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CONFLITOS DE COMPETÊNCIA EM MATÉRIA PROCESSUAL PENAL: COMPETÊNCIA TERRITORIAL DOS CRIMES CIBERNÉTICOS


Autoria:

Bruno Barcellos Ramires


Bacharel em Direito pelo Centro Metodista do Sul - IPA, aprovado no XVIII Exame de Ordem, Inscrito na OAB como Estagiário, estudioso em Direito Criminal e atuante na Militância jurídica.

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Resumo:

Crimes virtuais. Ciber-crime. Competência processual territorial, Lei 12.373/12. Nulidade relativa.

Texto enviado ao JurisWay em 02/03/2016.



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1.      EXPLANAÇÃO CONCEITUAL PRELIMINAR

Para bem de compreendermos o presente trabalho, e inclusive a delimitação do tema a ser explanado, traremos alguns conceitos básicos necessários para esta compreensão. Apesar de parecerem, à primeira vista, conceitos simples, são essenciais para o desenrolar do trabalho. Temas como crimes próprios e impróprios, jurisdição e competência, são de conceituação simples para muitos, contudo em contraponto, de fácil confusão para vários estudantes e iniciandos nos estudos jurídico-sociais.

Inicialmente falaremos sobre crimes próprios e impróprios, que nada mais são que os crimes cometidos nos meios virtuais, que não existiam antes da disseminação deste meio para execução (crimes próprios), e os que já existiam antes mesmo da criação da informática e deste novo meio de cometimento dos crimes (crimes impróprios). [1]

Jurisdição, do latim jurisdictione, quando de um olhar epistemológico, quer dizer a ação de dizer o direito.[2] Esta é a função Estatal de julgar, o poder-dever do Estado de prestar a jurisdição ao povo ou ao particular, indivisível e una. Já quanto à competência, esta é a delimitação da jurisdição do Estado-Juiz, voltado para o julgamento, seja pela natureza do crime, do agente, ou do local, conforme fala RANGEL:

Competência, assim, é o espaço, legislativamente delimitado, dentro do qual o órgão estatal, investido do poder de julgar, exerce sua jurisdição. Surge, assim, a competência em matéria cível a competência em matéria penal, militar, trabalhista, eleitoral, etc.[3](grifou-se).

 

Já quanto à competência processual e material, esta se encontra disciplinada em lei, no artigo 69 do Código de Processo Penal (CPP) e no artigo 6º do Código Penal (CP), respectivamente. Ambos delimitam a competência por uma ordem preferencial, que deve ser respeitada pelo operador, e que dependendo da hipótese irá influenciar e causar conflitos de competência. Traçaremos o foco do presente trabalho, essencialmente na competência processual, uma vez que veremos ser, em muitas vezes no caso concreto, difícil de ser estipulada a competência territorial dos crimes cometidos em meio virtuais, sejam eles próprios ou impróprios, por não haver local territorial delimitado para a internet.

1.1.   Crimes próprios e impróprios.

Preliminarmente, cumpre salientar que em se tratando de crimes virtuais, esta nomenclatura tem definição distinta à dada originalmente pela doutrina pelos crimes próprios e impróprios. Latu senso, crimes próprios são aqueles que têm agente definido em lei, como por exemplo, o crime de infanticídio previsto no artigo 123 do CP, onde a mãe em estado puerperal, logo após o parto, mata o próprio filho. Vê-se que há um critério taxativo para que se enquadre o agente no dispositivo: (i) o agente deve ser a mãe da vítima; (ii) deve ser logo após o parto; (iii) deve a mãe executar a ação contra o próprio filho. Qualquer caso que fuja a este conceito não se enquadrará no tipo penal.

Por exclusão, os crimes impróprios latu sensu, são os que têm agente incerto, ou seja, podem ser cometidos por qualquer pessoa. Seja qual for o agente do crime estando a ação abarcada pelo verbo nuclear do crime, esta ação será enquadrada no tipo penal. Exemplos são os mais vastos; roubo (art. 157, CP), furto (art. 155, CP), homicídio (art. 121, CP). Contudo, a classificação foco deste tópico não são estes crimes, pois para os crimes virtuais estes termos se referem a uma conceituação diferente da até aqui exposta, como se verá a seguir.

Esta nomenclatura é dada exclusivamente pela doutrina, e apesar de não haver o consenso entre os doutrinadores, por não se encontrar disciplinada em lei, a doutrina majoritária opta por esta nomenclatura. A conceituação destas definições serve muito bem ao seu propósito, pois se podem diferenciar os crimes que já existiam antes deste novo meio, e os crimes que surgiram com o seu aparecimento, cita-se como exemplo o crime de violação de email.

GOMES divide os crimes virtuais em crimes contra o computador e crimes por meio do computador[4], já para maior parte da doutrina, são divididos em crimes próprios ou impróprios, ou também chamados de puros ou impuros.

Segundo FERREIRA, uma conceituação classificatória dos crimes virtuais próprios é:

Atos dirigidos contra um sistema de informática, tendo como subespécies atos contra o computador e atos contra os dados ou programas de computador. Atos cometidos por intermédio de um sistema de informática e dentro deles incluídos infrações contra o patrimônio; as infrações contra a liberdade individual e as infrações contra a propriedade imaterial.[5] (grifou-se).

 

Neste pensamento, conceituamos como crimes próprios, todo o crime realizado contra e por meio do ambiente virtual. É utilizado necessariamente o ambiente virtual para se perfectibilizar o crime, utilizando-se o computador como meio, e fim para o delito.[6]

Vale lembrar que a conceituação do crime próprio não se restringe apenas aos que são cometidos por meio dos computadores mas também aqueles que são praticados contra o sistema de informática, sendo necessário que, para seu enquadramento neste conceito, o crime seja praticado contra dados ou informações constantes em dispositivo informático. Neste caso, se entende o bem jurídico afetado como o patrimônio, a exemplo dos crimes contra o patrimônio. [7]

Podemos então dizer que temos um crime próprio quando tivermos dois elementos para sua definição, quais sejam: (i) tenha sido o crime cometido por meio virtual, através do computador, ou máquina equivalente (podemos pensar atualmente nos smartphones, tablets, etc.) e (ii) seja o crime para fim de invasão, alteração, ou inserção de informações neste mesmo meio. Já citamos o exemplo da invasão de email, que bem elucida este tipo de delito, contudo frisa-se que não apenas a invasão de email é crime virtual próprio, mas também a inserção de dados falsos no sistema (seja ele hardware ou software), a alteração de tais dados, a publicização dos dados de forma não autorizada. Todos estes crimes, necessitam essencialmente do meio virtual para se perpetuarem, configurando assim estes crimes como próprios.

Nas palavras de VIANNA: “São aqueles em que o bem jurídico protegido pela norma penal é a inviolabilidade das informações automatizadas (dados).”[8]

Com maior clareza, DAMÁSIO se pronuncia sobre o tema, elucidando de forma didática e veemente a discussão sobre o conceito, quando diz:

Crimes eletrônicos puros ou próprios são aqueles que sejam praticados por computador e se realizem ou se consumem também em meio eletrônico. Neles, a informática (segurança dos sistemas, titularidade das informações e integridade dos dados, da máquina e periféricos) é o objeto jurídico tutelado. Já na conceituação de crimes impróprios, é natural que se redirecione ao raciocínio contrário, que são aqueles que independem do meio virtual para sua perfectibilização, mas apesar de promissor, este raciocínio não está de todo correto.[9](grifou-se).

 

Já existe, no cenário brasileiro atual, legislação que trata sobre a materialidade dos crimes virtuais, da sua tipificação, a exemplo da lei 12.735/12 que modificou o inciso II do §3º do artigo 20 da lei 7.716/89 que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou cor. A lei primeiramente citada introduziu ao inciso o seguinte texto: “a cessação das respectivas transmissões radiofônicas, televisivas, eletrônicas ou da publicação por qualquer meio(grifou-se). A modificação na realidade consistiu na parte final, onde grifamos para melhor distinção. O simples termo introduzido ao texto “publicação por qualquer meio” trouxe a previsão do juiz ordenar a retirada das publicações virtuais, seja em que meio esta estiver (redes sociais, sites pessoais, publicações por vídeo, etc.). Isto pode ser uma modificação ínfima, mas é um reconhecimento legal dos meios virtuais como influenciadores da conduta humana, e além isto, como meios possíveis de se cometer uma conduta delituosa.

Porém marco maior – e maior exemplo, e provável motivo desta divisão doutrinária – foi a edição da lei 12.373/12 apelidada de “Lei Carolina Dieckmann”, que entrou em vigor em 3 de abril de 2013. Sua redação, introduziu ao Código Penal um novo tipo, o enumerado artigo 154-A que fala:

Invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de computadores, mediante violação indevida de mecanismo de segurança e com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo ou instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita:

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.

 

O texto trouxe um conceito extremamente novo ao direito penal, o de ser possível infringir dano ao indivíduo, por meio de um ato de invasão ao seu dispositivo informático (computador, notbook, tablets, ipad, ipod, smartphone, etc.) estando este conectado ou não à rede de computadores (a internet). Vemos ainda, analisando a letra da lei, que o fato de estar conectado à internet, não interessa à configuração do tipo, pois trata-se de um tipo que importou-se com a privacidade do proprietário do dispositivo, que ali armazena diversos documentos e informações relacionados tanto com sua vida pessoa, e atualmente também com sua vida privada.[10]

Podemos chegar nesta conclusão através da análise do contexto histórico em que a lei foi formulada. Como bem sabe-se, a invasão do dispositivo da artista Carolina Dieckmann, e consequente circulação de imagens da atriz em situações intimas, as quais ela teria encaminhado ao namorado, foi o estopim para que fosse formulada uma lei no sentido de tipificar esta conduta na esfera penal. Por este motivo, se está resguardando aqui não o dispositivo físico. Não é crime danificar a máquina de outrem, até porque como propriedade móvel, assim entendida, como bem não durável, – a julgar pela alta circulação de inovações destes dispositivos no mercado, onde um modelo torna-se obsoleto de forma muito  rápida – a conduta de danificar estes dispositivos, mas aqui se está tutelando a privacidade do particular, seu direito a inviolabilidade Constitucionalmente reconhecido, especificamente no artigo 5º, inciso X da Carta Magna: são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”(grifou-se). [11]

Não é novidade alguma a violação da intimidade do particular ser tipificado como crime, inclusive estes possuem capítulo próprio dentro do diploma penal existente, cito o capitulo V do código penal. Contudo vemos que o artigo apenas foi acrescido ao código penal no capitulo VI, que trata sobre os crimes contra a Liberdade Individual. Isto porque o artigo não trata, de forma única e pura, apenas da honra do indivíduo, mas também de seus dados, documentos, imagens, em fim da vida particular do individual assim entendida em seu englobo total, tanto quanto é complexa atualmente.

BITENCOURT, faz uma crítica ao dispositivo, e que se mostra mister trazer à presente análise, quanto à limitar a tipificação do ato apenas quando o dispositivo informático tiver mecanismo de segurança, e quando o agente do crime tiver violado tal mecanismo. Isto limita a proteção trazida pelo legislador aos mecanismos informáticos, uma vez que não estando as características essenciais do tipo suficientemente caracterizadas, não haverá crime. Vejamos:

A nosso juízo, teria sido mais correto, e suficiente, se a elementar normativa tivesse se limitado a locução “mediante violação indevida”, por que, assim, abrangeria qualquer violação não autorizada dos computadores, ou, como diz o texto legal, a violação de todo e qualquer “dispositivo informático”, independentemente de haver ou não dispositivo de segurança, independentemente de ter sido violado ou não eventual mecanismo de segurança etc. A rigor, muitos computadores, telefones e Ipads não dispõem de mecanismos de segurança, e, outras vezes, embora disponham, não se encontram ligados. Tanto numa quanto noutra hipótese, referidos instrumentos ou “dispositivos informáticos” não estarão protegidos por este dispositivo penal. E, enfim, “dispositivo de segurança” desligado não oferece nenhuma segurança e tampouco pode ser violado indevidamente.[12]

 

Vemos que também é resguardado no artigo, o sigilo das informações ali constantes, quando fala obter, adulterar ou destruir dados ou informações. Assim, não se tutela apenas a honra do individual, mas também as informações e os dados constantes no dispositivo informático.

Alias, se cuidou não apenas da conduta do agente, mas preocupou-se também daqueles que por ventura viriam a favorecer ou facilitar o cometimento do delito. É o enumerado no §1º do artigo, quando diz que incorre em pena idêntica quem “produz, oferece, distribui, vende ou difunde dispositivo ou programa de computador com o intuito de permitir a prática da conduta definida no caput”. Vemos que se define aqui uma espécie de coautoria, não no sentido técnico da expressão, mas no sentido da intenção do legislador, quando pune não apenas o agente ativo do crime, mas também aquele que o favoreceu, seja de forma direta ou indireta. [13]

Se pressupõe aqui um dolo difuso, ou seja, o agente informático que produziu o programa, tinha a consciência do resultado danoso que aquele programa poderia produzir, e neste caso se presume que ao fazer o programa, o sujeito já estava com intenções “maliciosas”, mesmo que não sabendo a quem aquele programa iria prejudicar. Supõe-se então que este agente deveria inclusive estar sujeito a uma Representação, e não uma Queixa, pois o dano que este agente causou foi lato sensu, foi um dano disseminado não apenas pela venda a uma pessoa, mas a várias, que farão dano a diversos particulares, mesmo que isoladamente o dano segundo, na primeira ação, ou seja, no primeiro ato do programador – agente responsável por “fazer” o programa que proporcionou ao agente criminoso a sua utilização para fins criminosos – este estaria, de forma premeditada, para fins de lucrar com o programa, ou mesmo de forma gratuita, incorrendo em ação danosa a fim de favorecer, dar o meio pelo qual se cometerá um crime. [14]

O texto legal do dispositivo está em consonância com o código penal, em especial quando se faz uma leitura do artigo 29 do diploma, o qual diz que: “Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade”. Isto deixa clara a intenção do legislador ao tipificar a conduta do programador que formulou o programa que se utilizará para o fim danoso. Como já explanado no parágrafo anterior, o programador, que formulou (ou fez) o programa utilizado pelo cracker,– no meio cibernético, esta denominação é usada para aquele que possui conhecimento vasto do meio virtual, mas utiliza suas habilidades para prática delituosa, ou para praticas errôneas, diferentemente do hacker que usa seus conhecimentos para prevenir, ou mesmo impedir a atuação do cracker[15] – tinha conhecimento técnico para saber a que fim se destinaria aquele programa. Outra análise não seria possível, pois qualquer argumento e contrário cairia por terra quando se analisasse o fato de que fora o programador quem formulou o programa para aquele fim específico.

A materialidade dos crimes cometidos nos meios virtuais não se resume apenas ao dispositivo constante no código penal. Há também em sede de matéria tributária, a previsão de criminalização da conduta efetuada por meio digital, o que entende-se aqui como crime próprio, pois por outro meio não se poderia realizar tal conduta, descrita no art. 2º, inciso V, da lei 8.137/1990, que diz:

Constitui crime da mesma natureza: V - utilizar ou divulgar programa de processamento de dados que permita ao sujeito passivo da obrigação tributária possuir informação contábil diversa daquela que é, por lei, fornecida à Fazenda Pública.

