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Desenvolvimento Histórico do Processo Penal no Brasil e no Mundo


Autoria:

Evander De Oliveira Silva


É estagiário de Direito e trabalha no mercado financeiro e de capitais. É aluno do último período da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo.

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Resumo:

O presente artigo visa abordar o desenvolvimento histórico do Processo Penal no Brasil e no Mundo e suas influências na atual legislação adjetiva penal brasileira.

Texto enviado ao JurisWay em 17/11/2014.

Última edição/atualização em 21/11/2014.



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Desenvolvimento Histórico do Processo Penal no Brasil e no Mundo

 1. O desenvolvimento do processo penal no mundo

 1.1 Processo Penal na Grécia

 

Assim como os romanos, os gregos distinguiam os crimes públicos, como sendo aqueles que prejudicavam a coletividade, e os crimes privados, que produziam pouca lesão para o Estado. Os primeiros, sendo mais graves, não poderiam ficar a mercê do ofendido, ao contrario do segundo que dependia exclusivamente da iniciativa da parte. Os cidadãos gregos participavam diretamente no exercício da acusação e da jurisdição através da oralidade e da publicidade dos atos.

 

A Assembléia do Povo e o Senado recebiam as denúncias dos delitos graves cometidos contra a cidade. Depois de recebida a denuncia, um cidadão era escolhido para proceder com a acusação. Posta a acusação, as provas e o juramento, seria estabelecido o Tribunal competente para o julgamento além das pessoas que o iriam compor. Curioso o fato de que o juiz procederia como mero árbitro de uma luta entre as partes, pois votavam sem ao menos deliberarem a respeito. Se houvesse empate, o acusado seria absolvido.

 

 

1.1.1 Importantes Tribunais gregos

 

 

Os principais e mais importantes Tribunais gregos eram os da Assembléia do Povo, o Areópago, o Tribunal dos Éfetas e o Tribunal dos Heliastas.

 

A Assembléia do Povo recebia a competência de julgar crimes políticos gravíssimos, não havendo nenhuma espécie de garantia para o acusado. O Areópago julgava os crimes de homicídio premeditados, incêndios, traição e os que culminassem em pena capital. O Tribunal dos Éfetas compunha-se de cinqüenta e um Juízes, dentre membros do Senado, e recebia a competência de julgar os homicídios involuntários e não premeditados. Por fim, o Tribunal dos Heliastas exercia a jurisdição comum.

 

Não raro, compunham um só julgamento, 100, 500, 1.000 e até mesmo 6.000 juízes, devido ao fato de acreditarem que quanto maior o numero de cabeças, mas próximo de ser feita justiça.

 

 

1.2 Processo Penal em Roma

 

 

Como exposto anteriormente, os romanos faziam distinção entre os delicta publica e os delicta privata e assim, havia o Processo Penal Público e o Privado (que logo foi abandonado quase totalmente). No Processo Público o Estado participava como sujeito de repressão enquanto que no Privado ele assumia apenas o papel de árbitro para solução do litígio entre as partes.

 

No período monárquico não havia nenhum tipo de limitação ao poder de julgar. O próprio magistrado iniciava as investigações, após receber a notitia criminis, e impunha a pena sem nenhuma garantia para o acusado. Para frear o arbítrio do juiz, surge uma espécie de apelação intitulada de provocatio ad populum. Com ela, o acusado poderia recorrer da decisão para o povo reunido em comício.

 

No período republicano surge a accusatio. Estabelecia que qualquer cidadão possuía o direito de acusar, exceto os Magistrados, mulheres, os menores e pessoas que não possuíssem “garantias de honorabilidade”.

 

O processo iniciava-se com a postulatio. Verificava-se se o fato alegado constituía crime e se havia algum tipo de obstáculo para se seguir com o processo. Se fosse admitida, iniciava-se a inscriptio. Era então a postulatio inscrita no Tribunal, e, uma vez assim feita, o acusador não poderia mais desistir da demanda. Caso apresentasse fatos falsos na acusação, incorreria no crime de calunia e seria punido.

 

O Tribunal era primeiramente composto por membros do Senado e depois por cidadãos com elevadas condições morais, sociais e econômicas. No inicio, a votação era feita oralmente. Depois passou a ser secreta, recebendo cada juiz uma tabua na qual deveria escrever A (absolvo) , C (condeno) ou N.L (non liquet / abstenho-me).

 

Com o Império, surgiu uma nova forma de processo: a cognitio extra ordinem. Nela, o poder dos magistrados foi de tal forma exacerbado que em determinado período as funções do Ministério Público e do Juiz reuniram-se em um mesmo órgão do Estado. Com o tempo a accusatio tornou-se um problema, pois um instrumento de justiça e a garantia de acusar tornaram-se meio de despotismo e opressão. Os delatores ficaram sendo mal vistos perante a sociedade.

