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CONTRATOS DE TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA: A INTERFERÊNCIA DO INPI NA AUTONOMIA DA VONTADE DAS PARTES


Autoria:

Gustavo Jimenez Marcatto


Bacharelando da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie

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Resumo:

CONTRATOS DE TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA: A INTERFERÊNCIA DO INPI NA AUTONOMIA DA VONTADE DAS PARTES

Texto enviado ao JurisWay em 05/02/2017.

Última edição/atualização em 07/02/2017.



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1. DEFINIÇÃO, CLASSIFICAÇÃO E TIPOS DE CONTRATO DE TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA

 

Este trabalho tem por finalidade a análise do contrato de propriedade industrial e transferência de tecnologia, e, mais precisamente, as formas de atuação do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) em sua regulação, averbação e registro.

Ao observar o desenvolvimento econômico mundial, impulsionado pelo fenômeno da globalização, que estreitou os laços entre os países por meio do aperfeiçoamento de tecnologias como o da comunicação, permite classificar, na primeira metade do século XX, um pais como desenvolvido e forte àquele detentor de maior volume de indústrias pesadas e de base, ou seja, aquele detentor de mais quantidade de bens materiais.

 

Já, nas últimas décadas do século XX, com a extraordinária valorização dos bens imateriais - ou seja, aqueles bens que possuem ou podem vir a possuir um valor intrínseco substancial, independentemente de qualquer suporte material ou cujo valor intrínseco seja superior ao valor do meio físico no qual estão gravados; alterou-se a classificação dos países desenvolvidos, passando das fundições e indústrias pesadas para o know-how, com cada vez menor quantidade de equipamentos pesados.

 

Desta forma, com o intuito de acompanhar o crescente fluxo de pesquisas e desenvolvimento de tecnologia, bem como a transferências destas, no âmbito do Direito, os institutos jurídicos e estudos da propriedade intelectual despertaram maior interesse e preocupação.

 

Os contratos de transferência de tecnologia almejam a proteção dos bens imateriais da empresa, por exemplo, a proteção de patentes, desenhos industriais, know-how e franquias. Tendo como a possibilidade de transferência a titularidade do direito de propriedade intelectual (contrato de cessão), o licenciamento do uso do direito de propriedade intelectual, de forma exclusiva ou não (contrato de licenciamento), e o fornecimento de informações não aparadas por direitos de propriedade intelectual e serviços de assistência técnica (contrato de transferência de tecnologia).

 

A nomenclatura dos contratos de transferência de tecnologia varia na legislação e doutrina brasileira. Com base nos entendimentos do INPI ao longo dos anos e hoje cristalizados em sua Instrução Normativa nº 16/2013, bem como no § 1º do Art. 2º da Lei 10.168/2000 (que criou a CIDE – Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico sobre Royalties), os contratos de transferência de tecnologia e correlatos são classificados basicamente, quanto ao seu objetivo e para fins de averbação, nas seguintes categorias de contratos:

 

(i)           de licença para exploração de patente – autorização de exploração por terceiros do objeto de patente, regularmente depositada ou concedida no pais;

 

(ii)          de licença para uso de marca – autorização do uso efetivo por terceiro de marca regularmente depositada ou registrada no pais;

 

(iii)         de serviços técnicos especializados – contrato com fim de estipular as condições de obtenção de técnicas, métodos de planejamento e programação, ou seja, estipula a aquisição de conhecimento não patenteados, denominado, know how;

 

(iv)         de franquia – contrato que envolve tecnologia e transmissao de padrões, alem de uso de marca e patente.

 

Outrossim, vale destacar a existência dos contratos de cessão de patentes e marca. Nestes contratos, haverá a transferência da titularidade do direito.

 

 

2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA

 

A partir da década de 70 os países em desenvolvimento, como o Brasil, passaram a ver os fornecedores de tecnologia como verdadeiros impedidores de desenvolvimento tecnológico interno, pois esses exploravam as receptoras com a cobrança excessiva de royalties, por longos períodos, por tecnologias obsoletas e mediante clausulas restritivas à sua liberdade de comercialização. Para impedir a contratação de licenças ou transferência de tecnologia desvantajosas os países criaram legislações que mediante intervenção direta estatal controlavam os contratos nesta área.

