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HISTÓRIA DO COMBATE À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER E OS DIREITOS HUMANOS


Autoria:

Camila Ciriaco Lopes


Bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.

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Resumo:

A violência doméstica e familiar contra a mulher é um dos temas mais frequentes no ordenamento jurídico brasileiro. Faremos uma análise sob o aspecto dos direitos humanos e a história do combate a esse tipo de violência.

Texto enviado ao JurisWay em 25/10/2013.

Última edição/atualização em 28/10/2013.



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1.1    A Revolução Francesa e os direitos das mulheres

 

A mulher muito batalhou para ter os direitos que tem hoje, e mais, demorou muito para perceber que tinha esses direitos. É certo que estamos longe de ter a tão almejada igualdade, mas estamos no caminho.

Podemos dizer que esse caminho começou a ser percorrido na Revolução Francesa, pois a igualdade jurídica foi um dos postulados desse grande acontecimento político, quando as mulheres passaram atuar de forma significativa na sociedade. Exploração e limitação de direitos marcaram essa participação feminina e aos poucos foram surgindo movimentos pela melhoria das condições de vida e trabalho, a participação política, o fim da prostituição, o acesso à instituição e a igualdade de direitos entre os sexos.

Como bem observa Fábio Konder Comparato:

 

A Revolução Francesa desencadeou, em curto espaço de tempo, a supressão das desigualdades entre indivíduos e grupos sociais, como a humanidade jamais experimentara até então. Na tríade famosa, foi sem dúvida a igualdade que representou o ponto central do movimento revolucionário. A liberdade, para os homens de 1789, limitava-se praticamente à supressão de todas as peias sociais ligadas à existência de estamentos ou corporações de ofícios. E a fraternidade, como virtude cívica, seria o resultado necessário da abolição de todos os privilégios. Em pouco tempo, aliás, percebeu-se que o espírito da Revolução francesa era, muito mais, a supressão das desigualdades estamentais do que a consagração das liberdades individuais para todos.[1]

 

As reivindicações das mulheres ao longo da Revolução Francesa podem ser resumidas em dois campos: direitos civis e cidadania política. Durante o Antigo Regime, a mulher era inteiramente tutelada, por causa da sua suposta inferioridade fisiológica, moral e intelectual. Verdade é que, sem o acordo do marido, ela não podia realizar ato jurídico nem dispor dos seus bens. Os casamentos resultavam das estratégias familiares, traçadas pelos pais dos nubentes, visando aos interesses políticos ou financeiros.

Silvia Pimentel ensina:

 

Sempre interessou à sociedade manter a mulher numa situação de alienação. Para isso, vale-se não só um conjunto de normas morais, sociais, jurídicas e religiosas, mas também de crenças, preceitos e valores que são inculcados de tal maneira, que dificilmente há possibilidade de se ver além.[2]

 

A partir do momento em que os direitos naturais, alienáveis e sagrados do homem foram solenemente declarados, brochuras e artigos de jornais levantaram a questão dos direitos das mulheres e indagaram-se as consequências de sua exclusão dos direitos políticos. Na França revolucionária, houve dois tipos de feminismo: um aristocrático, sustentado por mulheres ricas, e um popular, cujos integrantes provinham das camadas sociais subalternas.

Uma das pessoas que notou tal verdade acerca deste desvio da proposta da revolução sobre a igualdade, fora a revolucionária, jornalista e escritora Olympe de Gouges, pseudônimo de Marie Gouze (1748-1793). Madame de Gouges era uma mulher profundamente ligada aos ciclos sociais da época, a conturbada vida política que se instaurou após 1789, e uma profunda defensora dos direitos das mulheres, fato este que a levou em 1791 a contrariar as leis da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, alegando que entre as leis decretadas, não havia espaço para as mulheres seja sendo reconhecida entre outros ofícios, na carreira política, e até mesmo na condição de cidadã.

