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Resumo:
A violência doméstica e familiar contra a mulher é um dos temas mais frequentes no ordenamento jurídico brasileiro. A razão disto é a enorme incidência de casos que temos em todo o país. Trataremos sua aplicação em ação penal pública incondicionada.
Texto enviado ao JurisWay em 25/10/2013.
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De acordo com Paulo Marco Ferreira Lima:
O anteprojeto da lei foi elaborado por organizações não governamentais de defesa da mulher, o qual foi posteriormente votado pelo Congresso Nacional e sancionado pelo Presidente em 2006.
Assim, buscando o Estado uma proteção especial para maior efetivação de direitos, a Lei Maria da Penha foi promulgada, d mesmo modo que foram criados mecanismos como o Estatuto do Idoso e o Estatuto da Criança e do Adolescente. Já não mais bastavam as medidas da Lei nº 9.099/95, a qual parecia não coibir de forma efetiva a violência doméstica e familiar contra as mulheres.[1]
Para que a real proteção às mulheres fosse de fato alcançada, documentos específicos precisaram ser criados.
Para Sirvinkas, penas mais severas do que na Lei 9.099/95, que impulsionaram a Lei Maria da Penha:
Foi por essa razão, que se criou a lei, denominando-a simplesmente de Lei Maria da Penha, eis que a legislação até então não era suficiente para coibir a violência doméstica, pois a Lei n] 9.9099/95, que trata dos Juizados Especiais Criminais, não mais atendia aos anseios da mulher. Essa lei pretendia facilitar o acesso da população à justiça e desafogar o judiciário, que estava abarrotado de processos de infração de menor potencial ofensivo. Com isso pretendia-se ainda: (a) reduzir a morosidade judicial; (b) propor medidas despenalizadoras; e (c) diminuir a impunidade. A lei, como se vê, objetivava assegurar, fundamentando no Direito Penal Mínimo, a mínima intervenção estatal com máximas garantias. A finalidade da Lei nº 9.9099/95 foi alcançada, pois a justiça tornou-se mais rápida apesar de a pena ser mais branda, fundamentada nos princípios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade (arts. 2º e 62 da Lei nº 9.099/95). Mas, no que tange à proteção da mulher contra a violência doméstica, as medidas adotadas (pagamentos de multa e entregas de cestas básicas de alimentos destinadas às entidades de caridade, por exemplo) não eram suficientes para punir o agressor adequadamente e nem serviam como efeito pedagógico, razão pela qual se criou a presente lei com o fim de aumentar a pena e afastar aa aplicabilidade da Lei 9.099/95. Com o advento dessa lei, não mais prevalecerá a máxima: ‘Em briga de marido e mulher não se mete a colher.’[2]
1.1.1.2 A mulher por trás da Lei
Maria da Penha Fernandes nasceu no Ceará em 1945. É biofarmacêutica, e foi casada com o professor universitário Marco Antonio Herredia Viveros. A Lei 11.340/06 ganhou seu nome por ela ter lutado por 20 anos para ver seu agressor preso.
Em 1983, ela sofreu a primeira tentativa de assassinato, quando levou um tiro nas costas enquanto dormia. Seu marido foi encontrado na cozinha, gritando por socorro, alegando que tinham sido atacados por assaltantes. Desta primeira tentativa, Maria da Penha saiu paraplégica. A segunda tentativa de homicídio aconteceu meses depois, quando Viveros empurrou Maria da Penha da cadeira de rodas e tentou eletrocutá-la no chuveiro.
Apesar da investigação ter começado em junho do mesmo ano, a denúncia só foi apresentada ao Ministério Público Estadual em setembro do ano seguinte e o primeiro julgamento só aconteceu 8 anos após os crimes. Em 1991, os advogados de Viveros conseguiram anular o julgamento. Já em 1996, Viveros foi culpado e condenado há dez anos de reclusão, mas conseguiu recorrer.
Mesmo após 15 anos de luta e pressões internacionais, a justiça brasileira ainda não havia dado decisão ao caso, nem justificativa para a demora. Com a ajuda de ONGs, Maria da Penha conseguiu enviar o caso para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (OEA), que, pela primeira vez, acatou uma denúncia de violência doméstica.
Segundo Lima:
Peticionou junto à Comissão Interamericana dos Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), utilizando-se da exceção do artigo 46, inciso 2, c, da Convenção Americana, o qual reza que haverá admissibilidade da petição se a jurisdição interna apresentar atraso injustificado. A regra para que a vítima peticione ao Tribunal Internacional é o esgotamento das vias internas.
Maria da Penha usou em sua petição os artigos 1º, 24 e 25 da Declaração Americana dos Direitos do Homem, bem como os artigos 3, 4, a, b, c, d, e f, g, 5 e 7 da Convenção de Belém do Pará.[3]
Viveros só foi preso em 2002, para cumprir apenas dois anos de prisão. Hoje está livre.
O processo da OEA também condenou o Brasil por negligência e omissão em relação à violência doméstica. Uma das punições foi a recomendação para que fosse criada uma legislação adequada a esse tipo de violência. E esta foi a sementinha para a criação da lei. Um conjunto de entidades então reuniu-se para definir um anteprojeto de lei definindo formas de violência doméstica para prevenir e reduzir este tipo de violência, como também, prestar assistência às vítimas.
Em setembro de 2006 a Lei 11.340/06 finalmente entra em vigor, fazendo com que a violência contra a mulher deixe de ser tratada como um crime de menor potencial ofensivo. A lei também acaba com as penas pagas em cestas básicas ou multas, além de englobar, além da violência física e sexual, também a violência psicológica, a violência patrimonial e o assédio moral.