Pena -detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa. Lei 8.137/90. (grifou-se).

 

Neste caso, diferentemente do anterior, o crime está voltado à ordem tributária, conforme enumerado pelo artigo 1º do mesmo diploma legal.

Quanto aos crimes impróprios, DAMASIO nos ensina o seguinte:

(...)crimes eletrônicos impuros ou impróprios são aqueles em que o agente se vale do computador como meio para produzir resultado naturalístico, que ofenda o mundo físico ou o espaço "real", ameaçando ou lesando outros bens, não-computacionais ou diversos da informática.[16]

 

Vemos assim, que a ideia exatamente contrária aos crimes próprios se aplica ao conceito dos impróprios. Estes, ao contrário daqueles, já existiam muito antes da existência do mundo cibernético, da “computadorização” do crime. São todos os crimes tipificados, mas cometidos de uma forma diferente, ou seja, pelo meio virtual. Neles exemplificamos a injúria, a difamação e a calunia, muito faladas nas redes sociais.

É uma definição mais singela, pois depende apenas do meio que se utiliza para realizar “velhos crimes” ao contrário dos crimes próprios, que são “novos crimes” surgidos com o mundo virtual. Qualquer crime pré-existente pode ser conceituado como impróprio, em se tratando desta matéria, pois qualquer crime que seja realizado por meio eletrônico, e não atinja necessariamente dados ou informações constantes em dispositivo informático protegido por sistema de segurança, será definido como impróprio. Como exemplo temos os mais diversos, estelionato, injuria, difamação, extorsão, venda de conteúdo pornográfico contendo exposição de menores, ou seja, qualquer crime poderá ser definido como impróprio, desde que seja o meio eletrônico utilizado como fim para o cometimento do delito.

1.2.   Jurisdição

Jurisdição e competência, apesar de já amplamente debatido em diversos livros doutrinários, é uma importante conceituação a ser feita para bem de compreendermos a delimitação da presente monografia, uma vez que esta tratará especificamente da competência, e não da jurisdição, que como se verá a seguir, é una e indivisível, ao contrário daquela, que se limita pelo território, pela prevenção, pela prerrogativa de função, pela conexão ou continência e pelo tipo do delito, segundo artigo 69 do CPP.

Quando falamos em jurisdição, devemos ter em mente, como dito, sua unicidade, nas palavras de OLIVEIRA:

Como atividade e expressão do poder público, afirma-se que a jurisdição é una, no sentido de se tratar de intervenção do Estado junto aos jurisdicionados, para fins de atuação no direito ao caso concreto e, mais particularmente, nos que nos interessa de perto, ao caso ou questão penal[17]

 

Como bem se sabe, os três poderes do Estado dividem-se em Legislativo, Executivo e Judiciário, os quais possibilitam o Estado atingir sua função básica, respectivamente a legislativa, a administrativa e a jurisdicional. É o preceito que se extrai do artigo 2º da Constituição Federal.

Ao executivo, cabe administrar o Estado, na conformidade norteadora das leis formuladas pelo legislativo, a este cabe elaborar as leis, de acordo com a necessidade social, enquanto ao judiciário, caberá julgar as lides chegadas a ele, respeitando o princípio da inércia, aplicando as leis formuladas pelo legislativo, ao caso concreto.[18]

Apesar das normas fixadas pelo legislativo virem ao encontro dos apelos sociais, não raras vezes há conflitos que as normas fixadas por este poder não previram, ou situações anômalas onde a lei deixa as chamas “brechas”. Esta é uma das situações em que ocorrem os conflitos. Contudo, segundo MUCCIO, o motivo da necessidade da prestação jurisdicional seria a seguinte:

O homem é um ser inquieto, arredio, não se conforma com facilidade, questiona sempre busca impor sua vontade. Por isso, os conflitos são inevitáveis, sejam eles de ordem privada ou pública. A solução desses conflitos não podia, ante a natureza do homem, ser entregue aos próprios interessados. A força, a prepotência, a mesquinhez, a concepção individual do que é certo e justo são obstáculos intransponíveis à adequada solução do litígio.

 

Segundo RANGEL, “Jurisdição é a função Estatal de aplicar o direito objetivo a um caso concreto, protegendo um determinado direito subjetivo, através do devido processo legal, visando ao acertamento do caso penal.”[19]

Segundo o mesmo autor, entendemos jurisdição como a prestação jurisdicional do Estado, para com o particular, ou a sociedade. Esta é indivisível, nas palavras do próprio RANGEL, não se limitando às circunscrições territoriais, se não as nacionais. Significa dizer que a jurisdição é a obrigação do Estado de prestar o serviço jurisdicional na resolução de conflitos, seja entre os particulares, seja entre particular e Estado.

Para MUCCIO, uma definição de jurisdição seria:

(...) a aplicação do direito pelo Estado. Porém, como só pode fazê-lo depois de infringida a norma, por meio do processo, e pelo Poder Judiciário, pode-se dizer que a jurisdição é a função que se confere ao Poder Judiciário, de aplicar, por meio do processo e por seus órgãos, juízes e tribunais, o direito objetivo a uma situação litigiosa em concreto.

 

Lembramos ainda que o Estado não pode abster-se de prestar a jurisdição, uma vez que retirou do particular sua “autodefesa”, tornando inclusive esta conduta criminosa, a exemplo do art. 345 do Código Penal (CP). Isto porque, em caso de se permitir tal tutela autodefensiva, prevaleceria a lei do mais forte, e nem sempre se chegaria a um resultado justo. Com esta impossibilidade, o Estado obrigou-se a evocar para si a incumbência da resolução do conflito, atreves de um terceiro imparcial, que aplicaria as leis de forma uniforme e despretensiosa.[20]

Na lide de natureza penal, o Estado se investe do jus puniendi in abstracto (o direito de punir em abstrato), apenas pode prestar sua função jurisdicional se provocado, respeitando o princípio da inércia. O jus puniendi apenas passa a existir no plano concreto com o exercício de ação, outorgado pela Carta Magna de 88 ao Estado-Administração, que de forma originaria, atua nestas causas na figura do Ministério Público. Firma-se ai um binômio pretensão punitiva versus pretensão libertária, a qual apenas pode ser conhecida com devido processo legal, em sua forma prescrita em lei. [21]

Nulla poena sine judicio, é o que prescreve a doutrina penalista, e reflete bem o princípio do devido processo legal, onde não há pena sem a judicialização do fato criminoso. Esta assertiva transcorre vários princípios existentes no processo legal, como o da Investidura, ne procedat judex ex officio (já mencionado acima na situação de inércia do Estado), indeclinabilidade, indelegabilidade, improrrogabilidade ou aderência, e o princípio do próprio juiz natural[22], que mais amplamente discutido quando falarmos da competência, pois está interligado diretamente com a definição da competência do juízo.

Passemos a traçar breves comentários sobre os princípios da jurisdição listados no parágrafo anterior, comecemos pelo ne procedat judez ex officio, que é a proibição do Estado de agir de ofício. Sobre isto o Código de Processo Civil (CPC) traz no seu artigo 2º a regra que diz que “nenhum juiz prestará a tutela jurisdicional senão quando a parte ou interessado a requerer, nos casos e forma legais”. Inclusive RANGEL, diz o mesmo, quando relembra a obrigatoriedade do juiz de atender o apelo Ministerial do Promotor-geral quando este requerer o arquivamento da denuncia, nos termos do artigo 28 do CPP.

Quanto à indeclinabilidade, a lógica é bem parecida, pois conforme RANGEL, “o juiz não pode declinar de seu mister jurisdicional”. Ou seja, da mesma forma que o juiz não pode agir ex officio, este também não pode abster-se do julgamento da causa, quando ofertada pela parte legítima. É inclusive o mandamento constitucional, no seu artigo 5º, XXXV. Lembramos que a decisão terminativa, assim como a declinação de competência, não se mostra como declinabilidade de prestar a jurisdição, mas sim uma obrigação legal pelo juiz, como analisaremos mais adiante.[23]

Já o princípio da indelegabilidade, diz respeito à impossibilidade do judiciário de delegar sua função a outro órgão. RANGEL afirma que há exceção a esta regra, elencada no art. 52, I da CF/88. O autor ainda alega que parte da doutrina afirma que a precatória seria um ato de delegação de jurisdição, contudo discorda o autor, afirmando que há aqui uma confusão entre jurisdição e competência, o que concordamos, pois parece sensato a afirmativa trazida pelo autor quando diz: “(...) não há como se delegar algo que não se possui.” Esta afirmativa se constrói a partir da afirmação de que o juiz deprecante jamais poderia praticar ato que não teve competência para tanto, e jamais poderia delegar competência que jamais teve, não havendo delegação alguma. [24]

A improrrogabilidade ou aderência de jurisdição, se parece bastante com o princípio da indelegabilidade, contudo, aqui não se esta falando de dois órgãos do judiciário, mas sim da impossibilidade de delegar a jurisdição a órgão alheio ao Pode Judiciário. [25]

Como dito antes, a legitimidade da ação penal é originária do Estado-Administração, na figura do Ministério Público, por força da Constituição de 88, conforme mandamento do artigo 129, I. Contudo, a mesma Constituição traz a possibilidade do particular ingressar com a ação penal subsidiária da pública (art. 5º LIX) ou a ação penal privada, prevista na lei infraconstitucional. São as hipóteses quando o crime cometido é, em tese, de menor potencial ofensivo para a sociedade. Não significa dizer que não houve conduta hábil a ser recriminada pela sociedade, mas apenas se entende que a conduta do agente, quanto ao seu grau de reprovabilidade, não merece movimentar o Estado-Administração, ficando ao particular esta discricionariedade, em provocar o Estado-Juiz ou não.

Cabe fazer um breve comentário, mesmo que a título de curiosidade, de um novo tipo de ação penal sui generis, que vem tomando espaço nos tribunais e varas criminais. É a ação pena pública subsidiária da pública, que apesar de confusa pela denominação, ocorre nas hipóteses de:

(...)havendo inércia por parte do órgão ministerial inicialmente incumbido de promover a ação penal, outro órgão oficial seria então incumbido dessa missão. A diferença está então em que a ação não passa à iniciativa privada, do ofendido, por exemplo, mas caberá a outro órgão ministerial oficial.[26]

 

O que nos importa saber é que, quando o órgão Ministral competente não impetra a denuncia crime, outro órgão ministerial deverá impetrar a inicial criminal, por este motivo, chama-se de ação pública subsidiária da pública, pois não há particular envolvido no processo.

Por outro lado, quando falamos em competência, teremos a esta delimitação do poder de julgar do Estado-Juiz, seja pelo tipo de crime, pelo espaço territorial onde ele foi cometido, pelas partes envolvidas no processo, ou por qualquer das razões elencadas no artigo 69 do CPP, como veremos.

 

1.3.   Competência

Já quando falamos em competência, o instituto jurídico da competência surge desta demarcação da jurisdição Estatal, como sendo a parte da jurisdição a que cabe cada órgão, mais especificamente, como sendo o âmbito no qual o Magistrado irá exercer a jurisdição.

Podemos afirmar que competência é a medida da jurisdição, é o espaço onde o poder jurisdicional pode ser exercido, mais precisamente como “porção do Poder Jurisdicional que cada órgão pode exercer”. [27]

RANGEL conceitua competência como “a delimitação, previamente estabelecida em lei, desse poder de julgar”, e continuando neste raciocínio, afirma ser “o espaço, legislativamente delimitado, dentro do qual o órgão estatal, investido do poder de julgar, exerce sua jurisdição.” [28]

Apesar do foco do presente trabalho se voltar para a competência processual territorial, faz-se primordial uma breve análise nos conceitos jurídicos que envolvem a competência e suas demarcações. Iniciemos com uma breve explanação conceitual geral sobre competência.

Como já expressamos, e encontramos fartamente em diversos compêndios, competência é a medida da jurisdição, espaço dentro do qual o poder jurisdicional pode ser exercido. Para melhor compreensão dessa assertiva e da competência no processo penal, é fundamental uma breve dissertação sobre os princípios do juiz natural e do juiz imparcial.

Para MORETTO, o Principio do Juiz Natural estabelece que deva haver regras objetivas de competência jurisdicional garantindo a independência e a imparcialidade do órgão julgador.  Este Princípio esta intimamente ligado à vedação constitucional dos Tribunais de exceção, visto que nestes não há prévia competência constitucional.[29]

No Brasil, com exceção da Constituição de 1937, todas as demais contemplaram o Principio do Juiz Natural. MELLO FILHO[30] afirma que o Principio do Juiz Natural se estende a outros órgãos, desde que haja expressa previsão constitucional, como, por exemplo, o Senado Federal, nos casos de impedimento de agentes do Poder Executivo.

Em enfoque objetivo podemos relacionar o Principio do Juiz Natural com duas garantias constitucionais:

a)   A prévia existência do órgão ao fato, o eu veda o Tribunal de exceção - Artigo 5°, XXXVII da Constituição Federal;

b)   O respeito às regras objetivas de determinação de competência – Artigo 5º, LIII da Constituição Federal.

Quanto ao enfoque subjetivo pode se afirmar que consiste no Principio da Imparcialidade do Juiz. Segundo DONIZETTI,

(...)todos os agentes que integram o órgão jurisdicional e exercem múnus público (juiz, promotor de justiça, escrivão, defensor público e perito, dentre outros) deverão agir com vistas à justa composição do litígio e não voltados a interesses ou vantagens particulares. A exceção fica por conta dos advogados, sujeitos parciais por excelência. [31]

 

Em se tratando de processo penal podemos classificar inicialmente a competência em dois grupos: competência absoluta ou competência relativa.

A competência absoluta é aquela que não permite prorrogação, por envolver interesse público, podendo ser arguida a qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdição, inclusive de oficio, sob pena de nulidade absoluta de todos os atos praticados no feito, tanto sejam esses atos decisórios quanto instrutórios. Três são as hipóteses de competência absoluta a saber:

                                           I -            Competência em razão da matéria (ratione materiae): é aquela que leva em conta a natureza da infração a ser julgada;

                                        II -            Competência por prerrogativa de função (ratione personae):é aquela que leva em conta o cargo público ocupado por determinada pessoa que cometeu a infração penal, o que implica em um foro por prerrogativa de função;

                                       III -          Competência funcional:é aquela que leva em conta a distribuição dos atos processuais praticados. Esta envolve três critérios:

a.       Fase do processo: quando dois juízes atuam em fases distintas do feito. Serve de exemplo em se tratando da esfera penal, o Juiz que instrui e sentencia a causa criminal e o juiz responsável pela fase de execução penal, conforme preceitua o Artigo 65, da lei de Execução Penal;

b.      Objeto do Juízo:quando há distribuição de tarefas dento de um mesmo processo. Podemos exemplificar com o que ocorre no Tribunal do Júri, onde o Juiz Presidente é responsável pela resolução das questões de direito, pela prolação da sentença e pela dosimetria da pena, enquanto aos jurados compete a votação dos quesitos;

c.       Grau de jurisdição:é o duplo grau de jurisdição, com o oferecimento de recursos . Aqui também se abriga a competência originária dos Tribunais, em casos de foro por prerrogativa de função.  Esse critério é também denominado de competência funcional vertical.

