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Da inconstitucionalidade da exigência de taxa judiciária na instauração da fase de cumprimento de sentença


Autoria:

Renan Rico Diniz


Graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, com extensão em Direito Tributário, Financeiro e Econômico. Pós-graduado em Direito Tributário pelo IBDT - Instituto Brasileiro de Direito Tributário. Advogado e consultor em São Paulo-SP.

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Resumo:

O presente artigo presta-se a demonstrar, à luz do atual conceito sincrético de sentença recepcionado pelo Código de Processo Civil, que a exigência de taxa judiciária na instauração do incidente de cumprimento é inconstitucional.

Texto enviado ao JurisWay em 19/06/2024.



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A Lei Estadual nº 17.785/2023 alterou a Lei Estadual nº 11.608/2003, que dispõe sobre a taxa judiciária no Estado de São Paulo, para instituir, dentre outros ônus às partes, a exigência de recolhimento de taxa judiciária por ocasião da instauração do incidente de cumprimento de sentença, no importe de 2% sobre o valor do crédito a ser satisfeito.

Trata-se de tema polêmico, cuja repercussão chegou a tal ponto que até mesmo o conselho seccional da OAB de São Paulo ajuizou ação declaratória de inconstitucionalidade perante o Tribunal de Justiça de São Paulo a fim de ver afastada tal exigência que, de fato, é contrária ao ordenamento jurídico.

A fim de destacar a ilegitimidade da exigência, importa trazer à baila determinadas considerações acerca da evolução diacrônica do conceito de sentença.

O Código de Processo Civil de 1939 (Dec.-Lei nº 1.608/1939), que unificou em âmbito federal a legislação processual civil, trazia uma abordagem mais genérica sobre a natureza de tal ato do juiz.

Sobre isso, João Monteiro escreveu: "Êsse (sic) decreto, por cuja força o juiz resolve a demanda e declara definitivamente de quem é, se do autor ou se do réu, a relação de direito litigiosa, é o que se chama sentença definitiva."[1] E mais adiante, que "é a decisão final da causa"[2].

Do mesmo modo, Pedro Baptista Martins registrou que "o ato em que o juiz se manifesta sobre o mérito da questão, absolvendo ou condenando as partes litigantes, é que se denomina sentença"[3].

Pontes de Miranda consignou que

 

Sentenças, no Código de Processo Civil, são as decisões de entrega da prestação jurisdicional, como a que condena ou absolve o réu, ou a que anula todo o processo, ou a que decreta a absolvição da instância, ou a que homologa a transação ou a desistência. A prestação jurisdicional prometida, objeto da relação processual, se a sentença julga o mérito, ou foi precipitada por ato do autor ou de ambas as partes, homologado pelo juiz, é sempre sentença.[4]

 

A concepção de sentença como "decisão final da causa" vinculava-se à função do Judiciário de estabelecer definitivamente o reequilíbrio das questões jurídicas a ela levadas. O critério era baseado no conteúdo (resolução de questão trazida pelas partes).

Já no Código de Processo Civil de 1973 (Lei nº 5.869/1973), o conceito de sentença é dado pelo próprio legislador, in verbis:

 

Art. 162. Os atos do juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e despachos.

§ 1º. Sentença é o ato pelo qual o juiz põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa.

(...)

(destaque nosso)

 

Trata-se de positivação legislativa do critério teleológico ou finalístico, ou ainda topológico.

Por meio dessa definição, teve-se uma diferença em relação ao diploma processual anterior, de 1939, o qual utilizava a expressão "sentença" em sentido amplo, para designar quaisquer pronunciações da autoridade judiciária, mas que, preponderantemente, adotava a designação "sentença" para se referir aos atos do juiz que apreciavam o pedido da parte, resolvendo a lide.

Perceba-se que ainda que, com o advento do diploma processual civil de 1973, passou a haver a literalmente a distinção dos atos do juiz entre sentença, decisão interlocutória e despacho. A sentença, nesse cenário, passou a ser o ato do juiz que encerrava a questão travada entre as partes, não importando se com ou sem resolução do mérito.

Com a chamada "Reforma do Código de Processo Civil", pelo advento da Lei nº 11.232/2005 (norma alteradora), foram trazidas alterações que objetivavam conferir mais eficácia à execução judicial

Anteriormente à Lei nº 11.232/05, o CPC estabelecia três espécies de processo:  cautelar, de conhecimento e de execução. A primeira, em apertada síntese, tinha a finalidade de resguardar direitos; a segunda, de reputar o direito existente ou inexistente; e, a terceira, de concretizar o direito reconhecido, judicial ou extrajudicialmente. O processo de execução era, por assim dizer, autônomo.

Essa autonomia, exclusivamente para o cumprimento das sentenças judiciais, foi extinta. Vigora atualmente um único processo, denominado "processo sincrético de conhecimento"[5], nos dizeres de Graziela Santos da Cunha e Wanessa de Cássia Françolin, dentre outros autores, que acertadamente afirmam que existe apenas uma "fase" executiva que tem por finalidade promover o cumprimento das sentenças.