Olympe de Gouges, viu que a declaração não levava a cabo a sua proposta de igualdade, já que não punha a mulher na condição civil e legal igual aos homens, com isso ela decidiu escrever uma declaração própria para as mulheres, defendendo os direitos de que estas mereciam. No mesmo ano, ela escreveu a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã, afim que desta forma pudesse conceder o reconhecimento civil, social, jurídico e legal às mulheres.

A Declaração fora vista pelo governo como um ato de ousadia, e em 1793 a França sob o governo da República Jacobina não tolerou que textos como este fossem escritos e divulgados. Os jacobinos passaram a perseguir, prender e executar seus adversários políticos, neste caso algumas mulheres acabaram tendo o fim na guilhotina, fim este que a própria Olympe de Gouges tivera.

 

1.2OS DIREITOS HUMANOS E A MULHER

 

Como vimos, muitas mulheres lutaram, de forma direta, nas revoluções americana e francesa, assumindo o papel que na época era visto apenas como do homem, de manterem sozinhas suas famílias e cuidar de suas propriedades, enquanto os homens iam às batalhas.

Observa Pedro Rui da Fontoura Porto:

 

 Assim, as revoluções liberais, não obstante contarem com efetivo apoio do gênero feminino, não dividiram igualitariamente as conquistas de direitos, ficando os homens evidentemente melhor beneficiados. Entretanto, lançado o gérmen dos direitos humanos, naquela que foi sua primeira dimensão – a dimensão das liberdades públicas – a história se encarregaria de fazer justiça ao gênero feminino, ainda que sempre com algum atraso.[3]

 

E acrescenta:

 

Especificamente, quanto à igualdade de gêneros, sob o impacto da atuação do movimento de mulheres, a Conferência dos Direitos Humanos de Viena de 1993 (que tanto inspirou a Convenção de Belém do Pará) redefiniu as fronteiras entre o espaço público e a esfera privada, superando a divisão que até então caracterizava as teorias clássicas do Direito. A partir desta reconfiguração, os abusos que têm lugar na esfera privada – como o estupro e a violência doméstica – passam a ser interpretados como crimes contra os direitos da pessoa humana. Consta que a declaração de Viena, de 1993, foi o primeiro instrumento internacional que especializa a expressão direitos humanos da mulher, conforme o seu art. 18, Parte I:

Os Direitos humanos das mulheres e das crianças do sexo feminino constituem uma parte inalienável, integral e indivisível dos direitos humanos universais. A participação plena e igual das mulheres na vida política, civil, econômica, social e cultural, em nível nacional, regional e internacional, e a erradicação de todas as formas de discriminação com base no sexo constituem objetivos prioritários da comunidade internacional.

A violência com base no gênero da pessoa e todas as formas de assédio e exploração sexual, incluindo as resultantes de preconceitos culturais e tráfico internacional, são incompatíveis com a dignidade e o valor da pessoa humana e devem ser eliminadas. Tal pode ser alcançado através de medidas de caráter legal, da ação nacional e da cooperação internacional em áreas tais como o desenvolvimento socioeconômico, a educação, a maternidade e os cuidados de saúde, e assistência social.

Os Direitos do homem das mulheres deverão constituir parte integrante das atividades da nações Unidas no domínio dos direitos do homem, incluindo a promoção de todos os instrumentos de Direitos humanos relacionados com as mulheres.

A conferência Mundial sobre Direito do Homem insta os Governos, as instituições e as organizações intergovernamentais e não governamentais a intensificarem os seus esforços com vista à proteção e ao fomento dos Direitos do homem das mulheres e das crianças do sexo feminino.[4]

 

Em 1994, a Organização dos Estados Americanos reconheceu a violência contra a mulher como violação aos direitos humanos das mulheres, a partir da Convenção Interamericana para prevenir, sancionar e erradicar a Violência contra a Mulher – conhecida como Convenção de Belém do Pará. Essa Convenção passou a conceituar juridicamente a violência de gênero, que inclui a violência física, sexual e psicológica.