 

O INPI foi criado pelo pela Lei n° 5.648, de 11 de dezembro de 1970, e com a promulgação do Código de Propriedade Industrial 1971 (Lei 5.772, de 21 de dezembro de 1971), passou a regular não só a licença de marcas e patentes, como também a averbação dos contratos de transferência de tecnologia. Anteriormente a sua criação era responsabilidade do Departamento Nacional de Propriedade Industrial a averbação dos contratos de patentes e marcas e os contratos de transferência de tecnologia ficavam sujeitos à Superintendência da Moeda e do Crédito – Sumoc, substituída pelo Banco Central do Brasil.

 

Em meio a essa politica protecionista, de substituição das importações pelo desenvolvimento e capacitação das industrias nacionais, o INPI adquiriu um papel importante no controle às praticas abusivas cometidas pelas multinacionais. Entre 1972 e 1975 passou a aplicar uma série de normas restritivas, porém não escritas, que trouxeram uma enorme insegurança jurídica para as partes contratantes que nunca sabiam quais seriam as exigências para a aprovação dos contratos.  Em 11 de setembro de 1975, o INPI publicou o Ato Normativo n° 15, que apesar de ser bastante restritivo e autoritário, regulamentava cinco tipos de contratos, o licença de marcas, licença de patentes, contratos de fornecimento de tecnologia industrial, contratos de cooperação técnico-industrial e contratos de serviços técnicos. Ao longo dos 15 anos em que vigorou o ato normativo passou por inúmeras mudanças, necessárias para a sua adequação ao novo cenário politico.

 

Com a crise econômica da década de 1980, que deixou os países em desenvolvimento em posição desfavorável, pois estes precisavam atrair capital estrangeiro, o INPI acabou por flexibilizar a averbação dos contratos. E em 1990, com a mudança de governo foi adotada uma posição diametralmente oposta a adotada na década de 1970 e diante disso o INPI emitiu a Resolução n° 22 que não só cancelava o Ato Normativo n°15 como também, após ser regulamentada pela Instrução Normativa n°1 de julho de 1991, trouxe uma maior flexibilidade para o pagamento de royalties e taxas de assistência técnica.

 

Com a entrada em vigor da Lei de Propriedade Intelectual, Lei n° 9.279 de 14 de maio de 1996, seu artigo 240 alterou o artigo 2° da Lei n° 5.648, lei de criação do INPI, passou a vigorar com nova redação,“Art. 2º O INPI tem por finalidade principal executar, no âmbito nacional, as normas que regulam a propriedade industrial, tendo em vista a sua função social, econômica, jurídica e técnica, bem como pronunciar-se quanto à conveniência de assinatura, ratificação e denúncia de convenções, tratados, convênios e acordos sobre propriedade industrial.” e esse novo texto retirou do INPI a competência para regular a transferência de tecnologia.

 

Em março de 2013, o INPI emitiu a instrução normativa n° 16/2013 que tem por finalidade a normalização dos procedimentos de averbação ou registro dos contratos de transferência de tecnologia, relacionando qual a documentação necessária para o pedido, o que devem conter os contratos, porém não traz nenhuma menção sobre o percentual de royalties ou o prazo do contrato, não justificando portanto sua interferência. 


 

3. DISCIPLINA ATUAL DOS CONTRATOS DE TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA

 

Na esteira do artigo 211 da Lei de Propriedade Industrial (Lei 9279/96), para que os contratos de transferência de tecnologia produzam efeitos perante terceiros, faz-se necessário a apresentação de tais contratos para registro e averbação junto ao INPI:

 

 Art. 211. O INPI fará o registro dos contratos que impliquem transferência de tecnologia, contratos de franquia e similares para produzirem efeitos em relação a terceiros.

 

Ademais, os outros efeitos da averbação dos contratos são (1) a legitimação para envio de divisas ao exterior para o pagamento da tecnologia negociada nos referidos contratos e (2) a obtenção de benefícios fiscais e deduções relacionados ao pagamento dos royalties.