 

Essa espécie de processo, a cognitio extra ordinem, introduziu a tortura como forma de obtenção de confissões que eram utilizadas não apenas no réu, mas também nas testemunhas para que não mentissem.

 

 

1.3 Processo Penal entre os germânicos

 

 

Assim como na Grécia e em Roma, os germânicos diferenciavam os crimes públicos e os privados. A justiça publica era administrada por Assembléia formada pelo rei, príncipe, duque ou conde.

 

A confissão era tida como condenação absoluta. Se o réu confessasse, seria condenado. O ônus da prova cabia ao réu e não ao autor, ou seja, o réu deveria provar sua inocência sob pena de ser condenado.

 

Os principais tipos de provas eram os ordálios, ou Juízos de Deus, e o juramento. Caso o acusado jurasse que não havia praticado o crime e esse juramento fosse reforçado pelos juízes que declaravam sob juramento que o réu era incapaz de afirmar algo falso, tal era a forca da crença de que Deus castigaria quem jurasse em falso.

 

Havia outros Juízos de Deus como as purgationes vulgares, como o da água fria e o da água fervente. No primeiro, jogava-se o acusado na água e caso submergisse, era inocente; se permanecesse na superfície, era culpado. No segundo, fazia-se o réu colocar o braço na água fervente, caso não sofresse nenhuma lesão, era inocente.

 

 

1.4 Processo Penal na justiça eclesiástica

 

 

A jurisdição eclesiástica aparece como ferramenta para defender os interesses da Igreja e livrar os clérigos da jurisdição secular. Até o século XII o sistema acusatório estava em voga, ou seja, não havia juízo sem acusação. O acusador deveria apresentar a acusação por escrito e provas a um dos membros do clero competente para tal função.

 

A partir do século XIII, o sistema mudou de acusatório para inquisitório. Dessa mudança resultou a abolição da acusação em crimes de ação pública, bem como a publicidade do processo. Assim, o juiz procedia ex oficio e em segredo. Não se admitia defesa, vez que esta poderia interferir na busca da verdade. Qualquer denúncia era o bastante para que o processo fosse iniciado.

 

Tal sistema foi, paulatinamente, transformando-se em um instrumento de dominação política. O processo poderia partir de uma denúncia anônima ou do próprio julgador, ou seja, em muitos casos era iniciado de ofício e o acusado torturado até que confessasse o crime que teoricamente havia cometido.

 

No século XVIII, protagonizado por Montesquieu, surgia um movimento contra o sistema inquisitório, baseado na proibição da tortura e no direito à defesa. Por fim, em 1789 com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, tais ideias iluministas foram acatadas e a Inquisição chegou ao fim.

 

 

1.5 Processo Penal na Revolução Francesa e seus efeitos

 

 

No período pós revolucionário foram adotadas três jurisdições distintas. Tribunal municipal para delitos, tribunal correcional para contraversões e o tribunal penal para crimes.

 

A ação penal era sempre pública e exercida pelo Ministério Público, assim, o ofendido só poderia ajuizar uma ação para ter o seu dano ressarcido.

 

Sucedeu essa época, no campo do Processo Penal, uma mistura entre o sistema acusatório e inquisitivo. O processo era composto por três fases: Polícia Judiciária, instrução e julgamento. Os princípios do sistema inquisitivo poderiam ser encontrados na fase de instrução. O processo desenvolvia-se em segredo e sem contraditório. Na sessão de julgamento tornava-se acusatório o processo: oral, público e contraditório.

 

No século XIX, a partir de um movimento com o objetivo de extinguir o sistema inquisitivo do Processo Penal, surgiram alguns mecanismos processuais que permitiam o direito à defesa na fase de instrução.

 

De 1930 para cá o liberalismo exerceu tal influencia na França que o caráter inquisitivo voltou a ter lugar na instrução criminal.

 

 

1.6 Conclusão

 

 

Pelo panorama apresentado podemos concluir que, no desenvolvimento histórico do processo penal, vigoraram três sistemas: o acusatório, o inquisitivo e o misto.


2. O desenvolvimento do processo penal no Brasil

 

 

2.1 O Código de Processo Penal

 

No âmbito do processo penal, nossa primeira legislação codificada foi o Código de Processo Criminal de Primeira Instância, no ano de 1832.  Porém o período mais significante para o Processo Penal Brasileiro foi em meados do século XX.

 

Foi em 1941 que o Código de Processo Penal foi criado, continuando atual quanto à vigência.

 

A elaboração do Código de Processo Penal brasileiro foi inspirada na codificação processual penal italiana da década de 30.  Nessa época a Itália estava em pleno regime fascista. Com isso, culminou  na elaboração de um código com bases extremamente autoritárias.