 

1.2.1.2.1    Direito à igualdade

 

Há muito o que se falar sobre igualdade da mulher, seja entre os sexos, seja nas relações particulares, seja sobre o direito da igualdade em sua essência. Porém não entraremos a fundo nesses aspectos, pois daremos apenas pinceladas sobre o tema.

Carmen Lúcia Antunes Rocha ensina:

 

O princípio da igualdade resplandece sobre quase todos os outros acolhidos como pilastras do edifício normativo fundamental alicerçado. É guia não apenas de regras, mas de quase todos os outros princípios que informam e conformam o modelo constitucional positivado, sendo guiado apenas por um, ao qual se dá a servir: o da dignidade da pessoa humana (Constituição da República, art. 1º, inc. III).[5]

 

Para Paulo Marco Ferreira Lima:

 

Quando a Declaração Universal de Direitos Humanos sabiamente procedeu ao reconhecimento do direito à igualdade às mulheres criou um padrão a ser seguido por todos os Estados que se interessem em manter a necessária equiparação entre homens e mulheres.[6]

 

Já sobre a igualdade de sexos, José Afonso da Silva assim se pronuncia, com relação à Constituição de 1988:

 

Essa igualdade já se contém na norma geral da igualdade perante a lei. Já está também contemplada em todas as normas constitucionais que vedam a discriminação de sexo (art. 5º, inc. I), que os homens e as mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição. Era dispensável acrescentar a cláusula final, porque, ao estabelecer a norma, por si, já estava dito que seria ‘nos termos desta Constituição’. Isso é de décadas de lutas das mulheres contra discriminações. Mais relevante anda e que não se trata aí de mera isonomia formal. Não é igualdade perante a lei, mas igualdade em direito e obrigações. Significa que existem dois termos concretos de comparação: homens de um lado e mulheres de outro. Onde houver um homem e uma mulher, qualquer tratamento desigual entre eles, a propósito de situações pertinentes a ambos os sexos, constituirá uma infringência constitucional.[7]

 

1.2.1.2.2    Dignidade da pessoa humana

 

Todo ser humano tem direito de viver com dignidade, independente de raça, cor, credo, classe social, e principalmente gênero. Noberto Bobbio conceitua os direitos humano, ou seja, os direitos do homem como aqueles que pertencem a todos os homens ou dos quais nenhum homem pode ser privado.

São aqueles direitos cujo reconhecimento é condição necessária para que ocorra o aperfeiçoamento da pessoa humana. Ou para o desenvolvimento da civilização.[8]

Assim, como decorrência do caráter sistêmico, adotado pelas sociedades complexas, nas últimas décadas, observa-se que ocorreu a adoção da tendência a especificar os direitos humanos em coletividades determinadas ou mesmo em interesses bastante particularizados. É o caso então das normas internacionais que procuram combater o genocídio, a discriminação racial, ou normas de proteção à criança e ao adolescente, ao idoso, aos portadores de necessidade especiais, ao meio ambiente e à mulher.

Doutrina M ária Berenice Dias que:

 

A liberdade é reconhecida como a primeira geração dos direitos humanos, direito que é violado quando o homem submete a mulher ao seu domínio. Também não há como deixar de reconhecer nesta postura afronta aos direitos humanos de segunda geração, que consagra o direito à igualdade. De outro lado, quando se fala na questões de gênero, ainda marcada pela verticalização, é flagrante a afronta à terceira geração dos direitos humanos, por que tem por tônica a solidariedade.[9]

 

Necessário observar que em relação à mulher há a existência de Direitos Humanos que são consagrados através de diversos Tratados e Convenções Internacionais, estes, por sua vez, ratificados e internacionalizados ao Sistema Jurídico Brasileiro, qual sejam: Convenção sobre eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, que foi ratificada em 1994, e a Convenção Interamericana para Preveni, Punir e Erradicar a Violência contra a mulher – “Convenção do Belém do Pará”, que foi ratificada em 1995. Também os direitos inseridos na própria carta constitucional de 1988, particularmente no seu art. 1º, inciso III, estabelece como um dos fundamentos de nossa República “a dignidade da pessoa humana”.