A competência relativa permite prorrogação, desde que não tenha sido arguida a tempo a incompetência do foro. O fundamento da competência relativa seria o fato de que esta geraria no máximo, uma nulidade relativa, se o prejuízo restasse comprovado, já que ela interessa sobretudo às partes.[32] A consequência ao descumprimento das normas de competência relativa, segundo posicionamento doutrinário prevalente e ainda sumula advinda do STJ, – que se abordará mais adianta – leva apenas à nulidade relativa dos atos decisórios, não são anulados os atos instrutórios, conforme determina o Artigo 567 do CPP: “A incompetência do juízo anula somente os atos decisórios, devendo o processo, quando for declarada a nulidade, ser remetido ao Juiz competente.”

No processo penal a hipótese de competência relativa é a competência territorial (ratione loci). Ressalte-se, porém que, no processo penal, a competência territorial pode ser reconhecida de ofício pelo juiz, motivo pelo qual a Súmula 33 do STJ, que determina que “a incompetência relativa não pode ser declarada de ofício”, segundo MORETTO só tem aplicabilidade no processo civil.[33]

Mas é certo, que o entendimento doutrinário e jurisprudencial é no sentido de que “o magistrado só poderá declarar-se de ofício incompetente até o momento processual que as partes dispunham para suscitar a mesma, qual seja, o prazo de apresentação da defesa preliminar, que é de dez dias (art.396, CPP)”.[34]

Temos que atentar que também há modificações nas atribuições jurisprudenciais nos casos de delegação e de prorrogação de competência. Subdivide-se a delegação em interna ou externa,e a prorrogação em necessária ou voluntária, vejamos a seguir.

A delegação na verdade nada mais é que uma transferência de competência de um juízo para outro em situações em que os atos jurisdicionais não possam ou prescindam de realizar-se no foro em que se instaurou a instância. De forma simples, essa delegação se dá por diversos motivos em que faz-se necessário que os tribunais e os juízes auxiliem-se uns aos outros, podendo se transferir a atribuição jurisdicional de um para outro juízo.

Quando é interna a delegação não se altera o juízo, porquanto acontece dentro do mesmo juízo, exemplo esta no caso dos juízes auxiliares e juízes substitutos, havendo uma transferência de competência para a prática de alguns atos processuais que podem ser até mesmo atos decisórios.

Em se tratando de delegação externa os atos processuais são realizados em juízos distintos como é o caso das cartas de ordem dos tribunais para os juízes e as cartas precatórias de juízes para juízes.

A quase totalidade das normas referente à competência estabelece a inderrogabilidade como uma das características preponderante, mencionando-a quase sempre como sendo absoluta. Mas, em certas vezes

(...)a lei determina ou possibilita às partes que se submetem a juiz que, originariamente, seria incompetente, no que se chama de competência relativa”. A essa possibilidade de substituição de competência de um juízo por outro se dá o nome de prorrogação.[35]

 

Ocorre que, em certos casos, o interesse público determina a distribuição da competência. Em regra, a competência se dá muito mais pela imposição de ordem pública, que pelo interesse das partes. Ipso fato, há notória preponderância da competência absoluta.

A prorrogação de competência é dita necessária quando legalmente obrigatória, ou seja, há expressa determinação por força de lei.

A prorrogação voluntária embora remeta a ideia de uma prorrogação de competência por vontade das partes é também uma hipótese regulada por lei, a qual foi exclusivamente conferida ao poder de legislar sobre o exercício da jurisdição, devendo sempre a prorrogabilidade da competência estar prevista em lei.

A competência penal é disciplinada na Constituição Federal, nas Constituições Estaduais, em leis complementares, em leis ordinárias federais (destaca-se, o Código de Processo Penal) e em leis ordinárias estaduais (principalmente nos Códigos de Organização Judiciária), estando delimitada desta forma em diversos planos do ordenamento jurídico, sendo que as normas constitucionais se sobrepõem às dos demais entes legislativos.[36]

A Constituição estabeleceu a competência das Justiças Especiais, que são a Justiça do Trabalho (competência exclusiva para julgamento de HC), a Justiça Eleitoral e a Justiça Militar. A Justiça Eleitoral é competente para julgar crimes eleitorais e os a eles conexos, assim como, os remédios constitucionais referentes a estes crimes (mandado de segurança, mandado de injunção, habeas corpus e habeas data). À Justiça Militar compete o julgamento dos crimes militares definidos no Código Penal Militar, envolvendo o indivíduo militar ou civil, exceto no caso de Justiça Militar Estadual.

Quanto aos crimes comuns, a Constituição destinou para a Justiça Federal a competência exclusiva de processar e julgar determinadas matérias. Em seu Artigo 109, a Carta Magna estabelece quais as matérias que serão processadas e julgadas exclusivamente pelos juízes federais, é o que se denomina de competência expressa.

Em relação aos demais crimes comuns que não estão elencados no artigo 109 da Constituição Federal são por exclusão de competência da Justiça Estadual. Estabelece a Carta Magna em seu Artigo 125 essa competência da seguinte forma : “Os Estados organizarão sua justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição.”

Deste modo, após estabelecer a competência determinada aos Tribunais Superiores, Federais e Especiais, o texto constitucional contemplou a Justiça Estadual, dita competência residual, a qual se pode concluir ser regra de aplicação subsidiária, condicionada ao afastamento prévio e anterior da competência expressa. [37]

Em âmbito infraconstitucional, por sua vez, a legislação vigente determina os critérios de fixação da competência, elencados no Artigo 69 do Código de Processo Penal:

Art.69. Determinará a competência jurisdicional:

I - o lugar da infração;

II - o domicilio ou residência do réu;

III - a natureza da infração;

IV - a distribuição;

V - a conexão ou continência;

VI - a prevenção;

VII- a prerrogativa de função.

 

As regras infraconstitucionais de competência penal primam pela eficiência da instrução criminal, podendo-se afirmar então que:

busca-se a proteção da qualidade da atuação jurisdicional, pela via concreta, isto é, por meio do processo,cercado então, de regras procedimentais que permitirão o provimento judicial final mais adequado aos interesses de todos os envolvidos na questão penal.[38]

 

O legislador ordinário pátrio, ao legislar no Artigo 69, preocupou-se com a qualidade da instrução probatória necessária para a reconstrução dos fatos, privilegiando assim a competência ratione loci, pois a primeira regra de fixação de competência prevista no Código Processual Penal, como se pode observar da leitura do dispositivo em análise, é o lugar da infração.

Nesta senda pode se dizer que o lugar do crime é, sem dúvida, o ideal para a apuração dos fatos, pois tanto se terá maior facilidade para a colheita das provas que envolvem o delito e suas circunstâncias, quanto pelo caráter também preventivo da pena, isto é, a punição do criminoso servindo de exemplo para todos aqueles cientes e espectadores do crime.[39]

Sendo impossível a determinação do lugar da consumação da infração penal, é aplicado o critério subsidiário do domicílio ou residência do réu. Nessa hipótese de desconhecimento do locus delicti, raríssima no mundo fático, o legislador adotou um foro supletivo, o forum domicili.

Entretanto, há que ressalvar que o Código de Processo Penal, em seu Artigo 73, admite a hipótese de instauração da ação penal no foro da residência ou domicilio do réu, quando esta é, exclusivamente, de iniciativa privada. O dispositivo em realidade cria para o querelante uma faculdade quanto à escolha do foro para a propositura da ação. Gize-se a inaplicabilidade desse dispositivo nos casos de ação penal privada subsidiária da pública.

Esses dois critérios expressos nos incisos I e II do Artigo 69 são espécies de competência territorial, que conforme já amplamente exposto, é do tipo competência relativa, o que importa dizer que a inobservância de qualquer delas não gera nulidade processual. Neste sentido há decisões que afirmam que a competência em razão do lugar tem importância secundária.

Chama-se relativa à hipótese de fixação de competência que admite prorrogabilidade, ou seja, não invocada a tempo a incompetência do foro, reputa-se competente o juízo que conduz o feito, não se admitindo qualquer alegação posterior de nulidade. É o caso da competência territorial, tanto pelo lugar da infração quanto pelo domicílio ou residência do réu. [40]

 

No inciso III do dispositivo ora estudado, encontramos a competência determinada em razão da natureza da infração, ou “ratione materiae, que não é um critério de fixação de foro, mas sim, o de encontrar o juízo, mas claramente o órgão a que compete o processo e julgamento do delito”.

Esse critério de competência em razão da matéria é regulamentado pelas leis de organização judiciária, excetuando-se a competência privativa do Tribunal do Júri que, por determinação constitucional, possui a competência de processar e julgar os crimes dolosos contra a vida.  Essa competência estabelecida exclusivamente ao Júri, além de ser ressalvada no artigo 74 do Código de Processo Penal esta estabelecida no artigo 5º, inciso XXXVIII, alínea d, da Constituição Federal.

O dispositivo citado também prevê o critério da distribuição, como uma das soluções mais razoáveis para eleger qual o Juiz competente em caso de haver mais de um juiz no foro competente para o processo e julgamento do crime.

No inciso V esta contemplado a conexão e a continência que não são critérios determinadores de competência e sim, modificadores de competência. Da mesma forma como o desaforamento é um critério modificador de competência penal, o que ocorre por diversos motivos. Por questões de economia processual, maior segurança jurídica e coerência entre decisões, é conveniente que haja, sempre que isso for possível, um só processo para julgamento de crimes conexos, o mesmo ocorrendo na hipótese de continência.

Entenda-se por conexão quando:

(...)entre duas ou mais infrações penais estiverem entrelaçadas por um vínculo, um nexo, um liame que aconselha a junção dos processos, propiciando, assim, ao julgador perfeita visão do quadro probatório e, de consequência, melhor conhecimento dos fatos, de todos os fatos, de molde a poder entregar a prestação jurisdicional com firmeza e justiça. [41]

 

Quando se fala em continência esta se aduzindo como o próprio nome diz que uma causa esta contida na outra, não sendo possível a cisão.  E segundo na lição de TOURINHO FILHO “como a continência se verifica na hipótese de concurso de agentes (coautoria e participação) - e aí a causa petendi é a mesma ou a conduta é uma só (é a hipótese de concurso formal), podemos afirmar que a continência está em função da identidade da causa petendi ou da unidade da conduta.

Por tais razões não se concebe pluralidade de processos, quando a causa de pedir é a mesma. Tampouco, quando houver unidade de conduta, inobstante daí decorram duas ou mais infrações.[42]

E, por fim vamos nos debruçar sobre o critério legal da competência penal por prevenção, que esta contemplado no inciso VI do artigo 69, CPP.  Esse critério é fixado quando um juiz se antecipa frente aos demais juízes igualmente competentes, por praticar algum ato ou ordenar alguma medida referente a um determinado processo, podendo ocorrer até mesmo antes do oferecimento da queixa ou da denúncia, conforme prescrito no artigo 83 do Código de Processo Penal:

Art.83. Verificar-se-á a competência por prevenção toda vez que, concorrendo dois ou mais juízes igualmente competentes ou com jurisdição cumulativa, um deles tiver antecedido aos outros na prática de algum ato do processo ou de medida a este relativa, ainda que anterior ao oferecimento da denúncia ou queixa.

 

A expressão prevenção em conceito gramatical significa algo que avisa, que vem antes, que previne. Em âmbito jurídico penal firma a competência daquele que por primeiro toma conhecimento da causa, nas ocasiões em que existam diversos juízes igualmente competentes. Por esse critério será competente para processar e julgar a ação aquele juiz dentre outros que por primeiro proferiu decisão ou determinou qualquer ato que diga respeito ao processo instaurado ou em vias de ser instaurado.

No que diz respeito ao artigo que estabelece o critério da competência por prevenção salientamos que a norma desse Artigo 83 do CPP, embora faça referência expressa a algumas situações especificas de prevenção, não contém, a rigor, um rol exaustivo das possibilidades legais de utilização do critério.

Desta forma, há previsão, no Código de Processo Penal de algumas hipóteses específicas de competência por prevenção, quais sejam: quando não se sabe qual o limite territorial entre duas ou mais jurisdições; quando não se sabe a jurisdição exata por ter a infração sido consumada ou tentada nas divisas de jurisdições (artigo 70, § 3º); quando o réu não possuir residência certa ou possuir mais de uma, ou no caso de ignorado o seu paradeiro (artigo 72§1º e 2º); ou ainda quando não for possível firmar a competência por conexão ou continência no concurso de jurisdição da mesma categoria (artigo 78,II,c).

Ao encerrar o capítulo da competência com o artigo 91, o Código de Processo Penal elege a prevenção como um critério subsidiário ao expressar que: “quando incerta e não se determinar de acordo com as normas estabelecidas nos artigos 89 e 90, a competência se firmará pela prevenção”. 

A subsidiariedade contida na previsão legal do critério de prevenção, estabelecida pelo artigo acima citado, é sentida quando esgotadas as possibilidades de utilização dos outros critérios legais de competência, é o entendimento doutrinário, conforme OLIVEIRA: “De modo geral, a prevenção constitui critério subsidiário de determinação de competência, no sentido de ser aplicado apenas diante da insuficiência dos demais.” [43]

Ainda podemos citar nesse mesmo sentido NUCCI:

Não sendo possível utilizar os vários outros critérios para estabelecer a competência do juiz, porque há mais de um que, pela situação gerada, poderia conhecer do caso, deve-se aplicar o critério da prevenção (é o conhecimento, em primeiro lugar, de uma questão jurisdicional, proferindo qualquer decisão a respeito).[44]

 

Impende salientar que o critério da prevenção é um critério de competência relativa sujeita a precluir quando não alegada em momento oportuno, confirmado esse entendimento pela Súmula 706 do Supremo Tribunal Federal com o seguinte teor: “É relativa a nulidade decorrente da inobservância da competência penal por prevenção.”

Por não ter força absoluta de imposição infere-se que o fundamento do critério da prevenção como determinante da competência não é irrefutável, ou seja, não arguido tempestivamente é caso de prorrogação.

É o que se depreende do julgado abaixo transcrito que confirma a posição doutrinária :

HABEAS CORPUS. PREVENÇÃO. COMPETÊNCIA RELATIVA.PRECLUSÃO DA OPORTUNIDADE DE ARGÜIÇÃO.PRORROGAÇÃO. 1. A competência por prevenção é relativa, estando sujeita à prorrogação, caso precluída a oportunidade de arguição da incompetência. Precedentes.2. Na (sic.) hipóteses, reconhecida a incidência de preclusão, mantém-se a relatoria previamente estabelecida.3.Agravo regimental improvido. (STF, Tribunal Pleno, HC-AgR88759, Rel. Min.Ellen Gracie, D.J. 02.05.2008).

 

Com o intuito de completar o estudo sobre competência em sentido amplo ainda devemos analisar que a mesma não é designada apenas pelos critérios até aqui analisados. Também deve ser considerado que para firmar-se a competência, por qualquer um dos critérios determinantes de sua fixação, deve ocorrer a ausência de fatores impeditivos.

