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A INCONSTITUCIONALIDADE DA CLASSIFICAÇÃO DOS CRÉDITOS TRABALHISTAS NA FALÊNCIA.


Autoria:

Isabela Britto Feitosa


Advogada atuante nas áreas Cível, Trabalhista, Previdenciária e Administrativa.

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Resumo:

A Lei 11.101/2005 trouxe inúmeras mudanças não só para o Direito Empresarial, como também para o Ordenamento Jurídico Brasileiro. Dentre estas inovações tem-se a limitação sofrida pelos créditos trabalhistas na classificação dos créditos na falência.

Texto enviado ao JurisWay em 02/06/2011.



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1 INTRODUÇÃO

Uma grande expectativa foi gerada no âmbito jurídico acerca das novas normas trazidas pela Lei 11.101/2005. O Decreto-Lei que anteriormente vigia não mais atendia a grande mutabilidade do Direito Empresarial, necessitando de uma reforma que o adequasse ao cenário mundial atual.

As modificações na legislação de Direito Empresarial deveriam ter sido feitas levando em conta não só a empresa, mas, os reflexos que ela terá em todos os seguimentos da sociedade, pois, a atividade empresarial é de grande importância para toda a vida sócio econômica de um país.

Não obstante a Nova Lei trazer importantes modificações em todo o regime falimentar e ainda criar o instituto da Recuperação Judicial, ela pecou no tocante aos créditos trabalhistas, que mantiveram sua preferência, limitada, porém ao valor máximo de cento e cinqüenta salários-mínimos.

Esta é a mais importante e absurda. Dispensou-se duplo tratamento ao crédito trabalhista, considerando-o privilegiado até o valor de 150 salários mínimos, devendo a parcela que exceder este limite figurar entre os créditos quirografários, não tendo, portanto, qualquer privilégio.

Esta limitação, apesar de tentar ser justificada pela ocorrência de fraudes no processo falimentar, praticadas pelos funcionários de alto escalão como forma de receber altos valores referentes a créditos trabalhistas (que na realidade não lhe eram devidos), se deu, efetivamente, pela influência de entidades que procuravam proteger o seu crédito, em detrimento, entretanto, da classe trabalhadora.

Diante de tanta repercussão, já existe no Supremo Tribunal Federal Ação Direta de Inconstitucionalidade questionando a legalidade da limitação de créditos, disposta no artigo 83, inciso I da referida lei, a qual também possui parecer proferido pelo Procurador Geral da União, Cláudio Fonteles, os quais serão abordados no decorrer do trabalho.

Neste trabalho tratar-se-á justamente dessa nova classificação dada aos créditos trabalhistas no processo falimentar, limitadamente, abordando os princípios e normas que foram olvidados pelo legislador e que acabaram por cercear direitos adquiridos com muita luta no decorrer da história.

Para adentrar no assunto, far-se-á uma abordagem do instituto da falência, tratando desde a sua origem histórica e conceitos, até os requisitos para a sua decretação no direito contemporâneo.

Analisar-se-á a Lei 11.101/05, tratando dos princípios que nortearam a sua confecção, das principais normas trazidas adentrando, rapidamente, na classificação geral dos créditos no processo falimentar.

Posteriormente, abordar-se-á a classificação dos créditos, analisando os principais pontos da cada classe, para, em seguida, tratar-se especificamente dos créditos trabalhistas - um dos pontos mais discutidos desde a tramitação do projeto de lei nas casas legislativas.

Far-se-á também uma breve passagem pelas conquistas dos direitos trabalhistas no decorrer da história do Brasil, que se desenvolveu a partir de muitas reivindicações e lutas sociais. Concluindo que a Nova Lei de falências, neste aspecto, constituiu-se num regresso, pois, enquanto no ultrapassado Decreto-Lei os créditos trabalhistas tinham preferência acima de qualquer outro crédito, até mesmo em relação aos débitos da massa, a Lei 11.101/2005 vem diminuir esses direitos, andando na contramão da história que só tem trazido novos benefícios para o trabalhador.

Por fim, discorrer-se-á sobre os princípios gerais e específicos do Direto do Trabalho atingidos, e, ainda, sobre as normas constitucionais e celetistas que se mostram conflituosas com a Nova Lei de Falências. As críticas feitas à Nova Lei consistem, principalmente, na dissintonia do dispositivo legal com os dispositivos constitucionais, notadamente arts. 1º, 6º e 7º, que privilegiam e destacam os valores sociais do trabalho e guindam as normas de sua proteção ao status de direitos fundamentais sociais.

É nesse sentido que caminha o presente estudo, no qual se questionará a concordância do art. 83,I da Lei 11.101/2005 com o Ordenamento Jurídico nacional, principalmente em relação à Constituição Federal, demonstrando assim como o legislador foi falho neste ponto da Lei de Falência.

 

2 A FALÊNCIA

 

A atividade empresarial é dotada de muitos riscos, muitos investimentos são feitos na expectativa de lucro, porém, nem sempre as táticas administrativas utilizadas cominam no resultado esperado, afinal, o mercado não é estático, e o meio econômico está em constante mutação.

Sendo assim, muitas vezes a realidade do resultado não é a mesma da ação, provocando resultados não esperados, que podem ser benéficos ou maléficos ao empreendimento.

Quando uma atividade passa por um grande resultado, ou uma gama de pequenos resultados maléficos, muitas vezes acaba por ficar com dificuldades econômico-financeiras, gerando assim a situação de insolvência, que caracteriza a falência. Nas palavras de Ricardo Negrão (2004, p. 21), a Falência é definida como:

 

Um processo judicial complexo que compreende a arrecadação dos bens, sua administração e conservação, bem como a verificação e o acertamento dos créditos, para posterior liquidação dos bens e rateio entre os credores. Compreende também a punição de atos criminosos praticados pelo devedor falido.

 

No Direito Falimentar atual, com a criação da recuperação judicial, e visando atender aos princípios da função social da empresa e da preservação da empresa, o empresário em crise poderá se submeter a este procedimento desde que demonstre a viabilidade do seu empreendimento antes de requerer a falência.

Fazzio Júnior (2006, p. 623) sinaliza que: “esta orientação não significa menosprezo pelo relevante instituto da falência, mas a valorização das possibilidades jurídicas de sua preservação, tendo em vista os efeitos econômicos da insolvência, na estrutura social brasileira.”

No decorrer deste processo o juiz poderá decretar a falência em algumas situações.  Nesse sentido a Lei n° 11.101/2005, traz, no seu art. 73, as situações em que o juiz decretará a falência durante o processo de recuperação judicial, quais sejam:

 

I – por deliberação da assembléia-geral de credores, na forma do art. 42 desta Lei;

II – pela não apresentação, pelo devedor, do plano de recuperação no prazo do art. 53 desta Lei;

III – quando houver sido rejeitado o plano de recuperação, nos termos do § 4º do art. 56 desta Lei;

IV – por descumprimento de qualquer obrigação assumida no plano de recuperação, na forma do §1º do art. 61 desta Lei.

 

 

Além dessas, o art. 94 traz outras situações que determinam a decretação da falência, independentemente da utilização da recuperação judicial:

 

Art. 94. Será decretada a falência do devedor que:

I – sem relevante razão de direito, não paga, no vencimento, obrigação líquida materializada em título ou títulos executivos protestados cuja soma ultrapasse o equivalente a 40 (quarenta) salários-mínimos na data do pedido de falência;

II – executado por qualquer quantia líquida, não paga, não deposita e não nomeia à penhora bens suficientes dentro do prazo legal;

III – pratica qualquer dos seguintes atos, exceto se fizer parte de plano de recuperação judicial:

a) procede à liquidação precipitada de seus ativos ou lança mão de meio ruinoso ou fraudulento para realizar pagamentos;

b) realiza ou, por atos inequívocos, tenta realizar, com o objetivo de retardar pagamentos ou fraudar credores, negócio simulado ou alienação de parte ou da totalidade de seu ativo a terceiro, credor ou não;

c) transfere estabelecimento a terceiro, credor ou não, sem o consentimento de todos os credores e sem ficar com bens suficientes para solver seu passivo;

d) simula a transferência de seu principal estabelecimento com o objetivo de burlar a legislação ou a fiscalização ou para prejudicar credor;

e) dá ou reforça garantia a credor por dívida contraída anteriormente sem ficar com bens livres e desembaraçados suficientes para saldar seu passivo;

f) ausenta-se sem deixar representante habilitado e com recursos suficientes para pagar os credores, abandona estabelecimento ou tenta ocultar-se de seu domicílio, do local de sua sede ou de seu principal estabelecimento;

g) deixa de cumprir, no prazo estabelecido, obrigação assumida no plano de recuperação judicial.”

 

 

Assim, a Nova Lei também filiou-se à impontualidade como critério de determinação da falência. Essa medida foi tomada como uma forma de prevenção da falência, pois, como a impontualidade indica dificuldade econômica, porém, não de uma forma acentuada, este empresário poderá se submeter ao processo de recuperação, apresentando um plano de recuperação, o que suspenderá a falência. Entretanto, se ele já se encontra insolvente, dificilmente manter-se-á no mercado.

Vale ressaltar que, o importante para este estudo, será justamente esse empresário, que não tendo capacidade de recuperação, insere-se nas situações acima descritas passando pelo processo de falência.

A decretação da falência enseja o afastamento do devedor de suas atividades empresariais, preservando e otimizando a utilidade produtiva dos bens, ativos e recursos produtivos da empresa, inclusive os intangíveis. Ainda sujeita todos os credores, que somente poderão exercer os seus direitos sobre os bens do devedor na forma prescrita em lei.

 

2.1 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA

 

Etimologicamente, o termo falência provém do latim, do verbo fallere, que significa faltar, enganar. Nesse contexto passou-se a usar o termo como expressão que significa faltar com a palavra, indicando idéia de falha ou omissão.

Trazendo para o campo jurídico ter-se-á a falência como o “fenômeno que se traduz na impossibilidade em que se acha o comerciante de pagar suas dívidas, como decorrência da insuficiência patrimonial” (DOREA, 2000, p. 151).

Porém, nem sempre utilizou-se a palavra falência para designar este instituto. A expressão quebra, por exemplo, tinha muito mais prestígio, se referindo as Ordenações do Reino Português à quebra dos mercadores, dos seus tratos e de seu crédito, bem como nosso extinto Código Comercial regulou a matéria sob o título “Das quebras”.

Nesse mesmo sentido usava-se, ainda, a palavra bancarrota para definir a situação relativa à falência, sendo que tal palavra deriva da expressão italiana banco rotto, que significa banco quebrado.

Estas expressões advêm de prática costumeira, na Idade Média, principalmente na Itália, a qual os credores quebravam, na feira ou mercado, onde o credor praticava suas atividades, a sua banca de comércio.

Apesar de muito usada no Direito francês e italiano esta expressão não teve grande recepção pelo nosso Direito, sendo usado apenas pelo Código Criminal de 1830, como designativo da falência fraudulenta.

Com relação à sua origem histórica, o instituto da falência representa uma grande evolução, pois, é a partir da sua normatização que ter-se-á a observância do princípio da responsabilidade patrimonial pelas dívidas.

Na antiguidade, a execução possuía índole privada, seguia o princípio segundo o qual o devedor respondia com seu corpo e até mesmo com sua vida pelas dívidas que não fossem pagas. Tinha-se aí um caráter estritamente pessoal da obrigação.

Podemos observar essa característica no antigo Direito Romano, com a Lei das Doze Tábuas, que dava ao credor um direito contra e sobre o devedor, ou o poder de vida e morte do credor sobre o devedor insolvente, ou de seu esquartejamento pelos credores concorrentes (DORIA, 2000.p.153).