 

O processo de averbação e registro destes contratos é regido pela já mencionada Instrução normativa n. 16/2013 do INPI, a qual, como já dito, define como contratos de transferência de tecnologia aqueles que têm como objeto a exploração de patentes e/ou desenhos industriais, a licença de uso de marcas, a aquisição de conhecimentos tecnológicos (fornecimento de tecnologia stricto sensu), a prestação de assistência técnica e a franquia empresarial.

 

O procedimento para requerimento de averbação e registro dos contratos segue os seguintes passos: apresentação do formulário de averbação disponibilizado pelo INPI em duas vias, apresentado por qualquer das partes contratantes, instruído com (1)original ou cópia autenticada do contrato e/ou fatura ou do instrumento representativo do ato, devidamente legalizado, bem como tradução quando redigido em idioma estrangeiro, (2) comprovante de recolhimento da taxa devida (GRU), (3) carta justificando o pedido de averbação em duas vias, (4) ficha-cadastro da empresa receptora/franqueadora (modelo INPI), com detalhamento sobre a vinculação acionária das partes, quando houver - devendo ser apresentada relação de acionista/cotistas e (5) procuração.

 

Uma vez protocolado o pedido de averbação, o prazo para emissão de decisão é de 30 (trinta) dias contados da data do protocolo, cabendo pedido de reconsideração à Diretoria de Transferência e Tecnologia e Recurso ao Presidente do INPI, nos casos de indeferimento do pedido.

 

A averbação dos contratos de transferência de tecnologia é facultativa para contratos internos, e necessária para contratos cujos franqueadores são domiciliados no exterior e há cláusula estabelecendo pagamento pela transferência. Ademais, a averbação torna-se de extrema importância em face  da legislação tributária, haja vista que a dedução de royaltiestem como condição indispensável o registro dos contratos junto ao INPI. As quantias devidas a titulo de royalties poderão ser deduzidas até o limite máximo de 5% da receita liquida, dependendo da atividade exercida, conforme disposto na Portaria 436/58 do Ministério da Fazenda.

 

Os prazos de validade dos contratos averbados pelo INPI são: (a) 5 (cinco) anos para os contratos de transferência de tecnologia não patenteável, sendo possível prorrogação deste prazo por tempo igual nos casos em que for demostrado ao INPI sua necessidade, mediante justificativa. Ressalta-se que o critério utilizado pelo INPI não está baseado em qualquer lei, mas decorre de uma extensão analógica do prazo estabelecido pela Lei n. 4.131/62, onde se permite a dedução das remunerações pagas, para fins de cálculo do Imposto sobre a Renda; (b) até a data de expiração da patente no Brasil, para os contratos de exploração de patentes; e (c) até a data de expiração do registro da marca, para os contratos de licença de uso de marcas, havendo possiblidade de prorrogação por períodos iguais e sucessivos nos casos de prorrogação do registro da marca junto ao INPI.



4. ARGUMENTOS CONTRÁRIOS À ATUAÇÃO DO INPI NA DISCIPLINA ATUAL DOS CONTRATOS DE TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA

 

A nova Lei da Propriedade Industrial de 1996 preocupou-se expressamente em limitar as funções do INPI, devendo este restringir-se a averbar ou registrar contratos de licenciamento ou transferência de tecnologia, verificando simplesmente as normas aplicáveis.

 

Entretanto, atualmente ainda se observa que, apesar das novas regulamentações, o INPI entende continuar autorizado a controlar os contratos de transferência de tecnologia quanto a aspectos de propriedade industrial, assim como os relativos a tributação, cambiais e anticoncorrenciais. Desrespeitando o princípio da legalidade e da liberdade de contratar das partes.

 

O INPI vem consolidando certos entendimentos não previstos ou regulamentados em qualquer preceito legal.

 

Conforme já mencionado, a atividade de averbação de contratos prevista ao instituto tem as seguintes finalidades: produção de efeitos contra terceiros; tornar pagamentos dedutíveis para fins de Imposto de Renda; e Permitir remessa de royalties para o exterior.