O ordenamento jurídico brasileiro considera o juiz competente e imparcial quando não incidem nenhuma causa de impedimento e suspeição.

O Código de Processo Penal estabelece no seu Artigo 252 as hipóteses de impedimento e no Artigo 254 as relativas à suspeição.  Tanto um quanto outro afetam a parcialidade dos órgãos responsáveis pela condução do processo. Mas pode se estabelecer entre os dois institutos uma diferenciação, mais para conceituação e estudo do que por finalidade. Assim se afirma que enquanto a suspeição decorre do vínculo do juiz com alguma das partes, o impedimento se dá em virtude do vínculo direito ou indireto do juiz com o objeto da ação penal.

Uma boa parte da doutrina diz que essa distinção é irrelevante, pois em ambos os institutos o fim é o mesmo, ou seja a tutela de um único e mesmo valor positivado no ordenamento processual : a imparcialidade da jurisdição.[45]

Assim fala OLIVEIRA:

Tanto as causas que determinam a suspeição quanto aquelas que estabelecem casos de impedimento do juiz dizem respeito a fatos e circunstâncias, subjetivos ou objetivos, que de alguma maneira, podem afetar a imparcialidade do julgador na apreciação do caso concreto. (...) o que realmente importa é que, em todas elas, seja causa de suspeição, seja de impedimento, o que estará em jogo é a imparcialidade do juiz, colocando em risco o devido processo legal, razão pela qual se permite às partes, desde logo, o afastamento do magistrado.

 

A ocorrência de impedimento determina o afastamento completo do juiz da atividade jurisdicional.  A suspeição precisa ser suscitada, se não pelo juiz, pelas partes processuais. Em não sendo arguida tempestivamente, preclui. Ao contrario sensu, o impedimento é imperativo, a norma que o prevê é cogente.  A suspeição é do interesse das partes, enquanto que o impedimento é de interesse público, pois o provimento jurisdicional por um órgão imparcial é dever do Estado.

Quanto ao lócus comissi delict, o Código de Processo Penal em seu Artigo 70º, caput estabelece a regra geral de fixação do lugar do crime, enquanto o Código Penal em seu Artigo 6º, estabelece a regra geral para fixação do lugar do crime em âmbito de direito material.

Em primeira leitura pode se entender que há disparidade entre os dois dispositivos e, por via de consequência, entre os dois diplomas legais.

Eis os dispositivos e seus comandos :

Artigo 70. A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que foi praticado o último ato de execução.Código de Processo Penal

Artigo 6º. Considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão,no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado. Código Penal

 

Não há conflito entre o que esta estabelecido no Código de Processo Penal, em seu Artigo 70, onde esta fixada a competência pela Teoria do Resultado, ou seja, o local onde o delito se consumou é o foro competente para processar e julgar a demanda, e o que esta expresso no Artigo 6º do Código Penal, que adota a Teoria da Ubiquidade, (ou Mista ou Eclética) que afirma que o lugar do crime é aquele em que se realizou qualquer dos momentos do inter criminis .

Em verdade ambos os diplomas legais infraconstitucionais determinam a regra geral para fixar a competência territorial, ocorre que em situações diversas, ou melhor definindo em espaço jurisdiconal diverso.

O Código de Processo Penal em seu Artigo 70, caput estabelece a regra geral para as situações de conflito de competência para os chamados crimes plurilocais, ou seja, aqueles que se desenvolvem exclusivamente no território nacional, porém considera-se local do crime mais de um território. São aqueles nos quais a ação ou omissão se dá em um lugar e o resultado em outro, desde que ambos os locais se encontrem dentro do mesmo território nacional. 

Cumpre observar que a competência pela Teoria do Resultado, só tem pertinência aos crimes materiais, ou seja, aqueles que possuem resultado naturalístico. Nos crimes formais e nos crimes de mera conduta, a apreciação será determinada pelo local da ação ou omissão, ou seja utiliza-se nesses casos a Teoria da Atividade.

O Código Penal em seu Artigo 6º estabelece a regra geral para solucionar as questões conflitantes de competência em se tratando dos denominados crimes á distância. Nessa hipótese a ação ou omissão ocorre em um país e o resultado em outro.

DAMÁSIO, assim se leciona sobre o assunto:

Nos denominados crimes à distância é que apresenta relevância jurídica a adoção da Teoria da Ubiquidade. Os crimes podem ser de espaço mínimo ou de espaço máximo, segundo se realizem ou não, no mesmo lugar, os atos executórios e o resultado. Na hipótese negativa, fala-se em crimes à distância. (...) Sendo o crime um todo indivisível, basta que uma de suas características se tenha realizado em território nacional para a solução do problema dos crimes à distância. [46]

 

Ainda em se tratando de fixar a competência pelo critério do lugar do crime devemos considerar as teorias predominantes que são adotadas pelas diversas legislações mundiais. Esse conhecimento se faz imprescindível em se tratando especialmente de crime à distância.

Não podemos olvidar que o critério para definir onde o crime ocorreu é fixado pela lei.  Nessa monografia já discorremos sobre esses critérios que são legalmente fixados, tanto de forma ampla, quanto de forma especifica, pelo nosso ordenamento jurídico.

Em se tratando de regra geral nas diferentes legislações que adotam o mesmo sistema de leis que o Brasil, um país pode adotar uma das seguintes opções quanto às teorias sobre o lugar do crime:

a) Teoria da atividade: adota como critério que o lugar do crime é o local onde ocorreu a conduta delituosa, ou seja, onde o sujeito praticou a ação ou a omissão.

b) Teoria do resultado (evento): considera que o lugar do crime é o local onde o delito se consumou (crimes consumados) ou onde foi praticado o último ato de execução (no caso de crimes tentados). Obs.: os autores de Direito Penal, por conta da redação do CP, afirmam que, pela teoria do resultado, lugar do crime é o local em que se produziu ou deveria produzir-se o resultado.

c) Teoria da ubiquidade (mista): entende que lugar do crime é tanto o local onde ocorreu a ação ou omissão como também onde se deu o resultado. Em suma, este critério abrange as duas teorias.

Qual foi a teoria adotada pelo Brasil?   Para essa resposta elaboramos um quadro comparativo, entre o Código Penal e o Código de Processo Penal, que nos ajudará a melhor entender e fixar a matéria :

 

Código Penal (reformado em 1984)

Código de Processo Penal (1941)

Teoria da UBIQUIDADE

Art. 6º Considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado. (Redação dada pela Lei 7.209/84)

Teoria do RESULTADO

Art. 70. A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução.

 

Conforme já externamos em tópico anterior, há compatibilidade dos dois dispositivos . Não há que se dizer que o artigo 6º do CP, redação de 1984, teria revogado o Artigo 70 do CPP. Não. Os dois dispositivos convivem harmoniosamente.

O que impende esclarecer e, resumidamente estamos expondo a seguir, é a utilização de um e outro dispositivo, conforme se apresente a questão conflitante.

I – Quando é utilizado o artigo 6º do Código Penal: É uma regra destinada a resolver a competência no caso de crimes envolvendo o território de dois ou mais países. Trata-se, portanto, de uma norma de aplicação da lei penal no espaço.

Assim, a regra do Código Penal foi prevista pelo legislador para definir se o Brasil é competente nos casos de crimes envolvendo territórios de outros países, ou seja, situações de conflito internacional de jurisdição. Diz-se que o art. 6º do CP resolve a competência nas hipóteses de crime à distância.

Crime à distância (ou de espaço máximo): é o delito que envolve o território de dois países. A execução do crime inicia-se em um país e a sua consumação ocorre em outro. Ex: tráfico de drogas provenientes de Letícia (Colômbia) com destino a Tabatinga (Brasil).

II – Quando é utilizado o artigo 70, caput do Código de Processo Penal: O art. 70 do CPP é uma regra destinada a resolver crimes envolvendo o território de duas ou mais comarcas (ou duas ou mais seções judiciárias). Trata-se de uma regra de competência interna (não há discussão envolvendo a jurisdição de outros países).

Assim, a regra do CPP foi prevista pelo legislador para definir qual comarca (se for da Justiça Estadual) ou seção/subseção judiciária (se for da Justiça Federal) será competente em crimes cuja execução iniciou-se em uma cidade e a consumação ocorreu em outra, ambas dentro do Brasil. Resolve conflitos de competência territorial.

Diz-se que o art. 70 do CPP resolve conflitos de competência territorial na hipótese de crimes plurilocais, que são aqueles que envolvem duas ou mais comarcas/seções judiciárias dentro do país.

Vamos então comparar novamente as duas previsões:

ART. 6º DO CP

ART. 70, CAPUT, DO CPP

Adotou a teoria da ubiquidade (mista).

Adotou a teoria do resultado.

Lugar do crime é o local em que:

• ocorreu a ação ou omissão (no todo ou em parte);

• bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado.

Lugar do crime é o local em que se consumou a infração, ou, no caso de tentativa, o lugar em que for praticado o último ato de execução.

Regra destinada a resolver a competência no caso de crimes envolvendo o território de dois ou mais países (conflito internacional de jurisdição).

Regra destinada a resolver crimes envolvendo o território de duas ou mais comarcas (ou seções judiciárias) apenas dentro do Brasil (conflito interno de competência territorial).

Define o se o Brasil será competente para julgar o fato no caso de crimes à distância.

Define qual o juízo competente no caso de crimes plurilocais.

 

Assim, faz-se mister analisarmos pautadamente a competência territorial no CPP, senão vejamos:

                                                           Regra: a competência territorial será do juízo do lugar em que ocorreu o RESULTADO.

                                                           Crime consumado: o juízo competente será o do lugar onde o crime se consumou.

                                                           Crime tentado: a competência será do lugar onde foi praticado o último ato de execução.

A doutrina não acata com satisfação a escolha da Teoria do Resultado pelo legislador brasileiro, adotada pelo Código de Processo Penal. A expressão da maioria doutrinária é no sentido do que abaixo se transcreve:

(...) o local no qual se consuma o crime nem sempre é favorável à produção da prova, se outro tiver sido o lugar da ação ou dos atos de execução. A testemunha ocular da prática de um crime, de modo geral, reside ou tem domicílio naquele local. Assim, se a vítima for deslocada para outra cidade, a fim de receber cuidados médicos, não resta dúvida de que a instrução criminal, e, por isso, a ação penal, deveriam ter curso no local onde se praticou a ação e não onde ocorreu o resultado.[47]

Em resposta as essas críticas levantadas pela doutrina, à jurisprudência criou uma verdadeira exceção ao art. 70 do CPP, ao determinar em julgamentos que em crimes contra a vida, a competência será determinada pela teoria da ATIVIDADE. Assim, no caso de crimes contra a vida (dolosos ou culposos), se os atos de execução ocorreram em um lugar e a consumação se deu em outro, a competência para julgar o fato será do local onde foi praticada a conduta (local da execução).

Esse é o entendimento dos Tribunais Superiores;

(...)Nos termos do art. 70 do CPP, a competência para o processamento e julgamento da causa, será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumou a infração. 2. Todavia, a jurisprudência tem admitido exceções a essa regra, nas hipóteses em que o resultado morte ocorrer em lugar diverso daquele onde se iniciaram os atos executórios, determinando-se que a competência poderá ser do local onde os atos foram inicialmente praticados. 3. Tendo em vista a necessidade de se facilitar a apuração dos fatos e a produção de provas, bem como garantir que o processo possa atingir à sua finalidade primordial, qual seja, a busca da verdade real, a competência pode ser fixada no local de início dos atos executórios.(...) (HC 95.853/RJ, Rel. Min. Og Fernandes, Sexta Turma, STJ, julgado em 11/09/2012).

 

NUCCI, em atenção ao tema discorre sobre as razões da jurisprudência ter adotado esse entendimento:

(...)é justamente no local da ação que se encontram as melhores provas (testemunhas, perícia etc.), pouco interessando onde se dá a morte da vítima. Para efeito de condução de uma mais apurada fase probatória, não teria cabimento desprezar-se o foro do lugar onde a ação desenvolveu-se somente para acolher a teoria do resultado. Exemplo de ilogicidade seria o autor ter dado vários tiros ou produzido toda a série de atos executórios para ceifar a vida de alguém em determinada cidade, mas, unicamente pelo fato da vítima ter-se tratado em hospital de Comarca diversa, onde faleceu, deslocar-se o foro competente para esta última. As provas teriam que ser coletadas por precatória, o que empobreceria a formação do convencimento do juiz.[48]

A lei penal, como o resto dos demais ordenamentos, vigora dentro dos limites em que o Estado exerce a sua soberania. É o que se denomina Principio da Territorialidade, quando trata da lei penal no espaço.

O Brasil adotou os cincos princípios que norteiam a matéria: da territorialidade; da nacionalidade; da defesa; da justiça universal; e da representação.

Esses princípios estão contemplados pelo ordenamento jurídico penal pátrio, expressos nos seguintes artigos do Código Penal, respectivamente:Artigo 5º - regra geral; Artigo 7º, I, e § 3º; Artigo 7°, II, a; Artigo 7º, II, b; Artigo 7º, III, c.

A regra geral para a solução dos conflitos de lei no espaço esta esculpida no Artigo 5º do CP, que adotou o Principio da Territorialidade ao afirmar que: “Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional.”

Dando seguimento ao objeto dessa monografia passaremos ao próximo capitulo, onde almejamos analisar a competência territorial dos crimes cometidos em meios virtuais, sejam eles próprios ou impróprios, cientes de que as dificuldades são inúmeras, pois via de regra, o inter criminis dos crimes informáticos ocorrem em lugares diferentes, ou mesmo em lugar incerto.


 

2.      COMPETÊNCIA PROCESSUAL DOS CRIMES VIRTUAIS

Como já vimos anteriormente, há diferenças legislativas e conceituais entre competência processual dos crimes, e competência material. Esta primeira esta prevista no artigo 69 do CPP, o qual já foi tratado exaustivamente, enquanto a segunda está fixada no artigo 6º do CP, o qual traz a teoria da ubiquidade, que nos remete ao local de cometimento do crime, ou em qualquer dos lugares onde ocorreu o inter criminis.

Contudo, a dificuldade em definir a localidade do inter criminis dos cibercrimes, torna quase que impossível fixar a competência por este critério.[49] Sendo assim, iremos abordar breves comentários, sem que com isto se almeje esgotar o tema em escopo, sobre a territorialidade dos crimes virtuais, e como tem sido fixada a competência para o seu julgamento, qual a opinião doutrinária, e qual o sentido em que tem se firmado a jurisprudência quanto a este tema.

Apesar de latente, pouco se encontra na jurisprudência dos tribunais superiores sobre a territorialidade dos crimes virtuais, o que dificulta o desenvolvimento do presente trabalho pois, se pende de posicionamento dos Eméritos Tribunais, como chegaremos a uma conclusão plausível sobre o tema? A questão é – apesar de complexa – de simples resolução, pois buscaremos expor exatamente a necessidade de posicionamento dos poderes – seja do Legislativo, ou do Judiciário, cada um em sua função Constitucionalmente prevista, como explanado – a fim de elucidar qual caminho deve seguir o operador do direito penal, quando da fiação da competência para julgamento.