Como exemplo de execução pessoal tem-se ainda o Código de Manu, na Índia, a legislação egípcia, grega e judaica que davam ao credor o direito de escravizar o seu devedor.

A evolução da execução pessoal para a execução patrimonial se deu no mesmo Direito Romano, em sua fase clássica, no ano de 428 a.C. com a Lex Poetelia Papiria, onde os bens do devedor, e não mais o seu corpo, passam a constituir garantia dos credores. O vínculo passa a ser real e não mais pessoal, apesar de ainda haver a possibilidade de ser aplicada ao devedor a pena de perda dos direitos civis e impregnar-se naquela a estigma da nota de infâmia.

Essa nova regra deu maior conotação pública ao procedimento, acrescentando a ingerência do magistrado. De acordo com ela, o pretor autorizava o adentramento na posse dos bens do devedor como forma de pressioná-lo ao pagamento, que se ainda assim não acontecesse, tinha seus bens transmitidos ao bonorum emptor, que passava a ser responsável pelos créditos e débitos do devedor, devendo quitá-los (NEGRÃO, 2004. p. 8).

Essa modificação no sistema de execução coletiva das dívidas, através da bonorum vendictio, deu origem ao instituto da falência e inspirou o legislador medieval a criar o instituto da moratória e da concordata preventiva da falência, que, a sua vez, perduraram também por muitos séculos, chegando aos dias atuais. A moratória e a concordata preventiva da falência fizeram surgir uma situação inusitada no processo de insolvência, pois, não mais se buscava apenas a satisfação dos credores, como acontecia anteriormente, mas, uma composição entre devedor e seus credores.

Na Idade Média o instituto evolui ainda mais devido a forte atividade mercantil que se desenvolvia naquela época, principalmente no Norte da Itália, surgindo assim a necessidade de um Direito Falimentar que legitimasse o fortalecimento da Autoridade Estatal. Passou-se a identificar a falência por características mais objetivas, aplicando-se medidas de coação como o seqüestro e o encerramento dos escritos.

Até esta época, a falência era aplicada a toda espécie de devedor, fosse ele comerciante ou não. Com o desenvolvimento das atividades de comércio, alguns países restringiram sua aplicação à apenas devedores comerciantes.

Após esse período, já na Idade Moderna, merece destaque o Código Comercial Francês de 1807, que teve um livro todo dedicado ao procedimento falimentar, que mantinha, entretanto, medidas severas contra a pessoa do falido.

Passo importante do Código Comercial Francês foi distinguir os devedores de boa-fé dos de má-fé, facultando aos primeiros o benefício da moratória, com o aperfeiçoamento da concordata.

Por seu rigor excessivo este livro foi revogado pela Lei de 28 de maio de 1838, e a partir daí, várias outras reformas ocorreram no Direito Francês, que serviram de modelo para as legislações da Europa e América Latina.

Com o passar do tempo, a falência passou a ter características mais econômicas, ou seja, mais preocupada com a manutenção da atividade empresarial e não apenas com os interesses dos credores, surgindo, deste modo, nas legislações inglesa e norte-americana, mecanismos político-econômicos que possibilitavam a sobrevivência da empresa.

Observa-se pela evolução histórica da falência que houve um direcionamento para a permanência das empresas que se mostrassem viáveis, pois, apenas a punição do empresário não satisfazia o interresse social, uma vez que a extinção de uma empresa conotava prejuízo para toda a sociedade.

 

2.2 A FALÊNCIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

 

Na época do descobrimento do Brasil por Portugal, vigiam neste país as Ordenações Afonsinas, que por conseqüência foram trazidas e aqui aplicadas. Estas mais tarde, foram revistas pelo novo rei D. Manoel, passando a chamar Ordenações Manoelinas. Estas normas possuíam características do Direito Italiano, no que tratava da falência, mantendo, portanto, o caráter punitivo. A falência era tratada como parte do Direito Criminal, havendo a determinação de que o devedor ficasse preso até o pagamento das suas dívidas, podendo, entretanto optar por ceder seus bens aos credores, ficando isento da prisão.

Sucederam as Ordenações Manoelinas as Ordenações Filipinas, que vigoraram no Brasil de 1603 até 1916, quando entrou em vigor o Código Civil, revogando as últimas normas ainda vigentes. Apesar de ter origem Espanhola, foi aplicada a Portugal que estava sob domínio do Reino de Castela, e inclusive às suas colônias, que nesta época já estavam com suas atividades mercantis em desenvolvimento.

Essas Ordenações tratavam da falência em livro específico, denominado “Dos mercadores que quebravam”. Dentre as inovações trazidas estava o direcionamento da quebra apenas aos comerciantes, distinguindo, ainda, os mercadores devedores honestos dos desonestos. Tal distinção tratava os desonestos como ladrões públicos, inabilitando-os para o comércio e impondo-lhes penas que variavam do degredo à pena de morte (NEGRÃO, 2004, p. 12), e não punia os segundos, que podiam compor-se com os credores, bem como a disciplina do concurso de credores, priorizando o recebimento ao credor que desse início à execução. A condenação se dava por sentença judicial, que transitando em julgado, permitia a execução do devedor e a penhora dos seus bens.

As Ordenações Filipinas foram modificadas pelo Alvará de 13 de novembro de 1756, que influenciou o nosso Código Comercial de 1850, em sua Terceira Parte, por instaurar um nítido e autêntico processo de falência em Portugal.

Nesta fase, o devedor deveria se apresentar à Junta do Comércio e: prestar juramento sobre a verdadeira causa da falência, entregar as chaves dos estabelecimentos comerciais, declarar todos os seus bens e ainda entregar o seu Livro Diário. Após cumprimento dessas exigências, era publicado edital com convocação de todos os credores.

Interessante citar que da arrecadação dos bens do devedor, dez por cento era destinado ao seu sustento e de sua família, sendo o restante partilhado entre os credores.

Após as Ordenações Filipinas, e com a independência do país, passa a viger o Código Comercial de 1850, que tratava da falência, na sua Parte III, sob a rubrica “Das Quebras”, e que era regulamentado pelo Decreto n° 697, de 25 de novembro de 1850. Segundo Carvalho de Mendonça, citado por Ricardo Negrão “a deficiência da legislação, a facilidade das quebras e as altas imoralidades que a conquistavam foram as causas que mais contribuíram para a publicação do Código Comercial de 1850” (NEGRÃO, 2004, p.12).

Este por sua vez sofreu muitas críticas, pois, não atendia à sua demanda, prejudicando tanto credores quanto devedores, principalmente por sua lentidão.

A partir do Decreto n° 917 de 24 de outubro de 1890 que, elaborado em apenas quatorze dias, é inaugurada a fase republicana do Direito Brasileiro. Este decreto derrogou a terceira parte do então vigente Código Comercial, se configurando como a nossa primeira lei extravagante sobre falência.

Esse Decreto trouxe uma importante modificação no tocante à caracterização da falência, que até aqui acontecia pela cessação dos pagamentos pelo devedor. A partir de então, a falência se configurava pela impontualidade nos pagamentos somada a fatos, legalmente enumerados, que faziam presumir a insolvência. O Decreto introduziu ainda, em nosso sistema, a moratória e a concordata por abandono, que consistia na adjudicação dos bens da massa aos credores, para pagamento do passivo (DORIA, 2000, p. 159).

Apesar da grande contribuição trazida, o Decreto nº 917 foi alvo de numerosas críticas, pois, entendiam ser o instituto da concordata extrajudicial responsável por fraudes e abusos prejudiciais aos credores, críticas essas que terminaram por induzir a sua derrogação, após a Proclamação da República, pela Lei n° 859, de 16 de agosto de 1902, regulamentada pelo Decreto n° 4855/1903, que veio com o intuito de sanar as fraudes que vinham ocorrendo.

Porém, esta também não foi isenta de críticas como coloca Dylson Doria (DORIA, 2000, p. 159), citando Sá Viana, que entendia que esta lei foi “feita sem plano, sem ordem, sem sistema, sem nexo, admitindo medidas condenadas pelas legislações mais modernas e perfeitas”.

Vigendo por pouco tempo, a Lei 859/1902 logo foi substituída pela Lei 2.024, de 17 de dezembro de 1908 de autoria do Ilustre Mestre Carvalho de Mendonça. Apesar das imperfeições que continha, representou grande aperfeiçoamento em relação às legislações anteriores, sendo aplaudida por seus críticos.

A Lei 2.024 trouxe, dentre inúmeras inovações: a submissão das sociedades anônimas à falência; a introdução do Ministério Público como curador das massas falidas; a fixação do critério da impontualidade e de alguns atos indicativos de falência como caracterizadores da quebra; a unificação dos procedimentos de verificação e classificação de créditos, definindo a inclusão e a classificação do crédito; o estabelecimento de dois tipos de concordata: a preventiva e a concordata na falência, bem como estabelecimento dos critérios para concessão das concordatas (Negrão, 2004, p.15).

Algumas poucas modificações foram introduzidas pelo Decreto n° 5.746, de 9 de dezembro de 1929, que não passaram de adaptações ao mundo pós-guerra.

Esta permaneceu vigendo até 1945 quando foi publicado o Decreto-lei n°7.661, fruto de anteprojeto apresentado em 21 de outubro de 1943, elaborado por uma comissão de juristas, da qual fazia parte Philadelpho Azevedo, Hahnemann Guimarães, Noé Azevedo, Joaquim Canuto Mendes de Almeida, Sylvio Marcondes e Luiz Lopes Coelho.

Este novo diploma legal trouxe as seguintes inovações, dentre as quais: a extinção da figura do liquidatário, que foi substituído pelo síndico; abolição da assembléia dos credores; concessão de concordata preventiva pelo juiz independente da audiência dos credores; possibilidade do falido impetrar concordata suspensiva; caracterização da concordata como um benefício concedido pelo Estado, deixando, deste modo, de ser um contrato; faculdade de requerimento da falência tanto pelo credor quanto pelo devedor; verificação e classificação dos créditos; extinção das obrigações do falido.

Verifica-se que somente aqui se tratou da classificação dos créditos, havendo anteriormente igualdade entre todos os credores, sendo privilegiado em determinados momentos históricos apenas o credor que desse início à execução, independente do tipo de crédito que ele tivesse a receber.

O Decreto-Lei 7661/1945, com sessenta anos de vigência sofreu algumas modificações por leis posteriores. Essas modificações, porém, não foram suficientes para sanar as distorções que existiam entre as normas deste meio social e econômico no qual nos encontramos atualmente.

Quanto a essa necessária adequação, já vinha tramitando nas casas legislativas o Projeto de Lei n° 4376/93, fruto do anteprojeto publicado em 27 de março de 1992, de autoria de Leon Fejda Szklarowsky e Alfredo Buchamá e apresentado à Câmara dos Deputados por iniciativa do então Presidente da República, Itamar Franco.

Depois de longo tempo de tramitação deste Projeto de Lei, nasce a Lei n° 11.101 de 09 de fevereiro de 2005, que regula atualmente o processo falimentar da qual tratar-se-á no tópico seguinte.

 

3 OS CRÉDITOS TRABALHISTAS

 

Os créditos trabalhistas são aqueles que decorrem da legislação do trabalho e as indenizações por acidente de trabalho que tenham ocorrido com culpa ou dolo do empregador.

Equipara-se aos empregados, beneficiando-se do privilégio dos créditos trabalhistas, os representantes comerciais e a Caixa Econômica Federal pelos créditos referentes ao FGTS, que na verdade se revertem quase que na sua totalidade para os empregados.