 

Significa dizer que a averbação não se presta a estipular royalties, que inclusive não é finalidade do INPI arbitrar, conforme se nota a partir da nova redação do Art. 2º da Lei nº 5.648/70. Além disso, também não está previsto ao órgão em questão outras definições de preceitos não regulamentados dos quais se tem observado aplicações a casos reais tais como: estabelecimento de data de protocolo da averbação como termo inicial da averbação, independente da data prevista no contrato como prazo inicial; ampliação de teor da legislação fiscal para aplicação de dedutibilidade fiscal; não garantia de manutenção de sigilo mesmo após o término do contrato; não consideração de know-how como direito passível de licença; exigência de definição de preço líquido de venda ou respectiva base de cálculo dos royalties do contrato; etc.

 

Tais atos trazem não só a insegurança dos contratos, afugentando fornecedores estrangeiros de fornecer produtos ou sistemas ao nosso país, como também inviabiliza o crescimento de empresários brasileiros que dependem dessas tecnologias para incrementar seus negócios. Tal situação evidencia manifesto abuso de poder e limitação injusta e ilegal do princípio da livre concorrência e da preservação e repressões a infrações contra a ordem econômica que conforme estabeleceu a Lei 8.884/94 como responsável o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) e a Secretaria de Direito Econômico (SDE), deixando claro que não cabia ao INPI a função de julgar, decidir ou alterar unilateralmente clausulas contratuais que pudessem infringir a ordem econômica.

 

Vale ainda ressaltar que tais impedimentos criados pelo INPI tem aspecto pejorativo para a economia nacional, pois de um lado não promovem o crescimento de empresas nacionais que dependem da utilização de tecnologias estrangeiras como também criam barreiras que simplesmente não incentivam de maneira direta com que as empresas nacionais produzam tais tecnologias que são buscadas no exterior, não contribuindo assim com o desenvolvimento do país além de gerar insegurança normativa. Representando atentado direto ao princípio da legalidade dos atos administrativos.

 

Entende-se que depois de uma série de Atos Normativos que buscavam regular a atuação do INPI e ao mesmo tempo atender a situação econômica de contratantes brasileiros, não cabe a ele estender suas atividades legais previstas, fato que inclusive vem sendo fortemente condenado pela maioria da doutrina, vez que não se admite que se possa sem lei impor obrigações ou restringir direitos.

5. ARGUMENTOS FAVORÁVEIS À ATUAÇÃO DO INPI NA DISCIPLINA ATUAL DOS CONTRATOS DE TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA

 

Um primeiro argumento favorável recai sobre a igualdade, que, antes tida como proibição de privilégios, tem hoje novo significado, qual seja: de amparo jurídico, atenuando efeitos da desigualdade econômica. Dentre inúmeros institutos que tutelam a autonomia privada, evitando desigualdades (hipossuficiência) e protegendo as empresas nacionais, existe o INPI. Conforme pesquisa no site do INPI,

 

O Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) passou por uma reforma profunda, que mudou os rumos da instituição e a preparou para os desafios a serem enfrentados no século XXI. Caminhar com firmeza na direção de conceder direitos com agilidade e qualidade, e promover a mais ampla atenção às necessidades da indústria brasileira foram os balizadores da atuação do Instituto nos últimos anos.[1]

 

Como instrumento da política de desenvolvimento tecnológico adotada pelo Governo Federal no combate à hipossuficiência supracitada, posições estratégicas, estímulos à capacitação interna e tributação foram revistas com o escopo de adequar o país à concorrência com o estrangeiro. Portanto, com alterações momentâneas, circunstanciais, econômicas e políticas, a tendência (e deve ser assim) é a variação. Sobre esse assunto diz Ana Valéria Araújo:

 

O INPI torna-se, desta forma, um instrumento da política de desenvolvimento tecnológico adotada pelo Governo Federal. Como já vimos, o Governo Federal, e portanto também o INPI, adotaram em várias ocasiões posições estratégicas como a política de substituição de importações, de estímulo à capacitação interna das empresas nacionais, de controle da evasão de divisas.[2]

 

Com função política atuante, o INPI, vale destacar, visa a proteção aos licenciados ou receptores de tecnologia nacionais, objetivando extinguir cláusulas prejudiciais à livre concorrência (principalmente cláusulas abusivas envolvendo pagamento em moedas estrangeiras) buscando patamares de equilíbrio e acesso a recursos.

