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TRANSAÇÃO PENAL, O DEVIDO PROCESSO LEGAL E O DIREITO DE PUNIR


Autoria:

Leonardo Goldner Dellaqua


Oficial de Justiça Avaliador Federal lotado no Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região. Formado em Direito nas Faculdades Integradas de Vitória (FDV) no ano de 2006. Advogou de 2006 a 2010, nas áreas Trabalhista, Cível e Penal. Pós Graduado em Direito Público em 2009 pela Faculdade Multivix. Pós Graduado em Direito do Trabalho em 2016 pela Faculdade Multivix.

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Resumo:

O artigo trata da transação penal e seus aspectos legais relacionados à nossa Carta Magna, discutindo-se, assim, o momento processual adequado para a sua aplicação, sem ferir o princípio do devido processo legal e os princípios que deste derivam.

Texto enviado ao JurisWay em 04/03/2017.



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A transação penal tem se tornado tema bastante discutido na doutrina nacional servindo como alternativa à resolução de pequenos conflitos. Embora surja, aparentemente, na melhor das intenções, não se pode ignorar todo aparato legal, jurisprudencial e doutrinário que está por trás de tal instituto, o que gera discussões nos diversos campos do direito penal. Embora pareça simples, envolve um emaranhado de princípios, inclusive constitucionais, criando correntes distintas em nossa Doutrina.

 

Este tema é por demasiado atual e por isso nosso Congresso Nacional vem trabalhando no sentido de aperfeiçoar o instituto da transação, inclusive também com a presente tramitação do projeto de lei que trata da tentativa de conciliação nas delegacias de polícia.

 

Diante de tais argumentos, a presente dissertação pretende analisar a transação penal no direito brasileiro sob a ótica da obediência, ou não, ao devido processo legal, traçando um paralelo ao Direito de Punir Estatal e à satisfação da vítima, separando o conceito de punição ao de vingança por parte da vítima.

 

Tratando-se, ao espírito de suas intenções, evitar o julgamento, uma punição judicial e um processo moroso, a transação penal propõe medidas alternativas à resolução de determinados delitos, o que de plano levanta a questão do devido processo legal consagrado em nosso ordenamento, dado o momento em que a mesma é oferecida.

 

Aproximando-se de nossa Transação Penal, a “Plea Bargaining”, implantada nos EUA, embora possua características bem diferentes ao que se propõe no Brasil, serve como base comparativa aos nossos estudos, mostrando como nosso processo penal carrega em suas entranhas a busca da verdade real, diferente do que ocorre nos direito Norte Americano, onde se tenta a solução do problema, construindo-se, caso necessário, uma verdade processual.

 

Com o advento da lei brasileira 9099 de 1995, dispondo sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, o instituto da transação penal se tornou evidente em nosso ordenamento, surgindo como proposta a dar celeridade na resolução de casos de pequena monta, infrações leves, passíveis de uma resolução simplória, que não uma condenação penal, nem mesmo um julgamento nos ditames de nosso poder judiciário.

 

Assim a lei dispõe em seu art. 2º:

 

O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação.”

 

E ainda, em seu art. 62:

 

“O processo perante o Juizado Especial orientar-se-á pelos critérios da oralidade, informalidade, economia processual e celeridade, objetivando, sempre que possível, a reparação dos danos sofridos pela vítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade.”

 

Continua no art. 72:

 

“Na audiência preliminar, presente o representante do Ministério Público, o autor do fato e a vítima e, se possível, o responsável civil, acompanhados por seus advogados, o Juiz esclarecerá sobre a possibilidade da composição dos danos e da aceitação da proposta de aplicação imediata de pena não privativa de liberdade.”

 E por fim, em seu art. 76:

“Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta.

§ 1º Nas hipóteses de ser a pena de multa a única aplicável, o Juiz poderá reduzi-la até a metade.

§ 2º Não se admitirá a proposta se ficar comprovado:

I - ter sido o autor da infração condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade, por sentença definitiva;

II - ter sido o agente beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos, pela aplicação de pena restritiva ou multa, nos termos deste artigo;

III - não indicarem os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, ser necessária e suficiente a adoção da medida.”