Como visto acima, o primeiro nível dos créditos concursais é ocupado pelos créditos trabalhistas, isto para atender não só o princípio da proteção aos trabalhadores, constante das justificativas do relator do projeto de lei no Senado, como também observando a situação de hipossuficiência da maioria da classe trabalhista.

Entretanto, esta preferência foi limitada a 150 salários mínimos, com o objetivo de impedir que os administradores habilitem créditos exorbitantes e fraudulentos, consumindo assim grande parte do recurso da massa falida, o que prejudicaria os demais credores.

Sabe-se que não somente empregados com altos salários são passíveis de titularizarem altos créditos trabalhista, e é justamente esse pequeno trabalhador que possui um alto crédito trabalhista o mais injustiçado, pois, vinha tendo durante um longo tempo seus direitos não satisfeitos.

Sendo assim, apesar de se basear, entre outros, no princípio da proteção dos trabalhadores, a Lei de Falência acabou por cercear alguns direitos dos trabalhadores, que notadamente é a classe mais frágil de todos os credores, pois em sua grande maioria tem como único meio de sobrevivência a remuneração pelo seu único trabalho.

 

3.1 A CONQUISTA DOS DIREITOS TRABALHISTAS NO BRASIL

 

Vivendo no sistema colonial, com a economia baseada na atividade agrícola movida pelo trabalho escravo, o Brasil teve a Lei Áurea como marco principal, pois, só com a abolição da escravatura pôde-se falar em trabalhador; até então as condições de trabalho eram inumanas, como eram também considerados os escravos. Raríssimos eram os casos de trabalho livre, e mesmo os que existiam, não representavam uma relação de emprego.

Após a Proclamação da República, e com o desenvolvimento da atividade cafeeira e industrial, inicia-se a formação da classe operária, compreendida, em sua grande, parte por imigrantes europeus; consequentemente, surgem as primeiras reivindicações, que, entretanto não exercia nenhum papel significativo sobre  o Estado.

Algumas disposições sobre trabalho já existiam, porém, não eram respeitadas e tampouco atendiam as necessidades dos trabalhadores. Podemos citar, como exemplo, os Decretos: 1313/1891, que previa a proteção do trabalho do menor, e os Decretos 979/1903 e 1637/1907, que dispunham sobre sindicatos rurais e urbanos, respectivamente. Vale lembrar, também, o Código Civil de 1916 que tratava dos contratos de trabalho.

Em 12 de junho de 1917, em São Paulo, uma greve de enorme repercussão foi organizada pelos operários. Postulava-se um aumento 20% em seus salários. A greve durou até 15 de julho de 1917, atingindo treze cidades e mais de 20.000 operários, culminando na aceitação do aumento e no compromisso de serem observados os direitos e proteções aos trabalhadores.

Nos anos seguintes, um intenso movimento legislativo se propagava, mas, só a partir de 1930 que o Direito do Trabalho se firmou como Direito; essa data é um marco. Nesse mesmo ano foi criado o Ministério do Trabalho; decretos posteriores criaram a Carteira de Trabalho e instituíram as jornadas de trabalho dos trabalhadores do comércio, da indústria, do casas de diversões, dos bancos, da área de transporte e hoteleira.

Em 1932 o Decreto nº 21.396 criou as Comissões Mistas de Conciliação e Julgamento, às quais seriam submetidos os conflitos trabalhistas dos operários sindicalizados. A Constituição de 1937 chegou a se referir a uma Justiça do Trabalho, que só foi regulamentada, entretanto, em 1939.

Com a Justiça do Trabalho institucionalizada, resolveu-se “organizar” as normas referentes aos trabalhadores, sendo promulgada em 1943 a Consolidação das Leis do Trabalho, que reuniu grande parte das normas sobre direito individual, coletivo e processual do trabalho.

Seguiram a CLT inúmeras normas, que tratavam dos direitos e garantias que foram sucessivamente conquistados pelos trabalhadores como: repouso semanal remunerado (1949); menor aprendiz (1952); adicional de periculosidade (1955); homologação da rescisão contratual (1970); 13º salário (1962); salário família (1936), etc.

Outras normas foram criadas após uma tentativa frustrada de reformulação da CLT e com a reforma político-econômica do país, o Direito do trabalho passou também a possuir características mais econômicas. Foram criados, então, o FGTS, com o objetivo de aplicar parte das verbas recebidas com a rescisão no sistema habitacional; e o PIS, visando promover a participação do trabalhador no desenvolvimento das empresas, entre outros.

Foi, entretanto, com o novo sistema político, do qual emergiu a Constituição Federal de 1988 que as relações de trabalho ganharam um novo rumo. Prezados os direitos e garantias sociais, houve significativas mudanças nas normas trabalhistas, inseridas nesta carta como Direitos Sociais, entre os quais podemos destacar:

 

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

I - relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos;

[...]

IV - salário mínimo , fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;

V - piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho;

VI - irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;

VII - garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração variável;

[...]

X - proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa;

[...]

XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;

[...]

XV - repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos;

XVI - remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinqüenta por cento à do normal;

XVII - gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal;

XVIII - licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias;

XIX - licença-paternidade, nos termos fixados em lei;

[...]

XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;

XXIII - adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei;

XXIV - aposentadoria;

[...]

XXVI - reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho;

XXVII - proteção em face da automação, na forma da lei;

XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;

[...]

XXIX - ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho;

XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil;

XXXI - proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência;

XXXII - proibição de distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos;

XXXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos;

XXXIV - igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso.

Parágrafo único. São assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos os direitos previstos nos incisos IV, VI, VIII, XV, XVII, XVIII, XIX, XXI e XXIV, bem como a sua integração à previdência social.

 

 

Muitas normas posteriores surgiram nesse sentido, qual seja, proteger e garantir os direitos que os trabalhadores vêm conquistando no decorrer desses anos de luta, inclusive a proteção salarial. Contudo, a Lei 11.101/05, veio na contramão, limitando o “recebimento” da totalidade dos créditos trabalhistas, apesar de proteger o trabalhador com a prioridade do recebimento, o que não justifica, entretanto a sua limitação.

 

4 PRINCÍPIOS E NORMAS CORRELATOS À FALÊNCIA

 

Alguns princípios e normas foram estabelecidos como forma de proteção ao crédito do trabalhador, pois, como entende Maurício Delgado (2005, p. 810), o Direito do Trabalho “perderia sua efetividade caso os créditos obreiros não se postassem em patamar de vantagem perante os créditos de outra natureza contrapostos ao patrimônio da pessoa física ou jurídica do empregador”.

Bandeira de Mello (1994, p. 451), discorrendo sobre os princípios, pontifica:

 

Violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa ingerência contra o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.

 

 

A CLT consagra, em seu artigo 8º a função dos Princípios Gerais do Direito, autorizando sua aplicação nos casos em que há omissão legal ou contratual; para orientar a compreensão, nos casos de lacunas, ou a melhor interpretação da lei.

Inicialmente trazem-se os princípios gerais do direito que se correlacionam com o Direito do Trabalho, mais especificamente no tocante à garantia dos créditos trabalhistas.

Nesse sentido, tem-se o principal princípio do nosso ordenamento jurídico, o da Dignidade da Pessoa Humana. No mundo capitalista, é indissociável a vida digna do capital para provê-la. Infelizmente, o Estado Brasileiro ainda não garante nem as necessidades mínimas, como, principalmente, educação e saúde, de forma a satisfazer uma vida digna. Portanto, privar o trabalhador de receber sua remuneração na totalidade é feri-lo em sua dignidade.

Ressalta-se, ainda, o Princípio das Garantias Mínimas do Trabalhador, um princípio universal, aplicado a toda situação referente ao trabalhador, podendo então ser aplicado para garantir o recebimento da contraprestação pelo seu trabalho, que na maioria dos casos é o salário.

Na linha deste princípio, temos o da Razoabilidade, que certamente não foi observado na justificativa do legislador em relação à limitação dos créditos trabalhistas. Segundo Delgado (2005, p. 810), o Princípio da Razoabilidade dispõe que as condutas humanas devem ser avaliadas através da associação da verossimilhança, sensatez ponderação, prudência, viabilidade aparente e probabilidade média.

Justificar a limitação dos direitos de toda uma classe pela ocorrência de fraudes cometidas por uma minoria conhecida não é razoável. Tal justificativa fere não só o Princípio da Razoabilidade, mas, sim, a expectativa de um justo futuro para a família de um trabalhador que, conforme as condições do mercado de trabalho atuais, provavelmente irá permanecer desempregado por um longo tempo, necessitando, pois, de verbas que garantam sua sobrevivência e de sua família por este período indeterminado.

Muitos outros são os princípios gerais do direito que se relacionam aos direitos trabalhistas, mas no momento estes três são os principais e bastantes para pontuar a “violência” dirigida aos trabalhadores pela Lei 11.101/2005.

Passemos então para os princípios específicos do Direito do Trabalho, partindo do Princípio da Proteção. Este princípio, que é tido como o princípio maior do Direito do Trabalho (NASCIMENTO, 2005, p. 350), tem objetivo auto-explicativo: proteger o trabalhador; pretende, assim, compensar a hipossuficiência do trabalhador em relação ao empregador, que por ser detentor do poder econômico encontra-se em situação privilegiada.

Segundo Plá Rodrigues, citado por Nascimento (2005, p. 350), ele se subdivide em três outros princípios, quais sejam: in dubio pro operario, prevalência da norma mais favorável ao trabalhador, e preservação da condição mais benéfica.

O princípio in dubio pro operario, que decorre do princípio geral do in dúbio pro misero, significa que em caso de dúvida com relação à interpretação de alguma norma, dever-se-á considerar a que seja mais favorável à parte hipossuficiente da relação, que neste caso é o trabalhador.

Já o princípio da prevalência da norma mais favorável trata não de interpretação, mas, de conteúdos de normas diversas. Promove assim uma hierarquização da norma em que o assunto é tratado da forma mais favorável ao trabalhador.

Finalizando essa subdivisão está o princípio da preservação da norma mais benéfica, que se refere à aplicação temporal das normas. Esse princípio tem o objetivo de garantir a segurança jurídica na relação de trabalho, assegurando ao trabalhador que aquela relação jurídica só será modificada por lei posterior que venha a legislar em seu favor, não afetando-o de forma prejudicial.

Parte desse princípio a observância, no momento de elaboração de novas normas, dos direitos já existentes, para que essa nova norma não venha a tratar do mesmo direito de forma prejudicial ao seu destinatário.

Nota-se que o legislador também não atendeu a esses princípios, uma vez que, apesar de o Decreto-Lei n° 7661/45 garantir a preferência, sem limitação, dos créditos trabalhistas e acima das dívidas da massa, a Lei 11.101/05 veio inverter essa preferência, colocando os créditos extraconcursais, nos quais estão inseridos aqueles contraídos pela massa falida em situação superior e ainda limitar o valor preferencial dos créditos trabalhistas, como já foi visto anteriormente, olvidando a tríplice proteção que deveria ser dispensada ao trabalhador.

Tem-se ainda outros princípios internos de Direito do Trabalho como o da inalterabilidade contratual lesiva, que surgiu com base no princípio do Direito Civil da Inalterabilidade dos Contratos, e que conta, inclusive, da nossa CF, que traz também a única ressalva a esse princípio. Diz o art. 7°, VI da CF:

 

Art. 7.º CF - São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social.

[...]

VI – irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo.