Um dos motivos para preocupação com este assunto é a incompetência do juízo, se enquadra como nulidade absoluta, estando enquadrada no rol do artigo 564 do CP. São as nulidades ali constantes nos incisos I, II e III, alíneas a à c, e (primeira parte), e de f à p.[50]

NASSIF, fala que as nulidades absolutas “não são covalidáveis, e as partes dela não detêm disponibilidade, haja vista o interesse público em sua decretação”. O mesmo autor ainda relata a desnecessidade de comprovação do prejuízo, pois este presume-se. Pode concluir-se que presume-se tal prejuízo que por haver ofensa imediata ao direito das partes.

No que nos concerne a este trabalho, ofende-se diretamente o princípio do juiz natural, uma vez que para o julgamento do crime, obediência a este princípio está prevista expressamente no já citado artigo 564, no seu inciso I, quando fala: “A nulidade ocorrerá nos seguintes casos:I – por incompetência, suspeição ou suborno do juiz;” (grifou-se)

Contudo, como se verá a seguir, a competência territorial é nulidade relativa, segundo sumula do STF, podendo ser convalidada. Mas então qual seria a preocupação com este tema? A economia processual que se busca principalmente no processo penal, o qual sabe-se ser uma ferramenta extremamente lenta, por conta da matéria que se cuida no decorrer do processo, a liberdade do réu.

Neste caso, está mais do que comprovada a necessidade de explanação sobre o tema, pois não se pode deixar perpetuar um ato plenamente nulo, que poderia trazer prejuízo tanto para a defesa, quanto para Estado, e tampouco pode-se deixar tumultuar o processo sem necessidade, pois eventual incompetência deverá ser arguida em procedimento apenso ou apartado – dependendo o momento processual.

Por uma infelicidade doutrinária, não há na literatura jurídica, grandes obras que tratem do assunto, por ser um tema extremamente novo no universo jurídico. Isto dificulta a abordagem do tema, pois não se tem uma base conceitual inicial, tendo a necessidade de se construir tal embasamento.

Assim, faz-se mister analisar, neste momento, dois pontos principais na discussão do tema, para que com isto se chegue a uma conclusão. Passemos a análise da legislação nacional aplicável, qual o posicionamento dos tribunais e qual tem sido o direcionamento da jurisprudência sobre o tema, transpassando por estes dois temas os prejuízos processuais que por ventura possam vir de um julgamento feito por um juízo incompetente para tanto.

2.1.   Legislação aplicável

Pontuaremos aqui quais as legislações nacionais aplicáveis ao delimitarmos a competência dos crimes virtuais. Lembramos que apesar de se trazer comparativo com a legislação estrangeira, não adentraremos ao tema internacional do direito penal, uma vez que não é o foco de pesquisa na presente monografia.  

Quanto à teoria utilizada pela legislação brasileira em matéria territorial penal, diz HUNGRIA que independentemente da nacionalidade do agente, será aplicada a lei do Estado em que ocorreu a ação delituosa.[51] Entende-se aqui Estado como a nação, a nacionalidade onde aconteceu a ação. Isto é uma consequência da principio da soberania do Estado, advinda do direito internacional.

Sobre a soberania do Estado, a legislação brasileira adotou o princípio da territorialidade, previsto no artigo preambular do CPP. Por este motivo, entende-se que todo o processo penal em território nacional reger-se-á pelas normas processuais nacionais. Não se entende aqui apenas os artigos integrantes do CP, mas também a legislação processual esparsa, estas sendo eficazes apenas no território nacional.[52]

Contudo não podemos esquecer que o assunto não é tão simples, e neste sentido, o conceito de território não pode ser englobado apenas na porção de terra pertencente a uma nação, mas também seu subsolo, águas interiores, mar territorial, plataforma continental e o espaço aéreo, sendo considerados território material. É o que fala MUCCIO, quando traz também o artigo 5º, §1º do CP que define como território nacional, as aeronaves e embarcações de natureza pública, privada, ou à serviço do governo.

A soberania da nação é aqui o motivo deste monopólio da lei penal dentro do território, pois assim como não se adota legislação brasileira em solo estrangeiro, também não adotamos lei estrangeira em solo nacional. Mesmo que seja um processo de origem estrangeira, quando o ato é praticado dentro do território nacional, observar-se-á a lei nacional. É o caso de uma carta rogatória, expedida ao Brasil, quando a ação se processa no exterior, mas o ato a ser praticado, ou seja, a tomada de depoimento ou oitiva de testemunha, é realizada no Brasil, e como tal deve respeitar os procedimentos nacionais, como a presença de um defensor. Lembrando que entendemos território, não apenas como a porção de solo pertencente aos limites do país, mas seu solo, subsolo, etc.

Contudo, há casos em que a lei processual de outro Estado será aplicada fora de seus domínios. Isto ocorre de forma excepcional, e como enumera MUCCIO, são três as hipóteses de ocorrência desta exceção:

“a) Em território nullius;

b) Quando o Estado onde deve ser praticado o ato processual, consentir (autorizar).

c) Em território ocupado, em caso de guerra. Por isso se diz que, salvante essas exceções, a lei processual penal é eminentemente territorial.”[53]

Para simples elucidação, considera-se território nullus, o território onde não há demarcação territorial ou como traçado acima, jurisdição. É território sem lei, como no dito popular, “terra de ninguém”.

Segundo o mesmo autor, o próprio artigo 1º já traz exceções à aplicação da lei processual no território nacional, a exemplo dos crimes praticados por embaixadores estrangeiros no território nacional. A autoridade será julgada em seu país de origem, com processo regido pelas leis de seu Estado de origem.

Além das exceções previstas no artigo 1º do CPP, também estão excluídos de incidência do CPP; os crimes eleitorais, regidos pelo Código Eleitoral, da mesma forma que seu procedimento; os crimes de entorpecentes, regulados pela lei 11.343/06; os crimes de abuso de autoridade, cujo julgamento procede-se pela lei 4.898/65; crimes contra o sistema financeiro nacional, com procedimento processual disciplinado na lei 7.492/86; os crimes com processo originário nos Tribunais, que se processam em procedimento próprio, como exemplo as leis 8.038/90 e 8.658/93; e as infrações de menor potencial ofensivo, julgadas pelos Juizados Especiais Criminais (JECRIM), disciplinados pela lei 9.099/95.[54]

MUCCIO traz a razão pela qual estas leis não constam nas exceções do artigo 1º do CPP, pois se observarmos, todos os diplomas legais são posteriores a 1941, então por este motivo não foram abrangidos pelo diploma processual pátrio.

Para fins nacionais, em se tratando da territorialidade, a legislação brasileira, como já falado anteriormente, adotou a teoria da ubiquidade, ou chamada por parte da doutrina por teoria pura da ubiquidade, que se encontra disciplinada no artigo 6º do Código Penal (CP). Inclusive nas exceções citadas ao CPP, podemos constatar que o mesmo principio é adotado, quando da leitura do artigo 63 da lei 9.099/95, in verbis: A competência do juizado será determinada pelo lugar em que foi praticada a infração penal.”

Segundo MUCCIO, “a lei ordinária fixou dois critérios para determinar a sede da lide ou foro competente para o processo: o lócus comisso delicti (local de consumação do delito) e o domicílio do réu”. Quanto ao primeiro critério, veremos que há vários óbices à exata definição do local de cometimento do crime. Pois por exemplo: João, residente em Florianópolis-SC, através de uma rede social, em uma conversa pública, desfere vários tratamentos impróprios à Ana, residente em Porto Alegre-RS. Ana estava em sua residência no momento das injúrias feitas por João, que igualmente se encontrava em sua casa. Pergunta-se: qual será o foro competente para que Ana, caso deseje, ingresse com queixa crime contra João? Segundo a regra mencionada por MUCCIO, será competente para julgamento a Vara Criminal do lócus comisso delicti, contudo, qual foi o local do crime, em Florianópolis ou Porto Alegre? O conflito, neste caso se solucionaria com a utilização do segundo critério, o domicílio do réu. Mas e nos casos em que não se sabe o domicílio do réu, o que muitas vezes é o caso?!

Nestes termos, teríamos o exemplo em que João não teria domicílio conhecido, nem mesmo através de um inquérito policial, pois este utilizou-se de um computador de terceiro, como de uma lanhouse. Neste caso, apenas teríamos como parâmetro o local de cometimento do delito, o qual segundo o artigo 6º do CP é “o lugar onde ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado”. No exemplo acima, onde sabe-se o domicílio de João, poderíamos considerar local do crime, tanto Florianópolis como Porto Alegre, e resolver-se-ia o caso pela prevenção.

O artigo 70, §3º do CPP traz a previsão de definição da competência quando incerto o limite territorial entre duas ou mais jurisdições, ou quando seja incerto o local de cometimento do crime. É o que diz o artigo, in verbis:

Quando incerto o limite territorial entre duas ou mais jurisdições, ou quando incerta a jurisdição por ter sido a infração consumada ou tentada nas divisas de duas ou mais jurisdições, a competência firmar-se-á pela prevenção.

 

No exemplo de João e Ana, tanto quando sabe-se o domicílio do réu tanto quando se desconhece, poderia a competência ser fixada pela prevenção, pois em ambos os casos, por se tratar de um crime cometido por meio virtual, torna-se incerta a localidade de cometimento do delito, e segundo entendimento doutrinário, teríamos dois lugares competentes para o julgamento, o local onde se cometeu o crime, e o local onde este surtiu seus efeitos.

Ocorrerá a fixação de competência pela prevenção, sempre que dois juízes forem competentes para julgar determinado caso”. Contudo, Aury Lopes Júnior, – citado por MORETTO – diz que seria dever do juiz prevento, declarar-se suspeito ao julgamento do processo, uma vez que tomou conhecimento antecipado da causa.[55]

A prevenção poderia ser um meio pelo qual o operador do direito definiria a competência para o julgamento do feito no caso em que fosse incerta a competência do julgamento, conforme o exemplo trazido de João e Ana. Neste caso há um conflito de competência, seja ele positivo ou negativo, dois juízes são competentes para o julgamento do feito. Em primeira análise, o juízo do domicílio do réu, que seria em Florianópolis, e em segundo plano, o local onde se consumou o delito, conforme entendimento trazido por MUCCIO. Em sendo este o cenário, seria plausível  trazer-se ao caso o artigo 83 do CPP, que diz:

Verificar-se-á a competência por prevenção toda vez que, concorrendo dois ou mais juízes igualmente competentes ou com jurisdição cumulativa, um deles tiver antecedido aos outros na prática de algum ato do processo ou de medida a este relativa, ainda que anterior ao oferecimento da denúncia ou queixa.

 

Segundo MUCCIO, a prevenção é utilizada no caso de as demais formas de fixação da competência não forem utilizáveis ao caso, citam-se os elencados no artigo 69 do CP. Para o doutrinador a competência será fixada pela prevenção[56]:

a)      Quando não se souber o limite territorial entre jurisdições, ou a infração tiver sido cometida, consumada ou tentada na divisa de uma ou mais jurisdições. Entendimento forte no artigo 70, §3º do CPP;

b)      Quando o acusado não tiver domicílio ou residência fixa, ou incerto seu paradeiro, nos termos do artigo 72, §2º CPP;

c)      No caso de não ser determinado o loci da consumação delituosa, e tiver o acusado mais de um domicílio ou residência. (art. 72,§1º, CPP);

d)     Consumando-se a infração em mais de um lugar, conforme artigo 71, CPP;

e)      Quando envolver mais de uma jurisdição, nos casos de crime continuado (art. 71, CPP);

f)       No caso previsto no artigo 78 do CPP, quando conexas as infrações perpetradas em mais de uma comarca;

g)      E finalmente nos termos do artigo 91 do CPP, quando for caso de foro especial, resguardadas a aplicação de suas regras para fixação da competência;

h)      Quando houver mais de um juiz no foro, sendo todos competentes, nos termos do artigo 75 do CPP;

Poderíamos extrair entendimento advindo do artigo 6º do CP, que define a territorialidade do crime, quando este diz que local do crime é onde se cometeu qualquer dos atos inter criminis ou onde a ação delituosa surte ou deveria surtar seus efeitos, este último em caso de crimes tentados. Por este entendimento, podemos concluir que no caso de Ana, seria competente o local onde as injúrias de João surtiram seus efeitos, ou seja, em Porto Alegre. Não poderíamos atribuir competência ao domicílio do réu, pois no caso de não saber o domicílio de João, tornando-se impossível distribuir a queixa na comarca pertinente.  

Segundo RANGEL, “a regra de competência, no processo penal, é que ela se determina pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que se praticou o último ato de execução”[57]

Vemos inclusive que a competência fixada pelo lugar da infração, deve preceder ao do domicílio do réu.[58] Mas a discussão se engloba no local exato onde fora cometido o crime. Segundo o exemplo trazido, qual seria o local do crime?! Podemos dizer que ambos, pois ao analisar os ditames do artigo 6º do CP, vemos que local do crime, é entendido tanto quanto o local de cometimento da ação, quanto o local onde ele deveria surtir seus efeitos.

Contudo, frisa-se que para fins processuais, apenas nos interessa o artigo 69, que deve ser lido em consonância com o artigo 70, ambos do CPP. Se entenderá como local do crime, onde cessou a ação delituosa, mesmo que tenha seu resultado ocorrido em local distinto. Contudo quando o crime pender de resultado para sua tipificação, neste caso se irá avaliar onde o crime foi efetivamente perfectibilizado.

A discussão doutrinária em torno do tema é no sentido de melhor andamento do processo, pois para alguns, melhor seria que o feito se procedesse no local de cometimento do delito, por entender que foram ali onde ocorreram os fatos delituosos, ali estão as provas do crime, neste local é que estão toda a matéria probatória hábil a dar pleno e ágil desenrolar ao processo, inclusive melhor seria a prova pericial, pois não se despenderia de tempo nem de procura por profissional em outra região para proceder ao exame, seja ele qual for.[59]

Mas qual a relevância disto para o presente exemplo? Todo o material probatório pertinente ao caso, poderia ser colhido tanto em Florianópolis, quanto em Porto Alegre, ou até mesmo em comarca distinta destas, pois esta no meio virtual, onde qualquer um com um ponto de conexão com a rede mundial de computadores pode ter acesso a este conteúdo. Isto quer dizer na realidade que Ana poderia fornecer os dados ao delegado de polícia, que sequer necessitaria sair de seu escritório na delegacia para proceder com as investigações.

Por óbvio que nem todos os inquéritos, permitirão ao investigador que efetue as diligências necessárias exclusivamente de seu gabinete. Nos casos em que se desconhece o autor do crime, por meio de uma investigação no aparelho da vítima – onde se materializou o crime – poderíamos chegar ao endereço IP – Internet Protocol, é o número de identificação do computador na rede mundial de computadores. Número único que identifica o dispositivo e o local de onde se utilizou aquela maquina para acessar a internet. Com esta informação em mãos, o investigador poderá pugnar por um mandado de busca e apreensão do aparelho respectivo àquele endereço IP, e em mãos do aparelho o investigador pode finalmente proceder à perícia na tentativa de identificação do acusado. Esta situação exemplifica bem a situação em que não é possível a investigação por mera diligência virtual, o que sustentaria eventuais teses de prejudicialidade ao processo quanto ao seu desenrolar na comarca do juízo prevento.

