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Introdução à Filosofia da Ciência


Autoria:

Luis Fernando Oga


Engenheiro, advogado e mestre em Filosofia pela USP.

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Resumo:

Nesse artigo pretende-se abordar, de uma forma muito ampla, algumas das principais correntes e teses que cercaram e ainda cercam as discussões dos filósofos da ciência.

Texto enviado ao JurisWay em 25/04/2015.

Última edição/atualização em 07/05/2015.



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Introdução à Filosofia da Ciência

Luis Fernando Oga



Do Positivismo Lógico à Revolução Científica

É irrefutável a posição de destaque que a Ciência encontra na cultura, tanto na sociedade quanto no ambiente acadêmico ou intelectual. Confia-se muito mais nas afirmações científicas, talvez porque elas estejam associadas à noção de progresso ou porque elas representam a própria produção do conhecimento humano, do que em explicações que venham de outras formas de manifestação do saber.

Esta condição moveu uma considerável quantidade de filósofos a exporem as mais variadas explicações para o funcionamento das ciências. A dinâmica da Ciência, examinada, contudo, não forneceu um painel geral de funcionamento, nem uma teoria única que tenha encontrado consenso.

Nesse artigo pretende-se abordar, de uma forma muito ampla, algumas das principais correntes e teses que cercaram e ainda cercam as discussões dos filósofos da ciência.

Uma posição filosófica bem definida e que merece atenção inicial foi o denominado Positivismo Lógico ou Empirismo Lógico. O que compõe a visão ortodoxa da Filosofia da Ciência, contudo, foi um desdobramento ou produto do Positivismo Lógico, chamado de Visão Recebida. Cabe notar que a Visão Recebida perdurou mesmo após a superação do Positivismo Lógico “(...) pois se propunha a ser uma Filosofia da Ciência, e não uma epistemologia geral” (Suppe, 1977, p.6).

Conforme a Visão Recebida, as teorias científicas são compostas por axiomas, que dão origem a conceitos teóricos primitivos, definidos implicitamente, e conceitos derivados, definidos explicitamente. Esses dois tipos de conceito são então ligados, através de regras de correspondência, a conceitos empíricos, que se referem a itens da observação (diretamente observáveis).

E uma teoria científica seria um sistema axiomático no qual há postulados teóricos formulados em linguagem teórica na lógica de 1ª ordem e regras de correspondência que determinam as aplicações teóricas a fenômenos empíricos e é sujeita a testes para adquirir um grau de confirmação.

A Visão Recebida recebeu um grande número de críticas, foi defendida e se desenvolveu antes de ter sido abandonada pela maioria dos filósofos. Dentre estas críticas, podem-se citar (cf. Pessoa, 2004, pp.261-2):

  1. não é clara a distinção entre conceitos teóricos e empíricos;

  2. a introdução de uma nova regra de correspondência alteraria toda a teoria;

  3. um grande número de teorias não seriam passíveis de reformulação axiomática;

  4. não haveria grandes vantagens na axiomatização de teorias;

  5. os itens da observação estariam carregados de teoria – não haveria observações neutras na ciência;

  6. a determinação daquilo que seria “diretamente observável” tem critério vago;

  7. os testes empíricos de uma teoria isolada seriam irrelevantes, uma vez que as teorias são testadas entre si;

  8. os conceitos teóricos podem ser compreendidos de maneira completa, sem a necessidade de correspondência com conceitos empíricos;

  9. a distinção observacional-teórico não poderia ser feita de maneira satisfatória;

  10. os procedimentos de aplicação da teoria aos fenômenos observáveis não fariam parte da teoria;

  11. a utilização exclusiva da lógica clássica (por exemplo, sem admitir operadores de modalidade) seria muito restritiva;

  12. o grau de confirmação seria uma medida probabilista; e

  13. testes empíricos não testam apenas um único postulado, mas toda a teoria.

Como alternativas à Visão Recebida, a partir dos anos 60 novas Teorias da Ciência foram desenvolvidas através dos trabalhos de Thomas Kuhn, N.R. Hanson, Paul Feyerabend e Stephen Toulmin, dentre outros. Essas teorias deram especial ênfase a algumas crenças já subsistentes: a) a história é fonte e, pelo menos, árbitro parcial de afirmações filosóficas sobre a ciência; b) a ciência é o exemplo mais surpreendente e bem-sucedido de racionalidade em nossa cultura e c) nenhuma filosofia da ciência é digna de crédito se não enfrentar o escrutínio empírico com base na prática científica (cf. Laudan et al., 1986).

Para estes filósofos, a ciência utiliza conjuntos de paradigmas, que são mais amplos que teorias estabelecidas, com maior domínio de aplicação e com influência em vários campos científicos. Compõem-se de conceitos de longa duração e estabelecem critérios para criação de novas teorias. Podem ser vistas, também, como um conjunto de crenças, valores e técnicas compartilhadas por uma comunidade científica. Dentre exemplos de paradigmas podem-se citar: a mecânica newtoniana, a evolução darwiniana e a teoria da relatividade.