A violência doméstica contra a mulher atinge um grau de brutalidade tão grande que deve ser considerada também um grande problema de saúde pública.

Segundo Tamayo Leon Giulia:

 

O direito das mulheres a uma vida livre de violência é urgente. Não se refere a um tratamento de exceção que afirma a sua natural vulnerabilidade. Em sua formulação tratou-se, apropriadamente, de revelar, e como consequência, corrigir a falta de proteção de exceção que jurídica e institucionalmente vêm tendo os direitos humanos da mulheres. Em sua conceituação, ratificam-se direitos humanos de aplicação universal e se reconhecem como violações a estes um conjunto de atos lesivos que até então não tinham sido apreciados como tais. É um direito que repõe o princípio de igualdade, fazendo com que tudo o que seja violento, prejudicial e danoso para as mulheres seja considerado como ofensivo para a humanidade.[10]

 

O Estado sempre estará comprometido, juridicamente falando, a proteger a família e a cumprir sua função preventiva no que se refere à violência doméstica. Por esse motivo, sempre deve ser chamado a redimensionar problema sob a ótica dos direitos humanos e fundamentais.

A dignidade humana é o valor imperativo e fundamento da República Federativa do Brasil e representa, juntamente com os direitos fundamentais, a própria razão de ser da Constituição Brasileira, pois o Estado é apenas meio para a promoção e defesa do ser humano. É mais que um princípio, é norma, regra, valor que não pode ser esquecido em nenhuma hipótese. É irrenunciável, e os direitos humanos decorrem do reconhecimento da dignidade do ser humano, e combater a violência doméstica é uma das formas de garantir a dignidade da mulher.

 

1.2.1.2.3    Direito a Liberdade

 

Segundo Luís Roberto Barroso o direito à liberdade se relaciona com a garantia da legalidade, e isso fica claro quando afirma que a liberdade consiste em não ter ninguém que se submeter a qualquer vontade que não a da lei, e mesmo assim, desde que ela seja formal e materialmente constitucional.[11]

A liberdade proporciona ao homem a sua condição humana, proporciona o direito à escolha. Segundo Pontes de Miranda: “Ser livre significa não ser sujeito a outrem. Pode-se ser sujeito a outrem, ou fisicamente, ou moralmente, ou psicologicamente (...)”.[12]

Ou seja, sempre que houver desigualdade, o direito a liberdade estará também sendo violado. Antes o direito à liberdade da mulher praticamente não existia, enquanto os homens tinham a liberdade em sua plenitude. Tratava-se de uma questão de status na sociedade. A mulher não podia, não devia, não era compatível com sua posição. Hoje seu direito está garantido na Constituição em seu inciso I do art. 5º: “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”. Daí pode-se concluir que ambos têm direitos iguais à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade



[1] COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos, p.136-137.

[2] PIMENTEL, Silvia. Evolução dos direitos da mulher, p.160.

[3] PORTO, Pedro Rui da Fontoura. Violência doméstica e familiar contra a mulher: Lei 11.340/06: análise crítica e sistêmica. 2. ed. ver. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012. p.14.

[4] Ibidem,. p.16.

[5] ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. Revista de Informação Legislativa, p. 289.

[6] LIMA, Paulo Marco Ferreira. Violência contra mulher: homicídio privilegiado e a violência doméstica. São Paulo: Atlas, 2009. p. 118.

[7]Curso de Direito Constitucional, p.216.

[8] BOBBIO, Noberto. A era dos direitos. Tradução: Carlos Nelson Coutinho, p.17.

[9] DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher, p.32.

[10] GIULIA, Tamayo Leon. Questão de Vida: balanço regional e desafios sobre o direito das mulheres a uma vida livre de violência, p.26-27.

[11] Temas de Direito Constitucional, p.85.

[12] Democracia, Liberdade, Igualdade: Os Três Caminhos, p.243.

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