Quanto à definição de prevenção, o artigo 83 relaciona que será prevento o juiz que tomar medida a este relativa. Segundo NUCCI, definição do termo se dá como segue:

Medida a este relativa significa a possibilidade de não haver processo instaurado e, durante a fase de investigação, o magistrado ser chamado a proferir decisão de caráter jurisdicional, como a concessão de mandado de busca e apreensão(...).[60]

 

Pela definição trazida pelo doutrinador, e pelo exemplo exposto acima, vemos que o juiz que determinasse a busca e apreensão do dispositivo informático de onde originaram-se as injurias proferidas por João seria prevento na causa, e por este motivo, competente para o julgamento da lide, apesar de, s.m.j, não ser necessariamente o juiz natural da causa.

No caso desta tese, a qual MUCCIO relaciona, e que colacionamos acima, teríamos duas problemáticas: i) caso de a ofendida registrasse sua queixa junto à delegacia da comarca onde reside, o tempo que levaria para o investigador de Porto Alegre tomasse posse do ponto de acesso onde o acusado proferiu as ofensas seria prejudicial ao processo e ao seu regular andamento; ii) haverão casos em que sequer se conhecerá a comarca do acusado antes da fase pré-processual, o que só se saberá após o rastreamento do endereço IP, e identificação da localidade do ponto de acesso. Contudo, estas são problemáticas que dizem respeito à fase pré-processual, ou inquisitorial, o que para fins de análise do tema cerne deste trabalho, não será ponto de análise mais aprofundada. Por hora nos basta saber, que para determinar a localidade do acusado deveríamos seguir a investigação pelo endereço IP do dispositivo informático, e ocorrendo isto, o juiz que determinasse o prosseguimento da investigação seria prevento à causa.

Lança-se esta problemática, não apenas por ser interessante que ambas as fases sejam tratadas em um mesmo instituto legal, mas também porque eventual normatização a ser desenvolvida deverá pensar em situações onde o réu deverá ser conduzido a interrogatório, ou atos processuais dos quais este tenha direito de estar presente. Caso é que enquanto o réu responde ao processo em liberdade, é de seu dever comparecer aos atos processuais em que ele for requisitado, e de seu interesse comparecer aos demais, o problema reside em quando o réu está sob a custódia do Estado. Neste caso se expedirá uma carta precatória ao juízo da comarca onde o réu se encontra detido, e o juiz deprecado realizará ao interrogatório do réu, mas isto é uma clara violação ao princípio do juiz natural, pois o juiz que interrogará o réu não será o mesmo que manuseou as provas, que presidiu o processo desde sua distribuição, e que por fim decidirá o processo.

A solução para tal conflito tem se encontrado na jurisprudência, quando o interrogatório do réu é realizado pelo juiz deprecado, e assistido via sistema áudio visual pelo juiz que preside a causa. Quanto às decisões proferidas pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, esta prática não fere princípio Constitucional da identidade física do juiz, uma vez que o juiz teve contato com o réu durante o interrogatório, não sendo perdido o contato do juiz para com o acusado no momento em que se formulou a prova.

O referido princípio é ordenamento Constitucional,  previsto no artigo 5º, incisos XXXVII e LIII que segundo RANGEL, é o órgão jurisdicional constitucionalmente competente para processar e julgar uma causa, tratando-se assim que “verdadeiro pressuposto processual de validade do processo” [61]

O que na realidade se está evocando é o principio da identidade física do juiz, derivado exatamente deste principio Constitucional, que diz sobre a necessidade do contado do juiz que preside o processo, com o réu no momento do interrogatório. Vejamos o que diz o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul quanto este assunto:

HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS. VIOLAÇÃO AO CONTRADITÓRIO. INOCORRÊNCIA. INTERROGATÓRIO ATRAVÉS DE CARTA PRECATÓRIA. POSSIBILIDADE. 1. Não se vislumbra, na estreita via cognitiva, violação ao contraditório e à ampla defesa. A defesa técnica  identidade  juiz réu

 

Vemos que no julgado fora denegada a ordem, contudo com o argumento de ter sido a audiência de interrogatório do réu, “ réu

[62]

 

O autor afirma ainda serem inconvalidáveis, pois caracterizam-se por violar preceito constitucional, presumindo-se o prejuízo, e desta forma deve o juiz, sendo ou não provocado, reconhecê-las a qualquer tempo no processo.

Contudo, no caso trazido como exemplo, teríamos uma situação extremamente conflitante, pois caso Ana distribuísse a queixa na comarca onde ela reside, cito Porto Alegre, este não seria o foro competente para o julgamento da lide, pois este seria s.m.j. a comarca do domicílio do réu, ou o do cometimento do crime, que no primeiro caso seria Florianópolis, e no segundo teríamos uma divergência quanto ao entendimento de onde teria sido cometido o crime. Seria uma divergência a qual a doutrina e a jurisprudência até o momento não puderam sanar.

Por um lado, a ação foi cometida em Florianópolis, afinal foi neste local que João, agente ativo da ação delituosa, proferiu as ofensas contra Ana, que apesar de encontrar-se em localidade diferente sentiu-se ofendida com as injurias, e assim lá ocorreu o prejuízo ao bem jurídico tutelado, a honra de Ana. Enquadra-se no caso em tela o artigo 83 do CPP, quando define a prevenção como forma de fixação da competência “concorrendo dois ou mais juízes igualmente competentes”

Segundo NUCCI, que menciona Tourinho Filho, “os magistrados igualmente competentes são os que possuem idêntica competência, tanto em razão da matéria quanto em razão do lugar.”[63] Apesar de não estar dentro do conceito doutrinário habitual, a configuração que se mostra no caso em exemplo parece ser adequado ao enquadramento do artigo.

O posicionamento do STF sobre o assunto está sumulado na Súmula 706 do STF que se colaciona in verbis: “É relativa a nulidade decorrente da inobservância da competência penal por prevenção”.

Apesar de relativa, ainda existe nulidade, mesmo que convalidável. O ideal seria ter-se certeza maior do momento em que se deve considerar o crime para ter-se maior precisão no momento de distribuir-se a denuncia – como nos termos do artigo 154-B do CP, que determinar a ação penal mediante representação do ofendido.

Em sendo o crime previsto no 154-A do CP, de ação privada, não se mostraria problemática, pois Ana poderia escolher onde desejaria manejar a ação, seja no local onde se perfectibilizou o crime de injuria – ou seja, quando ela tomou conhecimento da ação – ou no domicilio do réu. Contudo, em caso de ação pública, em que não se soubesse onde o crime teve seu resultado, qual deveria ser a posição do Ministério Público quanto a isto? A problemática, como vemos, está na ausência de legislação ou posicionamento dos Tribunais Superiores, especificamente em matéria processual, a fim de orientar os operadores do direito, sejam os advogados criminalistas ou os julgadores, à que posição tomar frente à estas questões que estão de forma tão latente, presentes na sociedade e cada vez mais no cotidiano do jurista. Carece-nos uma legislação aplicável aos casos em que houve o chamado conflito de competência territorial, tema foco deste trabalho, que apesar de parecer, a primeira vista, algo singelo e simples de ser solucionado, se mostra conflitante até mesmo aos doutrinadores mais experientes, visto diversas nuancias no mundo fático que podem atrapalhar o operador em determinar o correto local onde deverá prosseguir o processo.

Não é recente a discussão sobre qual seria o momento de consumação do crime, quando a ação iniciou-se em um lugar, e deu seu resultado em outro. À este exemplo trazemos MUCCIO[64], que fala sobre  o crime de homicídio, quando a ação foi cometida em uma comarca, e a vítima atendida pelo serviço médico de emergência, foi dirigia à hospital fora da localidade onde se cometeu a ação. Para parte da doutrina, a comarca competente para o julgamento da causa seria onde se cometeu a ação, enquanto MUCCIO afirma que “Melhor doutrina é aquela que considera ser o evento morte elemento necessário e indispensável à configuração do delito de homicídio culposo.”

Seguindo este raciocínio, deveríamos averiguar, em cada caso, quando se deu o evento necessário à configuração do tipo. No caso de injúria, não se tem resultado necessário a configuração do tipo, pois basta que sejam proferidas as injúrias para que o crime ocorra. Igualmente não é necessário evento danoso, para configuração do crime previsto no artigo 154 do CP, bastando “invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede e computadores, mediante violação indevida de mecanismo de segurança e com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações”. Basta para o tipo, a invasão do dispositivo, por meio de quebra de segurança, para fim de adulterar ou destruir os dados ali constantes, não haveria resultado, é um crime comum, plurissubsistente, comissivo e instantâneo[65]

Neste caso, haveria uma forma segura, e certa, para se definir a competência dos crimes cibernéticos? Até o momento, a jurisprudência e a doutrina tem se debruçado neste novo tipo, e neste novo meio de ação humana, para definir seus alcances.

Há um projeto de lei, pendente ainda de votação, encaminhado pela CPI da pedofilia em 2010, que prevê a infiltração de agentes da polícia no meio cibernético para investigar casos de pedofilia. O projeto propõe a inserção de uma seção ao Capítulo III do Título VI do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), para permitir tal ato pré-processual, a fim não apenas de investigar mas também de prevenir os atos cometidos pelos molestadores. O projeto acrescerá mais cinco artigos ao estatuto, visando este fim único.

Contudo, apesar de ser um passo mais próximo de uma solução ao problema que se traz na presente monografia, o projeto terá seu foco voltado à crimes específicos, enumerados no artigo 190-C do projeto, quais sejam: “arts. 240, 241, 241-A, B, C e D do ECA, e os arts. 217-A, 218, 218-A e B, do CP”. Vemos que em nenhum momento foi mencionado o artigo do Código Penal que nos interessa, por um objetivo claro, todos os artigos dizem respeito aos crimes de pedofilia ou estupro de vulneráveis, respectivamente.[66]

A evolução do projeto de lei está em tramite, tendo recente votação pelo Senado Federal, o qual acolheu apenas uma das Emendas feitas pela Câmara dos Deputados ao projeto. Apesar de não parecer significativa, esta evolução nos deixa um passo mais próximo de uma evolução no sentido de normatizar o rito processual quanto aos crimes virtuais.

A jurisprudência tem traçado um árduo caminho em busca desta fixação, e apesar de termos posicionamentos quanto ao tema, ainda temos diversos esclarecimentos a serem feitos. Vejamos a seguir qual o posicionamento dos Tribunais Superiores sobre o tema, e o que tem sido discutido em algumas regiões jurisdicionadas do país.

2.2.   Posicionamento jurisprudencial

Segundo jurisprudência firmada pelo STF, descarta-se desde logo a fixação da justiça federal para o julgamento dos crimes virtuais. Salvo se estiver se falando de crimes previstos em tratados ou convenções internacionais, quando se falar da internacionalidade do fato, ou quando for atingido bem, interesse ou serviço da União, suas entidades, autarquias ou empresas públicas. É inclusive o que se extrai do artigo 109 da CF, que traz a competência da justiça federal. Vejamos a jurisprudência:

PENAL E PROCESSUAL. CRIME DE PRECONCEITO PRATICADO POR INTERMÉDIO DA REDE SOCIAL ORKUT. ART. 109, INC. V, DA CF. EXISTÊNCIA DE CONVENÇÃO INTERNACIONAL. TRANSNACIONACIONALIDADE DA CONDUTA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. Tendo em vista que a acusada, em tese, publicou mensagem de cunho racista em rede social de relacionamento virtual, cujo acesso é possibilitado em qualquer lugar do mundo e, considerando que o Brasil é signatário de tratado internacional que se compromete a eliminar todas as formas de discriminação racial, o caso em tela trata de hipótese de competência federal para processamento e julgamento do feito, com base no disposto no art. 109, inc. V, da CF.” O recurso busca fundamento no art. 102, III, a e c, da Constituição Federal. A parte recorrente alega violação ao art. 109, V, da Constituição. Alega “que é pacífico na Jurisprudência o entendimento que a Justiça Federal é incompetente para julgar crimes em que o Brasil assumiu o compromisso de combater, se não presente a transnacionalidade da conduta, já que inexiste ofensa a bem, interesse ou serviço da União capaz de ensejar a competência dessa Justiça para julgar o feito”. O Supremo Tribunal Federal concluiu pela presença de repercussão geral acerca “da competência para o processamento e julgamento de causa relativa à prática de crime de publicação de imagens, por meio da internet, com conteúdo pornográfico envolvendo adolescentes, previsto no artigo 241-A da Lei nº 8.069/90” (RE 628.624 RG, Relator o Ministro Marco Aurélio). Em que pese a discussão no presente caso ser diversa, a questão de direito a ser debatida revela-se a mesma, ou seja, a competência para o julgamento de crimes cometidos mediante divulgação ou publicação por meio da rede mundial de computadores. Diante do exposto, admito o recurso extraordinário e, com base no art. 328, parágrafo único, do RI/STF, determino o retorno dos autos à origem, a fim de que sejam observadas as disposições do art. 543-B do CPC.”

 

Importante frisar quanto à internacionalidade do fato, este entendido quando os efeitos deste crime ultrapassem o território nacional. [67] É o exemplo do conteúdo pornográfico com exposição de menores.

No caso supra, vimos a fixação da competência de forma a atrair a competência para a justiça federal, pois entendeu, de forma monocrática, o Min. Roberto Barros, pela internacionalidade do ato quando este for por meio da rede mundial de computadores (a internet). Mas ao analisarmos decisões pouco mais antigas, vemos que esta posição não é pacifica no Tribunal, em especial quando do julgamento da Ação Civil Originária (ACO), de relatoria do Min. Luiz Fux, que foi assim ementado:

CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÕES. DIVULGAÇÃO DE MENSAGENS INCITADORAS DA PRÁTICA DE CRIME PELA REDE MUNDIAL DE COMPUTADORES. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 109, V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INEXISTÊNCIA. SUPOSTA PRÁTICA DO CRIME PREVISTO NO § 2º DO ART. 20 DA LEI Nº 7.716/89.”