Os paradigmas teriam uma grande capacidade de lidar com problemas científicos. Eles identificam e dirigem a solução de problemas, permitem a construção de modelos e evidenciam a capacidade de novas teorias em resolver problemas. Permitem que teorias possam ser modificadas para que possam se tornar mais poderosas no apontamento de solução de problemas.

O êxito em resolver problemas é uma das principais causas determinantes da aceitabilidade de paradigmas. Ao lado dessa capacidade, é também considerado o êxito em fazer novas previsões com grande precisão empírica. Entretanto, é freqüente a afirmação de que a escolha de paradigmas nunca é feita exclusivamente a partir de dados. Há diversos fatores ditos não epistêmicos, como os metafísicos, teológicos e políticos, que têm papel igualmente determinante.

Na vigência de um paradigma ocorre um consenso acerca da natureza física, sobre técnicas e procedimentos bem como o que seria aceitável como solução e como problemas a serem enfrentados. A simples existência de dificuldades empíricas não é suficiente para que a comunidade abandone um determinado paradigma. Os juízos que os cientistas fazem sobre uma ou outra teoria em particular não são absolutos, mas sempre em relação a teorias rivais, que sempre coexistem. Há quem distinga períodos onde há prevalência de consenso em torno de um paradigma daqueles onde vigora a competição entre paradigmas. É forçoso notar que, em qualquer caso, é freqüente a constatação de utilização de paradigmas em competição simultaneamente na pesquisa científica, especialmente em períodos de crise de um paradigma vigente, ou no estágio de ciência multi-paradigmática.

Um paradigma começa a enfraquecer quando se depara com dificuldades empíricas persistentes, deixa de prever novos fenômenos ou perde a capacidade de identificar, dar solução ou de dirigir o enfrentamento a problemas. Contudo, a rejeição de um paradigma é sempre feita com a substituição por outro paradigma disponível.

A substituição de um paradigma em crise por outro gera tanto ganhos quanto perdas. É raro que o novo paradigma comporte todos os êxitos explicativos de seu predecessor. Porém, é importante ressaltar que um novo paradigma não é julgado pela comunidade com as mesmas medidas utilizadas no exame do seu antecessor.

Assim, é bastante controverso em quais aspectos se ganha e se perde no processo de substituição de paradigmas em relação não apenas a êxitos explicativos, mas também a generalidade, precisão empírica, tratamento de problemas e capacidade preditiva.

 

O Realismo e o Anti-Realismo

Desde o início da década de 70, acirraram-se os debates acerca do chamado realismo científico, que seria “um conjunto integrado e híbrido de teses filosóficas a respeito de diferentes aspectos ou dimensões da ciência” (Plastino, 1995, p. 8), que partiria de algumas teses:

  1. existe um mundo exterior independente do sujeito;

  2. a ciência busca apresentar teorias que representem os elementos e a estrutura do mundo; e

  3. o acesso epistêmico ao mundo é possível.

Em suma, pode-se considerar que, para os realistas, “as teorias científicas possuem um valor-de-verdade (o verdadeiro ou o falso), uma vez que os enunciados teóricos referem a entidades externas à teoria, sendo que estas entidades realmente existem” (Silva, 1998, p. 7).

Para o realista em geral, o realismo de teorias implica no realismo de entidades. Ou seja, o fato de uma teoria ser verdadeira implica que as entidades inobserváveis postuladas por ela têm existência real. Essa imagem realista tradicional é por vezes renegada por outros realistas que não defendem a interpretação literal da linguagem científica e para os quais as entidades são conjuntos de resumos de certas características observáveis e não denotariam objetos específicos e determinados: o realismo de teorias não implica no realismo de entidades.

Conforme Plastino (1995, p. 9), uma visão realista da ciência pode conter as seguintes proposições:

  1. A existência e a natureza dos fatos do mundo não dependem das teorias ou métodos que a ciência utiliza.

  2. Toda asserção científica, interpretada literalmente, é ou verdadeira ou falsa.

  3. O valor-de-verdade de uma asserção científica é determinado pelo mundo. Uma asserção é verdadeira quando mantém uma relação de correspondência com o mundo.

  4. A ciência procura teorias que façam uma descrição verdadeira (ou aproximadamente verdadeira) do mundo.

  5. Os termos teóricos preservam sua referência durante as mudanças científicas. As teorias científicas sucessoras incorporam o cerne das teorias precedentes.

  6. O progresso da ciência consiste num processo convergente de aproximação de uma teoria científica completa e verdadeira.

  7. Nas ciências maduras, as teorias são aproximadamente verdadeiras e seus termos centrais referem-se a objetos do mundo.