 

 

Houve épocas em que a própria CLT permitia a redução dos salários dos empregados da empresa em caso de prejuízo devidamente comprovado, o que foi revisto pela Constituição Federal de 88. Não deve o empregado arcar com os riscos da empresa, e por isso mesmo não deveria ter seus salários reduzidos por conta de prejuízo sofrido por esta. Entretanto, novamente, veio a Lei de Falência autorizar essa “redução indireta” do salário do trabalhador, pois não há sentido que apesar de não ter seu salário reduzido em seu valor contratual, não o possa recebê-lo na sua integralidade.

Seguindo essa linha temos o Princípio da Intangibilidade Salarial, que segundo Delgado (2005, p. 206) estabelece que:

 

Esta parcela justrabalhista merece garantias diversificadas da ordem jurídica, de modo a assegurar seu valor, montante e disponibilidade em benefício do empregado. Este merecimento deriva do fato de considerar-se ter o salário caráter alimentar, atendendo, pois, a necessidades essenciais do ser humano.

 

 

Este princípio se desdobra em várias garantias ao salário do empregado, como na sua irredutibilidade e integralidade, que são garantias relacionadas à preservação do seu valor e recebimento do seu efetivo montante.

A expressão limitados a constante do art. 83, I da Lei de Falência já conota uma contraposição a esse princípio. Ademais, não é somente a finalidade alimentar que é protegida, mas, o suor derramado, a dignidade, a expectativa do recebimento da contraprestação pelo seu trabalho.

Ressalta-se, ainda, que não é apenas pelo valor do salário recebido pelo trabalhador que chega-se ao valor dos créditos devidos àquele, mas, pelos anos de dedicação àquela empresa, ou até mesmo pela privação dos seus direitos. É lógico se pensar que se um trabalhador assalariado possui um alto crédito habilitado, muito provavelmente algumas parcelas não estavam sendo pagas no tempo devido. Não é justo, portanto, que além de ter seus direitos cerceados durante a relação de emprego, continue sem percebê-los nesse que seria último momento oportuno.

Também representa uma falsa ingenuidade defender-se que não há limitação ao recebimento, mas, sim, ao momento do recebimento. Em verdade, se houvesse alguma garantia de recebimento dos créditos classificados como quirografários, não haveria sentido haver uma ordem de classificação prioritária dos créditos na falência, bastaria que houvesse a habilitação e verificação desses créditos, já que o ativo seria suficiente para satisfazer todas as obrigações do falido.

Antes de adentrar-se nas diversas normas não observadas pela Lei n° 11.101/2005, abrir-se-á um parêntese para considerar a Convenção n° 173 da Organização Internacional do Trabalho, citada por Balaró (Internet, 2006), que trata da Proteção dos créditos trabalhistas na insolvência do empregador, e, apesar de não ter sido ratificada pelo Brasil, é válida como documento internacional servindo assim de parâmetro para o tratamento dos créditos trabalhistas no direito externo.

Esta Convenção (Internet, 2006) determina, no seu art. 5° que:

 

Em caso de insolvência do empregador, os créditos devidos aos trabalhadores em razão de seu emprego deverão ficar amparados por um privilégio, de modo que sejam pagos com os ativos do empregador insolvente antes que os outros credores não privilegiados possam cobrar a parte que lhes corresponda. "

 

 

Passa-se a analisar as diversas normas prejudicadas pela Lei de Falência, iniciando pelo art.449 da CLT, que dispõe:

 

Art. 449 - Os direitos oriundos da existência do contrato de trabalho subsistirão em caso de falência, concordata ou dissolução da empresa.

§ 1º - Na falência constituirão créditos privilegiados a totalidade dos salários devidos ao empregado e a totalidade das indenizações a que tiver direito.

 

 

Faz-se clara a norma ao estabelecer que os créditos trabalhistas devam ser priorizados na sua totalidade, portanto, a limitação contida no art. 83, I da Lei 11.101/2005 deixou de observar o disposto no art. 449 da CLT, revogando tal norma.

O legislador, ao prever as limitações aos créditos dos trabalhadores, da expressão créditos derivados da legislação do trabalho, o que permite excluir inúmeros direitos dos trabalhadores, decorrentes da relação de trabalho, mas que encontram a sua disciplinação na legislação trabalhista ou civil, como por exemplo indenização por danos morais e materiais, direitos autorais e de imagem, dentre outros.

Em verdade, ao se limitar os créditos trabalhistas, retira-se seu caráter de privilegiado transformando-o em crédito diferenciado, pois, não se pode privilegiar apenas uma parte indeterminada de um crédito, limitando-o apenas por valores.

No relatório do senador Ramez Tebet (Diário do Senado Federal, Internet, 2004), ele aponta que a renda do Brasil é extremamente concentrada e por isso a maioria dos créditos não atingiria o limite de cento e cinqüenta salários mínimos.

A baixa renda no Brasil, só representa que os trabalhadores não têm sido remunerados de forma justa, não devendo servir de justificativa para mais uma injustiça. Como já tratado neste trabalho, os credores que já vinham sendo prejudicados há anos não deveriam ser mais uma vez submetidos ao não recebimento do fruto do seu trabalho, por conta de fraudes existentes no processo falimentar anterior.

Ademais a própria Lei de Falência traz norma que autoriza em seu art. 19 a exclusão do crédito fraudulento:

 

Art. 19. O administrador judicial, o Comitê, qualquer credor ou o representante do Ministério Público poderá, até o encerramento da recuperação judicial ou da falência, observado, no que couber, o procedimento ordinário previsto no Código de Processo Civil, pedir a exclusão, outra classificação ou a retificação de qualquer crédito, nos casos de descoberta de falsidade, dolo, simulação, fraude, erro essencial ou, ainda, documentos ignorados na época do julgamento do crédito ou da inclusão no quadro-geral de credores.

 

 

Para evitar então que as fraudes aconteçam, não seria necessário, portanto, que se limitassem os créditos da classe trabalhadora, e sim trabalhar meios eficazes para se constatar a ocorrência de simulações que pretendam burlar o processo falimentar.

Outras normas infraconstitucionais também tratam, de forma menos direta, da classificação dos créditos na falência como o Código Civil e o CTN. Estas, porém, já foram citadas no decorrer do trabalho, não tendo relevância para o momento.

Entre as muitas normas constitucionais não observadas temos, de logo, o seu art. 1º, inciso IV, que dispõe sobre os valores sociais do trabalho como fundamento da República Federativa do Brasil.

Como sabemos no Brasil a Classe Trabalhadora tem uma remuneração muito inferior a da maioria dos países do mundo, justamente por isso não é razoável que se restrinja o recebimento dos seus créditos, sob qualquer justificativa.

Nesse sentido o presidente da AMATRA (Internet, 2004) coloca que:

 

Ainda que estejamos vivendo época de extrema desvalorização da força-de-trabalho em função dos novos modos de produção e do crescimento da ideologia neoliberal, responsáveis pela precarização das condições de trabalho, não deve ser usurpado do trabalhador o direito de receberas parcelas reconhecidas pela Justiça do Trabalho, seja através de preferência dada a outro credor, seja por meio da limitação quantitativa pelos potenciais credores do empresário endividado.

 

 

Já o art. 6° insere o trabalho entre os direitos sociais. Como saúde, educação e moradia. E seguindo vem o art. 7° informar os direitos dos trabalhadores, incluindo no inciso VI a irredutibilidade salarial.

Sabemos que a interpretação literal de uma norma muitas vezes pode ser prejudicial a alguma das partes da relação jurídica. Portanto, não se poder entender a irredutibilidade salarial constante do art. 7° apenas como a diminuição dos valores remuneratórios em si, mas, como escudo à integralidade desses valores; se uma lei limita esses valores remuneratórios, fere o direito adquirido e causa uma diminuição da remuneração do trabalhador.

O art. 170 prevê que a “ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social.” Este artigo que encabeça o título da ordem econômica e financeira não deixa de observar como fundamento principal desta a valorização do trabalho. O art. 193 também traz o trabalho como fundamento base, agora, da ordem social.

Todas estas normas não foram suficientes para barrar a decisão de limitar os créditos trabalhistas no caso de falência do empregador que, não sendo acatada de início pela Câmara dos Deputados foi retomada e aprovada pelo Senado, não obstante as propostas de emendas por vários Senadores. Podemos citar, por exemplo, Emenda n° 46 da Senadora Heloísa Helena, que pretende excluir a expressão limitados a cento e cinqüenta salários mínimos por credor. Ela Justifica sua proposta no princípio da proteção e nas lutas pelos direitos trabalhistas.

Os que se filiam à consonância da limitação inserida pelo art. 83,I com o ordenamento jurídico brasileiro apóiam-se no argumento que essa limitação longe de ferir os direitos trabalhistas vai garanti-los, pois, afastando a ocorrência de fraudes trará maiores possibilidades de o protelariado não ver todo o capital se esvaindo no pagamento dos créditos dos trabalhadores do alto escalão.

Ademais, afirma o Senador Ramez Tebet (Diário do Senado Federal, Internet, 2004) que a preferência dos créditos trabalhistas está fundada na hipossuficiência do trabalhador e na natureza alimentar do seu crédito, e, portanto, valores que excederem os cento e cinqüenta salários mínimos não seriam direcionados a atender tais necessidades.

Com relação ao princípio da isonomia, o Procurador Geral da República salienta em seu parecer que, em verdade, ao tratar desigualmente os desiguais o legislador está efetivando este princípio, que busca igualar as partes de cada relação jurídica.

O senador Ramez Tebet (Diário do Senado Federal, Internet, 2004) se baseia ainda nos princípios da primazia do interesse púbico sobre o privado e no da segurança jurídica, que justificam importância da redução do crédito no Brasil, expondo que:

 

É necessário conferir segurança jurídica aos detentores de capital, com preservação das garantias e normas precisas sobre a ordem de classificação de créditos na falência, a fim de que se incentive a aplicação de recursos financeiros a custo menor nas atividades produtivas, com o objetivo de estimular o crescimento econômico.

 

 

Ainda nesse sentido tem-se o Princípio do Ato Jurídico Perfeito e do Direito Adquirido, referentes aos créditos garantidos por direitos reais. Sabe-se que o Código Civil determina que a garantia real deve acompanhar a abrigação até o seu cumprimento, devendo-se criar meios de efetivar este dispositivo.

Assim, acabamos por encontrar uma situação de colisão de princípios constitucionais. Segundo Bonavides (2002, p. 129), diferentemente do conflito de regras, que se resolve no âmbito da validade, uma colisão de princípios deve ser resolvido no âmbito do valor.

Para tanto utiliza-se a técnica da ponderação de valores, que decorre do princípio da proporcionalidade. Segundo Sarlet citado por Lima (Internet, 2005) , esta técnica é descrita da seguinte forma:

 

Cuida-se de processo de ponderação no qual não se trata da atribuição de uma prevalência absoluta de um valor sobre outro, mas, sim, na tentativa de aplicação simultânea e compatibilizada de normas, ainda que no caso concreto se torne necessária a atenuação de uma delas.

 

 

Neste caso, entende-se que a invocação dos princípios constitucionais para justificar a expectativa de direitos por outrem é válida, entretanto, não autoriza a privação de outros direitos para atendê-la, mas, sim, afirmam a necessidade de se buscar meios justos e eficazes de satisfazer as ansiedades da maioria necessitada.

5 A NOVA LEI DE FALÊNCIAS (LEI 11.101/2005)

 

O Decreto-Lei 7.661/45, apesar de ter sido um marco para a sua época, já não vinha se compatibilizando com a dinâmica econômica atual, não atendendo os anseios próprios de uma legislação falimentar moderna.