 

Para ilustrar esse aspecto absolutamente autoritário do Código de Processo Penal, a redação primitiva nos trazia que até a sentença absolutória, ou seja, aquela que julga improcedente a pretensão  de punir, não era suficiente para reestabelecer a liberdade do réu, dependendo do grau da infração penal (antigo art. 596, CPP). Da mesma forma, dependendo da pena que era abstratamente culminada ao fato culminada ao fato, uma denúncia, quando era recebida, era decretada automática e obrigatoriamente a prisão preventiva do acusado, como se fosse realmente culpado (antigo art. 312, CPP).

 

Portanto, podemos perceber que o princípio que norteava  o Código de Processo Penal, então, era o da presunção de culpabilidade, (o acusado era tratado como potencial e virtual culpado) o que não era de se estranhar, devido ao fato de que o Código  foi inspirado em uma cultura  de poder fascista e autoritária, que era do regime italiano da década de 1930.

 

Até aqui estamos tratando da redação originária do Código de Processo Penal Brasileiro.

 

Na década de 70, houve grandes alterações no Código de Processo Penal Brasileiro, dentre elas:

 

      Lei nº 5.349767, flexibilização das inúmeras regras restritivas do direito à liberdade.

 

Nesse século, podemos  citar:

 

      Leis nº 11.689, 11.690 e 11.719, todas de junho de 2008, grandes alterações e ajustes processuais.

 

      Lei nº 12.404/2011: alinhamento do Código com as determinações constitucionais em temas essenciais (ex: prisões provisórias tem que ser exceção, devendo o magistrado preferir por medidas cautelares diversas).

 

 

2.2 A Constituição da República  e o Código de Processo Penal

 

 

Como vimos anteriormente, até a década de 70, o Código de Processo Penal era nitidamente autoritário, porém a constituição da República de 1988, caminhou em direção oposta.

 

O novo texto constitucional, instituiu um sistema de amplas garantias individuais, enquanto que o Código de Processo Penal pautava-se pelo princípio da culpabilidade e da periculosidade do agente, a começar pela afirmação da situação jurídica de quem ainda não tiver reconhecida a sua responsabilidade penal por sentença condenatória transitado em julgado: “ninguém será considerado culpado até o  trânsito em julgado da sentença penal condenatória”(art.5º, LIVV, CF).

 

A mudança foi significativa,  fazendo com que a nova ordem exigisse de que o processo não fosse mais conduzido como instrumento da aplicação da lei penal, mas além disso, que se transformasse em um instrumento de garantia do indivíduo perante ao Estado.

 

Esse devido processo penal constitucional, busca realizar uma justiça Penal submetida à exigência de igualdade efetiva entre os litigantes. Com o processo devendo sempre se atentar para a desigualdade material.

 

Ao Estado deve interessar tanto a absolvição do inocente quanto a condenação do culpado, e com a Constituição de 1988 o Ministério Público, passou a ser considerado uma instituição independente  tendo a função de defender a ordem jurídica, e não apenas os interesses da função acusatória, devendo atuar com imparcialidade, reduzindo-se a sua caracterização conceitual de parte ao campo específico da técnica processual.

 

 

2.3 Modificações legislativas mais significantes.

 

 

      Lei 11.689, de 10 de junho de 2008 ,  modificou inteiramente o rito procedimental do júri;

 

      Lei nº 11.690 de 10 de junho de 2008, alterou o tratamento das provas;

 

      Lei 11.719, de 20 de junho de 2008, promoveu ampla modificação nos ritos e procedimentos;

 

      Lei nº 11.900/09, cuidou de diversas modalidades de interrogatório;

 

      Lei nº 12.015 e 12.033,  publicizaram a ação penal nos crimes contra a dignidade sexual e contra a honra , quando consistente, no último caso, na utilização de preconceito de cor, raça, origem, etnia, idade ou deficiência da vítima.

 

      Lei 12.403 de 5 de maio de 2011, tratou e introduziu diversas medidas cautelares pessoais no Brasil, apresentado alternativas efetivas e concretas às prisões cautelares.


3. Conclusão

 

 

Com base no que foi abordado anteriormente, nossa legislação processual permanece ligada à codificação elaborada em 1941, com muitas modificações até os dias atuais. Sem essas modificações estaríamos inseridos numa teoria extremamente autoritária , porém ainda aguarda-se reforma mais atualizadas. Nesse sentido temos tramitando no Congresso Nacional o PLS nº 156 (PL nº 8.045/10), cuidando da elaboração de um novo Código de Processo Penal.

 

Portanto, o código elaborado em 1941 “refletia uma mentalidade tipicamente policialesca, própria da época, em absoluto descompasso com a Constituição da República”. (PACCELI,  2013,  pg. 1,)


Referências bibliográficas:

 

PACCELLI,  Eugênio. Curso de Processo Penal. 18 ed. São Paulo: Atlas, 2014.

 

Tourinho Filho, Fernando da Costa. Processo Penal. 35 ed. São Paulo: Saraiva, 2013. 1 vol.

 

 

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