Dentro dessas teses, conforme os anti-realistas, haveria um conflito entre “a autonomia metafísica do mundo e sua acessibilidade epistemológica” (Horwich, 1990, p. 57).

Para os anti-realistas, como Bas van Fraassen (cf. van Fraassen, 1980), a maior qualidade de uma teoria científica está na sua adequação empírica. Uma teoria é aceita pela sua capacidade de prever fenômenos, e não porque corresponde à verdade. Para ele, ainda, as entidades inobserváveis são como personagens de ficção literária, que podem ser reais ou não.

Realistas e anti-realistas concordam que a capacidade preditiva é uma virtude epistêmica fundamental para a aceitação de teorias científicas, conforme resposta dada pelos empiristas lógicos para a questão da confirmação de teorias.

O realista em geral, entretanto, vai além: afirma que a aceitação de uma teoria ocorre exatamente porque ela é aproximadamente verdadeira. Essa é a posição que encontramos, por exemplo, em Richard Boyd (cf. Boyd, 1973). Ou seja, a concepção de verdade é de correspondência: se uma teoria é verdadeira, o que ela descreve corresponde à realidade. Ele quer, ou se propõe, a explicar o êxito da ciência. O sucesso de uma teoria seria uma evidência de que ela é verdadeira, caso contrário teria-se uma situação de “coincidência cósmica” ou “milagre”. Além disso, há o realismo em relação às entidades inobserváveis previstas nas teorias: se a teoria é aceita, as entidades por ela postuladas existem (são reais).

Os anti-realistas apontam que, nos casos em que duas ou mais teorias possuam mesma capacidade preditiva mas que postulam entidades distintas, é impossível determinar qual delas está mais próxima da verdade. Neste caso, trata-se de teorias subdeterminadas pelas observações.

O realista se propõe a explicar o êxito da ciência. A crença numa teoria não se esgota na crença em sua capacidade preditiva, mas deve acarretar na crença de sua verdade aproximada. Para ele, as teorias têm a capacidade de realizar descobertas (porque são aproximadamente verdadeiras) e, para isso haveria dispositivos que permitiriam ajustar os mecanismos de referência, tornando-os cada vez mais exatos.

Entretanto, o conceito de verdade aproximada pode ser um tanto vago na tentativa de conviver com o uso da metáfora, com a aceitação da verdade como correspondência e com a crença na literalidade das teorias e de suas entidades inobserváveis. Se uma teoria deve ser aproximadamente verdadeira porque contém certas partes verdadeiras, ainda que contenha outras que são falsas, em que medida pode-se afirmar que a teoria, como um todo, é aproximadamente verdadeira? Ou, em senso contrário, o que garantiria afirmar que uma teoria é falsa?

Para o realista é possível manter nossas idéias ordinárias sobre o que conhecemos, e não haveria dificuldade em manter as características de autonomia metafísica do mundo e sua acessibilidade epistemológica. Uma teoria, ainda que aproximadamente verdadeira, pode conter alguns grãos de falsidade. À medida que esses grãos não afetem a capacidade preditiva da teoria, ela pode continuar sendo aceita. Contudo, a confirmação de uma teoria poderá ser abalada no momento em que sua capacidade preditiva, ou de realizar descobertas, falhar. A substituição dessa teoria por outra, mais próxima da verdade, conduzirá a um refinamento sobre o entendimento do mundo.


O autor

Luis Fernando Oga é engenheiro, advogado e mestre em Filosofia pela USP.

 

Referências Bibliográficas

Boyd, R. (1973) - “Realism, underdetermination and a causal theory of evidence”, Nous 7: 1-12.

Horwich, P. (1990) - Truth, Basil Blackwell.

Laudan, L. et al. (1986) - “Scientific change: philosophical models and historical research”, Synthese 69: 141-223. (Tradução brasileira publicada pela revista Estudos Avançados-USP 19 (1993): 7-89.

Pessoa Jr., O. (2004) - “O canto do cisne da visão ortodoxa da Filosofia da Ciência”, Scientiae Studiae, São Paulo, v. 2, n. 2: 259-63.

Plastino, C. E. (1995) - Realismo e anti-realismo acerca da ciência: considerações filosóficas sobre o valor cognitivo da ciência, Tese de Doutorado na FFLCH-USP.

Silva, M. R. (1998) - “Realismo e anti-realismo na ciência: aspectos introdutórios de uma discussão sobre a natureza das teorias”, Revista Ciência & Educação, 5(1).

Suppe, F. (1977) - “The search for philosophic understanding of scientific theories”, The structure of scientific theories, University of Illinois, 2ª ed: 1-241.

 

van Fraassen, B. (1980) - “Arguments concerning scientific realism”, The scientific image, Clarendon Press: 6-40.

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