Com 68 anos e três filhas, hoje ela é líder de movimentos de defesa dos direitos das mulheres, vítima emblemática da violência doméstica. É coordenadora de estudos da Associação de Estudos, Pesquisas e Publicações da Associação de Parentes e Amigos de Vítimas de Violência (APAVV), no Ceará e esteve presente à cerimônia da sanção da lei brasileira que leva seu nome, junto aos demais ministros e representantes do movimento feminista.
A Lei 11.340 de 07 de agosto de 2006 veio com a proposta de minimizar a violência praticada principalmente por homens, contra mulheres com quem mantém vínculos de natureza afetiva. Sua intenção é garantir uma proteção integral e por esse motivo, criou mecanismos mais rígidos baseando-se em fundamentos previstos no ordenamento jurídico internacional e na Constituição Federal de 1988.
1.1.1.3 A grande mudança da Lei
A Lei Maria da Penha é a responsável pela diminuição da violência praticada contra as mulheres em todo o país. Contudo, há registros de casos que não foram avaliados pela Justiça porque as agredidas desistiram de levar adiante o processo contra os agressores. Retirar a queixa já era proibido, mas não adiantava nada a queixa sem representação. Por esse motivo, vários processos ficavam parados, pois se tratava de caso de ação penal pública condicionada.
Então, a Procuradoria Geral da República ingressou com Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) para mudar de condicionada para incondicionada, e o Supremo Tribunal Federal julgou procedente. O Procurador Geral da República, Roberto Monteiro Gurgel Santos alegou que:
Após dez anos da aprovação da Lei nº 9.099/95, cerca de 70% dos casos que chegavam aos Juizados Especiais envolviam situações de violência doméstica contra mulheres. A lei desestimulava a mulher a processar o marido ou companheiro agressor e consequentemente reforçava a impunidade presente na cultura e na prática patriarcal.[4]
A referida ação foi julgada no dia 09 de fevereiro de 2012 pelos Ministros do STF, decidindo pela procedência da ação ajuizada pelo Procurador Geral da República quanto aos artigos 12, inc. I, 16 e 41 da Lei Maria da Penha, por maioria dos votos, vencido o Presidente, Ministro Cezar Peluso, conforme segue a decisão:
O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, julgou procedente a ação direta para, dando interpretação conforme aos artigos 12, inciso I, e 16, ambos da Lei nº 11.340/2006, assentar a natureza incondicionada da ação penal em caso de crime de lesão, pouco importando a extensão desta, praticado contra a mulher no ambiente doméstico, contra o voto do Senhor Ministro Cezar Peluso (Presidente). Falaram, pelo Ministério Público Federal (ADI 4424), o Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos, Procurador-Geral da República; pela Advocacia-Geral da União, a Dra. Grace Maria Fernandes Mendonça, Secretária-Geral de Contencioso; pelo interessado (ADC 19), Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, o Dr. Ophir Cavalcante Júnior e, pelo interessado (ADI 4424), Congresso Nacional, o Dr. Alberto Cascais, Advogado-Geral do Senado.[5]
A ação penal pública agora não será mais condicionada à representação da vítima, significando que a vítima não precisa declarar o seu desejo de processar o agressor.
Agora, qualquer pessoa, e não apenas a mulher, vítima de violência doméstica, pode comunicar a agressão à polícia. Poderá também, além disso, o Ministério Público apresentar denúncia contra o algoz mesmo contra a vontade da mulher. Antes, apenas a vítima poderia representar contra o agressor nos casos de lesões corporais leves e a denúncia ficava condicionada à autorização da vítima que se dava com a representação.
Embora as alterações se dirijam apenas às lesões corporais, não se aplicando aos casos de ameaça, calúnia e injúria, demonstra uma evolução legislativa, no sentido de retirar da mente do agressor, quando condenado, o entendimento equivocado, de que a sua punição é culpa exclusiva da mulher que o representou e não da sua prática agressiva contra ela. Sendo assim tal modificação retira da mulher o peso da condenação.
Outro ponto notável das alterações alude ao fato de exterminar com as interrupções feitas na investigações policiais, pois de nada adiantavam todos os esforços despendidos para apuração do delito e da autoria se posteriormente, não houvesse a representação da vítima para o início da ação penal.
Além disso, a aplicação da Lei também vale à companheira que é conivente com a prática da violência, seja contra seus próprios filhos ou enteados e se mantém calada diante de tamanha desumanidade, acabando como cúmplice de seu cônjuge.
[1] LIMA, Paulo Marco Ferreira. Violência contra a mulher: o homicídio privilegiado e a violência doméstica. São Paulo: Atlas, 2009. p. 61.
[2]SIRVINSKAS, Luis Paulo. Aspectos polêmicos sobre a Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, que cria mecanismos para coibira violência doméstica e familiar contra a mulher.
[3] LIMA, Paulo Marco Ferreira. Violência contra a mulher: o homicídio privilegiado e a violência doméstica. São Paulo: Atlas, 2009. p. 61..
[4] PROCURADORIA DA REPÚBLICA EM MATO GROSSO. ADI sobre Lei Maria da Penha é julgada procedente pelo STF. Cuiabá, 2012. Disponível em:
[5] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE (Med. Liminar) - 4424. Brasília, 2012. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/peticaoInicial/verPeticaoInicial.asp?base=ADIN&s1=maria%20da%20penha&processo=4424>. Acesso em: 20 de março de 2013.
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