 

Empresas nacionais que registram contratos de fornecimento de tecnologia perante o INPI possuem validade dos contratos perante terceiros, além de ser conditio sinequa non para a dedutibilidade dos pagamentos. Não obstante, o registro eletrônico do contrato perante o Banco Central do Brasil possibilita a aquisição de moeda estrangeira para remessas de royalties e remuneração para o exterior. Consignando esse assunto, segundo Denis Borges Barbosa:

 

(...) persistem, na forma da legislação tributária e cambial, as competências delegadas ao INPI de atuar como assessor, ex ante, da Receita Federal e do Banco Central na análise das questões atinentes àquelas autoridades, relativas aos contratos que importem em transferência de tecnologia. Também persistem as competências do INPI no tocante à análise de legalidade intrínseca e o dever de suscitar a necessidade de pronunciamento do órgão de tutela de concorrência em casos em que o contrato, na forma apresentada ao INPI, seria suscetível de violação das normas concorrenciais em vigor.[3]

 

Por fim, a Constituição Federal, em seu art. 172, planta raízes para uma regulamentação. Há, indubitavelmente, uma importância vital da missão de desenvolvimento econômico e de integração global, vinculado à proteção dos direitos de propriedade industrial por meio do equilíbrio, assegurada a igualdade de direitos, obrigações e oportunidades.

 

6. COMENTÁRIOS A APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 200651015041578

 

A apelação em mandado de segurança 200651015041578 ilustra de forma dramática a intervenção do INPI na esfera da autonomia da vontade das partes, bem como mostra o antagonismo existente nos argumentos a favor e contra a atuação do INPI neste sentido.

 

Na referida apelação, as partes eram: o Recorrente Koninklijke Philips Eletronics N V; e o Recorrido INPI. O Apelante celebrou acordo de licenciamento de patentes e realizou dois pedidos de patente  com a empresa, na atualidade denominada Novodisc Mídia Digital Ltda., foi firmado a título de royalty o montante de US$0,06, por cada mercadoria licenciada, podendo ser possivelmente reduzido para US$0,045, se o licenciado arcar plenamente com suas obrigações contratuais. Sendo que nenhum limite fora pré-estabelecido para remessa.

 

O acordo foi apresentado para averbação perante o INPI e este estabelecera, no certificado de averbação, um patamar máximo de 5%, baseando-se na razoabilidade e correta relação de balanço contratual, elementos essenciais para perfeita manutenção e desenvolvimento das atividades envolvidas no acordo.

 

Com base nas contrarrazões expostas pelo INPI, o acesso às mídias de música pela internet ocasionou uma enorme baixa nas vendas de discos no formato CD-R, e conseqüente diminuição nos preços. Com isso, a firmação de um royalty embasado exclusivamente num valor concreto influenciando sobre o comércio de cada disco resultou uma cláusula abusiva, sendo cabível a interferência do INPI, nas condições do acordo em beneficio da empresa brasileira licenciada.

 

A desembargadora Federal Liliane Roriz, argumentou que a interposição do Estado no mérito econômico é justificada pelo zelo ao particular nacional, que no caso, era notório o desequilíbrio de forças entre as partes. Versou ainda, ser incabível a invocação do principio constitucional da livre concorrência, uma vez que o mesmo é delimitado à unidade da constituição, de fato cedendo a outros limites como a ordem pública, função social da propriedade, tal como a função fundamental da República: garantir o desenvolvimento interno. Se manifestou como o exposto a seguir:

 

“Destaque-se ainda que é prática usual dos Estados a instituição de normas cogentes na esfera dos contratos, podendo ser pouco restritiva, quando se trata de Estado exportador de tecnologia, ou muito restritiva, quando se trata de um importador.

Ressalta-se, também, que o art. 40.2 do TRIPs – acordo que foi colocado em vigência no Brasil pelo Decreto n. 1.355, de  30/12/94 – faculta às legislações nacionais a adoção de medidas para controlar ou impedir práticas de licenciamento abusivas, que tenham efeitos sobre a concorrência, o que é a hipótese dos autos.”