Diante de um mundo com profundas transformações político-sociais, envolvido por novos mercados e blocos comerciais, por novas descobertas tecnológicas e científicas; de acordo com os parâmetros trazidos pela Constituição Federal de 1988, e buscando a função social da empresa, agregada no Código Civil, tramitou no Congresso Nacional, desde 1993 o Projeto de Lei n. 4.376. Tal projeto possuía o escopo de trazer um novo enfoque ao direito falimentar brasileiro e, por conseqüência, remodelar a legislação falimentar vigente em nosso país. No decorrer desses anos muitas modificações foram feitas ao projeto de lei original, e muitos foram os setores que influenciaram essas mudanças, tais como: o Banco Central do Brasil, o FMI, e as entidades de classe como a OAB e a AMATRA, entre outras.

No Senado, alguns princípios nortearam a análise do Projeto de Lei que transformou a realidade do Direito Falimentar Brasileiro, os quais encontram-se dispostos no Parecer n° 534 de 2004 do Senador Ramez Tebet (Diário do Senado Federal, Internet, 2009):

 

Preservação da empresa: em razão de sua função social, a empresa deve ser preservada sempre que possível, pois gera riqueza econômica e cria emprego e renda, contribuindo para o crescimento e desenvolvimento social do País. Além disto, a extinção da empresa provoca a perda do agregado econômico representando pelos chamados intangíveis como nome, ponto comercial, reputação, marcas, clientela, rede de fornecedores, know-how, treinamento, perspectiva de lucro futuro, entre outros;

Separação dos conceitos de empresa e de empresário: a empresa é o conjunto organizado de capital e trabalho para a produção ou circulação de bens ou serviços. Não se deve confundir a empresa com a pessoa natural ou jurídica que a controla. Assim, é possível preservar uma empresa, ainda que haja falência, desde que se logre aliená-la a outro empresário ou sociedade que continue sua atividade em bases diferentes;

Recuperação das sociedades e empresários recuperáveis: sempre que for possível a manutenção da estrutura organizacional ou societária, ainda que com modificações, o Estado deve dar instrumentos e condições para que a empresa se recupere, estimulando, assim, a atividade empresarial;

Retirada do mercado de sociedades ou empresários não recuperáveis: caso haja problemas crônicos na atividade ou na administração da empresa, de modo a inviabilizar sua recuperação, o Estado deve promover, de forma rápida e eficiente, sua retirada do mercado, a fim de evitar a potencialização dos problemas e agravamento da situação dos que negociam com pessoas ou sociedades em dificuldades insanáveis na condução do negócio;

Proteção aos trabalhadores: os trabalhadores, por terem como único ou principal bem sua força de trabalho, devem ser protegidos, não só com precedência no recebimento de seus créditos na falência e na recuperação judicial, mas com instrumentos que, por preservarem a empresa, preservem também seus empregos e criem novas oportunidades para a grande massa de desempregados;

Redução do custo do crédito no Brasil: é necessário conferir segurança jurídica aos detentores de capital, com preservação das garantias e normas precisas sobre a ordem de classificação de créditos na falência, a fim de que se incentive a aplicação dos recursos financeiros a custo menor nas atividades produtivas, com o objetivo de estimular o crescimento econômico;

Celeridade e eficiência dos processos judiciais: é preciso que as normas procedimentais na falência e na recuperação de empresas sejam, na medida do possível, simples, conferindo-se celeridade e eficiência ao processo e reduzindo-se a burocracia que atravanca seu curso;

Segurança jurídica: deve-se conferir às normas relativas à falência, a recuperação judicial e a recuperação extra-judicial tanta clareza e precisão quanto possível, para evitar que múltiplas possibilidades de interpretação tragam insegurança jurídica aos institutos e, assim, fique prejudicado o planejamento das atividades das empresas e de suas contrapartes;

Participação ativa dos credores: é desejável que os credores participem ativamente dos processos de falência e de recuperação, a fim de que, diligenciando para a defesa de seus interesses, em especial o recebimento de seu crédito, otimizem os resultados obtidos com o processo, com redução da possibilidade de fraude ou malversação dos recursos da empresa ou da massa falida;

Maximização do valor do ativo do falido: a lei deve estabelecer normas e mecanismos que assegurem a obtenção do máximo valor possível pelos ativos do falido, evitando a deterioração provocada pela demora excessiva do processo e priorizando a venda da empresa em bloco, para evitar a perda dos intangíveis. Desse modo, não só se protegem os interesses dos credores das sociedades e empresários insolventes, que tem por isso sua garantia aumentada, mas também diminui-se o risco das transações econômicas, o que gera eficiência e aumento da riqueza geral;

Desburocratização da recuperação de microempresas e empresas de pequeno porte: a recuperação das micro e pequenas empresas não pode ser inviabilizada pela excessiva onerosidade do procedimento. Portanto, a lei deve prever, em paralelo às regras gerais, mecanismos mais simples e menos onerosos para ampliar o acesso dessas empresas a recuperação;

Rigor na punição de crimes relacionados à falência e à recuperação judicial: é preciso punir com severidade os crimes falimentares, com o objetivo de coibir as falências fraudulentas, em função do prejuízo social e econômico que causam. No que tange à recuperação judicial, a maior liberdade conferida ao devedor para apresentar proposta a seus credores precisa necessariamente ser contrabalançada com punição rigorosa aos atos fraudulentos praticados para induzir os credores ou o juízo a erro.

 

 

Porém, como posto pelo próprio relator, “nem sempre é possível a perfeita satisfação de cada um destes enunciados, principalmente quando há conflito entre dois ou mais deles” (Diário do Senado Federal, Internet, 2009). E justamente por este motivo, na busca pela “configuração mais justa” algumas classes acabaram por ser injustiçadas, em favor de outras.

Seguindo a linha dos princípios acima expostos, as principais inovações trazidas pela Lei n° 11.101/05 foram:

            - Substituição da concordata pela recuperação judicial, que se distinguem da seguinte forma: enquanto a concordata era um benefício concedido a qualquer empresário, a recuperação é um procedimento aplicado apenas aos empresários que têm condições de permanecer no mercado; ademais, enquanto a concordata produzia efeitos somente em relação aos credores quirografários, a recuperação judicial sujeita todos os credores. Na recuperação judicial exige-se que o requerente apresente: um plano de recuperação econômica e financeira da empresa, a demonstração da viabilidade de sua execução, e um plano de solução do passivo; ao passo que, na concordata suspensiva o devedor procura, tão somente, uma melhor forma de pagamento dos seus débitos quirografários, sem nenhuma obrigação de apresentar um plano de recuperação de seu negócio.

            - Proposta de um plano especial de recuperação judicial para microempresas e empresas de pequeno porte que envolva somente credores quirografários, com parcelamento de seus créditos em 36 parcelas mensais e sucessivas, vencendo-se a primeira 180 dias após o pedido de recuperação. O pedido de recuperação judicial com base em plano especial não acarreta a suspensão do curso da prescrição, nem das ações e execuções por créditos não abrangidos pelo plano.

            - Diminuição da coercibilidade inerente ao pedido de falência com normas mais favoráveis aos empresários, tais como: limite mínimo do valor da dívida em atraso para quarenta salários mínimos como requisito para cabimento do pedido de falência; impedimento da decretação da falência com base na impontualidade injustificada pela apresentação de plano de recuperação, no prazo da contestação, prazo este que foi ampliado de 24 horas para 10 dias.

            - Venda dos bens do falido não condicionada à conclusão da fase cognitiva, podendo a venda dos bens perecíveis, sujeitos a considerável desvalorização, bem como de conservação arriscada ou dispendiosa, pode ser feita antecipadamente. Cria-se, também, nova modalidade de venda, além das já existentes, que é o pregão, ficando por conta do juiz - e não mais ao administrador judicial - a escolha da melhor forma e modalidade de venda.

            - Instituição de diversas formas de realização do ativo, em ordem preferencial, qual seja: alienação da empresa com a venda de seu estabelecimento em bloco; alienação da empresa com a venda de suas filiais em unidades produtivas isoladamente; alienação em bloco dos bens que integram cada um dos estabelecimentos do devedor; alienação parcelada ou individual dos bens.

            - Criação do instituto da cessão da empresa após a falência. Desta forma, o legislador procura preservar a empresa, ou seja, enseja proteger a atividade organizada do empresário para que ela possa ter continuidade após a falência. Não é a pessoa jurídica que é cedida e sim a empresa, por isso que a sucessão trabalhista e a sucessão tributária irão desaparecer permitindo que uma pessoa possa comprar uma empresa, sem comprar o passivo da pessoa jurídica.

            - Instituição da Assembléia Geral de Credores, responsável por decidir, entre outros, sobre: a continuidade dos negócios do falido na recuperação judicial e na falência, e pela melhor forma de buscar a satisfação de seus créditos. Ela é formada por: credores titulares de créditos decorrentes da legislação do trabalho ou decorrentes de acidente do trabalho, titulares de créditos com garantia real, titulares de créditos quirografários, com privilégio especial, geral ou subordinados.

            - Intervenção reduzida do Ministério Público na falência; este agora, não participa do pedido de falência e não precisa intervir em todos os processos em que a massa falida seja parte ou interessada, salvo algumas em algumas situações específicas, como impugnação a venda, rescisão de crédito admitido e etc. Além desses casos, haverá participação do Ministério Público no processo de falência quando houver fatos como: indício de crime, desobediência à lei ou ameaça de lesão ao interesse público.

            - Substituição do síndico pelo administrador judicial, possuindo critérios de remuneração diferenciado, definindo-se como extraconcursal, e, portanto, pago antes dos credores. A autonomia do administrador judicial é menor do que a do síndico.

            - Eliminação da possibilidade de renda ou retirada de bens por credores garantidos com penhor (alienação fiduciária ou arrematamento mercantil), no período de cento e oitenta dias, prazo no qual deverá ser formulado e aprovado o plano de recuperação judicial.

            - Alteração na ordem de classificação dos créditos: O art. 83 altera significativamente a ordem de classificação de créditos na falência. Os créditos derivados da legislação trabalhista continuam em primeiro lugar, embora limitados a 150 salários-mínimos por credor. Em segundo lugar, vêm os créditos com garantia real até o limite do valor do bem gravado. Os créditos tributários ocupam a terceira posição na ordem de preferência, excetuadas as multas tributárias. Essa modificação necessitou de adequação do art. 186 do Código Tributário Nacional. O texto aprovado inicialmente pela Câmara colocava esses dois últimos créditos em igualdade de condições na proporção de um para um, e não excetuava as multas tributárias, porém, visando atender ao princípio da redução do custo do crédito no Brasil, ficaram com a preferência os créditos com garantia real. Esta foi um das mudanças mais questionadas e a de maior importância para o sistema financeiro, pois, gerou um ambiente mais favorável à realização de operações de créditos.

            - Definição do valor de até cinco salários-mínimos, ao qual o trabalhador terá prioridade absoluta de recebimento, inclusive sobre as restituições em dinheiro. Essa superprioridade será dada às parcelas de natureza estritamente salarial, vencidas nos três meses anteriores à decretação da falência ou à distribuição do pedido de recuperação judicial, no limite de cinco salários mínimos por trabalhador. Essa definição tem por objetivo compensar a situação de desemprego do trabalhador e atender suas necessidades imediatas, como alimentação, inerentes à sua sobrevivência.

            - Disposições penais: A nova lei é mais rigorosa no aspecto penal, tipifica novos crimes, aumenta as penas e dá ensejo a prisão preventiva do devedor ou de seus representantes. Aderindo à tradição legislativa penal brasileira, enumera todas as infrações penais, como: art. 168 - Fraude a credores; art. 169 - Violação de sigilo empresarial; art. 170 - Divulgação de informações falsas; art. 171 - Indução a erro; art. 172 - Favorecimento de credores; art. 173 - Desvio, ocultação ou apropriação de bens; art. 174 - Aquisição, recebimento ou uso ilegal de bens; art. 175 - Habilitação ilegal de crédito; art. 176 - Exercício ilegal de atividade; art. 177 - Violação de impedimento; etc.