§ 3º Aceita a proposta pelo autor da infração e seu defensor, será submetida à apreciação do Juiz.

§ 4º Acolhendo a proposta do Ministério Público aceita pelo autor da infração, o Juiz aplicará a pena restritiva de direitos ou multa, que não importará em reincidência, sendo registrada apenas para impedir novamente o mesmo benefício no prazo de cinco anos.

§ 5º Da sentença prevista no parágrafo anterior caberá a apelação referida no art. 82 desta Lei.

§ 6º A imposição da sanção de que trata o § 4º deste artigo não constará de certidão de antecedentes criminais, salvo para os fins previstos no mesmo dispositivo, e não terá efeitos civis, cabendo aos interessados propor ação cabível no juízo cível.”

 

  Nossa Constituição Federal assim prescreve em seu art. 98:

A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:

I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumariíssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau;

 

 

Notamos que a lei trás expressamente em seu texto não só a possibilidade de se transacionar, mas sendo este seu objetivo principal, sempre que houver possibilidade.

 

A transação nada mais é do que a possibilidade de uma negociação, antes da denúncia, entre Réu e o “Estado”, no intuito de se estabelecer meios alternativos para que o primeiro evite o desgaste de um processo, eximindo-o da culpabilidade, da ficha de antecedentes criminais, o que certamente resultaria no reconhecimento da reparação civil. Sendo assim, o autor do fato não se declara culpado penal ou civilmente, apenas faz um acordo com o Ministério Público, a fim de cumprir medidas alternativas, evitando um processo e sua possível condenação.

 

Para tanto, o Réu necessita preencher alguns requisitos para ser beneficiado com a transação penal, e caso isso ocorra, o Ministério Público proporá a transação sempre que possível. Tais requisitos se encontram na lei 9099, quais sejam:

 

Art. 76

§ 2º Não se admitirá a proposta se ficar comprovado:

I - ter sido o autor da infração condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade, por sentença definitiva;

II - ter sido o agente beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos, pela aplicação de pena restritiva ou multa, nos termos deste artigo;

III - não indicarem os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, ser necessária e suficiente a adoção da medida.

 

 

Diante desta possibilidade, dessa alternativa jurídica, deve se levar em conta os princípios que norteiam nossas normas, a fim de que não apenas se torne mais célere determinado procedimento, mas que também atinja sua função social, que não apenas elimine do mundo jurídico uma problemática, mas que também a pacifique, a resolva, efetivamente, no mundo extrajurídico, trazendo satisfação às partes envolvidas, e à sociedade.

 

Sob esse prisma apresentado, a partir desse primeiro tópico do presente trabalho, que abordaremos o segundo tópico, o Devido Processo Legal no Direito Brasileiro, consagrado em nossa Constituição, em seu art. 5º, inciso LIV, que assim dispõe:

 

“LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;”

 

Pois bem, o que notamos com a Transação Penal da forma que é aplicada é que não há sequer a instrução do processo penal. Antes mesmo de ser proposto, de ser analisado o conteúdo probatório, o Ministério Público propõe a transação para que assim se evite exatamente o que a vítima, inicialmente, procurou, que é uma posição estatal acerca do problema que lhe fora apresentado.

 

Em outros tipos de negociações, previstas em nosso ordenamento jurídico, notamos que há uma maior rigidez quanto à barganha. Nos acordos de leniência, nas delações premiadas, constatamos que os réus são devidamente processados mas com a opção de negociar com o Estado a diminuição de suas penas, bastando que colaborem com as investigações em andamento.

 

O objetivo da delação, ou colaboração, premiada é que, com as informações do delator, seja descoberta a cadeia criminosa da qual este tenha participado, ou seja, o colaborador, de forma voluntária, irá trazer às investigações nomes e dados que esclareçam os crimes do qual participou.

 

Diante do cenário político brasileiro, a delação premiada ganhou visibilidade nacional e embora tratar de um instituto relativamente antigo, com quase 30 anos, a delação passou por nova roupagem legislativa, com a criação de novos ordenamentos. O que queremos trazer à tona nesta obra é que, enquanto a delação premiada e os acordos de leniência, tratam-se de negociações que de fato procuram solucionar a questão trazida à juízo, dando, inclusive, embasamento à propositura de outras ações que dali ramificam, utilizando-se, então, mais ainda do aparato estatal, a Transação Penal parece, em primeira análise, evitar justamente que o Estado se manifeste quando uma questão lhe é trazida.