 

Em seu voto, o Min. trouxe para sua fundamentação o trecho ressaltado pelo Procurador Geral da República, na página 4 do voto, o qual transcreve-se: “percebe-se claramente a ausência de conduta voltada a produzir resultado no exterior, mas sim direcionada a discriminar pessoas provenientes ou que habitam em uma das regiões do país, limitando-se, consequentemente, ao território nacional”

Temos uma clara divergência entre as decisões, pois em uma, se entende que seria da competência da justiça federal o julgamento dos crimes cometidos por meio virtual, já na segunda, apesar será no caso de ter resultado internacional. Apesar de não relevante à discussão, pois em muitos casos, se afastaria a discussão territorial de qual comarca seria a competente, atribuindo-se a competência à justiça federal. Contudo passemos à discussão cerne da presente monografia, qual seja a competência territorial. O entendimento do STJ tem se firmado no sentido de ser competência Estadual o julgamento dos crimes, quando inexistente tratado ou convenção internacional que tipifique a conduta, senão vejamos o julgado:

PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CRIME DE INFORMÁTICA. INEXISTÊNCIA DE TRATADO ENTRE OS PAÍSES. NÃO-INCIDÊNCIA DO DISPOSTO NO ART. 109, V, DA CF/88. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. 1. Para a incidência da regra de fixação da competência do art. 109, V, da CF/88, é imperativa a análise da existência ou não de tratado ou convenção internacional entre os países envolvidos na prática criminosa. 2. A qualidade do órgão policial conducente da investigação é irrelevante para a fixação da competência do Juízo, pois a Carta da Republica prevê regras distintas na fixação das competências jurisdicional e policial. 3. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito da 1ª Vara Criminal da Comarca de Santa Cruz do Sul/RS, suscitado.(STJ - CC: 33871 RS 2001/0181246-0, Relator: Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, Data de Julgamento: 13/12/2004, S3 - TERCEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJ 01/02/2005 p. 403)

 

Neste passo cumpre salientar que vemos uma direção para onde a doutrina aponta, o que já se utiliza, como regra de residualidade da justiça comum. Em caso de não haver convenção ou tratado internacional à tipificar o fato, a mera circunstância de ter sido o crime praticado em meio eletrônico não será suficiente para atrair a causa à competência federal.

Assim, trazemos a recente decisão do STF no RE nº 628624, o qual teve repercussão geral admitida em 2011, e seu julgamento foi 28 de outubro de 2015, quando foi prolatada seguinte decisão:

“O Tribunal, por maioria, vencido o Ministro Marco Aurélio, apreciando o tema 393 da repercussão geral, fixou tese nos seguintes termos: "Compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes consistentes em disponibilizar ou adquirir material pornográfico envolvendo criança ou adolescente (arts. 241, 241-A e 241-B da Lei nº 8.069/1990) quando praticados por meio da rede mundial de computadores". Ausentes, justificadamente, o Ministro Celso de Mello e, nesta assentada, o Ministro Dias Toffoli. Presidência do Ministro Ricardo Lewandowski. Plenário, 29.10.2015.” .”(STF - RE: 628624 MG, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento: 08/10/2013, Primeira Turma, Data de Publicação: DJe-219 DIVULG 03-11-2015 PUBLIC 08-11-2013)

Aprofundemo-nos mais veementemente à discussão que nos interessa, através da jurisprudência que aqui se colaciona:

PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO. LEI Nº 7.492/86, ARTS. 4º E 22, PARÁGRAFO ÚNICO. CRIME DE OCULTAÇÃO DE CAPITAIS. LEI Nº 9.613/98, ART. 1º, VI E VII C/C ARTIGO 1º, § 1º, II C/C ARTIGO 1º, § 2º, II C/C ARTIGO 1º, § 4º. COMPETÊNCIA TERRITORIAL. LUGAR DA INFRAÇÃO. FINALIDADE: FACILITAR A ATIVIDADE PROBATÓRIA. CRIME CUJA EXECUÇÃO FOI INICIADA NO TERRITÓRIO NACIONAL. REGÊNCIA NO ART. 70, §§ 1º E 2º, DO CPP. CONEXÃO COM O DENOMINADO “CASO BANESTADO”. PREVENÇÃO DO JUÍZO ESPECIALIZADO DE CURITIBA/PR. INADMISSIBILIDADE DE REEXAME DE PROVA NA VIA ESTREITA DO HABEAS CORPUS. PRECEDENTES. COMPETÊNCIA TERRITORIAL: NATUREZA RELATIVA. EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA JULGADA. MATÉRIA PRECLUSA. CONFLITO VIRTUAL DE COMPETÊNCIA ENTRE JUÍZOS VINCULADOS A TRIBUNAIS DIVERSOS QUE SERIA DIRIMIDA PELO STJ, O MESMO QUE JÁ DEFINIU A QUESTÃO ASSENTANDO COMPETIR AO JUÍZO ESPECIALIZADO DE CURITIBA/PR PROCESSAR E JULGAR A PACIENTE. ORDEM DENEGADA. 1. A competência territorial no processo penal é definida, em princípio, pelo local da infração, consoante o art. 70, caput, do Código de Processo Penal, verbis: Art. 70. A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução.” 2. A ratio essendi do art. 70 do CPP é proporcionar maior facilidade na coleta do material probatório disponível, bem como a sua produção em juízo. Na lição da doutrina: Aqui, a maior preocupação da legislação ordinária é, pois, com a reconstrução da verdade processual, atentando-se sobremaneira à qualidade da instrução probatória e às regras atinentes e pertinentes à formação do convencimento judicial.” (Eugênio Pacelli de Oliveira, Curso de Processo Penal, 9. ed., Lumen Juris, Rio de Janeiro: 2008, p.220) 3. Com efeito, iniciada a execução do crime no território nacional, a consumação ocorrer no exterior, a competência é fixada segundo o lugar em que tiver sido praticado, no País, o último ato de execução. É o que dispõe o § 1º do art. 70 do CPP, verbis: Se, iniciada a execução no território nacional, a infração se consumar fora dele, a competência será determinada pelo lugar em que tiver sido praticado, no Brasil, o último ato de execução”. 4. E, ainda quando praticado ato de execução remanescente no exterior, a lei processual penal prevê regra semelhante para determinar a competência, estabelecendo que esta observará o lugar em que o crime tenha produzido parcialmente seus efeitos (art. 70, § 2º, CPP, verbis:“Quando o último ato de execução for praticado fora do território nacional, será competente o juiz do lugar em que o crime, embora parcialmente, tenha produzido ou devia produzir seu resultado”. 5. In casu, imputa-se à paciente uma gama de delitos que englobam evasão de divisas, gestão fraudulenta de instituição financeira e ocultação de capitais no exterior, que se iniciaram no território nacional, sendo certo que a parte nuclear dos fatos imputados na denúncia ocorreu, conforme assentado pelo Juízo de Curitiba ao julgar a exceção de incompetência, no âmbito da filial em Foz do Iguaçu/PR do grupo INVEST SUL, controlador da empresa de fachada (offshore) Couchevel Investiment Inc., cuja conta no Banestado/NY era de titularidade da paciente. 6. Consectariamente, não há ilegalidade no acórdão do STJ, ora impugnado, no sentido de que a competência é da 3ª Vara Criminal Federal de Curitiba/PR em razão da prática dos últimos atos de execução no Brasil no âmbito do território sob a jurisdição daquele Juízo. 7. Outrossim, a eventual prática de outros atos de execução fora do território paranaense não aproveitaria à paciente, porquanto conduziria à fixação da competência por prevenção, sendo certo que o primeiro juízo que tomou conhecimento dos fatos foi o da 2ª Vara Federal Criminal de Foz do Iguaçu/PR, no denominado “caso Banestado” cujas investigações originaram, mediante desmembramento, o inquérito que embasou a ação penal ajuizada contra a paciente. 8. No caso sub judice, o lugar das infrações não é desconhecido, situação que atrairia a competência em função do domicílio da paciente, por força do art. 72 do CPP, como pretendem os impetrantes. 9. A conexão probatória com o denominado “Caso Banestado” justifica a competência do Juízo especializado de Curitiba/PR. Precedentes: HC 93368, rel. min. Luiz Fux, 1ª Turma, DJ de 25/8/2011; HC 103510/PR, Relatora Ministra ELLEN GRACIE, SEGUNDA TURMA, DJe 29/10/2009. 10. In casu, por reputarem existentes elementos concretos que indicassem a conexão probatória, tanto na denúncia, quanto na decisão da exceção de incompetência, restou configurada a competência por atração, visando à racionalização da apuração dos fatos. Revela-se, portanto, a existência da conexão probatória com contas investigadas no “Caso Banestado”. 11. Assentar, quanto aos fatos, conclusão diversa da assentada em três graus de jurisdição – pelo Juízo excepcionado, pelo TRF/4ªRegião e pelo STJ – demandaria revolver o conjunto fático-probatório a fim de assentar que estes não teriam ocorrido em território paranaense ou que não haveria conexão, o que é inviável nesta via estreita. Precedente: HC 91158/PR, Rel. Ministra CÁRMEN LÚCIA, PRIMEIRA TURMA, DJe 31/10/2007. 12. A competência territorial é relativa, prorrogando-se caso não seja ajuizada exceção de incompetência. Na lição da doutrina, “a competência relativa, ou territorial, é aquela que, como é intuitivo, pode ser flexibilizada ou, de modo mais simples, relativizada, dependendo do exame concreto de determinada relação processual e do interesse das partes envolvidas.” (Eugênio Pacelli de Oliveira, Curso de Processo Penal, 9. ed., Lumen Juris, Rio de Janeiro: 2008, p. 221 – grifo adicionado) 13. Por isso que é cediço na Corte que “a decisão de exceção de incompetência relativa que rejeita a alegada incompetência do juízo, declarando-o competente ao afirmar a conexão hábil a manter o feito sob sua jurisdição, torna a matéria preclusa, mercê de eventual nulidade quanto ao critério territorial ser relativa. [...]” (HC 93368, rel. min. Luiz Fux, 1ª Turma, DJ de 25/8/2011) (...) 17. Ordem DENEGADA.”(STF - HC: 106074 PR, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento: 08/10/2013, Primeira Turma, Data de Publicação: DJe-221 DIVULG 07-11-2013 PUBLIC 08-11-2013)” (grifou-se)

 

O julgado acima colacionado, palestra de forma didático sobre a matéria, abrangendo os diversos assuntos enumerados na presente monografia, e que por decorrência jamais poderíamos deixar de menciona-lo aqui, e tecer alguns comentários mesmo que singelos sobre as considerações dos Eméritos Ministros julgadores do Conflitos instaurado.

A priori, conforme muito bem relatou o julgado, a competência para o julgamento da causa, em se tratando de matéria processual penal, se da em razão do lugar da infração, é o preceito do artigo 70 do CPP, conforme já se explanou nos capítulos anteriores. Ainda sobre este assunto, e em consonância com a doutrina Muccioniana trazida no capítulo 3, subtítulo 3.1. Legislação aplicável, o julgo traz o motivo pelo qual o legislador optou por definir este critério para a fixação da competência, como regra do processo penal. Trata-se de uma facilidade na colheita da prova, uma vez que ocorrido o fato delituoso em determinado local, é ali que se encontrarão todas as provas necessárias à solução da causa.

Ainda mais elucidativo se mostra a explanação, quando fala da internacionalidade delitiva, trazida pelo §1º do artigo 70 do CPP, uma vez que o mesmo raciocínio do caput do dispositivo se aplica aqui. Não se teria acesso às provas existentes no exterior de forma ágil o suficiente à dar pleno transcorrer ao processo em tempo hábil, optando assim o legislador por dar competência ao lugar onde há maior concentração de material probatório. Isto nos serve em muito ao presente caso, pois em se tratando de crimes virtuais, cometidos contra entes no exterior, não se teria dúvida quanto à competência do julgamento, uma vez que o ultimo local onde se cometeu algum ato do inter criminis seria o local do ponto de acesso à internet em que se cometeu o delito, ou seja, onde estava o agente no momento de cometimento do delito.

Mesma regra se apresenta quando for o caso inverso, agora utilizando-se não apenas da lógica probatória, mas também da teoria da ubiquidade, entabulada no artigo 6º do CP, levando em consideração não apenas o lugar onde se cometeu o crime, mas também aonde este venha a surtir seus efeitos. É por este viés que se firma a competência dos crimes onde seu inicio se deu no estrangeiro e seu resultado se deu, no todo ou em parte, em solo nacional, conforme entabula o artigo 70, §2º do CPP.

Vemos aqui, que é competente o juiz do foro onde deveria o crime surtir seus efeitos, ou seja, não é necessário que seja perfectibilizado o crime, bastando a intenção delituosa do agente. Em aplicando este entendimento ao exemplo que trouxemos de João e Ana, bastaria que João tivesse desferido as ofensas à Ana para que fosse competente o juiz onde se encontrava Ana, no momento destas ofensas.

Apenas a titulo de reflexão, caso João tivesse apenas postado as ofensas em rede social, e Ana visse as ofensas apenas em momento posterior, pois não estava conectada naquele momento. Seria competente o juiz do foro onde Ana viu as mensagens, pois foi naquele momento em que o crime se materializou. Em não sendo Ana que visse as ofensas, – o que seria quase impossível, por se tratar de crime de necessária representação contra o acusado – poderia assim a competência ser firmada por prevenção. Inclusive é ressaltado este entendimento no item 7 do julgamento acima, uma vez que mesmo em sendo em local diverso a materialização do crime, ou em simultâneos lugares, a competência se firmará pela prevenção, conforme grifamos acima.

Giza-se que segundo o item 8 do julgamento, o domicílio do réu apenas seria critério para fixação da competência, se desconhecido o lugar da infração, o que no caso dos crimes virtuais, antes mesmo que conhecer-se o domicílio do réu (ou muitas vezes em se saber quem é o réu), sabe-se antes o lugar da infração, ou o lugar onde se deu seu resultado, o que atrairia a competência por prevenção.

Certo é frisar ainda a possibilidade de conexão dos crimes virtuais com outros eventualmente existentes, dando assim a competência por conexão, conforme itens 9 e 10 do julgado supra. Por derradeiro, nos cabe salientar aqui a necessidade de se adentrar a matéria probatória para que se delimite entendimento diverso do aqui explanado, o que se mostra claro no item 11 do julgado. Isto por si só atrairia a prevenção, pois esta dar-se-á no momento em que o caso é levado ao juízo para análise, precluindo assim a matéria quando da decisão da exceção de incompetência (item 12 e 13 do julgado).

Vejamos ainda, a jurisprudência do STJ, quanto aos crimes de pedofilia cometidos em meio virtual – exemplo de crime impróprio. Traz-se in verbis:

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. PROCESSUAL PENAL. PUBLICAÇÃO DE PORNOGRAFIA ENVOLVENDO CRIANÇA OU ADOLESCENTE ATRAVÉS DA REDE MUNDIAL DE COMPUTADORES. ART. 241 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. COMPETÊNCIA TERRITORIAL. CONSUMAÇÃO DO ILÍCITO. LOCAL DE ONDE EMANARAM AS IMAGENS PEDÓFILO-PORNOGRÁFICAS. 1 - A consumação do ilícito previsto no art. 241 do Estatuto da Criança e do Adolescente ocorre no ato de publicação das imagens pedófilo-pornográficas, sendo indiferente a localização do provedor de acesso à rede mundial de computadores onde tais imagens encontram-se armazenadas, ou a sua efetiva visualização pelos usuários. 2 - Conflito conhecido para declarar competente o Juízo da Vara Federal Criminal da Seção Judiciária de Santa Catarina. .”(STJ - CC: 29886/SP, Relator: Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Julgamento: 12/12/2007, Terceira Turma, Data da Publicação: DJ 01/02/2008,pg. 427         )” (grifou-se)

 

Aqui tem-se uma clara preferência do local de cometimento do crime, este quando desnecessário seu objetivo alcançado para sua perfectibilização, ou seja, o crime é comissivo próprio. É de se atentar ainda para a indiferença trazida pela juíza ao local do provedor de internet utilizado pelo agente, uma vez que este seria apenas mais um dispositivo informático que teria fim único de tramite de dados, sem que houvesse violação de seu conteúdo. É importante esta diferenciação, pois assentar a competência pelo loca do provedor seria dar ação à uma maquina, ou seja, dar potencial criminoso ao dispositivo informático, sem ação humana externa, o que não se poderia sequer cogitar, pois o próprio crime requer uma ação ou omissão, que por óbvio seria humana.