Viu-se, portanto, o quão foi importante o nascimento da nova Lei de Falência;  de fato, ela permitiu significantes alterações ao sistema falimentar, adequando o procedimento à realidade sócio-econômica, porém, nem todas as mudanças foram benéficas. A nova ordem de classificação dos créditos, por exemplo, e principalmente, a limitação dada aos créditos trabalhistas preferenciais, se mostrou desarrazoada e inconstitucional. Analisar-se-á, no próximo tópico, esta nova classificação e, mais adiante de forma mais específica, a classificação dos créditos trabalhistas.

 

6 ANÁLISE DA CLASSIFICAÇÃO DOS CRÉDITOS NA LEI 11.101/2005

 

Na falência, o pagamento dos credores é determinado por uma seqüência procedimental que compreende a verificação dos créditos, habilitação dos mesmos, e, enfim, a formação do quadro geral de credores - onde são classificados segundo regramento constante da Lei de recuperação e falência.

A verificação dos créditos é de incumbência do administrador judicial, que deverá observar, para executá-la, tanto os livros contábeis e documentos comerciais e fiscais do devedor, quanto os documentos que lhe forem apresentados pelos credores. Relacionados todos os créditos, dever-se-á publicar a respectiva relação no Diário Oficial, devendo os credores se manifestarem dentro de quinze dias.

Essa manifestação poderá ser tanto para habilitar créditos - caso não constarem da lista publicada -, quanto para apresentar divergência se, apesar de estar contidos na relação, haja discordância quanto ao seu valor ou sua classificação.

No caso de habilitação de créditos o artigo 9º da Lei 11.101/2005 determina que desta deverá constar:

 

I - o nome, o endereço do credor e o endereço em que receberá comunicação de qualquer ato do processo;

II - o valor do crédito, atualizado até a data da decretação da falência ou do pedido de recuperação judicial, sua origem e classificação;

III - os documentos comprobatórios do crédito e a indicação das demais provas a serem produzidas;

IV - a indicação da garantia prestada pelo devedor, se houver, e o respectivo instrumento;

V - a especificação do objeto da garantia que estiver na posse do credor.

 

 

O administrador judicial poderá ou não acatar essas manifestações, não necessitando prestar quaisquer esclarecimentos aos credores. Deverá somente republicar a relação dentro de quarenta e cinco dias, incluindo as manifestações acatadas.

Após essa republicação, o Comitê, qualquer credor, o devedor, seus sócios ou o Ministério Público, poderão apresentar ao juiz impugnação contra a relação de credores, no prazo de dez dias, apontando a ausência de qualquer crédito ou, manifestando-se contra a legitimidade, importância ou classificação de crédito relacionado.

A impugnação é uma ação judicial incidente, devendo, portanto, ser proposta por advogado, e dirigida ao juiz por meio de petição contendo as razões da impugnação, os documentos que possuir o impugnante e a indicação das provas que sustentem o alegado.

Após o conhecimento das impugnações o administrador judicial formula nova relação de credores, observando o resultado daquelas, e submete à homologação do juiz, devendo ser publicada até cinco dias após o último transito em julgado das sentenças proferidas nas impugnações. Caso não haja nenhuma impugnação, o juiz homologará a própria republicação como quadro geral de credores determinado nova publicação.

Assim encerra-se o procedimento de verificação dos créditos e a consolidação do quadro geral de credores.

Na formação do quadro geral de credores, os créditos são submetidos a uma classificação, determinada por lei, para que, assim, cada credor, observada sua ordem de preferência, possa receber da massa falida o que lhe é devido.

A classificação dos créditos é atribuição do administrador judicial, que deverá observar a ordem de preferência de cada credor ao realizar os seus pagamentos, após atender os créditos extraconcursais que compreendem dois tipos de créditos: as dívidas da massa e as restituições em dinheiro.

Eles se diferenciam dos créditos do empresário falido por serem adquiridos depois de decretada a falência, para atender as necessidades do procedimento, não sendo atingidas pela sentença decretatória da falência.

As dívidas da massa são despesas geradas pelos órgãos da falência e referentes ao próprio processo falimentar, e as obrigações resultantes da continuidade da atividade empresarial, quando devidamente autorizada pelo juízo. São despesas com custas judiciais, remuneração do administrador judicial, peritos, leiloeiros e outros colaboradores, pois nenhuma pessoa iria aceitar o encargo de trabalhar para a massa falida se sua remuneração dependesse de habilitação, para ser recebida ao final do processo falimentar caso sobrasse dinheiro. Estão entre as dívidas da massa, ainda, os impostos e contribuições públicas incidentes na fase de recuperação ou falência.

Já as restituições em dinheiro são devoluções de bens que se encontravam na posse da massa, mas, não pertenciam ao seu patrimônio. Alguns bens são devolvidos em dinheiro por não comportar outra forma de devolução. As hipóteses de devolução em dinheiro são quando o bem for dinheiro ou quando o bem objeto do pedido de restituição não mais existir quando da restituição, por ter sido roubado, furtado ou se perdido.

Fábio Ulhoa (2006, p. 361), em exposição sobre o assunto leciona da seguinte forma:

 

Os pedidos de restituições devem ser atendidos em dinheiro quando têm por objeto bem dessa natureza (contribuição do empregado paro o INSS, adiantamento com base num contrato de câmbio, compensação de contratante de boa-fé pelos prejuízos derivados da declaração de ineficácia da ato da falida etc.) ou se, após a arrecadação, foi roubado, furtado ou perdido.

 

 

Atendidos os créditos extraconcursais, passará o administrador judicial a efetuar os pagamentos dos credores da sociedade falida, classificados no art., 83 da Lei de Recuperação e Falência.

Waldo Fazzio Júnior (2006, p. 89) trata da classificação dos créditos colocando que:

 

Classificar os créditos num processo que se funda no tratamento paritário dos credores significa, em última análise, reconhecer a necessidade de proteção a direitos justos e reequilibrar situações de desigualdade. O intento da lei é sempre a primazia do equilíbrio dos interesses em jogo na concorrência dos credores sobre o ativo disponível do devedor.

 

 

Esta classificação é de grande importância. Ela não só determina quando o credor vai receber, mas, em certos momentos, indica até se vai receber, pois, em casos em que o passivo é muito maior que o ativo, certamente não haverá capital para satisfazer a todos os credores, ou, nas palavras de Carlos Henrique Abrão (2005, p. 207), ”há uma graduação entre os créditos no concurso entre credores, uma vez que supera o ativo e nem todos podem receber os valores da massa; assim a hierarquia se justifica dentro do âmbito da importância singular.”

Por isto causa reflexos positivos ou negativos em todas as classes quando há uma modificação nesta classificação, como ocorreu com a entrada em vigor da Lei 11.101/2005, que determina o seguinte:

 

Art. 83. A classificação dos créditos na falência obedece à seguinte ordem:

I – os créditos derivados da legislação do trabalho, limitados a 150 (cento e cinqüenta) salários-mínimos por credor, e os decorrentes de acidentes de trabalho;

II - créditos com garantia real até o limite do valor do bem gravado;

III – créditos tributários, independentemente da sua natureza e tempo de constituição, excetuadas as multas tributárias;

IV – créditos com privilégio especial, a saber:

a) os previstos no art. 964 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002;

b) os assim definidos em outras leis civis e comerciais, salvo disposição contrária desta Lei;

c) aqueles a cujos titulares a lei confira o direito de retenção sobre a coisa dada em garantia;

V – créditos com privilégio geral, a saber:

a) os previstos no art. 965 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002;

b) os previstos no parágrafo único do art. 67 desta Lei;

c) os assim definidos em outras leis civis e comerciais, salvo disposição contrária desta Lei;

VI – créditos quirografários, a saber:

a) aqueles não previstos nos demais incisos deste artigo;

b) os saldos dos créditos não cobertos pelo produto da alienação dos bens vinculados ao seu pagamento;

c) os saldos dos créditos derivados da legislação do trabalho que excederem o limite estabelecido no inciso I do caput deste artigo;

VII – as multas contratuais e as penas pecuniárias por infração das leis penais ou administrativas, inclusive as multas tributárias;

VIII – créditos subordinados, a saber:

a) os assim previstos em lei ou em contrato;

b) os créditos dos sócios e dos administradores sem vínculo empregatício.

 

 

Far-se-á um breve comentário sobre cada classe, observando a importância de cada uma e o motivo de estar naquela posição, iniciando-se pelos créditos derivados da legislação do trabalho, limitados a 150 (cento e cinqüenta) salários-mínimos por credor, e os decorrentes de acidentes de trabalho (Art. 83, I da LRF), dos quais tratar-se-á mais minuciosamente no próximo capítulo.

A Lei de Recuperação e Falência manteve a prioridade desses créditos, limitados, porém, a cento e cinqüenta salários mínimos, isto para que se evitem fraudes pelos trabalhadores de alto escalão, segundo justifica o Legislador, entretanto, não é correta a proposição, pois não só os altos trabalhadores são atingidos, mas, também, os trabalhadores de baixa renda.

Dentro da preferência trabalhista, ainda existem prioridades específicas, sendo a primeira a indenização por acidente de trabalho, seguido dos de natureza salarial e, posteriormente, os do fundo de garantia por tempo de serviço.

No mais, o saldo será pago posteriormente, juntamente com os créditos quirografários. É sabido, porém, que muito dificilmente ainda haverá capital nessa fase de pagamentos, ficando então o trabalhador com o prejuízo.

Seguindo os créditos trabalhistas estão os créditos com garantia real até o limite do valor do bem gravado (Art. 83, II da LRF), que são titularizados, na sua maioria por instituições financeiras e que também foi fruto de grande polêmica.

Inicialmente cabe definir o que seja uma garantia real, que são garantias decorrentes dos Direitos Reais de garantia, dispostos no art. 1.419 do Código Civil de 2002, que dispõe: “Nas dívidas garantidas por penhor, anticrese ou hipoteca, o bem dado em garantia fica sujeito, por vínculo real, ao cumprimento da obrigação.” A essas se acrescentou a alienação fiduciária, que é uma variação do penhor, em que ao invés de se transferir a posse transfere-se a propriedade do bem até o acertamento do débito.

Assim, o que ocorre são obrigações jurídicas marcadas pela vinculação entre estas e direitos reais. Dessa forma, com a garantia real constituída, a coisa fica juridicamente marcada enquanto perdurar a obrigação, mesmo que seja transferida ao patrimônio jurídico de outrem.

Esses bens ficam restritos à satisfação da obrigação a que estão vinculados, não estando disponíveis para a satisfação de outras obrigações que possam existir enquanto não for satisfeita aquela obrigação ou dívida, entretanto, uma vez satisfeita a obrigação a que estão vinculados e desde que exista saldo, este passa a fazer parte do patrimônio comum, podendo então ser utilizado para a satisfação de outras obrigações.

Cabe ainda esclarecer como se encontra o valor do bem, definido no § 1° do referido art. 83, que dispõe: “será considerado valor do bem objeto de garantia real a importância efetivamente arrecadada com sua venda, ou, no caso de alienação em bloco, o valor de avaliação do bem individualmente considerado

O projeto de lei inicialmente previa mesma ordem de preferência para os citados créditos e os créditos de natureza tributária, porém, visando fortalecimento da economia do país, foi dado esse privilégio aos créditos com garantia real.