Embora tenha surgido com a melhor das intenções, dando caráter célere à resolução de pequenos conflitos, a transação penal parece não ter se apresentado de maneira consistente em nosso ordenamento jurídico e doutrinário.

Mesmo que prevista em nossa Constituição Federal, regulamentada na lei 9099/95 e amplamente debatida, a transação penal ainda gera alguns questionamentos.

Tratando-se de um instituto que busca desafogar o judiciário, dando celeridade na resolução dos conflitos fica a dúvida de quem é realmente beneficiado nesse contexto. Quando se vê a legislação sendo criada toda embasada no preceito de se desafogar o judiciário, temos que outros princípios, não só jurídicos, estão sendo deixados de lado, já que a legislação deve ser feita direcionada aos cidadãos, em primeiro plano, não somente ao sistema, como válvula de escape para o excesso de demandas junto ao judiciário. Se por um lado a transação penal traz às partes uma satisfação quase que imediata, por outro pode suprimir etapas de todo um procedimento, atropelando fases processuais, tornando-se tal prática impositiva, muitas vezes não satisfazendo ao autor do fato, muito menos a vítima, pois dessa forma se corre o risco de tratar apenas de procedimentos legais, deixando a realidade dos fatos em segundo plano, e a real satisfação de um direito negado.

Embora surjam tais questionamentos, nem ao longe se quer burocratizar ainda mais nosso judiciário, apenas tem que se ter cautela ao aplicarmos novos institutos, ainda mais quando se tem por justificativa o desafogamento da máquina estatal. Não se pode apenas criar uma legislação para dar amparo à esquiva do Poder Público em cumprir suas obrigações.

Diante de um sistema jurídico moroso, cheio de entraves, o que se procura é uma desburocratização de seus serviços para que a satisfação de um direito se torne efetiva, rápida e que atinja a satisfação das partes e da sociedade.

Nossa Carta Magna prevê expressamente a criação dos juizados especiais e a permissão da transação. Diante desse dispositivo diversos autores se apoiam ao defender a constitucionalidade de tal instituto. Embora previsto, a questão levantada não está na possibilidade de se transacionar, mas sim qual seria o momento correto para o oferecimento de tal possibilidade, sem ferir o princípio do devido processo legal, e de que forma, se com a participação ou não da vítima.

Nossa Constituição Federal assim prescreve em seu art. 98:

A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:

I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumariíssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau;

 

Pois bem, que a transação é permitida não há dúvidas, então, como afirmam alguns autores, a criação de uma lei que a regulamente por si só já é dotada de Constitucionalidade. Em primeiro plano abordaremos este ponto, pois exatamente aí é que encontramos correntes diversas. Conforme posição distinta à primeira apresentada (vê-se aqui que não colocamos posição oposta), embora exista lei regulamentadora e autorização Constitucional, a transação, da forma que fora regulamentada, aparentemente fere outros princípios, dentre eles o já mencionado princípio do devido processo legal, também previsto na Constituição em seu art. 5º, inciso LIV.

Temos ainda o que o Código Penal determina:

Art. 24.  Nos crimes de ação pública, esta será promovida por denúncia do Ministério Público, mas dependerá, quando a lei o exigir, de requisição do Ministro da Justiça, ou de representação do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo.

        § 1o  No caso de morte do ofendido ou quando declarado ausente por decisão judicial, o direito de representação passará ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão

        § 2o  Seja qual for o crime, quando praticado em detrimento do patrimônio ou interesse da União, Estado e Município, a ação penal será pública.

  Art. 42.  O Ministério Público não poderá desistir da ação penal.

 

Diante dessa breve apresentação podemos ver que a transação, embora pareça ser o caminho para a desburocratização do sistema jurídico diante de pequenos conflitos, há ainda muito que se atentar à maneira como é aplicada, em que momento será oferecida, quais as consequências do descumprimento, por parte do seu beneficiário, das regras estabelecidas, se a mesma não irá ferir o devido processo legal e quem poderá/deverá participar de tal negociação, se também o querelante ou somente o Ministério Público juntamente com o autor do fato.

