que, teoricamente, fica no topo da pirâmide dos conceitos. É a partir do conceito supremo que se deduzem todos os outros conceitos. Ele codetermina os demais conceitos a partir do seu conteúdo (LARENZ, 1997).
[10] Percebe-se que a lógica jurídica não pode se desinteressar do contexto social e político dentro do qual é exercida. Do mesmo modo que o professor Lon Fuller, da Universidade de Harvard, elencou várias regras a serem observadas por todos os sistemas jurídicos para que o direito seja eficaz no interior de uma sociedade organizada, não é errado salientar que certas condições devem ser realizadas para asseguramento de uma administração imparcial da justiça, o due process of law.
[11] De acordo com o art. 4º. do Code Napoléon, "o juiz que se recusar a julgar, sob o pretexto de omissão, obscuridade ou insuficiência da lei, poderá ser processado como culpado de denegação de justiça". Portanto, ao contrário de um cientista, o juiz não pode, arguindo sua ignorância, abster-se de decidir: ele deve, sempre, fornecer um julgamento. A lógica jurídica tem como tarefa o estudo das técnicas e das razões que lhe possibilita chegar à decisão e motivá-la.
[12] A lógica jurídica não se limita à análise dos esquemas argumentativos que podem ser utilizados para o acolhimento de uma ou outra tese jurídica. Antes, ela é uma forma de argumentação que se desenvolve no interior de um contexto, o judiciário no mais das vezes, em que o respeito às regras de direito, sejam as de fundo, sejam as relativas ao procedimento, é essencial. Em uma sociedade democrática, a segurança jurídica, o respeito pelas regras e a busca da verdade, devem se conciliar com o respeito à pessoa humana, com a proteção dos inocentes e com a salvaguarda das relações de confiança, valores indispensáveis à vida em sociedade. Tal preocupação, totalmente estranha à lógica formal, faz com que a lógica jurídica (a lógica da controvérsia) tenha como objetivo o estabelecimento, caso a caso, da predominância de um ou de outro valor.
[13] Considerando o direito como uma técnica de proteção simultânea de diversos valores, às vezes incompatíveis entre si, a lógica jurídica apresenta-se, essencialmente, como uma forma de argumentação destinada a motivar as decisões de justiça, para que possam usufruir de um consensus das partes, das instâncias judiciárias superiores e, enfim, da opinião pública esclarecida. Se a solução tomada pelo Tribunal, ao hierarquizar e ordenar valores conflitantes, não parecer aceitável ela será, conforme o caso, reformada ou cassada e, em se tratando de um julgamento da Corte de Cassação, poderá suscitar a modificação da lei.
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