Na realidade, essa disposição representa um privilegio dado às instituições financeiras e uma garantia de recuperação dos créditos concedidos, uma vez que é prática comum das instituições financeiras, a vinculação de bens móveis e imóveis da empresa, em garantia de alienação fiduciária e hipoteca em seu favor, nos contratos de financiamento formalizados. Waldo Fazzio Júnior (2006, p. 93) trata do assunto da seguinte forma:

 

A preferência dos créditos com garantia real, especialmente os bancários assegurados por bens móveis ou imóveis, sobre os créditos tributários na falência, amplia as margens de segurança dos investimentos das instituições financeiras nas empresas. É que aumenta as possibilidades de reaver os valores desses bens, em caso de insolvência do empresário devedor. Gera, no mínimo, uma redução de risco. Esse implemento de garantia pode estimular a redução do chamado spread bancário (diferença entre o que os bancos pagam aos aplicadores e o custo do crédito que cobram aos tomadores), onde se embutem, é claro, as taxas de risco das operações. Em última análise, pode diminuir o custo do crédito. È, ao menos, a justificação da priorização dos créditos com garantia real, no concurso de credores.

 

Espera-se, portanto, que esta justificativa se torne verídica produzindo efeitos concretos na sociedade e na realidade econômica mundial com relação ao Brasil.

Seguem os créditos com garantia real os créditos tributários, independentemente da sua natureza e tempo de constituição, excetuadas as multas tributárias (Art. 83, III da LRF). Muitas são as obrigações do Estado para com a sociedade como um todo; para que estas obrigações sejam satisfeitas, este conta com recursos de várias origens, inclusive com a contribuição da própria sociedade na forma de tributos.

Tendo em vista a necessidade de arrecadação do Estado, compreende-se a preferência dada aos créditos tributários, ou seja, os decorrentes de impostos, taxas e contribuições. Não deve-se tratá-los de créditos públicos, como sugerem alguns autores, pois, não alcançam outros créditos devidos ao Estado. Nem todo valor arrecadado pelo poder público são decorrentes de tributos, podendo vir de empréstimos, multas e ainda de operações diversas como aluguéis, alienações e etc, não sendo esses créditos abrangidos pelo privilégio do art. 83, III (FAZZIO JÚNIOR, 2006, p. 94).

Pelo CTN, os créditos tributários preferiam quaisquer outros; visando adequar o Código Tributário Nacional à Nova Lei de Falências, foi editada a Lei Complementar n. 118, de 09 de fevereiro, de 2005. Com o advento desta Lei, a classificação dos créditos no processo falimentar obedece a uma nova ordem de preferência, alterando a ordem para o recebimento de créditos. A redação atual do art. 186, do Código Tributário Nacional, assim dispõe:

 

Art. 186. O crédito tributário prefere a qualquer outro, seja qual for sua natureza ou o tempo de sua constituição, ressalvados os créditos decorrentes da legislação do trabalho ou do acidente de trabalho. (Redação dada pela Lcp nº 118, de 2005)

Parágrafo único. Na falência: (Incluído pela Lcp nº 118, de 2005)

I – o crédito tributário não prefere aos créditos extraconcursais ou às importâncias passíveis de restituição, nos termos da lei falimentar, nem aos créditos com garantia real, no limite do valor do bem gravado; (Incluído pela Lcp nº 118, de 2005)

II – a lei poderá estabelecer limites e condições para a preferência dos créditos decorrentes da legislação do trabalho; e (Incluído pela Lcp nº 118, de 2005)

III – a multa tributária prefere apenas aos créditos subordinados. (Incluído pela Lcp nº 118, de 2005)

 

 

Encontrar-se-á ainda no CTN, em seu art. 189 que “A cobrança judicial do crédito tributário não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, recuperação judicial, concordata, inventário ou arrolamento”, assim, não está inibido o Fisco de promover ação de execução fiscal mesmo depois de decretada a falência, bem como a mesma quando ajuizada antes da decretação não se suspende.

Por isso, pode acontecer de os entes estatais receberem seus créditos antes das classes preteridas pela Lei de Falência, quanto pelos entes preteridos pelo CTN, em uma subclassificação disposta no Parágrafo Único do art. 187, que reza:

 

Parágrafo único. O concurso de preferência somente se verifica entre pessoas jurídicas de direito público, na seguinte ordem:

I - União;

II - Estados, Distrito Federal e Territórios, conjuntamente e pró rata;

III - Municípios, conjuntamente e pró rata.

 

 

Isso se dá em casos em que a execução fiscal caminha mais rápido que o processo falimentar, podendo então o administrador judicial efetuar o pagamento sem observâcia da ordem de preferência, não importando responsabilidade do mesmo.

Após pagamento dos créditos tributários, serão pagos os créditos com privilégio especial, a saber: os previstos no art. 964 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002; os assim definidos em outras leis civis e comerciais, salvo disposição contrária desta Lei; aqueles a cujos titulares a lei confira o direito de retenção sobre a coisa dada em garantia (Art. 83,IV da LRF).

Os créditos previstos no Código Civil são os seguintes:

 

Art. 964. Têm privilégio especial:

I - sobre a coisa arrecadada e liquidada, o credor de custas e despesas judiciais feitas com a arrecadação e liquidação;

II - sobre a coisa salvada, o credor por despesas de salvamento;

III - sobre a coisa beneficiada, o credor por benfeitorias necessárias ou úteis;

IV - sobre os prédios rústicos ou urbanos, fábricas, oficinas, ou quaisquer outras construções, o credor de materiais, dinheiro, ou serviços para a sua edificação, reconstrução, ou melhoramento;

V - sobre os frutos agrícolas, o credor por sementes, instrumentos e serviços à cultura, ou à colheita;

VI - sobre as alfaias e utensílios de uso doméstico, nos prédios rústicos ou urbanos, o credor de aluguéis, quanto às prestações do ano corrente e do anterior;

VII - sobre os exemplares da obra existente na massa do editor, o autor dela, ou seus legítimos representantes, pelo crédito fundado contra aquele no contrato da edição;

VIII - sobre o produto da colheita, para a qual houver concorrido com o seu trabalho, e precipuamente a quaisquer outros créditos, ainda que reais, o trabalhador agrícola, quanto à dívida dos seus salários.

 

 

Entre as previsões em outras leis civis e comercias podemos citar os arts 470, 471 e 474, da parte ainda em vigor do Código Comercial, que dispõem:

 

Art. 470 - No caso de venda voluntária, a propriedade da embarcação passa para o comprador com todos os seus encargos; salvo os direitos dos credores privilegiados que nela tiverem hipoteca tácita. Tais são:

1 - os salários devidos por serviços prestados ao navio, compreendidos os de salvados e pilotagem;

2 - todos os direitos de porto e impostos de navegação;

3 - os vencimentos de depositários e despesas necessárias feitas na guarda do navio, compreendido o aluguel dos armazéns de depósito dos aprestos e aparelhos do mesmo navio;

4 - todas as despesas do custeio do navio e seus pertences, que houverem sido feitas para sua guarda e conservação depois da última viagem e durante a sua estadia no porto da venda;

5 - as soldadas do capitão, oficiais e gente da tripulação, vencidas na última viagem;

6 - o principal e prêmio das letras de risco tomadas pelo capitão sobre o casco e aparelho ou sobre os fretes (artigo nº. 651) durante a última viagem, sendo o contrato celebrado e assinado antes do navio partir do porto onde tais obrigações forem contraídas;

7 - o principal e prêmio de letras de risco, tomadas sobre o casco e aparelhos, ou fretes, antes de começar a última viagem, no porto da carga (artigo nº. 515);

8 - as quantias emprestadas ao capitão, ou dívidas por ele contraídas para o conserto e custeio do navio, durante a última viagem, com os respectivos prêmios de seguro, quando em virtude de tais empréstimos o capitão houver evitado firmar letras de risco (artigo nº. 515);

9 - faltas na entrega da carga, prêmios de seguro sobre o navio ou fretes, e avarias ordinárias, e tudo o que respeitar à última viagem somente.

Art. 471 - São igualmente privilegiadas, ainda que contraídas fossem anteriormente à última viagem:

1 - as dívidas provenientes do contrato da construção do navio e juros respectivos, por tempo de 3 (três) anos, a contar do dia em que a construção ficar acabada;

2 - as despesas do conserto do navio e seus aparelhos, e juros respectivos, por tempo dos 2 (dois) últimos anos, a contar do dia em que o conserto terminou.

Art. 474 - Em seguimento dos créditos mencionados nos artigo nºs 470 e 471, são também privilegiados o preço da compra do navio não pago, e os juros respectivos, por tempo de 3 (três) anos, a contar da data do instrumento do contrato; contanto, porém, que tais créditos constem de documentos inscritos lançados no Registro do Comércio em tempo útil, e a sua importância se ache anotada no registro da embarcação.

 

Importante frisar que não se deve confundir privilégio com direito real, pois, enquanto no direito real a coisa dada em garantia está vinculada ao cumprimento da obrigação, nos privilégios a preferência decorre da própria natureza do direito.

Posteriormente aos créditos com privilégio especial, devem ser satisfeitos os créditos com privilégio geral, a saber: os previstos no art. 965 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002; os previstos no parágrafo único do art. 67 desta Lei; os assim definidos em outras leis civis e comerciais, salvo disposição contrária desta Lei (Art. 83,V da LRF).

Os previstos na Lei 10.406, são os abaixo transcritos:

 

Art. 965. Goza de privilégio geral, na ordem seguinte, sobre os bens do devedor:

I - o crédito por despesa de seu funeral, feito segundo a condição do morto e o costume do lugar;

[...]

III - o crédito por despesas com o luto do cônjuge sobrevivo e dos filhos do devedor falecido, se foram moderadas;

IV - o crédito por despesas com a doença de que faleceu o devedor, no semestre anterior à sua morte;

V - o crédito pelos gastos necessários à mantença do devedor falecido e sua família, no trimestre anterior ao falecimento;

[...]

VIII - os demais créditos de privilégio geral.

 

 

Já o Parágrafo Único do art. 67 da LRF dispõe:

 

Parágrafo único. Os créditos quirografários sujeitos à recuperação judicial pertencentes a fornecedores de bens ou serviços que continuarem a provê-los normalmente após o pedido de recuperação judicial terão privilégio geral de recebimento em caso de decretação de falência, no limite do valor dos bens ou serviços fornecidos durante o período da recuperação.

 

 

E entre os previstos em outras leis temos, por exemplo: o advogado, credor de honorários seja por contrato de prestação de serviços advocatícios, seja por ser a falida parte sucumbente, pela Lei n° 8.906/94 no seu art. 24. Tem-se ainda os debenturistas titulares de debêntures com garantia flutuante, disposto na Lei de Sociedade Anônima, art. 58, § 1º, entre outras.

Após as cinco classes anteriores têm-se os créditos quirografários, quais sejam: aqueles não previstos nos demais incisos deste artigo; os saldos dos créditos não cobertos pelo produto da alienação dos bens vinculados ao seu pagamento; e os saldos dos créditos derivados da legislação do trabalho que excederem o limite estabelecido no inciso I do caput deste artigo (Art. 83,VI da LRF).

Os créditos quirografários se caracterizam pela ausência de qualquer garantia real ou privilégios, não passando de uma relação creditícia comum. A classe dos créditos quirografários é, inquestionavelmente, a mais vasta dentre todas as classes de créditos da falência, pois nela se encontram, além dos saldos, os inúmeros credores não classificados em alguma das classes anteriores.