 

Dessa maneira foi interpretado pela Desembargadora Liliane Roriz, como eficaz a interferência, e firmou a margem percentual em conformidade com o máximo permitido para dedução fiscal em conciliação com o artigo 12 da Lei nº 4.131/62:

 

“O INPI tem legitimidade para estabelecer limites para a remessa de royalities, ao averbar ou registrar contratos internacionais de licenciamento ou de transferência de tecnologia; no caso concreto , havia nítido desequilíbrio financeiro entre as partes, o que autorizava o INPI a intervir nas condições contratuais; e o limite estabelecido foi razoável e adequado, a fim de restabelecer a relação de equilíbrio contratual entre as partes”.

 

Pela maioria dos votos, a Segunda Turma decidiu, que o INPI não atuou de forma abusiva ou equivocada, eis que tal intervenção fora necessária, desprovendo recurso.

 

 

7. CONCLUSÃO

 

Os contratos de transferência de tecnologia são ferramentas de grande relevância para a sociedade, pois permitem o acesso de tecnologias atuais, mesmo em países ou em mercados que ainda não possuem tal adiantamento técnico. Adicionalmente, independentemente do nível tecnológico do mercado ou país, tais contratos possibilitam que elementos novos, trazidos por novas ideias, novas técnicas, novas marcas ou novos “designs”, sejam inseridos no contexto da competitividade e, mais precisamente, da concorrência. Consequentemente, em função das novidades trazidas pelas novas tecnologias, os demais atores (ou “players”) de um dado mercado são quase que forçados a também buscarem novas técnicas e formas de fazer seu negócio, propiciando, assim, ganhos ao destinatário de seus produtos ou serviços, que, em muitos casos, é o próprio consumidor.

 

A relevância de tais contratos é incontestável nos tempos atuais, tempos estes de intensa globalização, de intercâmbio de dados, de troca de informações, em suma, tempos nos quais a comunicação, em quase todos os seus aspectos, deixou de ser barrada pela geografia, pela distância. Assim, como uma consequência da maior integração entre as pessoas do globo, o comércio e os contratos sofreram também acentuado aumento em quantidade e em complexidade. Uma técnica desenvolvida e, eventualmente, patenteada hoje, em um dado país do globo, pode ser objeto de um contrato de licenciamento de patente ou de cessão de know-how em outro país, diverso e distante de onde a  técnica foi desenvolvida. Resta claro, desse modo, que a riqueza decorrente destes contratos já não vê fronteiras, de forma que tanto a parte licenciante quanto a parte licenciada podem extrair frutos promissores da troca havida em torno da tecnologia. Exemplo recente que pode ser dado é o contrato envolvendo os novos jatos para a Força Aérea Brasileira, firmados entre o Governo Federal do Brasil e a empresa Saab da Suécia.

Neste diapasão, de forte fluência dos contratos e do comércio internacional, é difícil encontrar razões críveis que justifiquem a postura demasiadamente protecionista e intervencionista do INPI. Tal postura poderia até ter certa lógica no contexto vivido na década de 1970 em pleno regime militar, no qual a política pública para a economia era voltada à substituição das importações e o fortalecimento de indústria de base. Porém, nos tempos atuais, não é possível compreender que há um retorno a este pensamento dos anos 1970, mesmo depois da longa caminhada rumo à abertura econômica feita pelo Brasil, iniciada durante os governos militares e que culminou nos anos 1990 com a mudança das leis que regem a propriedade intelectual, como a Lei 9.279/96, por exemplo.

 

Adicionalmente, tão danoso quanto o retorno ao intervencionismo tem sido a falta de base legal para que o INPI atue como vem atuando. Sendo o INPI uma autarquia federal ligada ao Poder Executivo, seus atos devem seguir os ditames do direito administrativo e, sobretudo, os comandos e princípios postos na Constituição Federal de 1988. De forma mais resumida e objetiva, seus atos devem seguir o princípio da legalidade, pois sem seguir qualquer lei que defina precisamente seus atos, surge a figura temida por qualquer investidor: a insegurança jurídica. Desse modo, o INPI vem prestando um grande desserviço ao comércio internacional do Brasil, à incorporação de novas tecnologias e técnicas ao mercado brasileiro e à atração de investimentos estrangeiros.