 

Diante dos dispositivos apresentados, com enfoque em nosso Código Penal, parte da doutrina acha difícil conceber uma transação antes mesmo de o Ministério Público oferecer a denúncia, já que esta se trata de um dever dos integrantes do parquet, nos ditames do devido processo legal, o que permitiria então o contraditório e a ampla defesa do possível autor do fato. O que se sugere, por parte dos aplicadores do direito, é que a legislação permita a transação após o oferecimento da denúncia, com maiores esclarecimentos ao autor do fato sobre a probabilidade de condenação, com a devida assistência de um defensor, que munido da técnica necessária possa instruir seu cliente, mostrando efetivamente o melhor caminho. Seria esse, então, o Momento Constitucional para a proposição da Transação Penal, sendo respeitado o devido processo legal.

 

A lei 9099/95 é clara ao estabelecer que a transação será oferecida antes mesmo da denúncia. Com isso se levanta também o questionamento do caráter de punição que a transação carrega sem mesmo existir um processo, apenas se tratando de uma negociação entre autor do fato e o Ministério Público, somente munido dos fatos trazidos pela vítima, sem análise aprofundada de provas.

 

Saindo do plano abstrato, regulamentado por normas, princípios e jurisprudência, puramente teóricos, temos que analisar como se dá em nossa cultura a aplicação destes todos. Temos que levar em consideração no plano físico, real, e não hipotético, de como são as audiências de conciliação, de como se comportam partes e juízes quando estão naquela sala decidindo seu futuro, mesmo se tratando de um delito, em tese, de menor importância.

 

É necessário averiguar se o autor do fato tem convicção suficiente que a transação seria a melhor saída para seu caso. Importante ver se lhe foram apresentados elementos suficientes para que ele opte pela transação ou se a simples intimidação de um ambiente desconhecido, regido por uma autoridade, o levou a querer se livrar de toda forma daquela situação em que se encontra.

 

Em uma aplicação macro, que é o que abstratamente a legislação busca, parece que a transação penal atinge perfeitamente seus objetivos, quais sejam, em primeiro plano satisfazer as partes e a sociedade e em segundo, desafogar o judiciário. Não podemos deixar o inverso ocorrer.

 

Porém, é na sua aplicação ao caso concreto, conforme diz parte da doutrina, que podemos ver algumas incoerências acontecerem, que seria dar celeridade à resolução de conflitos, no plano abstrato, evitando então um processo, porém não satisfazendo o interesse das partes e da sociedade, pois o judiciário se desafogara, a transação se consumara, porém ainda persistiria o risco das partes se sentirem lesadas, tanto aquele, o possível autor do fato, que cumpre medidas alternativas sem mesmo merecê-las, sem mesmo ter material suficiente para analisar sua culpabilidade, daí o questionamento do momento do oferecimento da transação, tanto o outro, a vítima, que está obrigada a ver o Ministério Público oferecer a transação que nesse prisma, não terá caráter de punição a quem realmente devia ser punido, daí surge outro ponto dentro de nossa temática, o Direito de Punir do Estado.

 

Nesse contexto que a soberania estatal em punir será analisada. Sendo a transação proposta pelo Ministério Público, abdicando-se, então, da mencionada soberania punitiva, leva-nos a questionar a respeito da satisfação da vítima, que procurou os meios judiciais para solucionar seu infortúnio e se deparou com um entrave transacional com o qual não compactuou.

 

Existem alguns conceitos que nos levam a crer que somente a transação seria a resolução pacífica de pequenos conflitos. Mas pensemos que quando um cidadão procura o judiciário entendemos que este é o último meio, pacífico, que ele utiliza para ver seus interesses satisfeitos, para que seja reestabelecido um direito violado. A solução não pacífica seria a autotutela, como na expressão “olho-por-olho”, com a prática de outro crime, sem a busca da manifestação estatal.

 

Não só a justiça comum, como a justiça especial, fazem campanhas em prol da conciliação, dos acordos, com a proposta de evitar que determinado conflito se transforme em um processo longo e muitas vezes frustrante.

