Na semana passada, a mídia eletrônica informou que a 2ª Vara Cível da Comarca de Várzea Grande (MT), em liminar concedida em ação proposta pelo Prefeito Murilo Domingos, proibiu que um site de notícias e uma jornalista “publiquem matérias sobre supostas irregularidades envolvendo o político e processos licitatórios locais”.
A decisão, que cominou multa diária de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para a hipótese de descumprimento, determinou, ainda, que os requeridos “se abstenham ‘de dar entrevistas em rádio e lançar no site eletrônico qualquer notícia que não tenha fins efetivamente informativos, bem como que retire do ar no prazo de 24 horas as notas mencionadas’”.
Não foi possível confirmar a exatidão dessa notícia, no tocante à extensão da liminar, porque o teor da decisão proferida no Processo nº. 308/2009 não estava disponível no
site do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso (
http://servicos.tjmt.jus.br/processos/dadosProcesso.aspx), no momento da elaboração deste artigo.
Com base apenas na notícia publicada, portanto, vislumbra-se na decisão em foco violação ao artigo 5º, incisos IV (“é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”), IX (“é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”), XIII (“é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”) e XIV (“é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”), da Constituição Federal. vislumbra
Também se divisa ofensa ao artigo 220, caput (“A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”) e § 2º (“é vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”), também da Constituição Federal.
Escrevendo sobre a liberdade de informação jornalística, o constitucionalista José Afonso da Silva observa que “a liberdade de informação não é simplesmente a liberdade do dono da empresa jornalística ou do jornalista”, pois “ela só existe e se justifica na medida do direito dos indivíduos a uma informação correta e imparcial” (Curso de Direito Constitucional Positivo. 31 ed. São Paulo: Malheiros, 2008. P. 247).
A imprensa, prossegue o autor, constitui poderoso instrumento de formação da opinião pública e desempenha uma função social consistente em exprimir às autoridades constituídas o pensamento e a vontade popular e em assegurar a expansão da liberdade humana. Daí vem a repulsa “a qualquer tipo de censura à imprensa, seja a censura prévia (intervenção oficial que impede a divulgação da matéria) ou a censura posterior (intervenção oficial que se exerce depois da impressão, mas antes da publicação, impeditiva da circulação de veículo impresso)” (idem).
É preciso que se diga que a decisão em comento não deve prevalecer, pois o Tribunal de Justiça de Mato Grosso, em diversas oportunidades, decidiu pela impossibilidade de se estabelecer censura prévia à imprensa: “Em ação de indenização c/ obrigação de não fazer decorrente de matéria jornalística considerada ofensiva, em razão da liberdade de expressão protegida pela Constituição de 1988, não cabe o deferimento da antecipação de tutela que proíbe a divulgação do nome do autor, pois, estará adiantando a própria indenização e vedando a liberdade da imprensa. Futuros abusos deverão ser considerados no momento da quantificação da indenização, em caso de procedência da ação” (5ª Câmara Cível – Agravo de Instrumento nº. 100721/2007 – Relator Desembargador Carlos Alberto Alves Rocha – Acórdão de 09 de janeiro de 2008 – Site do TJMT).
No mesmo sentido, esta decisão da 1ª Câmara Cível: “Fere a liberdade de imprensa e de manifestação do pensamento a decisão que, em fase processual cuja cognição está incompleta, concede a antecipação de tutela para o fim de impedir a publicação de quaisquer notícias em nome de pessoa pública (Agravo de Instrumento nº. 13416/2004 – Relator Desembargador Rubens de Oliveira Santos Filho – Acórdão de 16 de agosto de 2004 – Site do TJMT).
O que é mais grave, no caso em tela, é que as matérias que motivaram o pedido de censura prévia não diziam respeito à vida pessoal, mas à atuação de Murilo Domingos como agente político. A Administração Pública, não é preciso dizer, rege-se pelo princípio da publicidade, dentre outros (art. 37, caput, CF). Os negócios da polis podem e devem ser discutidos em público.
A propósito, Afonso Arinos de Melo Franco diz que a imprensa “constitui uma defesa contra todo excesso de poder e um forte controle sobre a atividade político-administrativa e sobre não poucas manifestações ou abusos de relevante importância para a coletiva” (apud José Afonso da Silva, obra e página citadas).
A gravidade do caso é ainda maior se considerarmos que a decisão foi proferida poucos dias depois de o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº. 130/DF, ter declarado como não recepcionado pela Constituição Federal todo o conjunto de dispositivos da Lei nº. 5.250/67 (Lei de Imprensa). Prevaleceu, nesse julgamento, o voto do relator, Ministro Carlos Britto, “que entendeu, em síntese, que a Constituição Federal se posicionou diante de bens jurídicos de personalidade para, de imediato, fixar a precedência das liberdades de pensamento e de expressão lato sensu as quais não poderiam sofrer antecipado controle nem mesmo por força do Direito-lei, inclusive de emendas constitucionais, sendo reforçadamente protegidas se exercitadas como atividade profissional ou habitualmente jornalística e como atuação de qualquer dos órgãos de comunicação social ou de imprensa”, dentre outros argumentos (fonte: Informativo STF nº. 544).
É preciso que se ressalte, por fim, que a proibição constitucional de censura prévia deve ser examinada em conjunto com os demais preceitos constitucionais, em especial os incisos V (“é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”) e X (“são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”), do artigo 5º. Em outras palavras, as empresas e os profissionais de imprensa podem e devem ser responsabilizados pelos abusos que praticarem no exercício do direito de informar.