Muito dificilmente a massa falida conseguirá atender a todos os credores, porém, se ainda restar capital depois de atendidas todas as classes aqui descritas o administrador passará a atender os créditos subquirografários, compostos inicialmente pelas “multas contratuais e as penas pecuniárias por infração das leis penais ou administrativas, inclusive as multas tributárias”(Art. 83, VII da LRF).

Justifica-se essa posição aos citados créditos por terem natureza punitiva, representando sanções a comportamentos ilícitos, enquanto os das classes anteriores estão fundados em desvantagens sofridas pelos seus credores, tendo natureza de contraprestação ou indenização. Nesse sentido Fábio Ulhoa Coelho (2006, p. 375) entende que “não seria justo deixar de atender a maioria dos credores (excetuam-se desse tratamento apenas os subordinados) em razão de se consumirem recursos da massa no pagamento desse gênero de obrigação.” Ademais, Ulhoa (2006, p. 375) justifica seu entendimento asseverando:

 

Equivaleria, num certo sentido, a transferir para a comunidade dos credores as conseqüências da ilicitude perpetrada pela sociedade devedora ou per seu representante. Isso, principalmente quando se trata de pena pecuniária por infração à lei penal, agride frontalmente os valores sociais cultivados pela organização democrática, que impedem seja a sanção suportada por quem não cometeu o ilícito.

 

 

Posteriormente, na classe dos credores subquirografários, têm-se os créditos subordinados, a saber: os assim previstos em lei ou em contrato; os créditos dos sócios e dos administradores sem vínculo empregatício (Art. 83,VIII da LRF).

Entre os créditos subordinados previstos em lei, o mais comum é a debênture subordinada, previsto no art. 58, §4º da Lei nº. 6.404/76.

Os créditos dos sócios e dos administradores sem vínculo empregatício se caracterizam por serem provenientes de pro labore, ou de investimentos feitos em forma de empréstimos.

No decorrer dos pagamentos, em caso de falta de capital, qualquer das classes poderá se sujeitar ao rateio, que significa que se no momento da realização dos pagamentos não houver capital suficiente para a satisfação dos créditos de forma integral, deverá o administrador judicial efetuar o pagamento parcial do débito, proporcionalmente ao crédito de cada credor.

Assim, concluída análise de todos os redores tratar-se-á especificamente dos créditos trabalhistas e dos reflexos trazidos aos trabalhados pela Lei 11.101/2005.

 

7 A INCONSTITUCIONALIDADE DA LIMITAÇÃO DOS CRÉDITOS TRABALHISTAS

 

Não haveria que se falar em Supremacia da Constituição e Hierarquia das Normas se não houvesse meios que os garantissem. Essa Supremacia da Constituição Federal Brasileira se dá pela sua rigidez, que requer um processo legislativo complexo e muito mais difícil de ocorrer que a das normas infraconstitucionais.

Por conta disso, a validade das normas infraconstitucionais está condicionada aos limites formais e materiais que a Constituição as impõe. Essas normas, se opostas a esses limites, não devem ser aplicadas, pois, não estariam de acordo com a ordem jurídica vigente.

Para que se tivessem meios de garantir essa não aplicação, foi Criado o Controle de Constitucionalidade. Bonavides (2002, p. 268) define a importância desse órgão da seguinte forma:

Sem esse controle, a supremacia da norma constitucional seria vã, frustrando-se assim a máxima vantagem que a Constituição Rígida e limitativa de poderes oferece ao correto, harmônico e equilibrado funcionamento dos órgãos do Estado e sobretudo à garantia dos direitos enumerados na lei fundamental.

 

 

As normas infraconstitucionais podem ser contaminadas pela inconstitucionalidade formal ou material. A inconstitucionalidade formal é aquela em que há desobediência do processo de formação das leis, ou seja, não se observam as normas disciplinadoras do processo legislativo. Já a inconstitucionalidade material é aquela em que o conteúdo da norma ofende a Constituição Federal.

No caso do presente trabalho estamos diante de uma inconstitucionalidade material, como pode-se concluir pelo demonstrado no tópico anterior.

Para que se possa efetivar o controle de constitucionalidade a própria Constituição Federal trouxe alguns instrumentos, quais sejam: ação direta de inconstitucionalidade, ação direta de inconstitucionalidade por omissão e ação declaratória de constitucionalidade.

A Ação Direta de Inconstitucionalidade é um instrumento processual capaz de promover o Controle de Constitucionalidade pela via direta visando garantir a supremacia das normas constitucionais.

Segundo Silva Neto (2006, p. 160) “a ação direta de inconstitucionalidade é a mais conhecida e, de longe, a mais utilizada. Serve para retirar do ordenamento jurídico norma ou ato do Poder Público que colida com dispositivo constitucional.”

Com a sanção da Lei 11.101/05, visando garantir os dispositivos constitucionais algumas Ações Diretas de Inconstitucionalidade foram propostas, muitas não foram conhecidas, mas, encontra-se no STF a Adin nº. 3424 proposta pela Confederação Nacional das Profissões Liberais.

Dentre as normas constitucionais citadas nesta ação encontra-se o art. 1°, IV, que homenageia o valor social do trabalho; o art. 6º que qualifica o trabalho como direito social; o art. 7°, principalmente o inciso X, o art. 170 e o art. 193 que dispõe: “A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais.”

A petição (Adin n° 3424) continua com o seguinte texto:

Não se aleguem que os princípios constitucionais em apreço são meramente programáticos e, portanto, não impositivos ao legislador ordinário. Essa velha concepção constitucional tornava letra morta grande parte das cartas fundamentais. [...] O entendimento contemporâneo converge no sentido do reconhecimento da maior densidade possível aos princípios constitucionais, aos quais o legislador ordinário deve necessária e ideologicamente, acomodar-se.

 

 

Sobre a citada Adin, manifestou-se o procurador-geral da República, Claudio Fonteles (Parecer da PGR), que a Nova Lei de Falências é constitucional, dando parecer contra a Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pela CNPL. Após citar o parecer do Senado afirma:

 

Diante desses convincentes argumentos, tem-se que os princípios constitucionais concernentes à proteção ao trabalho e aos direitos dele decorrentes, reputados ofendidos pela autora, foram, na verdade, reafirmados pelo novo inciso que estabeleceu o valor limite de 150 salários-mínimos, bem como pelo dispositivo legal que considera como quirografário o crédito excedente.

 

 

Infelizmente, nesse sentido se manifestou a Procuradoria Geral da República, diminuindo a esperança dos trabalhadores. Ademais, não houve outras manifestações conhecidas, e esperamos que não sigam a mesma direção do Senado e da PGR.

O reconhecimento da inconstitucionalidade pelo STF é ato que não só irá preservar a soberania da Constituição, como também garantir os direitos por ela concedidos a classe trabalhadora.

 

8 CONCLUSÃO

 

Tendo em vista as considerações feitas no decorrer do trabalho, tem-se que o Poder Legislativo, ao criar a Nova Lei de Recuperação de Empresas e Falência realmente deixou de observar os princípios e normas constantes do nosso ordenamento jurídico, afastando assim a equidade e a proporcionalidade no processo legislativo da citada lei.

Talvez isto tenha ocorrido propositalmente, para que assim se pudessem atender aos interesses do Poder Executivo e dos entes econômicos nacionais e internacionais que esperavam uma maior segurança econômica e jurídica a partir da Nova Lei. Este resultado parece ter sido atingido, pois, ultimamente o Risco Brasil tem sido um dos mais baixos de todos os tempos.

Estes objetivos, entretanto, tiveram que ser buscados nas entrelinhas, ao se relacioná-los com a limitação dos créditos trabalhistas, já que, foi apenas na justificativa da priorização dos créditos com garantia real – que têm as instituições financeiras por credoras na maioria dos casos – sobre os créditos tributários que eles foram explicitados.

A justificativa de que a limitação dos créditos trabalhistas veio para proteger os créditos dos pequenos trabalhadores em detrimento das fraudes que os altos empregados cometiam, para assim poder receber, de forma indevida, altas quantias, não foi muito convincente, afinal, outros meios que permitam a fiscalização dos credores podem ser criados, além dos que já existem, inclusive na própria LRF, no seu art. 19.

Em verdade, essa limitação se deu por conta da pressão exercida pelos entes econômicos e pelo próprio poder executivo, que esquecendo dos fundamentos e princípios contidos na própria Constituição Federal, priorizou o crescimento econômico do país à proteção ao trabalhador.

Que engano! A economia do país nunca poderá se desenvolver dissociada da Força de Trabalho. Na verdade a base de toda a economia é a classe trabalhadora. Sem ela não existiria nem mesmo as empresas que em caso de viabilidade econômica a Nova Lei pretende manter funcionando.

Economia forte, na verdade se terá quando, em observando as garantias dadas aos trabalhadores, fazemo-los fortes, gerando então uma forte mola propulsora. Garantindo uma remuneração digna - pois como se sabe o trabalhador brasileiro é um dos pior remunerado no mundo - estes trabalhadores poderiam movimentar a economia através do aumento do consumo, que conota uma melhor qualidade de vida.

A má influência que o capitalismo exerceu sobre a Nova Lei de Falência, fez com que fossem ofendidos princípios basilares de todo o Ordenamento Jurídico, e estabelecidos em nossa Constituição, como o da razoabilidade, do valor social e econômico do trabalho, entre outros, ficando claro que a lei está contaminada pelo vício da inconstitucionalidade.

E infelizmente esse vício veio atingir uma das classes mais frágeis da nossa sociedade, que por meio de sangue e suor vinha conquistando seus direitos e preservando-os quase inatingíveis por força da sua introdução na Constituição Federal. Não podemos esquecer que as grandes mudanças sociais surgiram de movimentos promovidos pela classe trabalhadora. Atingiu-se, entretanto, seu escudo, a Constituição Federal, ferindo mais uma vez a classe operária.

Nenhuma justificativa, por mais convincente que seja, como colocou o Procurador-geral da República no seu parecer sobre a Adin 3424, referindo-se às justificativas constantes do Relatório do Senador Ramez Tebet, será apta a promover a constitucionalidade da restrição sofrida pelos trabalhados no seu direito.

Se é segurança e crescimento econômico que se que atingir, que se fortaleça a base, a classe trabalhadora. Investidores irão aparecer, mas aí teremos economia auto-suficiente e não precisaremos ceder às suas pressões, mas negociar com igualdade.

Se são as fraudes que queremos combater, temos que começar pela verificação profunda do próprio requerimento de falência, que não é novidade que a própria muitas vezes é usada para burlar a execução trabalhista.

E sendo a falência legítima, promover uma fiscalização eficiente, o tocante à verificação de todos os créditos, uma vez que, as fraudes nesse caso não acontecem apenas pela simulação de altos créditos pelos altos funcionários, mas também por pequenos “laranjas” que figuram na falência como empregados resgatando para os empresários valores que também não seriam legítimos.

Por último, se faz necessário considerar os trabalhadores, que com muito esforço buscaram se especializar, fazendo jus a uma remuneração congruente com seu trabalho. Para estes também não seria justa uma limitação dos seus créditos, por agirem de boa-fé e serem legítimos os valores a eles devidos, todavia, são os que mais provavelmente verão seus direitos cerceados, já que pelo valor da sua remuneração, é certo que atingiria o limite de cento e cinqüenta salários.

Espera-se que como esse trabalho se tenha atingido o seu objetivo, qual seja, contribuir para que fosse reconhecida a injustiça que está sendo dirigida aos trabalhadores ao se limitar o recebimento dos seus créditos com prioridade sobre todos os outros.

Cumpre aguardar-se que o STF, reconheça também a inconstitucionalidade desde mandamento normativo, garantindo assim por meio de sua retirada do ordenamento jurídico a satisfação dos direitos dos trabalhadores.

 

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