 

A conciliação e a transação realmente são uma forma amigável de se evitar um processo dando fim ao conflito, mas isso juridicamente falando, pois em caso contrário não seriam necessárias a presença de advogados e magistrados para a condução dos atos.

 

Porém quando não há cessão por nenhuma das partes não quer dizer que a solução não tenha sido pacífica no mundo extrajurídico, as partes podem querer a manifestação de um magistrado, de advogados, promotores, que dominam esse tipo de situação, para se sentirem mais confortáveis em cumprir determinada imposição ou ver seu direito reestabelecido.

 

Sendo assim, na esfera penal, quando a vítima recorre ao estado para informar a violação de um direito, ela, em primeiro plano quer ver a punição do autor do fato, pois o direito penal instrumentalizado pelo processo penal, em síntese, trata-se da punição do autor do fato e não da reparação do dano.

 

Tratando-se de poder estatal, o direito de punir pode frustrar não só a intenção da vítima, mas também da sociedade, que pode se deparar com casos analisados superficialmente, convertidos em transação penal, sem ao menos ser analisado, mesmo que de maneira supérflua o mérito, analisar o que realmente aconteceu e se a transação satisfaria a todos.

 

Entendemos que a transação penal quer evitar que toda pequena discussão, ou pequena agressão se transforme num processo. Realmente não há necessidade de levar tudo ao judiciário. Porém, se as partes levaram para a apreciação do judiciário é porque não conseguiram resolver sozinhas. E se levaram, nem sempre procuram a conciliação, o que, no processo penal, com a transação, não parece existir acordo, apenas imposição legal, e única e somente aceitação do autor do fato, que pode negar-se a transacionar, ou aceitar pelo simples fato de se sentir intimidado com a situação.

 

O que se fala aqui não se trata do direito de vingança da vítima, ou mesmo do estado. Levantamos a satisfação, a sensação de justiça, de que a lei deve propor a todos, inclusive ao autor do fato delituoso. Em se tratando a transação de um processo automático, onde se analisa critérios objetivos, não se apresentam ao menos provas, ou a pretensão probatória, onde o possível réu não seja punido, nem mesmo ouvido, há o sério risco de que um crime de menor potencial ofensivo se transforme futuramente em algo mais sério, justamente pela sensação de injustiça que a transação pode ocasionar.

 

Se pelo lado do autor do fato pode haver insatisfação ao cumprir uma pena sem um processo, por outro lado pode haver uma absolvição também sem um processo. O que expomos aqui é que a transação, dependendo do ponto de vista, sempre terá caráter de punição, embora juridicamente não seja considerado assim.

 

O Direito de Punir, conforme aplica a doutrina, ser direito do estado nos faz questionar a respeito de quem cabe exigir a punição. No caso da transação, nossos tribunais entendem que somente o Ministério Público pode, e deve, propor a transação penal. Ora, se a transação, em seu prisma jurídico, não se trata de uma punição, poderia ser proposta também pela vítima, e também por ela declinada, conforme seu interesse. Porém, se a transação for sim considerada uma punição, temos que cabe realmente a exclusividade ao Ministério Público em propô-la. Salvo nos crimes de ação privada, onde se entende que cabe à vítima a proposição da transação.

 

Diante de todos esses argumentos, iremos nos reportar ao direito comparado Norte Americano, onde ocorrem realmente intensas negociações entre acusado e defensor, com a devida participação das partes. Não somente se discute se haverá ou não processo, mas também é analisada a possibilidade de se aplicar outra tipificação ao fato, onde se abrandaria a pena do acusado. Nota-se que nos Estados Unidos a negociação vai além do que é proposto no Brasil, que é evitar um processo se aplicando medidas alternativas à pacificação do conflito, naquele estado soberano também se barganha o que será discutido dentro de um processo, ou seja, não somente se tenta evita-lo, mas caso o mesmo ocorra, propõe-se tipifica-lo.