 

Por fim, cabe ainda ressaltar que a lacuna legal sobre a qual se baseiam os atos do INPI, em muitos casos, acaba por ter que ser resolvida pelo Judiciário, o qual pode, ainda, agravar a situação, anuindo com a ilegalidade do INPI, como pôde ser visto no julgado aqui discutido. Contudo, sendo assim manifesto o desejo do INPI de intervir e “proteger” os nacionais, por que, então, não mover esta pauta para o Legislativo e, desta forma, iniciar uma discussão com a sociedade? Com intervencionismo e protecionismo aliados à insegurança jurídica, o Brasil só tem a perder. 


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

ARAÚJO, Ana Valéria. Contratos de Propriedade Industrial e Novas Tecnologias. 2 Ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

 

ASSAFIM, João Marcelo de Lima. A Transferência de Tecnologia no Brasil - Aspectos Contratuais e Concorrenciais da Propriedade Industrial. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013.

 

BARBOSA, Denis Borges. Uma introdução à Propriedade Intelectual. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003.

 

_____________________. Da licença de know how em direito brasileiro. 2013. Disponível em http://www.denisbarbosa.addr.com/arquivos/200/propriedade/licenca_knowhow_direito_brasileiro.pdf. Acesso em 22 abr. 2014.

 

CARVALHO, Carlos Eduardo Neves de. Contratos de know-how (fornecimento de tecnologia). In Revista da Associação Brasileira da Propriedade Intelectual, nº 128, jan/fev 2014, p. 30.

 

DI BLASI, Gabriel. A propriedade Industrial: os sistemas de marcas, patentes, desenhos industriais e transferência de tecnologia. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010.

 

FONTES, André R. C. Perfis da transferência de tecnologia. In: Propriedade Intelectual e transferência de tecnologia. DEL NERO, Patrícia Aurélia (coord.). 1ª Ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011.

 

IDS - INSTITUTO DANNEMANN SIEMSEN DE ESTUDOS DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL. Comentários à Lei de Propriedade Industrial. Edição revista e atualizada. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.

 

LEONARDOS, Gabriel Francisco. Tributação da Transferência de Tecnologia. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997.

 

VIEGAS, Juliana L. B. Contratos típicos de Propriedade Industrial; contratos de cessão e de licenciamento de marcas e patentes; licenças compulsórias. In: Contratos de Propriedade Industrial e novas tecnologias. SANTOS, Manoel J. Pereira dos. JABUR, Wilson Pinheiro (coord.). 1ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

 

___________________. Contratos de fornecimento de tecnologia e de prestação de serviços de assistência técnica e serviços técnicos. In: Contratos de Propriedade Industrial e novas tecnologias. SANTOS, Manoel J. Pereira dos. JABUR, Wilson Pinheiro (coord.). 1ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

 

___________________. Dos contratos de transferência de tecnologia sob o regime da nova Lei de Propriedade Industrial. In Revista da Associação Brasileira da Propriedade Intelectual, nº 34, mai/jun 1998, p. 26.

XV SEMINÁRIO NACIONAL DA PROPRIEDADE INTELECTUAL, 16., 1995, São Paulo. Anais... Curitiba: ABPI, 1995.

XX SEMINÁRIO NACIONAL DA PROPRIEDADE INTELECTUAL, 90., 2000, São Paulo. Anais... São Paulo: ABPI, 2000.

 

XXVII SEMINÁRIO NACIONAL DA PROPRIEDADE INTELECTUAL, 167., 2007, Rio de Janeiro. Anais... São Paulo: ABPI, 2007.

 


[2]ARAÚJO, Ana Valéria. Contratos de Propriedade Industrial e Novas Tecnologias. 2 Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2009. p. 179.

[3] ARAÚJO 2009, apud BARBOSA 2003, p.167. 




AUTORES: GUSTAVO JIMENEZ MARCATTO; GUSTAVO SARTORI GUIMARÃES; HELENA BIANCA PIAZZA; JULIANA DE CÁSSIA ZEN; LUCAS LYRA; PAULO ANTÔNIO BALDUINO FILHO; TAÍSA BRANDÃO CONDINO.

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