Assim, após a reforma do CPC o processo autônomo de execução persistiu tão somente para os títulos extrajudiciais.

Quanto ao impacto da nova conceituação de sentença, eis que a sentença não mais pôs fim ao provimento jurisdicional (tal como outrora aparentemente ocorria dada a então autonomia dos processos de conhecimento e executivo), pois o processo passou a encerrar-se somente com a entrega do bem objeto da lide, após a dita "fase executiva".

Tanto isso é verdade que o próprio procedimento ordinário, estabelecido no Título VIII do Livro I do Código de Processo Civil de 1973, que dispunha acerca do processo de conhecimento, fora acrescido de 17 artigos (475-A até 475-R), os quais passaram a compor os Capítulos IX (Da Liquidação da Sentença) e X (Do Cumprimento da Sentença). Foi afastada a noção de que o término do processo se dá pela prolação da sentença

A alteração do conceito de sentença afetou inclusive a questão sobre o cabimento dos recursos que devem ser interpostos nessa fase, causando relevantes mudanças.

Desde então o conceito de sentença passou a ser "enumerativo"[6], posto que o conceito topográfico foi superado e foi introduzido um novo, mais amplo, que engloba sentenças desvinculadas do antigo denominador comum (que era o encerramento do processo).

O Art. 162, § 1º, do CPC/1973 então vigente passou a ter a seguinte redação: "Sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos Arts. 267 e 269 desta Lei".

Esse conceito enumerativo foi recepcionado pelo atual Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015), que possui em seus Arts. 485 e 487, mutatis mutandi a correspondência em relação às situações previstas nos Arts. 267 e 269 do CPC/73.

Em síntese, tem-se que, à luz da legislação ora vigente, o cumprimento de sentença já não se dá por um processo autônomo, mas sim por meio de uma fase específica do processo de conhecimento (que é sincrético). Pois bem.

A taxa judiciária, como cediço, possui natureza tributária e é tributo de competência concorrente. Conforme preceitua a Constituição Federal de 1988,

 

Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

(...)

II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;

(...)

 

O Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172/1966), por seu turno, dispõe:

 

Art. 77. As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição.

Parágrafo único. A taxa não pode ter base de cálculo ou fato gerador idênticos aos que correspondam a imposto, nem ser calculada em função do capital das empresas.

 

Nesse cenário, tem-se que a Lei Estadual nº 11.608/2003, com redação dada pela novel Lei Estadual nº 17.785/2023, dispõe que:

 

Art. 1º A taxa judiciária, que tem por fato gerador a prestação de serviços públicos de natureza forense, devida pelas partes ao Estado, nas ações de conhecimento, na execução, nas ações cautelares, nos procedimentos de jurisdição voluntária, nos recursos e na carta arbitral, passa a ser regida por esta lei. (NR)

Art. 2º A taxa judiciária abrange todos os atos processuais, inclusive os relativos aos serviços de distribuidor, contador, partidor, de hastas públicas, da Secretaria dos Tribunais, bem como as despesas com registros, intimações e publicações na Imprensa Oficial.

(...)

(destaques nossos)

 

Ocorre que a referida Lei Estadual nº 17.785/2023 ainda acrescentou ao Art. 4º da Lei Estadual nº 11.608/2003 o inciso IV, passando a estabelecer o recolhimento da taxa judiciária de 2% sobre o valor do crédito a ser satisfeito por ocasião da instauração da fase de cumprimento de sentença.

Todavia, o fato gerador da taxa judiciária, conforme definição ex vi legis, é a prestação de serviços públicos de natureza forense. E, conforme preceitua a lei, ela abrange todos os atos processuais inclusive os relativos aos serviços de distribuidor.

Ora, se a distribuição do processo de conhecimento já é passível de incidência tributária, a exigência de novo recolhimento decorrente da superveniência de uma mera fase processual, inequivocamente configura bis in idem.

O bis in idem em matéria tributária, por sua vez, é vedado ainda que não haja no atual texto constitucional qualquer menção expressa nem proibindo nem reconhecendo a sua validade em matéria fiscal. Trata-se de princípio implícito, admitido como pressuposto lógico do sistema tributário nacional.

Conforme afirmam Mariz de Oliveira e Masagão,

 

Vale lembrar que tal procedimento hermenêutico encontra respaldo no próprio art. 5º da Constituição de 1988 que, em seu parágrafo 2º, admite a existência de outros direitos e garantias que decorram dos regimes e dos princípios por ela adotados, sendo claro que o princípio de vedação ao bis in idem, se existir em nosso sistema tributário, veicula, entre as diversas roupagens que o princípio comporta, garantia fundamental dos contribuintes e vera limitação ao poder de tributar, estando, portanto, albergado pelo espectro da mencionada disposição como princípio implícito. Desde já manifestamos nosso entendimento de que ele existe (...).[7]

 

Ressalta-se a natureza de princípio geral de direito que possui o princípio de vedação ao bis in idem. Isso porque tal proibição advém de um brocardo jurídico que possui nuances axiológicas tais que estendem para várias áreas do Direito.