 

A legislação, jurisprudência e doutrina brasileiras ensaiam a prática da barganha, vide o exemplo do novo projeto de lei 1.028/2011 que visa transferir a competência para propor a conciliação às delegacias de polícia, que certamente irá gerar novos campos de discussão, envolvendo diversas esferas dos aplicadores do direito, como o Ministério Público, a OAB e o Judiciário de maneira geral. A lei intitula a negociação no âmbito das delegacias de “Composição Preliminar” e a mesma requer estudo mais aprofundado dada inserção extremamente atual em nosso processo legislativo, envolvendo não só a celeridade processual, mas também competência de atribuições, o ambiente inquisitório das delegacias, entre outros aspectos que já vem gerando impasses entre as entidades de classe envolvidas.

 

Notamos que no Brasil há um forte movimento material e formal que busca desafogar o judiciário, evitando-se, ao máximo, demandas judiciais. Parece que a cultura jurídico-brasileira caminha para um destino onde o processo está virando um problema em si e não a solução de um problema anterior. O que nossos aplicadores do direito estão nos levando a entender é que o melhor a se fazer quando há um problema no mundo extrajurídico é deixa-lo lá, pois o sistema judiciário seria apenas outro problema a ser enfrentando com seus trâmites morosos, e não a resolução do anterior.

 

Com a dissertação do tema pode o leitor ser induzido a acreditar que somos contrários à aplicação da transação penal. Porém, na realidade nossa intenção é apresentar vários questionamentos acerca do instituto para que o mesmo seja analisado e estudado sob diversos enfoques. Nossa pretensão é demonstrar que, embora seja apresentado como um instituto bem sucedido e inovador, existem situações que nos levam a questionar se é ele mesmo infalível e aplicado conforme nosso ordenamento jurídico, de acordo com nossa Carta Magna.

 

Ainda que apresentado como um instituto que tenha logrado êxito, queremos analisar em quais aspectos esses objetivos foram alcançados, e se foram. Queremos analisar não só conforme os olhos da satisfação jurídica, judiciária, mas de todos envolvidos, em seu caráter íntimo.

 

Claro que de maneira geral buscamos a celeridade processual, a efetividade na resolução de todo e qualquer conflito. No entanto temos que encontrar a melhor forma de fazê-lo, analisando o sistema jurídico que temos, as novidades que se desenham em nosso processo legislativo e assim vermos qual a melhor forma de adaptar tudo em um contexto que nos leve a tal celeridade sem ferir direitos, sem passarmos por cima dos bens que devem realmente ser tutelados. Não somente evitar um processo, mas sim resolver um problema.

 

Em síntese, o que se espera é que as partes, ao saírem da sala de negociação, deixem às suas costas o problema que havia se instaurado, não que o tragam de volta contigo por simples conveniência ao judiciário. Daí surge a necessidade de uma cautela na condução de tais acordos.

 

REFERÊNCIAS

 

GUEIROS, Bernardes Dias Ricardo. Um estudo empírico comparado da negociação (plea bargaining e transação) no processo penal brasileiro e nos EUA.

LIMA, Roberto Kant de. Polícia, justiça e sociedade no Brasil: uma abordagem comparativa dos modelos de administração de conflitos no espaço público.

GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados Especiais Criminais. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

 

NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 13ª Ed. Rio de Janeiro: Forense 2014.

 

JESUS, Damásio Evangelista de. Lei dos Juizados Especiais Criminais Anotada. 10. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2007

 

CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 19ª Ed. São Paulo: Saraiva 2012.

 

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Reis, Alexandre Cebrian Araújo. Direito processual penal esquematizado / Alexandre Cebrian Araújo Reis e Victor Eduardo Rios Gonçalves ; coordenador Pedro Lenza. – 2. ed. – São Paulo : Saraiva, 2013.

 

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à Lei dos Juizados Especiais Criminais. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

 

 

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TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. Volumes 1, 2 e 3. 32ª Ed. São Paulo: Saraiva 2010.

 

ALEXANDRINO, Marcelo/PAULO, Vicente. Direito Constitucional Descomplicado. 11ª Ed. São Paulo: Metodo 2013

 

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional.  30ª. ed. São Paulo: Atlas, 2014.

 

 

MORAES, Guilherme Peña de. Curso de Direito Constitucional. 6ª Ed. São Paulo: Atlas 2014.

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