O que tem-se certo quando da análise dos julgados, é a incerteza do operador quanto a que posição tomar sobre o tema. Mesmo com a recente decisão do STF, não se pode utilizar o decisium para todos os casos, pois este foi decidido em virtude de reconhecer, mesmo que por maioria de votos, a internacionalidade da conduta quando da postagem de material pornográfico de menores na internet. Se a interpretação da decisão poderá se estender aos demais casos que não apenas ao material envolvendo menores, isto caberá à jurisprudência e a doutrina discutir a respeito.


 

3.      CONCLUSÃO

Ao efetuar esta pesquisa, muitas situações foram deparadas, as quais sequer se almejava vislumbrar no inicio dos trabalhos. A diversificação da conduta humana, bem como as diversas possibilidades encontradas no meio cibernético, possibilitaram que fosse criado um novo paradigma para o direito penal, uma nova espécie delitiva que insurgiu ao longo do desenrolar de uma tecnologia, que primordialmente fora utilizada de forma secundária na vida habitual do indivíduo, e posteriormente passou a fazer parte integrante e cativa da vida de cada membro da sociedade. Não apenas presente na esfera penal, mas na vida civil, nos tramites empresariais e mercantis, nas compras e vendas envolvendo a esfera consumidora, as próprias práticas negociais da vida civil, em fim, nos mais diversos ramos da vida do indivíduo, a internet, as redes sociais, e o próprio meio virtual se tornaram uma segunda ceara da sociedade, que hoje pende de regulação mais aprofundada, apesar de haver diversos avanças neste sentido, ainda pendemos de profissionais, e de legislação pertinentes aos casos específicos que insurjam desta nova formulação da sociedade.

Inclusive fala o autor algo extremamente relevante à presente pesquisa, quando dos comentários às legislações promulgadas após o Código de Processo Penal:

Da promulgação do Código para cá, ante a natural evolução da sociedade e a necessidade de se regularem outras condutas, inúmeras leis especiais foram criadas.[68]

Segundo este raciocínio, visto que nos parece clara a impossibilidade de resolução fática do conflito de competência existente nos casos de crimes virtuais, – ao menos em todos os casos – seria plausível cogitar-se a criação de uma legislação esparsa, que regulasse casos em que o crime fosse cometido por meio virtual.

Contudo ao analisar a jurisprudência, vemos uma confusão no momento de fixação da competência, sendo sempre necessário adentrar à matéria fática do caso para que se possa chegar a um veredicto. Ora, não se mostra possível, olvidar o fato de que há uma probabilidade muito alta de haver uma nulidade no decorrer do processo, mesmo que seja relativa. Qualquer nulidade pode prejudicar o processo, seja ela relatia ou absoluta, e isto não pode passar in albis pelo legislador. 

Conforme já falamos, existe projeto de lei tramitando no Senado Federal, contudo sem tratamento específico da matéria a que se destinou a análise desta monografia. Fazemos então uma analogia às diversas leis já criadas, anteriores ao código, que se especializavam no tratamento de determinados delitos. É o caso da lei 11.340, que não apenas regulou um novo tipo penal (a violência doméstica) mas também regulou um tramite processual específico para o delito, visto sua peculiaridade sobre as demais formas delituosas constantes no CP.

Por hora, nos basta saber, que a competência para os crimes virtuais se dará com dependência de qual tipo penal se estará julgando, não sendo competente a justiça federal para o julgamento de tais crimes, salvo quando estes tiverem repercussão internacional. Quanto aos delitos envolvendo território internacional, as regras constantes no artigo 70 nos parecem suficientes para solução da controvérsia, mas isto não afasta a possibilidade de eventual lei específica vir a tratar do instituto, por ser infinitamente mais provável que os crimes virtuais envolvam solo estrangeiro, do que os demais crimes.

Salientamos ainda, que a dificuldade para se investigar tais crimes ainda é latente, pois a falta de regulação do modus operandi do investigador para com estes delitos torna sua investigação limitada às práticas existentes atualmente, o que por muitas vezes atrasa os tramites necessários para efetiva colheita de prova. O crime virtual não é estático, não deixa rastros fixos no local do crime, podem ser facilmente apagados e perdidos de forma que se perderia toda a matéria probatória necessária à resolução do processo. Se para os crimes físicos já é difícil a colheita eficiente de provas para o processamento, imagina-se dos crimes em meio virtual que os dados podem ser alterados, apagados ou danificados por um cracker, ou mesmo um hacker associado.

Contudo, para bem de salvaguardar o princípio da economia processual, é necessária regulação específica ao processo deste novo tipo, e necessária a flexibilização do judiciário para aplicar a legislação vigente no país, pois nem sempre se poderá achar solução fática possível, em primeira linha, para a fixação da competência territorial destes crimes.

REFERÊNCIAS:

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Ø  Acesso a Internet, provedores, Internet no Brasil, avanço da Informática, computadores, História da Internet, as redes sociais. Disponível em: < http://www.suapesquisa.com/internet/> Acesso em 05 de Outubro de 2015

Ø  AGUIAR, Rebeca Novaes. Competência Territorial para apurar crimes na internet. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, IX, n. 31, jul 2006. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=1225>. Acesso em 24/092015.

Ø  ARAS, Vladimir. Crimes de informática.Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 6n. 511 out. 2001. Disponível em: . Acesso em: 30 set. 2015.

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Ø  DAMASIO de Jesus. Comentários ao Código Penal, São Paulo, Saraiva, 1985.

Ø  DIWAN, Alberto. O crime de invasão de dispositivo de informática - Art. 154-A do Código Penal: Uma análise do delito introduzido pela Lei 12.737/2012.Disponível em: Acesso em: 22 de out. 2015.

Ø  DONIZETTI, Elpídio, Curso Didático de Direito Processual Civil, São Paulo, Atlas, 2014.

Ø  HUNGRIA, Nélson. Comentários ao código penal, volume I, tomo I: arts. 1º ao 10. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1976

Ø  LOPES. Marcos Alexandre. Livro de Internet /noções de design. 1º ed. Campinas: Alvear, 2011.

Ø  MELLO FILHO, Jose Celso de. A tutela Jurisdicional da liberdade. Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, v.13, 1979.

Ø  MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal, São  Paulo, Atlas, 2004.

Ø  MOREIRA, Rômulo de Andrade. Direito Processual Penal, Salvador. Jus Podivm, 2007.

Ø  MORETTO, Rodrigo; LOUREIRO, Antônio L. e CACENOTE, Alexandra C. Direito Processual Penal: Competência penal, Sentença, Recursos e Ações de impugnação-Doutrina e jurisprudência – Ed. Linus, Porto Alegre. 2006

Ø  MUCCIO, Hidejalma – Curso de processo penal. Rio de Janeiro – Ed. Método. 2ª Ed. rev. e atualizada. 2011

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Ø  NOVA LEI DE CRIMES CIBERNÉTICOS ENTRA EM VIGOR, Centro de Apoio Operacional Criminal MP-SP. Disponível em: Acesso em 19 de out. 2015.

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Ø  OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal.Rio de Janeiro. Ed. Lùmen Júris, 2007.

Ø  OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. Belo Horizonte, Ed.Del Rey, 2002.

Ø  RANGEL, Paulo – Direito processual penal. São Paulo – Editora Atlas. 22ªed. 2014.

Ø  TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. Salvador. Juspodivm.  3ª. ed., 2009.

Ø  TOURINHO FILHO, Fernando da Costa . Processo. v.2. São Paulo, Saraiva, 1989.

Ø  VIANA, Túlio Lima, Fundamentos de direito penal informático.Do acesso não autorizado a sistemas computacionais. Rio de Janeiro: Forense, 2003

 



[1] AGUIAR, Rebeca Novaes. Competência territorial para apurar crimes na internet. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, IX, n. 31, jul 2006. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=1225>.Acesso em 24/09/2015.

[2]RANGEL, 2014, pg.343

[3] RANGEL, 2014, pg. 349

[4] ARAS, Vladimir. Crimes de informática.. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 6n. 511 out. 2001. Disponível em: . Acesso em: 30 set. 2015.

[5] FERREIRA, 2005, p.261

[6]CARNEIRO, Adeneele Garcia. Crimes virtuais: elementos para uma reflexão sobre o problema na tipificação. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 99, abr 2012.Disponível em: ‐juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11529>. Acesso em set 2015.

[7] AGUIAR, Rebeca Novaes. Competência territorial para apurar crimes na internet. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, IX, n. 31, jul 2006. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=1225>.Acesso em 24/09/2015.

[8] VIANA, 2003, p. 13-26

[9] ARAS, Vladimir. Crimes de informática.Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 6n. 511 out. 2001. Disponível em: . Acesso em: 30 set. 2015.

[10] DIWAN, Alberto. O crime de invasão de dispositivos de informática - Art. 154-A do Código Penal: Uma análise do delito introduzido pela Lei 12.737/2012. Disponível em:

com.br/artigos/199631200/o-crime-de-invasao-de-dispositivo-de-informatica-art-154-a-do-codigo-penal> Acesso em: 22 de out. 2015.

[11] DIWAN, Alberto. O crime de invasão de dispositivos de informática - Art. 154-A do Código Penal: Uma análise do delito introduzido pela Lei 12.737/2012. Disponível em:

com.br/artigos/199631200/o-crime-de-invasao-de-dispositivo-de-informatica-art-154-a-do-codigo-penal> Acesso em: 22 de out. 2015.

[12] DIWAN, Alberto apud Bitencourt, Cezar Roberto. O crime de invasão de dispositivo de informática - Art. 154-A do Código Penal: Uma análise do delito introduzido pela Lei 12.737/2012. Disponível em: Acesso em: 22 de out. 2015.

[13] DIWAN, Alberto. O crime de invasão de dispositivo de informática - Art. 154-A do Código Penal: Uma análise do delito introduzido pela Lei 12.737/2012. Disponível em:< http://albertodiwan.jusbrasil.com.br/artigos/199631200/o-crime-de-invasao-de-dispositivo-de-informatica -art-154-a-do-codigo-penal > Acesso em 22 de out. de 2015.

[14] DIWAN, Alberto. O crime de invasão de dispositivo de informática - Art. 154-A do Código Penal: Uma análise do delito introduzido pela Lei 12.737/2012. Disponível em:< http://albertodiwan.jusbrasil.com.br/artigos/199631200/o-crime-de-invasao-de-dispositivo-de-informatica -art-154-a-do-codigo-penal > Acesso em 22 de out. de 2015.

[15] Qual a diferença entre hacker e cracker? Disponível em:<http://olhardigital.uol. com.br/noticia/qual-a-diferenca-entre-hacker-e-cracker/38024>. Acesso em 10 de out. de 2015.

[16] ARAS, Vladimir. Crimes de informática. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 6n. 511 out. 2001. Disponível em: . Acesso em: 30 set. 2015.

[17] OLIVEIRA, 2002, pg. 148

[18] MUCCIO, 2011. Pg. 445.

[19] RANGEL, 2014. Pg.343.

[20] MUCCIO, 2011. Pg. 446.

[21] MUCCIO, 2011. Pg. 446/447.

[22] RANGEL, 2014. Pg.344/349.

[23] MORETTO; LOUREIRO; CACENOTE. 2006. Pg. 15

[24] MORETTO; LOUREIRO; CACENOTE. 2006. Pg. 15

[25] MORETTO; LOUREIRO; CACENOTE. 2006. Pg. 15

[26] CABETTE, Eduardo Luiz Santos; OLIVEIRA, Monique Gonçalves Cossermelli. O que é ação penal pública subsidiária da pública? . Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 19n. 394318 abr. 2014. Disponível em: . Acesso em: 2 out. 2015.

[27] TOURINHO FILHO, 1989, p.64.

[28] RANGEL, 2014, pg. 249.

[29] MORETTO; LOUREIRO; CACENOTE. 2006. P 17

[30] MELLO FILHO, 1979, pg. 23/24.

[31] DONIZETTI, 2014, [s.p].

[32] MORETTO; LOUREIRO; CACENOTE. 2006. Pg 19

[33] MORETTO; LOUREIRO; CACENOTE. 2006. Pg. 21

[34] TÁVORA ALENCAR, 2009. Pg.219.

[35] MIRABETE, 2004, Pg.181.

[36] MORETTO; LOUREIRO; CACENOTE. 2006. Pg. 14

[37] MORETTO; LOUREIRO; CACENOTE. 2006. Pg. 13

[38] MORETTO;LOUREIRO;  CACENOTE, 2006. Pg. 222

[39] MORETTO; LOUREIRO; CACENOTE. 2006. Pg. 14

[40] NUCCI, 2007. [s.p]

[41] TOURINHO FILHO, 1984, pg.149

[42] TOURINHO FILHO, 1984, pg.154.

[43] OLIVEIRA, 2007, pg.229.

[44] NUCCI, 2007, pg. 265.

[45] OLIVEIRA, 2007, pg.253/254.

[46] DAMÁSIO DE JESUS, 1985, p. 147.

[47] PACELLI; FISCHER, 2012, p. 156

[48] NUCCI, 2008, pg. 210.

[49] AGUIAR, Rebeca Novaes. Competência territorial para apurar crimes na internet. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, IX, n. 31, jul 2006. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=1225>.Acesso em 24/092015.

[50] NASSIF, 2001. Pg.24.

[51]  HUNGRIA, 1976. pg. 154/155

[52] MUCCIO. 2011. Pg.93

[53] MUCCIO, 2011. pg.94

[54] MUCCIO. 2011. pg. 102.

[55] MORETTO;LOUREIRO;CACENOTE. 2006. pg. 79.

[56] MUCCIO, 2011, pg. 497.

[57] RANGEL, 2014. pg. 367

[58] NUCCI, 2008, pg. 191

[59] MUCCIO, 2011. pg. 487

[60] NUCCI, 2008, pg.247.

[61] RANGEL, 2014.pg.346.

[62] NASSIF, 2001.

[63] NUCCI, 2009, pg. 247.

[64] MUCCIO, 2011, pg. 486/487.

[65] DIWAN, Alberto. O crime de invasão de dispositivo de informática - Art. 154-A do Código Penal: Uma análise do delito introduzido pela Lei 12.737/2012.Disponível em: Acesso em: 22 de out. 2015.

[66] Projeto de lei do Senado nº 100, de 2010. Disponível em: http://www25.senado.leg.br/web/atividade/ materias/-/materia/96360

[67] DIWAN, Alberto. O crime de invasão de dispositivo de informática - Art. 154-A do Código Penal: Uma análise do delito introduzido pela Lei 12.737/2012.Disponível em: Acesso em: 22 de out. 2015.

[68] MUCCIO, 2011. pg. 102

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