Conforme ensina Moreira Alves,

 

Sua origem encontra matriz no direito processual romano, e surge como um dos efeitos da contestação da lide (litis contestatio), que consumava a ação intentada, proibindo o autor, após a sua ocorrência, de propor outra ação baseada na mesma relação jurídica geradora da primeira lide, direito que restou expresso na fórmula "bis de eadem re ne sit actio".[8]

 

Conforme asseveram Marsagão e Mariz de Oliveira,

 

Com o passar dos séculos, o conteúdo axiológico inerente à máxima (o não exercício de um mesmo direito já exercido) se despregou do âmbito exclusivo do processo, e ganhou, paulatinamente, a seara do direito penal, espraiando-se, em longa e maturada evolução, a outros ramos do Direito, até se convolar, por isso mesmo, em princípio geral de direito.

E como princípio geral de direito que é, a vedação ao bis in idem refere-se essencialmente a um aspecto elementar ao próprio ordenamento jurídico como um todo: como se manifesta legitimamente o poder estatal.

Sim, porque, há no bis in idem ou a repetição da exigência de várias obrigações sobre o mesmo fato ou a repetição da imposição de penalidades. Em todos os casos trata-se do Estado atuando para garantir a efetividade do ordenamento jurídico e o que se discute é se essa atuação se conforma ao que determina esse mesmo ordenamento.

Assim, mesmo como princípio geral de direito, a vedação ao bis in idem encontra espaço no direito tributário. Da mesma forma que, se após cumprir uma pena um cidadão fosse novamente preso pelo mesmo crime, haveria bis in idem não tolerado, o princípio do ne bis in idem atua também no campo das obrigações, legais ou privadas, para garantir o efeito extintivo de seu cumprimento.[9]

 

A vedação ao bis in idem, na presente casuística, se mostra adequada por questão de segurança jurídica, não sendo legítima a repetição de uma exação que já foi feita sobre a mesma hipótese prevista em lei, qual seja, a distribuição do processo (já que não foi distribuído outro processo, mas tão somente iniciada uma nova etapa do processo já existente).

Não se ignora que em muitos casos o STF já reconheceu, em algumas oportunidades, a legitimidade da dupla incidência tributária sobre um mesmo fato gerador. Todavia, são preponderantemente hipóteses em que impostos e contribuições são cobrados concomitantemente, situação que não guarda semelhança com a hipótese em que a mesma taxa é cobrada duas vezes sendo que o fato imponível (distribuição do processo) só aconteceu uma vez.

Para além dessa questão, tem-se que os efeitos práticos da exação são prejudiciais ao exequente, pois este, que já experimentou a adversidade que deu causa ao processo, é duplamente punido ao ser obrigado a adiantar taxa judiciária sem saber se a execução será eficaz, sendo cediço que um enorme percentual dos processos executivos e incidentes de cumprimento de sentença não culminam na satisfação do crédito.

Além disso, nessa fase processual o exequente já ser, em regra, obrigado a suportar, conforme o caso, despesas com citações, intimações, pesquisas, desarquivamento etc. E a prestação jurisdicional, quase invariavelmente , é extremamente morosa.

Pelo exposto, a norma está em desacordo com o ordenamento jurídico e é necessário que sua inconstitucionalidade seja reconhecida.



[1] MONTEIRO, João. Teoria do Processo Civil. Tomo II. 6ª ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1956. p. 583.

[2] Idem, p. 585.

[3] MARTINS, Pedro Baptista. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. III. Rio de Janeiro: Forense, 1942. p. 275.

[4] MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. II. Rio de Janeiro: Forense, 1947. p. 323.

[5] CUNHA, Graziela Santos da; FRANÇOLIN, Wanessa de Cássia. Considerações sobre as principais alterações feitas pela Lei nº 11.232/2005 para a generalização do sincretismo entre cognição e execução. Revista de Processo – RePro, Ano 31, nº 135, p. 132-151, maio/2006.

[6] GRECCO, Leonardo. Primeiros Comentários sobre a Reforma da Execução Oriunda da Lei 11.232/05. Revista Dialética de Direito Processual, nº 36, p. 70-86. São Paulo: Dialética, março/2006.

[7] MASAGÃO, Fernando Mariz; OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. A vedação ao bis in idem e à bitributação no exercício das competências residuais (e das privativas). Revista Fórum de Direito Tributário nº 100, julho/agosto de 2019, p. 53.

[8] ALVES, José Carlos Moreira. Direito Romano. 18ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018.

[9] Op. Cit., p. 54-55.

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